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Paulo Hartung: A hora da bioeconomia

Temos de trabalhar em rede em prol da reinvenção dos modos de habitar a Terra

Utilização de materiais de origem fóssil, emissão de gases de efeito estufa, mudanças climáticas, desastres naturais... Precisamos superar o círculo vicioso dessa necroeconomia, que põe o nosso futuro em risco. Já não basta mudar, é necessário revolucionar. Transformar a maneira de fazer negócios, consumir, construir, enfim, viver. Já passou da hora de entrarmos de vez no círculo virtuoso da bioeconomia.

Nesse desafio, é preciso que as instituições – governos nacionais, organismos multilaterais, corporações, empresas, ONGs e outras forças da sociedade, como a academia – apressem o passo para não serem atropeladas pelas mudanças que já estão em andamento. Não há mais espaço para esforços individuais ou desarticulados. O mundo tem urgência por resultados práticos e só a mobilização compartilhada pode garantir um horizonte para o nosso planeta.

Estive na Bélgica, onde conheci o Instituto de Biotecnologia de Flandres – Vlaams Instituut voor Biotechnologie (VIB) –, numa região próxima à fronteira com a Holanda. A entidade construiu um sistema de governança bastante interessante e formatado de modo a reunir diferentes atores sociais em torno da inovação sustentada pelo conceito de bioeconomia. O local é financiado pelo governo, mas atua em parceria com empresas e cinco universidades. São 51 milhões de euros de investimento entre 2017 e 2021.

Em Ghent, também na Bélgica, visitei a Bio Base Europe Pilot Plant, biorrefinaria que é mais um exemplo a ser seguido. Investimento do governo local, o espaço está à disposição de empresas e da academia para pesquisa e desenvolvimento de soluções que tenham em seu DNA o aproveitamento de resíduos biológicos que substituam matéria-prima agressiva ao meio ambiente.

Altamente tecnológica, a biorrefinaria já recebeu mais de 120 companhias da Europa, da Ásia e das Américas que pesquisaram ou desenvolveram soluções inovadoras e fundamentais. Dali já saíram biocombustíveis, bioquímicos, bioadesivos, cosméticos, solventes, ingredientes para alimentos e medicamentos, entre uma infinidade de outros itens que em breve estarão no dia a dia da sociedade ajudando a migração para a bioeconomia. Sem uma companhia por trás da Bio Base Europe Pilot Plant, as empresas sentem-se confortáveis para desenvolver projetos, seguras da confidencialidade necessária para o avanço de pesquisas e obtenção resultados.

No Brasil não falta potencial e temos muito campo para avançar. Dentro do País há potencialidades e cases que demonstram ser possível mergulhar no mundo da bioeconomia e ter um papel de liderança nesse tema.

Quando o assunto é biomassa, as oportunidades são ainda maiores. O setor florestal nacional é referência em árvores cultivadas para fins industriais e seus resíduos têm alto valor.

A economia circular já faz parte do processo produtivo dessa indústria. Tocos de árvores, galhos e outros resíduos são utilizados para gerar energia, por exemplo. Na indústria de papel a reciclagem é muito forte.

O momento é propício. As novas gerações estão mais conectadas à sustentabilidade, conscientes de seu papel e da necessidade de assegurar um futuro para a humanidade. Essa garotada vai definindo novos padrões de consumo, com exigências que já se tornam o novo normal: menos produtos de plástico e de origem fóssil em geral, com explicitação de requisitos como reciclabilidade, renovabilidade e compostagem, com uma visão da circularidade da economia e crescente intolerância ao desperdício e ao single use.

A COP-25, em Madri, resume bem o momento. Não foi realizada no Brasil nem no Chile e coube à Espanha correr contra o tempo para evitar que a conferência se mostrasse de todo irrelevante do ponto de vista de seus resultados concretos e considerando que em aspectos centrais da implementação do Acordo de Paris, especialmente a aprovação do artigo 6 – mercado de créditos de carbono –, persistiu um impasse.

O fato é que a lógica das negociações multilaterais, como são as conferências da ONU sobre mudanças climáticas, por sua própria natureza e dimensão, na prática, estão na contramão de qualquer ideia de urgência.

No Brasil ainda precisamos sentar à mesa e pensar estrategicamente nesses assuntos, que são fundamentais para nosso futuro. Não há problema algum em olhar para fora de nossas fronteiras e nos inspirarmos.

Nesse sentido, a União Europeia lançou em Madri o documento The European Green Deal, com diretrizes para tornar a região neutra de carbono até 2050. A China até poucos anos atrás era um exemplo de degradação ambiental. Hoje se tornou um case de sucesso: suas metrópoles já não apresentam o ar irrespirável de antes, seu sistema de transporte coletivo vai adotando a eletricidade... Nos EUA, circunstancialmente afastados dos debates globais sobre economia de baixo carbono, os Estados subnacionais, a exemplo da Califórnia, já realizaram a reconversão de suas respectivas matrizes energéticas.

Somos uma potência ambiental e sem favor algum estamos predestinados ao protagonismo. Nosso desafio é nos reconectarmos em mutirão de mobilização colaborativa, para que possamos enfrentar e superar problemas inaceitáveis, ainda persistentes quando iniciamos a terceira década do século 21, em áreas decisivas à dignidade da vida, como educação e saneamento.

O fundamental no momento é uma visão cuidadosa, que, de fato, mire um futuro sustentável para o planeta, o que passa pela promoção e valorização de nossa caminhada civilizacional no rumo da economia circular e da bioeconomia. Aqui estou falando diretamente da sobrevivência de todos. Por isso temos de sair do discurso apequenado pelo viés ideológico e atrasado, passando a trabalhar em redes de cooperação em prol da reinvenção dos modos de habitar a Terra. Não podemos vacilar mais. O nosso futuro depende do agora.

*Economista, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), foi governador do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)


Paulo Hartung: A reforma do Estado e a refundação do Brasil

É preciso reconstruir a nossa máquina governativa, em todos os seus estratos

A impositiva mudança de rumo na História do Brasil passa necessariamente pela refundação do Estado. Para entrarmos no trilho que nos poderá levar a um caminho de prosperidade compatível com nossas potencialidades é preciso reconstruir a máquina governativa, que, ao longo dos séculos, dá prioridade ao patrimonialismo e ao privilégio, desviando-nos do caminho da igualdade de oportunidades, da inclusão social e do desenvolvimento socioeconômico sustentável.

A dramática realidade de desigualdade e baixa mobilidade social remonta a uma sociedade constituída sobre o colonialismo e o escravagismo. Construímos um país que ostenta distância abissal entre quem tem acesso à instrução e aos bens e serviços do progresso e os empobrecidos que quase nada têm para subsistir e cuja possibilidade de ascender a outra posição socioeconômica é quase nula.

Isso tem muito que ver com a estrutura de Estado que vem sendo historicamente montada. Para não nos afastarmos muito na linha do tempo, basta olhar para o getulismo, a ditadura militar e a Constituinte de 1988 e perceberemos o vulto fortalecido de um Estado concentrador de renda e de oportunidades, e perversamente promotor de desigualdades.

Neste modelo injusto de organização governativa se sustentam desde a oferta precária da educação básica, passando pela constituição de insustentáveis sistemas tributário e previdenciário, até a manutenção de inconcebíveis privilégios em corporações/carreiras de Estado.
Entendo que chegamos ao término desse ciclo. Estamos num fim melancólico produzido por absoluta crise de sustentabilidade fiscal. Não há recursos públicos suficientes para financiar este modelo de Estado, caro, injusto e ineficiente.

Os nefastos efeitos socioeconômicos dessa desvirtuosa estrutura governativa se somam a uma série de fatores contingenciais e o que tivemos em 2018 foi um processo eleitoral esvaziado da política em seu sentido estrito. Ao se avizinharem as eleições municipais de 2020, soam os alarmes da emergência democrático-republicana.

O Brasil, depois de um ciclo de potente crescimento, originado com o Real e dinamizado pelo boom das commodities, entrou em grave recessão. Com o equivocado manejo da política econômica aprofundando a crise de 2008-2009, vivemos uma brutal crise no emprego e na geração de renda, incrementando a tragédia nacional das camadas historicamente marginalizadas da população. Some-se a essa cena o déficit de lideranças políticas que vem assolando o País já há algum tempo. Há um vazio crescente na seara de líderes que pensem, formulem e inspirem a modernização do Brasil em termos contemporâneos nos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais.

Deve-se, ainda, inserir nesse rol de complexidades a crise, vivida planetariamente, da democracia liberal, em tempos de alta conectividade digital em rede. Como bem formulado por Manuel Castells, “na raiz da crise de legitimidade política está a crise financeira, transformada em crise econômica e do emprego, que explodiu nos EUA e na Europa no outono de 2008”.

Como diz o pensador, essa crise política é global, mas também tem colorações nacionais. A brasileira, por exemplo, agravou-se assustadoramente por uma série de equívocos na gestão de políticas econômicas em ambiente atravessado por práticas de corrupção endêmicas. Esse conjunto explosivo nos jogou no fosso da mais grave recessão econômica de nossa História e só ampliou o descrédito da política.

Assim, nesse turbilhão de fatores desconcertantes da vida nacional, tivemos um processo eleitoral que não debateu o País, suas questões e suas oportunidades. Em vez de política genuína, tivemos embates de extremismos com conteúdos desimportantes para a cidadania e o desenvolvimento, dinamizados por redes sociais alimentadas por fake news, ódio e intolerância.

Olhar para a frente é buscarmos eleições em 2020 dignas de serem chamadas de republicanas, centradas que devem ser em ideias e em meios de se fazer prevalecer o bem-estar e o interesse comum. Mirar um futuro diferente do presente e muito distanciado do passado é incrementar os passos reformistas.

Nessa impositiva caminhada de reinvenção democrático-republicana nacional, precisamos fazer avançar as reformas estruturantes do Estado. É necessário reconstruir nossa máquina governativa, em todos os seus estratos. É preciso mudar a vocação de nosso Estado, fazendo de suas principais potencialidades não a promoção de privilégios e desigualdades, mas a indução de prosperidade para todos.

Precisamos que a reforma vá além de ajustes no mapa de arrecadações e responsabilidades governativas. Temos um Estado ineficiente para comprar, contratar e remunerar. Precisamos modernizar as máquinas de governo, dando-lhes capacidade de resposta, possibilitando-lhes agilidade nas entregas e fixando custos compatíveis com a realidade brasileira.

É necessário digitalizar os governos, promovendo o reencontro do modus operandi das institucionalidades com o modus vivendi da sociedade, infundindo eficiência e resolutividade às máquinas públicas e conectando os governos ao mundo em que o universo da produção já opera há muito.

Noutra frente, é preciso que se estabeleça um estável ambiente jurídico-normativo que inspire e torne viável o incremento da participação de empreendedores nacionais e estrangeiros, incluindo parcerias público-privadas, na dinamização da economia nacional.

Na urgente jornada de reinvenção da História brasileira, esse conjunto de reformas modernizantes do Estado é passo decisivo para que tomemos um caminho cujo horizonte seja um País contemporâneo do nosso tempo, verdadeiramente democrático e republicano, digno de nossas possibilidades de desenvolvimento humano e econômico, uma Nação de justiça social e inclusão autônoma e produtiva.

*Economista, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), membro do Conselho do Todos Pelaeducação, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)


Paulo Hartung: Investimento verde

Clima é economia na veia, é oportunidade para o Brasil e para os brasileiros

Os recorrentes abalos ético-políticos no âmbito das institucionalidades, somados à instabilidade econômica que assola o Brasil ao longo de tantos anos, vêm incrementando dia a dia as dificuldades para a retomada do desenvolvimento no País. Uma crise fiscal profunda cerca de 12,6 milhões de desempregados.

Queda de renda e muita desconfiança com relação ao nosso futuro mantêm um horizonte de prosperidade vicejante como pura miragem. A perspectiva é de crescimento tímido, mesmo quando concluída a reforma da Previdência.

O governo adotou medidas para tentar acelerar a retomada, como a liberação de saques do FGTS e o incentivo à Semana do Brasil. Mas o caminho seguro para crescer é o investimento. E nessa rota do desenvolvimento há uma estação de parada obrigatória: a efetivação das reformas estruturantes, como a tributária, reforma de RH dos governos e privatizações, entre outros.

Somente pela refundação de leis e marcos regulatórios nacionais nos tornaremos um país viável a investimentos de relevância e na medida de nossas necessidades e oportunidades. Esse é o meio para impulsionar projetos e obras que criem oportunidades, restabeleçam a confiança na economia e ponham o Brasil, novamente, no rumo do desenvolvimento.

É urgente consertar as contas públicas na União, nos Estados e municípios. É preciso criar um ambiente de negócios sustentado por segurança jurídica, transparência e contemporaneidade com o mundo integrado que hoje experimentamos.

Mas não dá para ficarmos parados enquanto o País tenta atualizar-se. Em face da baixíssima capacidade de investimento público, este é o momento de setores maduros, que trabalham alinhados ao conceito de bioeconomia, fazerem aportes significativos na produção de riqueza no País, sinalizando que o futuro é inovação, sustentabilidade, competitividade e produtividade.

A indústria de árvores cultivadas para fins industriais, um setor nacional competitivo e integrado às cadeias globais, tem investimentos de R$ 32 bilhões previstos até 2023, com geração de 36 mil empregos nas obras e 11 mil vagas fixas na operação dos empreendimentos. Esse é um setor que, mesmo no período entre 2014 e 2017, quando a crise atingiu seu ápice e diversos segmentos apresentaram retração, investiu mais de R$ 20 bilhões no Brasil.

A Klabin, com investimentos na cidade de Ortigueira (PR) de R$ 9,1 bilhões, deve criar 9 mil empregos no período de expansão da fábrica. A Berneck iniciou as obras da nova unidade da empresa, que produzirá MDF e serrados, em Lages (SC), com mais R$ 850 milhões investidos. Em Mato Grosso do Sul, a Eldorado planeja uma usina de energia renovável, movida a biomassa, com investimento de R$ 350 milhões, que deve empregar 1.500 pessoas nas obras. Em Três Barras (SC), a WestRock está desembolsando mais R$ 1,2 bilhão, com 2.700 vagas temporárias.

Não para por aí. A Bracell aplica R$ 7,5 bilhões no interior de São Paulo, em Lençóis Paulista, que deve gerar 7,5 mil vagas no período de implantação. Já a Duratex, com investimentos de R$ 3,5 bilhões em Araguari (MG), abrirá mais 6,5 mil vagas. Nestes dois casos, as empresas trabalharão com celulose solúvel, produto inovador, que é capaz de produzir lenços umedecidos e tecidos finos para confecções.

Mais dois investimentos foram anunciados no Nordeste, um projeto da WestRock e outro da Klabin, mostrando a amplitude de regiões que essas iniciativas cobrem. São duas novas fábricas de embalagens de papel, importantes protagonistas da bioeconomia. Esse setor, aliás, é crucial para a entrega de produtos renováveis, biodegradáveis, e contribui para as metas do Brasil no Acordo de Paris e os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU. É importante mencionar também a conclusão da fusão Suzano- Fibria no início de 2019, uma empresa que nasceu como a maior produtora de celulose de fibra curta do mundo.

Mas não adiantará investirmos altos valores se não cuidarmos do futuro. É necessário rever a maneira de fazer negócios, pensar em alternativas a materiais de origem fóssil.

Nesse sentido, os serviços ambientais realizados pela floresta em pé têm muito valor, até para girar a economia. As florestas são responsáveis por remover e estocar carbono, produzir o oxigênio que respiramos, conservam solo e água. Servem de hábitat para a biodiversidade. Tudo isso contribui para um regime de chuvas e clima mais estáveis, evita pragas e doenças, entre outros aspectos que impactam as atividades de uso da terra. O Brasil é uma potência ambiental.

A COP-25, que será realizada em Santiago, no Chile, em dezembro, é a oportunidade para que governo, setor privado, ONGs e academia se unam para que o Brasil assuma o protagonismo ambiental e auxilie o mundo na mitigação das mudanças climáticas. Não é à toa que o tema deixou de ser pauta de uma área e passou a ser assunto estratégico. Clima é economia na veia, é oportunidade para o Brasil e para os brasileiros.

Precisamos garantir que o artigo 6 do Acordo de Paris, que regulamenta internacionalmente o mercado de carbono, seja finalizado em Santiago. O mercado de carbono, com uma política clara e bem definida, pode incentivar o setor produtivo, principalmente os pequenos empreendedores, a atuar como indutor da economia de baixo carbono.

Se quisermos concluir a travessia rumo à retomada do crescimento econômico, é preciso acelerar os investimentos de porte e sustentáveis. O governo, com baixa capacidade de investimento, deve evoluir com a aprovação de reformas estruturantes, que melhorem o ambiente de negócios. Assim se abre espaço para o avanço dos recursos da iniciativa privada. Mas é preciso investir com consciência e atuar com responsabilidade, cuidando do meio ambiente e trabalhando para que o Brasil modernize sua governança, garantindo às futuras gerações condições para a construção de uma nova nação.

*Economista, presidente da IBÁ, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)


Paulo Hartung: Ainda lidamos com o lixo como na Idade Média

Produtos de papel têm origem sustentável e podem retornar à cadeia produtiva

Cada vez mais se fala de bioeconomia e consumo sustentável. Esse novo paradigma é uma demanda que o mundo impõe à nossa geração, a última capaz de empreender ações para efetivamente diminuir o aquecimento global. Nossos netos e o mundo exigem comportamentos mais sustentáveis e isso passa pela adoção do consumo responsável.

A bioeconomia exige consumidores mais conscientes. Entender as nossas necessidades e estudar melhor os produtos que serão adquiridos. Essa nova dinâmica impulsiona a utilização de fontes renováveis e biodegradáveis nos produtos e nas embalagens. Esse caminho ganha impulso importante a partir das regulações estabelecidas em alguns países, como Reino Unido, Suíça, China, Índia, e até em cidades brasileiras que restringem materiais de recursos não renováveis. O consumidor passa a entender que a escolha na gôndola é muito importante e busca produtos de base biológica, produzidos a partir de recursos renováveis.

Ao empoderar o consumidor da sua responsabilidade, outra etapa importante, que muitas vezes fica longe da atenção de todos, ganha espaço, o descarte. Não podemos continuar descartando o lixo que produzimos como se fazia na Idade Média, colocando-o em ruas ou a céu aberto, ignorando as consequências desse gesto danoso e ultrapassado.

Diante da poluição global causada pelos resíduos sólidos, principalmente os provenientes dos polímeros derivados do petróleo, a adoção de melhores práticas e a migração para produtos de base renovável são o caminho. Produtos de papel têm origem sustentável e podem retornar à cadeia produtiva, mas também são facilmente compostáveis, sendo biodegradáveis em poucos meses.

Para incentivar que haja o correto descarte e os produtos não sejam enviados para aterros, quando poderiam ser reciclados, as indústrias investem no desenvolvimento da infraestrutura de coleta seletiva e nas cooperativas, na adaptação do seu parque fabril para a incorporação de fibras recicladas, e na educação ambiental das comunidades do entorno da sua operação. Só a Klabin, por exemplo, investiu cerca de R$ 400 milhões em aumento de capacidade de produção de papel reciclado, na cadeia de catadores e aparas e em educação ambiental.

O resultado é que o Brasil figura entre os maiores recicladores de papel do mundo, com 5,1 milhões de toneladas retornando ao processo produtivo por ano. A taxa de recuperação estimada é de 68%. De todo o lixo que é enviado para aterro normal, 13% ainda são papel. Apesar de uma participação relativamente baixa, o setor acredita que esse desempenho poderia ser melhor.

Muitos produtos de papel, que poderiam ser reciclados, não são destinados a esse fim. Por exemplo, aquela caixa da embalagem de bombons que tem origem sustentável pode e deve ter uma destinação correta, assim como caixas de leite, caixas de pizza (com atenção para as partes engorduradas, que não podem ser misturadas ao material reciclável) e outros produtos que estão no dia a dia e têm potencial para retornar à cadeia produtiva.

Mas nessa construção de corresponsabilidades não são apenas os consumidores e a indústria que estão envolvidos. É preciso entender que outros atores participam, como o poder público, o varejo e os importadores. Todos têm sua parcela de participação, ou ao menos deveriam ter. Nesse quesito, políticas públicas são imprescindíveis. Hoje, poucas são as cidades dos 5.570 municípios que fazem coleta seletiva. E a discussão da responsabilidade das importadoras ainda está em construção.

A bioeconomia é uma visão de futuro que requer o envolvimento e o amadurecimento de todos os participantes, além de trazer novos modelos econômicos, exigindo alta produtividade, tecnologia e inovação. E novamente o setor de florestas plantadas está trabalhando nesse sentido, com pesquisa e desenvolvimento. Um exemplo disso é a tecnologia em desenvolvimento de extração de celulose nanocristalina (CNC), produzida a partir de fontes renováveis para criar soluções de embalagens de papel mais sustentáveis e com barreiras biodegradáveis, ou seja, papéis e embalagens ainda mais resistentes e 100% recicláveis. O segmento também tem investido em novas rotas tecnológicas para aproveitamento integral da madeira, não somente para a produção de celulose, papel e energia, mas para usos dos demais componentes da madeira, como resinas e lignina em bases químicas renováveis, biodegradáveis e compostáveis.

Os produtos de base biológica, produzidos a partir de recursos renováveis, ganham espaço e são considerados o melhor e mais racional uso do capital natural disponível. Sabemos que o papel, em suas diversas utilizações, e os produtos de origem de árvores cultivadas serão protagonistas.

A cultura do consumo e o modo de vida baseado em extrair, produzir e descartar têm impactado negativamente o planeta. O Acordo de Paris, que foi aprovado por 195 países, incluído o Brasil, é um reconhecimento desse fato e busca fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima, reduzindo emissões de gases de efeito estufa e investindo no desenvolvimento sustentável.

Essa consciência extrapolou o espaço técnico e já pode ser vista nas megatendências planetárias, com a sociedade pautando escolhas por um mundo mais sustentável. Vemos isso nas preocupações crescentes de marcas globais com produtos mais amigos do meio ambiente, como McDonald’s, Coca-Cola, Pepsico e Nestlé.

Está mais do que na hora de todos incentivarem a consolidação desse modelo econômico que utiliza matéria-prima renovável e de baixa emissão de carbono. E convocar todos a serem responsáveis por sua parcela nessa nova realidade, investindo em consumo sustentável e, na outra ponta, praticar o descarte responsável, muito, muito distante das feições medievais que ainda caracterizam a destinação de lixo em nosso país.

*Economista, presidente da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), foi governador do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)


Paulo Hartung: Sustentabilidade: das ideias às ações transformadoras

Somos a última geração capaz de fazer a diferença

A geração de nativos sustentáveis já tem idade para fazer protesto. E aos herdeiros do planeta, com 11 a 16 anos, interessa a ação. Os novos e futuros líderes já se destacam no universo midiático com suas demandas, como a menina sueca Greta Thunberg, de 16 anos, que iniciou um movimento de greve escolar em prol de ações mais efetivas contra as mudanças climáticas. Em discursos no Parlamento de seu país, ela resume: "As mudanças climáticas estão aqui, ameaçando o futuro, e os adultos responsáveis não estão levando isso a sério".

A pressão dessa juventude por ações concretas já foi objeto de comentário do ex-presidente norte-americano Barack Obama, em sua página no Twitter: "Esta geração de ativistas climáticos está cansada da inação e está chamando a atenção de líderes de todo o mundo".

Tal inação é global e pode ser vista no Brasil também nos resultados dapesquisa Akatu de 2018, que avalia o grau de consciência das pessoas na hora de consumir. O levantamento indica que 68% dos brasileiros já ouviram falar em sustentabilidade, mas 61% não sabem dizer o que é um produto sustentável.

Ou seja, há uma clara dificuldade de transportar o desejo e o conhecimento pela sustentabilidade em mudança de hábitos. O chamado "do call for action" ainda não chegou. O problema é que, para as próximas gerações, não dá mais para tratar a sustentabilidade como uma aspiração.

Institucionalmente, o Brasil já conhece suas metas: reduzir emissões dos gases do efeito estufa em 43% frente a 2005; restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares; incentivar a integração de lavoura, pecuária e florestas em 5 milhões de hectares; zerar o desmatamento ilegal; atingir 45% de energias renováveis no mix brasileiro, sendo 18% em bioenergia; e expandir o consumo por biocombustíveis.

Nesse sentido, o setor de árvores plantadas para fins industriais é um dos aptos a fortalecer os objetivos do Brasil no Acordo de Paris e ajudar a trazer essa meta para ação.

Somos o maior expert mundial em plantio de árvores para fins industriais com plantações feitas em áreas degradadas previamente pelo homem. Estocamos 4,2 bilhões de toneladas de CO2 equivalente.

Os produtos também estão alinhados com uma demanda mais sustentável por serem de fonte renovável, reciclável e biodegradável. No planejamento para os próximos anos, as empresas também já incorporaram a realidade das mudanças climáticas, desenvolvendo tecnologias e árvores mais adaptadas para um cenário de estresse climático.

A Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), entidade responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas, do campo à indústria, junto a seus principais públicos de interesse, está comprometida em ajudar o Brasil e o mundo a lutar contra esse cenário. Mas queremos mais. Investimos para que o setor e o Brasil assumam o protagonismo mundial no que tange a uma economia de baixo carbono. Somos a última geração capaz de fazer uma grande diferença quanto ao aquecimento global, que ameaça todo o planeta.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), da ONU (Organização das Nações Unidas), só a transformação radical no modo como produzimos e vivemos pode limitar o aquecimento do planeta em 1,5 ºC. E essa mudança vai precisar de todos --indivíduos, comunidades, empresas, países.

Cabe também ao setor produtivo ajudar nesse processo de conquista de consciência e de transformação do conhecimento em ação, como bem reclamam os nativos sustentáveis ao redor do mundo.

Precisamos estar todos juntos em prol da luta contra as mudanças climáticas. Se os protestos de crianças e jovens na Inglaterra ajudaram a inspirar o Parlamento britânico a decretar estado de emergência climática, nós, empresas, governo e população, podemos ir ainda mais longe.

*Paulo Hartung, economista, presidente-executivo da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) e ex-governador do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)


Paulo Hartung: Vocação para o protagonismo ambiental

Sem partidarismos e sem preconceitos, é hora de trabalharmos pelas futuras gerações

Durante toda a minha vida valorizei o diálogo e as discussões sustentadas em questões atuais, sempre com olhar para o futuro, vislumbrando as oportunidades que dali podem surgir. E o Brasil é um País recheado de potencialidades, com capacidade para ser referência mundial numa série quesitos. Aqui não estou exagerando, pois ando o Brasil inteiro e percebo a vontade da sociedade aliada à diversidade que o nosso território nos oferece.

Hoje, diante do grave desafio das mudanças climáticas, temos uma grande oportunidade, por exemplo. Já somos reconhecidos mundialmente pelo nosso compromisso e pelos nossos avanços. Mas podemos mais. Devemos contribuir para o debate, assumir o protagonismo e tornar o Brasil líder nesse tema tão sensível e urgente, que ameaça as futuras gerações de todo o planeta. E precisamo-nos movimentar agora.

Temos um caso concreto no setor de árvores plantadas para fins industriais, que ano após ano apresenta excelentes resultados e uma contribuição sem precedentes para o meio ambiente. Caso o leitor ainda não tenha ouvido falar, vem das florestas plantadas, comumente eucalipto, pinus e teca, a madeira para produção de celulose, papel, painéis de madeira, pisos laminados e carvão vegetal, entre milhares de outros produtos e subprodutos. Exatamente pelo pensamento estratégico, aliado à sustentabilidade, essas florestas são cultivadas em áreas antes degradadas por outras atividades ou em locais onde o solo apresenta baixa fertilidade. E aí se desencadeia um longo e cuidadoso processo para que cada etapa, do campo à indústria, seja o correto.

Hoje essa indústria possui 7,8 milhões de hectares de árvores plantadas, com 1,7 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2) estocado. Os produtos originados nessas florestas cumprem também a função de armazenamento de carbono, mitigando a liberação de gases de efeito estufa para a atmosfera.

A biodiversidade demonstra a vida que essas florestas auxiliam a preservar. Mesmo ocupando menos de 2% do território nacional, 38% dos mamíferos e 41% das aves ameaçadas de extinção no Brasil já foram avistados em áreas de empresas florestais. Esse é um indicador muito rico, porque, se há fauna e flora conservados, há um sinal de que o trabalho com o meio ambiente está sendo bem feito.

Com o cuidado, investimento e evolução nas técnicas de manejo foi possível fazer as espécies trabalhadas nessa indústria se adaptarem a diferentes regiões. Do Sul ao Nordeste, há hectares e mais hectares sendo cultivados para fins específicos. Vale mencionar que o bom manejo e os benefícios ambientais gerados não ficam só no discurso, uma vez que essas florestas são certificadas pelas entidades mais conceituadas mundialmente.

Esse é, aliás, um dos motivos que tornam esse setor de fundamental importância para as exportações nacionais. Em 2018 foi responsável por 4,1% das negociações brasileiras com outros países. Além da qualidade dos produtos, eles têm a chancela de ser originados e fabricados de acordo com os mais altos níveis de sustentabilidade. Países como a China, que se comprometeu no Acordo de Paris a mitigar a emissão de gases de efeito estufa, buscam alternativas como as nossas para atingir as metas estabelecidas. Aqui, todo o papel que é comercializado, seja para escrever, para fins sanitários ou para embalagens, é 100% originado de florestas plantadas.

Importante mencionar também a conservação das florestas naturais promovida pelo setor. A cada hectare de árvores plantadas essa indústria conserva outro 0,7. Atualmente são 5,6 milhões de hectares conservados, culminando em mais 2,5 bilhões de toneladas de CO2 estocadas.

Interessante notar que o processo fabril também está intimamente ligado a um planejamento sustentável. A energia para fazer as unidades funcionarem é renovável e as torna praticamente autossuficientes. Seja por meio de biomassa florestal ou carvão vegetal, oriundo de floresta plantada, as plantas fabris das empresas desse setor produzem 70% da energia consumida nos seus processos produtivos. As fábricas de celulose mais modernas, além de produzirem toda a sua em energia, ainda produzem excedentes para comercialização.

O setor não precisou parar nem por um minuto as suas atividades para se adequar a uma realidade de sustentabilidade. Tecnologia e inovação fazem parte dessa indústria, que vem pesquisando e trabalhando para servir à sociedade e contribui para que o Brasil atinja suas metas em compromissos internacionais. Compromissos esses que são fundamentais.

A Organização das Nações Unidas (ONU) destacou em seu relatório de 2017 que o Brasil é um dos países que vêm conseguindo manter sua proposta firmada no Acordo de Paris, na qual pretende reduzir as emissões entre 36,1% e 38,9%. Tenho total convicção de que tudo o que foi apresentado até aqui pela indústria de florestas plantadas tem papel determinante nesse status atingido. Há áreas reflorestadas, emissões sendo mitigadas, energia renovável sendo produzida e utilizada, além de biodiversidade preservada. Mas não devemos parar de trabalhar. Somos um dos 195 países que concordaram em reduzir as emissões para limitar aumento da temperatura planetária a 1,5 grau Celsius. E isso é muito sério.

Fazer parte desse acordo significa ter compromisso com a sociedade, propor-se a trabalhar de maneira integrada, aliando, de fato, o econômico ao social e ambiental. Não são excludentes, mas complementares. Sem partidarismos e sem preconceitos, é o momento de pensarmos no País e, mais, é hora de trabalharmos pelo futuro dos nossos filhos, netos e das demais gerações. É possível e o Brasil tem potencial para liderar esse processo.

* Paulo Hartung é economista; foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)


Paulo Hartung: Não existe bala de prata

É possível fazer uma gestão fiscalmente responsável e entregar resultados de políticas públicas estruturantes

O Boletim de Finanças divulgado recentemente pelo Tesouro Nacional é educativo, compara indicadores dos estados e contribui para o debate sobre a gestão pública brasileira. Entre os dados divulgados, um em particular chama atenção: a nota do Tesouro para a capacidade de pagamento (Capag) de cada estado. O indicador mostra que mais da metade dos estados brasileiros encontra-se em situação crítica para pagamentos de seus compromissos (notas C e D), classificação de risco que faz com que o Tesouro não seja avalista em eventual operação de crédito. Nessa classificação, apenas um estado aparece com nota A, o Espírito Santo. E a pergunta que precisamos responder é: o que o Espírito Santo fez que os outros não fizeram?

Inicialmente, é importante dizer que não existe bala de prata para problemas estruturais. Por outro lado, o caso do Espírito Santo mostra que é possível fazer uma gestão fiscalmente responsável e entregar resultados de políticas públicas estruturantes para a sociedade em áreas essenciais como educação, saúde, segurança.

O ponto de partida foi identificar corretamente o que precisava ser feito para que o problema fosse encarado de frente. Ao longo de 2014, já se consolidava a visão de que o Brasil estaria entrando em um ciclo recessivo. Em paralelo, era clara a tendência de aumento dos gastos públicos, tanto em nível federal quanto estadual. Com um cenário de tendência de aumento de despesas sem que a receita acompanhasse na mesma proporção, os desafios para a gestão eram iminentes.

Nos primeiros dias de 2015, assinamos um decreto definindo ações a serem realizadas por todos os órgãos de nosso governo, entre elas a redução linear de 20% dos gastos de pessoal com cargos comissionados e no custeio, além da suspensão de concursos públicos. Foram medidas duras, mas que não interferiram na contraprestação dos serviços à população.

Neste decreto, criamos o Comitê de Controle de Gastos, composto por secretários, com o papel de controlar a execução do ajuste fiscal, monitorando as ações propostas visando à eficiência na gestão.

Ao final de 2015, o estado, que vinha de déficits primários bilionários em 2013 e 2014, reverteu o cenário para um pequeno superávit. A grande contribuição foi a mudança da trajetória das despesas, que cresciam em média 10% ao ano acima da inflação. Mas se a reversão do déficit foi uma conquista, o ano não encerrou de forma promissora. Em novembro ocorreu o desastre de Mariana, trazendo grandes perdas ambientais e econômicas para o estado. Em 2016 o PIB capixaba despencou, a receita tributária caiu 5%, e a receita proveniente do petróleo, quase 50%. A continuidade do ajuste se fez necessária.

Os desafios permaneceram em 2017, e o equilíbrio fiscal também. Enquanto não houver recuperação da receita, principalmente a tributária, não há alternativa senão conter o crescimento das despesas, em especial a de pessoal, por ser rígida e recorrente. O ano de 2017 foi o terceiro sem reajuste para servidor. Como conceder reajuste sem recursos para tal? Quanto ao custeio, cortes grandes e sucessivos podem dar a impressão de escassez, mas é nessa condição que surgem inovações que trazem ganhos de produtividade.

No segundo semestre de 2017, a receita começou a se recuperar. Com as contas ajustadas e os pagamentos em dia, toda nova receita foi prioritariamente revertida para investimentos em infraestrutura, hospitais, escolas e em aparelhagem para a segurança pública.

Hoje, o maior ativo é a credibilidade na gestão do governo, que paga rigorosamente em dia, executa políticas públicas que entregam resultados como o primeiro lugar do Ideb, a menor taxa de homicídio dos últimos 29 anos e o aumento da expectativa de vida acima dos pares.

Não existe bala de prata, o resultado obtido pelo Espírito Santo é fruto de anos de grande esforço, que passa a ser recompensado.

*Paulo Hartung é governador do Espírito Santo