paulo guedes bolsonaro

Merval Pereira: Transparência, presidente

Parece absurda a decisão do presidente Jair Bolsonaro de não apresentar o atestado de que não se contaminou com o Covid-19, apesar de 25 pessoas de sua comitiva aos Estados Unidos terem testado positivo. Alegar que é uma decisão de cunho pessoal não é desculpa para um funcionário público, especialmente tratando-se do presidente da República.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também errou ao dizer que as informações pertencem aos pacientes. Pode até ser, mas não quando esse paciente é o presidente da República. Temos no Brasil dois exemplos na nossa historia recente recente: o então ministro da Justiça do governo Geisel, Petronio Portela, tido como um potencial candidato à presidência da República na ocasião, escondeu um ataque cardíaco e acabou morrendo.

Tancredo Neves, já eleito presidente, mas temeroso de que os militares tentassem não largar o poder, escondeu uma dor que o levou ao hospital na véspera da posse. O que parecia uma diverticulite, acabou se mostrando um tumor, que o matou.

O governador de São Paulo, João Doria, mostrou o atestado de que seu exame deu negativo, assim como o prefeito paulistano Bruno Covas. Em qualquer país do mundo a saúde do chefe do governo é fato relevante, e esconder doenças geralmente é fatal para as pretensões de qualquer candidato presidencial nas democracias ocidentais, quanto mais quando no exercício do cargo.

É atitude costumeira em regimes autoritários ou ditaduras, que dependem da idolatria da imagem de seus líderes para se sustentarem. O caso mais recente é o de Hugo Chávez na Venezuela, que escondeu um câncer durante meses, que acabou matando-o.

O presidente Bolsonaro não se negou a revelar detalhes sobre a facada que o vitimou na campanha eleitoral, e já mostrou até mesmo o corpo com cicatrizes na televisão, numa atitude inusitada. O próprio Bolsonaro revelou, em entrevistas diversas, que não dorme direito desde que levou a facada, que tem pesadelos, às vezes chora à noite.

Foram revelações íntimas de um chefe do governo que passaram a ideia de um homem angustiado com sua saúde, mas revelavam também um presidente transparente, o humanizaram diante da população.

Todas as operações a que foi submetido foram anunciadas com detalhes, e uma possível nova cirurgia já foi admitida por ele mesmo. Seria inconcebível que essa atitude desabrida só tenha acontecido porque a facada lhe angariou simpatias, e sua vitimização pode lhe trazer ganhos eleitorais.

O Hospital das Forças Armadas em Brasília entregou às autoridades do Distrito Federal, por decisão da Justiça, a relação de todos os pacientes que testaram positivo pelo novo coronavírus, mas estranhamente deixou dois nomes de fora da lista, o que só faz aumentar a suspeita de que alguma coisa está sendo escondida do povo brasileiro.

Evidentemente que se o presidente Bolsonaro sabia que estava infectado ao sair abraçando seguidores e tirando selfies naquele domingo das manifestações bolsonaristas a seu favor, a irresponsabilidade terá sido muito maior do que se imagina.

Para agravar as desconfianças, que só existem pela falta de transparência, seu filho Eduardo Bolsonaro foi acusado por jornalistas da rede Fox de televisão dos Estados Unidos de ter dado uma primeira informação de que seu pai testara positivo para o Covid-19. Ele desmentiu posteriormente e tudo parece ter sido um mal entendido, possivelmente por causa do idioma, que ele não domina tão bem quanto apregoa.

Seria gravíssimo se o desmentido tiver sido sido feito para acobertar a verdade sobre a doença de seu pai. O presidente também colabora com a desinformação ao comentar que talvez tenha sido contaminado pelo novo coronavírus e nem mesmo notou, o que é possível mas pouco provável num grupo em que 25 pessoas foram contaminadas, a maioria por ter viajado com Bolsonaro no mesmo avião presidencial em que o secretário de comunicação Fabio Wajngarten, esse sim, irresponsavelmente, voltou ao Brasil já com os sintomas de ter sido contaminado pelo Covid-19.

Esperemos que a boa notícia de que o presidente não se contaminou com o novo vírus não seja desmentida pelos fatos. Nesse caso, Bolsonaro terá cometido o maior erro político de sua vida, que pode custar caro. A confiança do brasileiro em suas ações, que está em baixa segundo várias pesquisas de opinião, será inevitavelmente trincada.


Cacá Diegues: O lixo nas urnas

A questão não é mais apenas de saúde, mas também de política e administração pública

Quando o bloco desfilar de novo, com máscaras e tamborins, como naquela entrevista coletiva da semana passada, ministro Luiz Henrique Mandetta, reivindique um destaque à frente da bateria. O senhor tem direito até a uma comissão de frente. Pelo que já nos disse de sábio e sereno, o senhor não pode estar de acordo com as bobagens que foram ditas ali, o caráter personalista e insensível da equipe do presidente, a reiteração de um programa supostamente técnico e certamente desumano. Um samba muito diferente daquele que já ouvimos do senhor. Por exemplo, a obsessão de um ajuste fiscal, às custas da sobrevivência dos brasileiros mais pobres, é um crime. Da próxima vez, ministro, reaja ao presidente e à sua paupérrima coreografia. Vá sem máscara à reunião da diretoria.

Como o país não conhecia muito bem as peças, elegeu, com Bolsonaro, três meninos mal comportados, ignorantes e desastrados. E mais um predador mal intencionado de péssima educação, especializado em engrossar com as moças, fingindo que é filosofia. Os brasileiros queriam se livrar dos políticos que não suportavam mais. Tinham pressa e não pensaram em examinar melhor quem estava à disposição, com chance de acabar com o passado.

O mais moço criou um caso com a China, o país com quem temos as relações comerciais mais positivas, o único que já nos havia oferecido ajuda para a crise da Covid-19. Eduardo Bolsonaro não deve ter lido nada sobre Chernobyl e tratou o erro gravíssimo de um socialismo real fracassado, como se fosse estratégia. O coronavírus, ao contrário, é uma reação da Natureza aos nossos erros, reação que nos acostumamos a chamar de acaso.

Com outros nomes (Peste Negra, influenza, Gripe Espanhola, dengue etc.), a humanidade já viveu, em outros tempos, crises de saúde semelhantes a essa, com diferentes graus de gravidade. Mas, hoje, ela se torna objeto de um movimento de defesa internacional, como se o mundo estivesse finalmente acordando para o que ele é de fato: a soma indiferente de seres de várias nacionalidades, raças, cores, gêneros, religiões, opções sexuais, costumes, o que for. Li outro dia, num jornal estrangeiro, que, na Itália, o coronavírus está impedindo o uso de água benta de pias batismais. Como, na mesma Itália, pessoas estão dormindo com o cadáver de seus cônjuges, porque o Exército não está conseguindo retirar a tempo todos os corpos das vítimas da Covid-19.

Charles Darwin já havia nos preparado para essas frustrações, nos ensinando que a Evolução não privilegia os mais fortes ou os mais espertos, mas aqueles que se adaptam melhor às novas circunstâncias. A questão não é mais apenas de saúde, mas também de política e administração pública, no que Mandetta também havia se destacado. Como me disse um amigo, pelo lado oposto: “O problema das enchentes no Rio é que os cariocas jogaram muito lixo nas urnas”.

Temos o vício cientificista de considerar a humanidade como o único elemento no planeta que reflete sobre o que está acontecendo e, por consequência, sobre o que acontecerá como consequência do que está acontecendo. Mas o planeta tem uma longa história de quatro bilhões de anos, e não temos nenhum registro moral e intelectual de tudo o que lhe aconteceu, ao longo desse tempo. Se tivéssemos tal registro, saberíamos mais e melhor de tudo que está à nossa volta, poderíamos viver melhor e esperar melhores dias para nossa espécie. Poderíamos, acima de tudo, criar uma relação mais rica e mais pacífica com a própria Natureza, para que ela não se amofine conosco, como me parece acontecer de vez em quando, como agora.

Nossos cientistas conhecem as ruínas do que já existiu e têm acesso aos restos dos seres que já habitaram o planeta. Mas consultam essas pistas como quem sabe de antemão o que vão descobrir, um passado morto e enterrado, que não traz nenhuma esperança para a humanidade. Eles pesquisam e consultam apenas os eventos e os seres que servem para explicar nossa existência até aqui, o que somos e necessitamos ser, dentro de condição imutável suportada por religiões e ideologias. Não se importam com o que poderia ter sido, com qualquer utopia do passado. Se interessam apenas pelo que for curioso do ponto de vista da humanidade, sem nenhuma modéstia em relação a nós mesmos. Com profundo desinteresse pelos que conviveram conosco, o resto do planeta a que podemos chamar de Natureza.


Folha de S. Paulo: Guedes quer reformas contra crise, mas Congresso defende mais medidas

Nos EUA, Bolsonaro apoia ministro da Economia e diz que coronavírus está superdimensionado

Danielle Brant , Daniel Carvalho , Julia Chaib , Thiago Resende , Bernardo Caram , Paulo Saldaña e Marina Dias | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA E MIAMI - No dia em que o principal índice da Bolsa brasileira teve a maior queda diária do século, o ministro Paulo Guedes (Economia) se disse sereno. Ele defendeu as reformas para conter a crise.

Em resposta às declarações de Guedes, o Congresso cobrou mais ações e sinalizou que irá desidratar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial. Ela cria gatilhos para conter gastos públicos.

A disputa entre Arábia Saudita e Rússia pelo preço do petróleo agravou a fuga de investidores de ativos mais arriscados, já contagiada por causa do novo coronavírus.

As principais Bolsas mundiais fecharam em forte queda nesta segunda-feira (9). O Ibovespa recuou 12,17%, aos 86.067 pontos, a maior queda diária percentual desde 1998. O dólar fechou em alta de 2%, a R$ 4,727.

A convulsão nos mercados gerou reação de parte dos Poderes e chegou a Brasília. Guedes afirmou que a equipe econômica está tranquila.

Segundo o ministro, "a democracia brasileira vai reagir transformando essa crise em avanço das reformas". "[É hora de] Os três Poderes, com serenidade, cada um resolver sua parte", disse.

A orientação de Guedes à equipe econômica foi a de intensificar o discurso de que a crise exige o aprofundamento das reformas. Para ele, o momento de turbulência ajudará a convencer a sociedade sobre a necessidade de ajustes.

Não está nos planos do governo adotar medidas de estímulo, como ampliação do investimento público ou concessão de incentivos tributários.

Na mesma linha, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou que não há "nenhuma medida emergencial" a ser adotada pelo governo Jair Bolsonaro.

Ele ainda negou que haja previsão de aumento da Cide –contribuição sobre o preço dos combustíveis recolhida pelo governo federal.

Em meio à crise aguda, governo e Congresso batem cabeça sobre medidas a serem tomadas. A discussão está centrada em uma ação imediata para a crise atual, enquanto as reformas têm efeito de médio e longo prazos.

"Nós estamos prontos para ajudar, como colaboramos no ano passado com toda agenda de reformas. Acho que elas [reformas] ajudam, mas certamente não são o único ponto para solucionar os danos da crise", disse Maia.

Maia externou contrariedade com as cobranças de Guedes pela aprovação das medidas.

"Ainda não chegou nem a administrativa nem a tributária, e a [PEC] emergencial, o governo decidiu encaminhar uma pelo Senado e não usar a do deputado Pedro Paulo, que estava pronta desde 2017, 2018", criticou.

Apesar de não ter indicado quando vai enviar as reformas, Bolsonaro chancelou as decisões de Guedes.

Em Miami, onde falou a um grupo de empresários brasileiros, disse ser leal à política econômica do ministro.

"Honrar compromissos, buscar retaguardas jurídicas e garantias. Temos, na pessoa do nosso ministro da Economia, um homem conhecido dentro e fora do Brasil, o senhor Paulo Guedes, e às suas politicas econômicas somos leais e buscamos implementá-las de todas as formas", disse.

"Estamos mostrando que estamos no caminho certo. Aqui nos EUA estamos mostrando isso", afirmou o presidente.

Bolsonaro ainda atribuiu a queda nos mercados à cotação do petróleo e ao coronavírus.

“No meu entender está superdimensionado o poder destruidor desse vírus”, disse. “Mas acredito que o Brasil não é que vai dar certo, já deu certo.”

Uma das medidas que ajudaria a abrir espaço para o governo fazer investimentos públicos, como defendido por Guedes e Maia, a PEC Emergencial deve ser desidratada no Senado e na Câmara. Esta é uma das três PECs do pacotaço que altera regras fiscais e orçamentárias.

Congressistas indicam que irão impor ritmo próprio à análise da matéria.

Nesta semana, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) fará audiências públicas para a PEC Emergencial.

Pelo cronograma definido pela presidente do colegiado, senadora Simone Tebet (MDB-MS), o relator da proposta, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), apresentará seu parecer na próxima semana. O texto será votado até a primeira semana de abril.

O texto já enfrenta resistências no Senado. Congressistas dizem que a PEC Emergencial criminaliza o servidor.

"Embora importante, a PEC Emergencial que precisamos não é esta que está posta pelo governo. A base é ela, mas tem excessos que, em vez de aquecer a economia, dar credibilidade ao país, conforto para investidores, vai travar a economia porque tem uma parte dela que fala em redução de jornada de trabalho e salário de servidor público, que é quem hoje aquece a economia", afirmou a senadora à Folha.

Tebet é contra o dispositivo que permite a redução em 25% da jornada dos funcionários públicos com redução proporcional dos vencimentos.

O texto cria gatilhos para quando União, estados e municípios tiverem problemas financeiros. Para evitar que o governo gaste mais do que arrecada, medidas de ajuste serão acionadas quando a despesa corrente exceder 95% da receita corrente.

Guimarães tende a não ceder às pressões de categorias do serviço público. Porém, ele poupou do corte de jornada e salário servidores que ganhem até três salários mínimos (R$ 3.135).

O texto em tramitação ainda proíbe reajustes, criação de cargos, reestruturação de carreiras e concursos.

O governo queria aprovar a matéria ainda 2019.

"Se o governo não se mexer, não vai acontecer nada. Você acha que, em um ano eleitoral, eles [parlamentares que querem eleger prefeitos e vereadores] vão brigar com corporação de funcionário público?", avaliou o senador.

O Orçamento deste ano prevê que a PEC entre em vigor no segundo semestre.

Com isso, seriam economizados R$ 6 bilhões neste ano, valor que foi realocado para programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida e o SUS da assistência social, além de construção de rodovias e apoio a projetos de desenvolvimento sustentável.

Nesta segunda, a diretora de Pesquisa do FMI (Fundo Monetário Internacional), Gita Gopinath, afirmou que os países precisam agir para impedir que crises, como a epidemia de coronavírus, provoquem danos permanentes para famílias e empresas.