Partidos
Nas entrelinhas: PSDB ainda negaceia apoio a Simone Tebet
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Ao lado dos presidentes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do Cidadania, Roberto Freire, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse, ontem, que contará com apoio do PSDB para consolidar sua candidatura de “centro democrático”, como preferiu denominar a chamada terceira via. O presidente tucano, Bruno Araújo, grande artífice da retirada da candidatura do ex-governador João Doria, não participou da entrevista coletiva. Há tensões ainda no PSDB, embora o grupo responsável pela remoção de Doria da disputa, encabeçado pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, apoie Simone.
A Pesquisa CNN/RealTime Big Data para as eleições presidenciais, divulgada ontem, sem o nome de Doria entre os candidatos, foi um banho de água fria nas articulações internas da legenda a favor da emedebista. O levantamento mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 40% das intenções de voto no primeiro turno, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), com 32%; e por Ciro Gomes (PDT), com 9%. Depois aparecem André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB), com 2%, e Luciano Bivar (União Brasil), com 1%.
Na pesquisa com todos os candidatos, Doria aparecia com 4%. Esses votos foram redistribuídos entre Lula (1%), Bolsonaro (1%), Ciro Gomes (1%) e Simone (1%). Não pontuaram os pré-candidatos Vera Lúcia (PSTU), Pablo Marçal (Pros), Sofia Manzano (PCB), Felipe d’Avila (Novo), Leonardo Péricles (UP) e José Maria Eymael (DC). Brancos ou nulos somam 9%. Os indecisos e os que não responderam são 5%. Foram ouvidas por telefone três mil pessoas entre segunda-feira (23) e a terça (24). A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Com esses números, a ala do PSDB que defende uma candidatura própria ganhou novo fôlego, com o argumento de que seria preciso aguardar mais algumas semanas para decidir os rumos da legenda, apesar das expectativas das cúpulas do MDB e do Cidadania de que o apoio a Simone Tebet se consolide logo. O adiamento dessa decisão reforça a percepção de que o objetivo principal da maioria dos deputados tucanos seria cuidar da própria reeleição e da manutenção dos governos estaduais, principalmente o de São Paulo.
O presidente do MDB, Baleia Rossi, é o grande patrono da candidatura de Simone, não apenas porque controla 20 dos 27 diretórios regionais do partido, mas porque também tem um papel importante nas eleições em São Paulo. O governador Rodrigo Garcia está numa situação difícil, em quarto lugar nas pesquisas, atrás de Fernando Haddad (PT), que lidera, Márcio França (PSB) e Tarcísio Freitas (Republicanos). Precisa do apoio do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), para garantir uma base de apoio robusta na maior metrópole do país. Sem isso, corre o risco de não ir sequer ao segundo turno.
São Paulo
Garcia é a principal âncora da candidatura de Tebet no PSDB, mas isso pode não se traduzir em intenções de votos. É o que as pesquisas estão mostrando. No momento, a prioridade dele é construir uma aliança pirata com Márcio França, que passou a ser o principal obstáculo para que chegue ao segundo turno. O ex-governador divide mais votos com o tucano do que com Haddad. Isso explica a razão de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de o próprio PT não se esforçarem para remover a candidatura de França ao Palácio dos Bandeirantes.
A situação é tão dramática que a eventual candidatura de França ao Senado, na chapa de Haddad e na aba do chapéu do vice de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin, já seria de grande serventia para Garcia, pois amplia as condições para que ultrapasse Freitas, o candidato de Bolsonaro, o que está sendo muito difícil. A verdade é que o xadrez eleitoral paulista continua sendo um vetor decisivo das articulações da terceira via, porém, não é a prioridade dos tucanos de São Paulo. A preocupação maior é manter o controle do Palácio dos Bandeirantes. Doria pagou por isso.
Em contrapartida, bem ao estilo dos caciques do MDB, a cúpula da legenda endossou a candidatura de Simone Tebet. Nem os que apoiam Lula, a maioria do Nordeste, nem os que estão defendendo a reeleição de Bolsonaro, no Sul do país, têm força para impor suas orientações ao partido. A candidatura de Simone se equilibra nessa igualdade dos contrários, numa sigla que tem tradição de cristianizar candidatos, como aconteceu com Ulysses Guimarães, em 1989; Orestes Quércia, em 1994; e Henrique Meirelles, em 2018.
Simone Tebet é uma novidade na disputa eleitoral, por seu perfil liberal progressista e por carregar a bandeira do empoderamento das mulheres, além de um olhar feminino sobre os problemas nacionais. Sobretudo a agenda dos direitos humanos e do combate à exclusão e às desigualdades sociais.
Nas entrelinhas: Dragão da inflação contra mito guerreiro
Luiz Carlos Azedo/ Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Com perdão para o trocadilho — Glauber Rocha que nos perdoe —, o presidente Jair Bolsonaro está convencido de que seu maior adversário nas eleições é a inflação. Os números corroboram esse temor, pois a alta dos preços, principalmente dos combustíveis e dos alimentos, pode levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vitória no primeiro turno. O que se discute no governo é a adoção de medidas de contingenciamento dos preços, seja pelo congelamento puro e simples, seja pela via de incentivos fiscais. A nova mudança na direção da Petrobras tem esse objetivo.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que é considerado uma prévia da inflação oficial do país, está em 0,59% em maio, após ter registrado taxa de 1,73% em abril, somando 12,20% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diante disso, Bolsonaro resolveu demonizar a Petrobras, que seria o grande dragão da inflação. Vestiu a armadura de mito guerreiro e defenestrou mais um presidente da empresa, o terceiro. José Mauro Ferreira Coelho durou 40 dias do cargo, sendo demitido por telefone pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Saschida. Para o seu lugar, Bolsonaro indicou Caio Mario Paes de Andrade, atual secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.
Empreendedor em tecnologia da informação, mercado imobiliário e agronegócio, Caio Mario Paes de Andrade tem formação em comunicação social pela Universidade Paulista, pós-graduação em administração e gestão pela Harvard University e é mestre em administração de empresas pela Duke University. Foi presidente do Serpro até agosto de 2020, quando passou a fazer parte do Ministério da Economia. Mas é um neófito na área de energia e petróleo.
A indicação ainda precisa ser aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras. Dois presidentes anteriores da empresa, Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna, também foram demitidos do cargo. Ambos por causa dos aumentos dos preços dos combustíveis.
A missão de Caio de Andrade é uma cobra de duas cabeças: de um lado, segurar os aumentos dos combustíveis até as eleições (fala-se, inclusive, em congelamento do preço do gás de cozinha e do diesel); de outro, avançar com o projeto de privatização da empresa. Em ambos os casos, será preciso mudar a composição do conselho de administração da estatal e a legislação vigente. A narrativa do governo para fazer essa alteração está começando a ser construída. Como a pandemia foi controlada, graças à vacinação em massa, o pretexto para a mudança seria o impacto da Guerra da Ucrânia nos preços dos combustíveis, fertilizantes e alimentos.
A Guerra da Ucrânia será uma desculpa para outras medidas populistas, que visam manipular preços artificialmente, reduzir impostos e mitigar o impacto da inflação no orçamento doméstico, principalmente da população de baixa renda, que deriva para a oposição. O que parecia improvável, está acontecendo: uma aliança do ministro da Economia, Paulo Guedes, com os políticos do Centrão para segurar a alta de preços e conceder benefícios a empresas e famílias de baixa renda. A entrega da Petrobras, que era controlada pelos militares, à área econômica, com a perspectiva de sua privatização, um sonho de consumo das grandes petroleiras.
Teto de gastos
Como o mercado não é bobo e sabe que qualquer projeto econômico de médio e longo prazos depende das eleições, a primeira reação foi negativa: as ações da Petrobras fecharam em queda de mais de 3% no Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa de Valores de São Paulo. Em Nova York, devido à nova troca, as ações amanheceram, ontem, em queda de mais de 11% no pré-mercado. A recuperação e a valorização da Petrobras, que voltou a ser uma empresa muito lucrativa, estão atreladas à política de paridade internacional adotada em 2016, durante o governo Michel Temer.
O ex-presidente Lula endossa as críticas à política de preços da Petrobras, mas manifesta-se contra a privatização da empresa. Ontem, comentando a mudança no comando da empresa, sugeriu que Bolsonaro desvincule os custos dos combustíveis da cotação do dólar: “Ele pode fazer uma reunião com o Conselho Nacional de Política Energética, trazer a Petrobras para a mesa, trazer o conselho da Petrobras e decidir que o preço não será dolarizado, que nós não vamos pagar o preço internacional, nós vamos pagar o preço do custo da gasolina aqui no Brasil”, afirmou.
Lula também atacou a política de teto de gastos, resgatando a velha retórica contra os banqueiros e as elites do país: “Por que aprovaram teto de gastos? Porque os banqueiros são gananciosos. Eles exigiram que o governo garantisse o que eles têm direito de receber e tentaram criar problemas para investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e Tecnologia”. Segundo o petista, “o teto de gastos foi uma forma de a elite econômica brasileira e que a elite política fez para evitar que o pobre tivesse aumento dos benefícios, das políticas sociais, da educação e da saúde para garantir que os banqueiros não deixem de receber as coisas que o governo deve para eles”.
Nas entrelinhas: Doria desiste, mas PSDB continua dividido
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
O ex-governador de São Paulo João Doria jogou a toalha e desistiu da candidatura à Presidência da República, após ser comunicado pela cúpula da legenda que seria candidato de si mesmo. Doria perdeu o apoio do grupo liderado pelo governador Rodrigo Garcia, que o sucedeu, e pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo, aliados aos presidentes do Cidadania, Roberto Freire, e do MDB, Baleia Rossi. Se depender dos presidentes dos três partidos, a candidata da chamada terceira via será a senadora Simone Tebet (MS), do MDB.
Doria foi vítima dele mesmo. Rompeu com seu padrinho político, Geraldo Alckmin, que hoje é o vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aliança de segundo turno que havia feito com o presidente Jair Bolsonaro, em 2018, rompeu-se no começo da pandemia da covid-19, por causa da política de distanciamento social adotada pelo governo paulista para restringir a propagação da doença. Quando o Instituto Butantan, pioneiramente, começou a produzir a vacina chinesa CoronaVac, Doria se tornou o principal adversário de Bolsonaro, cujo negacionismo combateu em entrevistas diárias pela tevê.
A superexposição na mídia, porém, alavancou sua rejeição nas pesquisas de opinião, embora viesse fazendo um bom governo, dos pontos de vista administrativo e financeiro. Doria nunca teve uma trégua das lideranças petistas de seu estado, muito fortes nas áreas da saúde e da educação, e também sofreu oposição sistemática dos bolsonaristas de São Paulo, principalmente nas áreas do agronegócio e da segurança pública. Lançou-se candidato à Presidência em situação muito desvantajosa do ponto de vista de imagem.
Seu maior erro talvez tenha sido levar o vice-governador Rodrigo Garcia do DEM para o PSDB, o que aprofundou seu isolamento interno, afastando lideranças históricas, como Alckmin, que já estava com um pé fora da legenda, e os ex-senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Aníbal. A mudança também provocou o afastamento de sua candidatura do antigo DEM, que viria a se fundir com o PSL e formar o União Brasil. Além disso, Doria terceirizou as articulações políticas com deputados federais, estaduais e prefeitos, deixando-as a cargo de Garcia.
Ungido seu sucessor natural, Rodrigo Garcia passou a operar com os deputados Carlos Sampaio (SP), Rodrigo Maia (RJ), Bruno Araújo e Baleia Rossi para tornar irreversível a saída de Doria do Palácio dos Bandeirantes. As prévias do PSDB, do ponto de vista prático, serviram apenas para isso. Quando Doria ameaçou não disputar a Presidência e permanecer no governo paulista, Garcia e Araujo assinaram um termo de compromisso garantindo que apoiavam sua candidatura ao Planalto. Doria caiu na armadilha: renunciou ao mandato de governador e acabou defenestrado.
Candidatura própria
Doria também nunca teve grande apoio fora de São Paulo. A desistência dele, porém, não unifica o PSDB. Os líderes históricos da legenda desejam lançar uma candidatura própria. Os nomes cogitados são os do ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que perdeu as prévias para Doria e retirou sua candidatura, mas está desincompatibilizado para concorrer à Presidência; e o senador Tasso Jereissati (CE), um dos fundadores do partido. O deputado Aécio Neves (MG) e o ex-governador de Goiás Marconi Perillo defendem essa alternativa.
Entretanto, a reunião da Executiva que se realizaria hoje foi suspensa por Bruno Araújo. O grupo paulista não quer uma candidatura própria, para assim poder abrir o palanque de Garcia em São Paulo, numa tentativa desesperada de viabilizar a reeleição do atual gestor. Pesquisa divulgada ontem pelo Real Big Data revela que o candidato petista Fernando Haddad lidera a disputa com 29%, seguido de Tarcísio de Freitas (PR) e Márcio Franca (PSB), com 15%. Rodrigo Garcia tem 7%. Nos cenários sem Haddad ou França, Garcia permanece atrás de Tarcísio, o candidato de Bolsonaro.
A lógica das articulações da bancada paulista para remover a candidatura de Doria foi a da alça de caixão difícil de carregar. Com a desistência, a situação se alterou completamente, porque Garcia não tem mais nenhuma desculpa para explicar sua desvantagem nas pesquisas eleitorais e precisa recuperar a expectativa de poder que perde a cada dia. Ou seja, provar que a rejeição de Doria era seu principal obstáculo. Tem a seu favor o grupo econômico que apoiava seu antecessor e teve um papel decisivo no convencimento de que o tucano deveria desistir de disputar a Presidência. Entretanto, Tarcísio de Freitas também transita entre os empresários paulistas.
Viabilizar o palanque de Simone Tebet em São Paulo é uma prioridade na terceira via, mas tanto Baleia Rossi quanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que administra a capital paulista, sabem que essa não é uma prioridade do atual governador. A candidata do MDB tem apoiou político de Garcia para impedir uma candidatura própria do PSDB, porém não tem nenhuma garantia de apoio eleitoral no estado com maior eleitorado do país.
Nas entrelinhas: Simone Tebet precisa seduzir caciques do MDB
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Os presidentes do PSDB, Bruno Araujo, e do Cidadania, Roberto Freire, em encontro com o presidente do MDB, Baleia Rossi, decidiram descartar a pré-candidatura do ex-governador João Doria e indicar à cúpula dos respectivos partidos o nome da senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a candidata de consenso para unificar a chamada terceira via. O critério adotado foi uma pesquisa para avaliar qual dos nomes teria mais potencial eleitoral: deu Simone, por causa da rejeição de Doria. Agora, seu nome depende da aprovação dos demais dirigentes das três legendas, inclusive do MDB.
A 90 dias do prazo inicial de realização das convenções eleitorais, há um longo caminho a ser percorrido. Tebet terá que superar as contradições internas das legendas, num contexto eleitoral polarizado entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há mais dois competidores à frente dela: o ex-governador Ciro Gomes, candidato do PDT, que se mantém em terceiro lugar nas pesquisas, e o deputado André Janones (MG), do Avante, que aparece sempre com 2% nas pesquisas. Ambos, porém, não são levados em conta pelos líderes da terceira via.
Roberto Freire convocou a Executiva nacional da legenda para examinar a proposta, na próxima terça. Não deve haver resistência, porque a ideia de uma candidatura unificada de centro está em sintonia com a tradição política da legenda e Doria é considerado carta fora do baralho pela bancada federal. A maioria do partido era simpática à candidatura de Eduardo Leite, que perdeu as prévias.
O constrangimento para apoiar a senadora do Mato Grosso do Sul era o fato de o PSDB ter um candidato, pois os dois partidos estão federados. Com o ex-governador fora do jogo, a resistência é residual e representada pelo ex-governador Cristóvam Buarque (DF), que defende o apoio a Lula já no primeiro turno.
Líderes locais
O PSDB continua mergulhado numa profunda crise. Bruno Araujo e o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, defendem o apoio a Tebet. Ambos são os principais responsáveis pela desestabilização da candidatura de Doria. Garcia tem o apoio de toda a bancada tucana e uma aliança estratégica com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). O problema é que outras lideranças, como o deputado Aécio Neves (MG), defendem que a legenda tenha um nome próprio.
Os cogitados são Eduardo Leite, que, agora, articula a volta ao governo gaúcho, e o senador Tasso Jereissati (CE), um dos fundadores do PSDB. Leite não quer voltar à arena da disputa presidencial. Tasso é um aliado de primeira hora de Tebet e somente aceitaria se houvesse uma ampla articulação em torno de sua candidatura. Sua indicação seria um golpe de morte nas pretensões de Ciro Gomes, seu afilhado político no Ceará.
Resta o MDB. Baleia Rosi controla 20 das 27 seções regionais do partido. Entretanto, isso não significa apoio dos demais caciques da legenda.
O ex-presidente Michel Temer, na moita, se preserva para a eventualidade de se tornar um tertius. Sonha com a candidatura à Presidência, mas, hoje apoiaria Tebet. Dos três governadores da legenda, dois estão com Lula: Helder Barbalho (Pará) e Paulo Dantas (Alagoas), recém-eleito pela Assembleia Legislativa local. Um é aliado de Bolsonaro — Ibaneis Rocha (DF).
O grupo formado pelo ex-presidente José Sarney e os senadores Eduardo Braga (AM), Jader Barbalho (PA), Renan Calheiros (AL) e Jarbas Vasconcelos (PE) apoia Lula, como outros caciques regionais hoje sem mandato, como Romero Jucá (RO) e Eunício de Oliveira. Os senadores Fernando Bezerra e Confúcio Moura (RO) vão de Bolsonaro, juntamente com os deputados gaúchos Osmar Terra e Alceu Moreira.
Ao contrário do PSDB, porém, o MDB é uma federação de caciques regionais, com uma ala governista e outra de oposição que convivem muito bem na divergência. O grupo que apoia Lula não tem força para impor à legenda essa orientação, nem a ala governista já engajada na reeleição de Bolsonaro.
É aí que a candidatura de Tebet ganha viabilidade para unificar a terceira via. Se vai se tornar realmente competitiva é outra história. O MDB tem tradição de cristianizar seus candidatos.
Nas entrelinhas: Traído por Garcia, situação de Doria é insustentável
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Difundiu-se no Ocidente que a palavra Weiji significa crise e oportunidade em chinês, simultaneamente. Essa tradução é atribuída ao linguista norte-americano Benjamin Zimmer, num editorial de um jornal em língua inglesa para missionários na China, de 1938. Ganhou popularidade após um discurso antológico de John F. Kennedy, em Indianápolis, no dia 12 de abril de 1959. Desde então, integra o vocabulário otimista de políticos, consultores, economistas e executivos. A crise do PSDB seria, assim, uma oportunidade de refundação.
O sinólogo Victor H. Mair, da Universidade da Pensilvânia, porém, lembra que essa interpretação não é absoluta: enquanto wei significa “perigo, perigosos; causar perigo, ameaçar; risco; precário, precipitado; alto; medo, pavor, receio”, ji pode ter outros significados, como “ocasião apropriada, ponto crucial, momento incipiente, segredo, ardil”. Esse é o ponto em que se encontra a crise do PSDB, cuja cúpula resolveu descartar a candidatura do ex-governador João Doria, mas ainda não sabe como fazê-lo por acordo.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, não construiu uma saída negociada para Doria e percorreu um roteiro que esgarçou demais as relações dentro do partido, em razão de manobras, dissimulações e traições. A prévia realizada para escolher o candidato do PSDB, na qual o ex-governador paulista foi vencedor, revelou-se muito mais um ardil para afastá-lo do Palácio dos Bandeirantes do que um processo de escolha democrática, como fora concebido na origem.
Doria venceu as prévias com apoio dos que hoje o estão defenestrando da candidatura, depois de alijar da disputa o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que pleiteava a vaga de candidato a presidente da República.
Pela primeira vez em sua história, o PSDB não se apresenta como alternativa de poder, abdica de propor os rumos do país. Os bastidores da reunião de terça-feira da cúpula do PSDB, para a qual Doria não foi chamado, nem de longe se parecem com os encontros liderados por Franco Montoro, José Richa, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Euclides Scalco, Jaime Santana e outros fundadores da legenda.
Muitas vezes, eram almoços ou jantares frugais, nos quais a experiência política de alguns e as ideias iluministas de outros teciam uma praxis política inovadora para os padrões brasileiros, em busca de um projeto social-democrata que se plasmasse à realidade nacional. Esse PSDB não existe mais, está se acabando melancolicamente.
Naqueles encontros, os interesses do país, a lealdade e o compromisso entre seus líderes eram mais importantes do que as eventuais divergências sobre como levar adiante as ideias comuns. Hoje, o que está acontecendo não é a falta de consenso — é a falta de projeto mesmo. A transa política passou a ser o modus operandi do PSDB no Congresso.
Sua bancada mergulhou de cabeça no orçamento secreto do Centrão e está mais preocupada em aumentar a fatia no fundo eleitoral do que em construir uma alternativa de poder, que se contraponha ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente Jair Bolsonaro, que hoje polarizam as eleições.
Falta combinar
No domingo passado, Rodrigo Garcia sugeriu a Doria que desistisse da candidatura e lhe comunicou que faria campanha em São Paulo sem sua companhia. Foi um xeque-mate na candidatura. Uma conversa como essa seria inimaginável entre Mario Covas e Geraldo Alckmin ou José Serra e Alberto Goldman, por exemplo.
Garcia é uma invenção de Doria, que cometeu o grave erro de terceirizar a política como governador e cuidar apenas da gestão administrativa e financeira de São Paulo, uma das causas de sua rejeição e da falta de apoio político.
Quando Doria descobriu que estava sendo sabotado pelo vice e ameaçou concorrer à reeleição, permanecendo no Palácio dos Bandeirantes, era tarde demais. Levou um ultimato dos aliados de Garcia, que ameaçaram até destitui-lo do cargo com um impeachment. Nunca houve um precedente desta ordem na política paulista. Agora, não existe a menor possibilidade de Doria manter sua candidatura, sem apoio de Garcia, que ocupa o vértice do sistema de poder interno do PSDB pela força do cargo.
Bruno Araújo é um operador político do governador paulista. Ontem, na reunião com os presidentes do Cidadania, Roberto Freire, e do PMDB, Baleia Rossi, desligou os aparelhos e decretou a morte cerebral do Doria candidato. Antes, bloqueou os recursos da pré-campanha e decidiu cobrar os R$ 12 milhões do fundo partidário que já foram gastos pelo ex-governador paulista para se movimentar e estruturar a pré-campanha.
Garcia também comunicou aos aliados que está fora da campanha de Doria, cujo apoio, agora, se restringe aos empresários amigos e a poucos deputados leais. O consenso secreto a que chegaram os protagonistas da candidatura única, que será submetido às direções partidárias e foi anunciado ontem, é um segredo de polichinelo: a pesquisa quantitativa e qualitativa feita sob encomenda para demover Doria apontou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a candidata mais competitiva de centro, por ter menos rejeição e ser menos conhecida. Só falta combinar com os eleitores.
Nas entrelinhas: Cúpula do PSDB negocia desistência de Doria
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
A reunião da Executiva do PSDB, ontem, produziu um consenso: o ex-governador de São Paulo João Doria deveria renunciar à corrida presidencial e buscar uma alternativa honrosa para o partido, que tanto pode ser ressuscitar a candidatura do ex-governador gaúcho Eduardo Leite, no caso de uma solução prata da casa, quanto apoiar a indicação da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que teria o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) para vice. Com isso, a reunião da terceira via marcada para hoje, na qual será apresentada uma pesquisa sobre a competitividade de Doria, não poderá tomar uma decisão definitiva, porque o presidente do PSDB, Bruno Araujo, não foi credenciado para isso. As conversas continuarão, preferencialmente com a participação de Doria.
O porta-voz dos líderes tucanos foi o deputado Aécio Neves (MG), autor da proposta de consenso. A ideia é realizar uma nova reunião, com os governadores e candidatos majoritários do PSDB e a presença de Doria, para que os próprios correligionários relatem as dificuldades que estão enfrentando para apoiá-lo nos seus respectivos estados. Aécio é desafeto de Doria, mas defende uma candidatura própria da legenda e havia apoiado Leite na disputa das prévias. Entretanto, o maior algoz e interessado na desistência de Doria é mesmo o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que o sucedeu no cargo e, inclusive, foi levado ao PSDB pelas mãos do candidato tucano.
A discussão na reunião da Executiva do PSDB foi quente, mas o encerramento teve clima de velório. Essa é a mais séria crise enfrentada pelo PSDB, que corre sério risco de não ter candidato a presidente da República pela primeira vez em sua história — o que também pode ser catastrófico para a legenda. Tanto Garcia como Araujo articulam essa posição, defendendo o apoio a Tebet, como deseja a maioria dos deputados paulistas da chamada terceira via em São Paulo. Na avaliação deles, Doria seria um estorvo para a candidatura de Garcia, que está em quarto lugar nas pesquisas de intenções de votos, atrás de Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato de Bolsonaro.
Defenestrar Doria seria uma maneira de evitar a deriva de prefeitos e candidatos da base de Garcia para a candidatura de Tarcísio, que tem forte penetração no interior paulista, principalmente na área do agronegócio, por causa de sua atuação como ministro da Infraestrutura e do apoio de Bolsonaro. O deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB, e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), são os principais articuladores da aliança do atual governador paulista com Tebet. Nos bastidores, o ex-presidente Michel Temer se preserva, porque ainda pode ser um trunfo da legenda nas negociações com Doria e Garcia.
“Lularcia”
Quem acha que Garcia alavancará a campanha de Tebet em São Paulo, porém, pode estar muito enganado. O presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, articulou uma aliança pirata com o governador paulista, para apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A chapa “Lularcia” seria uma alternativa para os sindicalistas que apoiam Lula, mas não querem apoiar o petista Haddad.
Essa é uma velha prática do movimento sindical paulista, useiro e vezeiro em fazer isso, desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960. A chapa Jan-Jan garantiu a eleição do vice João Goulart, o Jango, companheiro de chapa do marechal Henrique Teixeira Lott. Naquela época, os votos para presidente da República e para vice eram separados.
Após a reunião de ontem, Doria foi convidado a comparecer ao encontro da terceira via, hoje, que reunirá os presidentes do PSDB, Bruno Araujo; do Cidadania, Roberto Freire; e do MDB, Baleia Rossi. Após a reunião, o tucano ressaltou que os entendimentos com o Cidadania e o MDB para encontrar uma candidatura única continuarão e que o próprio Doria deveria participar da construção de uma alternativa ao seu nome.
Entretanto, o ex-governador já recusou o convite — só pretende voltar a Brasília na próxima semana. Ex-presidente do PSDB, José Aníbal, um dos participantes da reunião, considera a candidatura de Doria liquidada. Sua desistência será apenas uma questão de tempo.
Luiz Carlos Azedo: Eleição de Boric pode virar um El Niño político
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A esquerda venceu as eleições no Chile com a eleição do ex-líder estudantil e jovem deputado Gabriel Boric, de 35 anos, o mais jovem político a presidir o país em toda a sua história. Foi uma eleição marcada pela polarização política, na qual o candidato da Convergência Social, apoiado pelo Partido Comunista chileno, derrotou o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano, um fanático admirador do ex-presidente Augusto Pinochet, o ditador sanguinário que liderou o golpe militar de 1973, no qual o presidente Salvador Allende se suicidou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda por aviões de caça da Força Aérea chilena. A eleição foi de virada: no primeiro turno, Boric havia ficado em segundo lugar.
A nova situação chilena parece retomar o fio da história interrompido com o golpe de 1973, quando Allende representava o sonho de um socialismo democrático. É como se a história tivesse sido “descongelada” após quase 50 anos. Embora o atual presidente Sebastian Piñera e a socialista Michelle Bachelet tenham protagonizado as disputas políticas direita x esquerda dos últimos 16 anos, ambos são políticos moderados, governaram em aliança com os liberais. Boric se apresentou no primeiro turno como uma candidatura de viés muito esquerdista. Entretanto, moderou o discurso no segundo e se aproximou dos socialistas, liberais e democrata-cristãos para derrotar a extrema-direita.
Gosto da expressão “descongelar” por causa de uma entrevista do filósofo alemão Jürgen Habermas, logo após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, que marcaram o colapso do chamado “socialismo real” europeu. Habermas comparou a Europa do fim da Guerra Fria a uma fotografia — como aquela de Roosevelt, Stálin e Churchill, em fevereiro de 1945, na Crimeia —, que foi “descongelada” e virou um filme de longa metragem, como se a história anterior à guerra fosse retomada de onde foi interrompida.
“Ninguém me convence de que o socialismo de estado seja, do ponto de vista da evolução social, ‘mais avançado’ ou ‘mais progressista’ do que o capitalismo tardio. (…) São senão variantes de uma mesma formação societária. (…) Temos tanto no leste como no oeste modernas sociedades de classe, diferenciadas em Estado e economia”, disse Habermas à época (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1989). A história das nações europeias anterior à II Guerra Mundial, de fato, fora “descongelada”, despertando velhos conflitos econômicos e de fronteiras, além de forças políticas muito reacionárias que estavam adormecidas no Leste Europeu, desde a ocupação soviética, principalmente na Hungria, na Ucrânia, na Polônia e na Romênia.
No primeiro turno, Boric foi um duro crítico da democracia chilena pós-Pinochet, que governou com as baionetas de 1973 a 1990. Segundo o novo presidente chileno, a continuidade do modelo liberal deixou as classes média e baixa endividadas, sem condições de arcar com os custos da educação, da saúde e da previdência privada. Sua proposta é um Estado de bem-estar social ao estilo da social-democracia nórdica: Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia. A nova Constituição em elaboração, de certa forma, cria condições para ultrapassagem do modelo econômico neoliberal de Pinochet herdado pelos governos democráticos. Em contrapartida, no primeiro ano de governo, a inflação fora de controle complica muito a execução do projeto de Boric, que também precisa formar uma nova maioria no Congresso.
Polarização política
Em tempos geopolíticos, a vitória de Boric consolida uma guinada à esquerda no Cone Sul, que já havia sido iniciada com a eleição do justicialista Alberto Fernández na Argentina, hoje o mais importante aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região. Também aprofunda o isolamento político do presidente Jair Bolsonaro, crescente desde a eleição do atual presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden. Pode virar uma espécie de El Niño político , o fenômeno atmosférico oceânico que aquece as águas superficiais do Pacífico tropical e provoca alterações climáticas na América do Sul, sobretudo no Brasil, e outras regiões do mundo, com mudanças no regime de ventos e de chuvas.
O principal beneficiado da eleição de Boric é o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, favorito absoluto em todas as pesquisas de opinião, que pode até vencer as eleições no primeiro turno. Em termos econômicos, Lula ainda é uma esfinge. Candidato à reeleição, Bolsonaro tem altos índices de rejeição, desmantelou as políticas sociais do governo, perdeu o controle da economia, mas ainda não se sente derrotado estrategicamente. Aposta as fichas na força bruta do próprio governo, como forma mais concentrada de poder, e no Auxílio Brasil, o novo programa de transferência de rendas para 14,5 milhões de famílias, no valor de R$ 400 mensais; mantém coesa a sua base de apoio de extrema-direita e evangélica e aposta na polarização política, para se beneficiar do antipetismo da classe média e do conservadorismo popular. Mas disso vamos tratar na próxima coluna.
Luiz Carlos Azedo: Histórias que se cruzam na resistência ao regime militar
Dois filmes e duas histórias que mostram um passado de radicalização política que não deve se repetir
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Vale a pena ver o filme Marighella, dirigido por Wagner Moura, com Seu Jorge esbanjando talento na telona, no papel de Carlos Marighella, em 1969, no auge da atuação da Ação Libertadora Nacional (ALN), o grupo guerrilheiro que liderava e foi dizimado pelo delegado Sérgio Fleury.
Em contraponto, sugiro também o documentário Giocondo Dias, Ilustre Clandestino, de Vladimir de Carvalho, disponível no Canal Brasil, que reúne depoimentos sobre o líder comunista que substituiu Luiz Carlos Prestes na Secretaria-Geral do PCB. Ambos mostram um passado de radicalização política que não deve se repetir.
Moura dirigiu um blockbuster político, que utiliza os recursos da ficção e dos filmes de ação para fazer um recorte histórico da vida de Carlos Marighella, inspirada na excelente biografia de Mario Magalhães sobre o líder comunista carismático que arrastou para a luta armada jovens militantes do antigo PCB e um grupo de padres dominicanos.
Carvalho fez um garimpo de imagens, a partir dos depoimentos de militantes que participaram do resgate de Giocondo Dias, o líder comunista clandestino que havia ficado isolado, após o desmonte da estrutura do velho Partidão, em 1975, quando 12 integrantes do Comitê Central foram assassinados e milhares de militantes foram presos.
Marighella e Giocondo fizeram parte do chamado “grupo baiano”, que lideraria a reorganização do PCB no final do Estado Novo, em 1943, tecendo uma aliança pragmática com Getúlio Vargas para o Brasil entrar na II Guerra Mundial contra o Eixo: Armênio Guedes, Moisés Vinhas, Aristeu Nogueira, Milton Caíres de Brito, Arruda Câmara, Leôncio Basbaum, Alberto Passos Guimarães, Jacob Gorender, Maurício Grabois, José Praxedes, Osvaldo Peralva, Boris Tabakoff, Jorge Amado, João Falcão, Fernando Santana, Mário Alves e Ana Montenegro, nem todos baianos.
O cabo Giocondo Dias era um mito comunista, somente ofuscado por Luiz Carlos Prestes. Havia liderado a tomada do poder em Natal (RN), no levante comunista de 1935, no qual Prestes fora preso. Na ocasião, levou três tiros de um dos comandados, ao proteger com o próprio corpo o governador do Rio Grande Norte, Rafael Fernandes Gurjão, a quem Giocondo havia dado voz de prisão.
Escondido para se recuperar dos ferimentos, sobreviveria a 13 facadas, em luta corporal com um capanga do proprietário da fazenda onde estava. Preso, cumpriu um ano de cadeia até a anistia de 1937, a chamada “Macedada”, concedida para legitimar o golpe do Estado Novo. Essa experiência influenciaria sua visão sobre a luta armada.
Estudante de engenharia, Marighella largou a faculdade em 1934 para atuar no PCB no Rio de Janeiro, sendo preso a primeira vez em 1936. Também foi libertado na “Macedada”, porém, acabou novamente preso em 1939 e foi libertado em 1945, com a redemocratização. Voltou para a Bahia e se elegeu deputado federal, integrando a bancada comunista na Constituinte de 1946.
Giocondo viria a ser eleito deputado estadual. Com a cassação de seus mandatos, foi encarregado da segurança do líder comunista Luiz Carlos Prestes, na clandestinidade, enquanto Marighella se destacaria na liderança do PCB em São Paulo, durante os governos Dutra e Vargas.
As divergências
Após a morte de Joseph Stalin, em 1953, com a realização do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em 1956, a cúpula do PCB entrou em crise. O Comitê Central somente se reuniria dois anos depois, para destituir a Executiva liderada por Arruda Câmara e João Amazonas, que mantivera em segredo as denúncias dos crimes de Stalin feitas por Nikita Kruschov, o novo líder soviético.
Giocondo, que fora um dos artífices da aliança do PCB com Juscelino Kubitscheck (PSD) nas eleições de 1955, com Alberto Passos e Armênio Guedes, articulou a Declaração de Março de 1958, na qual o PCB assumiu o compromisso com a defesa da democracia. E emergiu da crise como segundo homem na hierarquia partidária, sob a liderança de Prestes. Giocondo e Marighella, porém, divergiram quanto à “política de conciliação com imperialismo” de Juscelino.
No governo Jango, Marighella defendeu a reforma agrária “na lei ou na marra”, Giocondo condenou o radicalismo das ligas camponesas. O primeiro apoiou a “revolta dos marinheiros”, o segundo considerou o movimento de cabo Anselmo uma provocação.
Quando os militares destituíram Jango, Marighella acreditou que bastaria o brigadeiro Francisco Teixeira bombardear as tropas do general Mourão Filho, que marchavam em direção ao Rio de Janeiro, para derrotar os golpistas, enquanto Prestes, o “Setor Mil” (militares da ativa), Giocondo e outros dirigentes concluíram que Jango estava politicamente derrotado e a resistência armada resultaria num inútil de banho de sangue.
Para Giocondo, a derrota da ditadura exigia longa resistência, a partir da formação de frente democrática, como de fato ocorreu. Inspirado na Revolução Cubana, Marighella acreditava que poderia transformar a derrubada do regime militar na revolução socialista. Em tempo: às vésperas do golpe de março de 1964, Prestes articulava a reeleição de Jango.
Luiz Carlos Azedo: A crise da social-democracia
No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre muito foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O título da coluna nos remete ao começo de tudo. A social-democracia tem sua origem no século 19, como resultado de um movimento político associado aos sindicatos operários e a ideias marxistas. A sua ascensão ao poder se deu em 1910, na Alemanha, após 20 anos de lutas vigorosas, que garantiram conquistas políticas, como o amplo direito de voto, a liberdade de expressão, de imprensa e de organização, e sociais, como a redução do horário de trabalho, contratos coletivos, educação básica, assistência médica e previdência, na onda da segunda revolução industrial.
Com quase 1 milhão de filiados, a Social-Democracia chegou ao poder ao obter 30% dos votos, tornando-se o principal partido do parlamento alemão, com uma liderança que reunia líderes operários e grandes intelectuais. A Revolução Russa de 1905 e a Revolução Mexicana (1910), além do prestígio de socialistas na França e trabalhistas na Inglaterra, transformaram a Segunda Internacional (a primeira teve vida efêmera) no mais vigoroso movimento político do começo do século XX. Mas veio a Primeira Guerra Mundial e isso pôs tudo a perder, porque os social-democratas alemães e trabalhistas apoiaram a guerra
O nacionalismo implodiu a Segunda Internacional. Na Rússia, o líder bolchevique Vladimir Lênin agarrou a bandeira da paz com as duas mãos e tomou o poder, criando a Internacional Comunista. Após a II Guerra Mundial, a social-democracia voltou ao poder em vários países da Europa Ocidental, enquanto os comunistas, apoiados ampliaram seu poder para o chamado Leste europeu, até o colapso da União Soviética, além da China, de Cuba e do Vietnã, onde permanecem no poder.
No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita. O Partido Comunista, fundado por Astrojildo Pereira em 1922, foi obra de nove anarquistas. O Partido Socialista criado por tenentistas, em apoio a Getúlio Vargas, em 1932, fracassou, por razões óbvias. Somente 1947, sob a liderança de João Mangabeira, viria a ser criado o Partido Socialista Brasileiro, por políticos e intelectuais da chamada Esquerda Democrática.
O PSB se contrapunha aos comunistas, liderados por Luís Carlos Prestes, e aos dois partidos criados por Getúlio Vargas em 1945, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado por políticos e líderes ligados aos sindicatos oficiais, e o Partido Social Democrático, constituído por antigos interventores do governo Vargas. Como se vê, nada a ver com a social-democracia, que emergia da II Guerra mundial como uma força política importante em vários países da Europa, que aceitava o capitalismo e atuava para mitigar seus efeitos considerados perversos.
Quem é quem?
A Internacional Socialista defende as liberdades civis, os direitos de propriedade e a democracia representativa, na qual os cidadãos escolhem os rumos do governo por meio de eleições regulares com partidos políticos que competem entre si. Na economia, as teorias do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) lhe caíram como uma luva, mas foram progressivamente mitigadas por ideias social-liberais. No Brasil, com a reforma partidária de 1979, antes mesmo da redemocratização, houve uma corrida para representar a social-democracia por aqui.
Quem chegou primeiro foi o trabalhista Leonel Brizola, graças às ligações com o líder socialista português Mario Soares, que patrocinou a entrada do PDT na organização internacional, deixando o ex-governador Miguel Arraes e o PSB a verem navios. Entretanto, após a vitória eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Internacional Socialista realizou em São Paulo, em 2003, o seu 22º congresso, o que foi uma espécie de reconhecimento do PT como uma força social-democrata. Recentemente, Lula foi a estrela do Congresso do Partido Socialista-Operário Espanhol, liderado por Pedro Sanchez.
Aquela reunião, porém, fora esvaziada: o alemão, Gerhard Schröder (social-democrata); o britânico, Tony Blair (trabalhista; e o sueco, Göran Persson (social-democrata), todos então no poder, se identificavam muito mais com o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Como o Brasil é um país de ideias fora de lugar, como já disse Roberto Schwarz, ao mostrar como as ideias liberais foram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, o ideário social-democrata, mesmo enviesado, continua sendo disputado por diferentes partidos. De certa forma, as prévias do PSDB, com a disputa entre os governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, dois políticos liberais, são mais um lance desse tortuoso caminho das ideais políticas no Brasil.
Janio de Freitas: CPI da Covid é exemplo de atuação a Ministério Público e Judiciário
Já Rodrigo Pacheco não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados
Janio de Freitas / Folha de S. Paulo
A descrença na punição dos indiciados na CPI da Covid, pelo visto, bem próxima da unanimidade, é um julgamento de tudo o que se junta no sentido comum de "Justiça brasileira".
Também desacreditado por parte volumosa da opinião geral, o desempenho da CPI excedeu até o admitido pelos mais confiantes.
O fundo da realidade volta à tona, porém. A criminalidade constada aliados por covardia ou por patifaria.
A CPI traz mais do que a comprovação de um sistema de criminalidade quadrilheira, voltado para o ganho de fortunas e mais poder político com a provocação da doença e de mortes em massa.
Nas entranhas desses crimes comprovados, está a demonstração, também, da responsabilidade precedente dos que criaram as condições institucionais e políticas para a degradação dramática do país e, nela, a tragédia criminal exposta e interrompida pela CPI.
Nada na monstruosidade levada ao poder surgiu do acaso ou não correspondeu à índole do bolsonarismo militar e civil.
Muito dessa propensão foi pressentido e trazido à memória pública com exaustão, lembrados os antecedentes pessoais e factuais.
Também por isso as surpresas com a pandemia não incluíram a conduta do poder bolsonarista, que então prosseguiu, em maior grau, a concepção patológica de país traduzida na liberação de armas, nas restrições à ciência, na voracidade destrutiva.
A CPI proporciona ainda um exemplo ao Ministério Público e ao Judiciário.
Cumpriu um propósito de extrema dificuldade, porque contrário a um poder ameaçador e desatinado, e o fez com respeito aos preceitos legais e direitos. Sem a corrupção institucional própria do lavajatismo.
É necessário não esquecer a contribuição, para o êxito incomum da CPI, de senadores como Omar Aziz, que impôs o bom senso e a determinação com sua simpática informalidade. E Randolfe Rodrigues, autor da proposta de CPI e impulsionador permanente do trabalho produtivo.
Tasso Jereissati foi importante, com o empenho para aprovação e composição promissora da comissão, além de dirimir impasses --tudo isso, apesar da cara de cloroquina do seu PSDB chamado a definir-se contra o poder bolsonarista.
O polêmico Renan Calheiros foi, como sempre, muito decidido e eficiente. Otto Alencar e Humberto Costa, médicos, foram decisivos muitas vezes. E houve vários outros, mesmo não integrantes do grupo efetivo, como Simone Tebet.
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deve ficar esquecido. Filia-se ao PSD com o projeto de candidatar-se à Presidência, de carona no êxito da CPI.
Contrário à investigação da criminalidade do governo e de bolsonaristas na pandemia, sumiu com o projeto aprovado para criação da CPI.
Foi preciso que o Supremo o obrigasse a cumprir as formalidades de instalação. E não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados.
A descrença em punições não precisa de explicação. Oferece mais uma desmoralização das afirmações de que "as instituições estão funcionando" no país do governo criminoso e da descrença nos tribunais superiores.
Sem solução
Inesperada, a derrota na Câmara do projeto que passaria ao Congresso atribuições dos promotores e procuradores, sem com isso atacar o essencial, evitou mais uma falsa solução.
Mudar a natureza de procuradores e promotores é impossível, um Dallagnol será sempre o que é. Logo, o necessário é o acompanhamento honesto do que se passa no Ministério Público, e mesmo no Judiciário.
Tarefa básica que os conselhos dessas instituições não fazem, funcionando sobretudo no acobertamento dos faltosos.
Eis uma norma há anos adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público: mesmo que determinada pelas regras penais, a demissão do faltoso só deve ocorrer se há reincidência.
Do contrário, a pena será apenas de suspensão temporária da atividade e dos vencimentos. Uma discreta indecência.
O necessário é fazer com que os conselhos sejam leais às suas finalidades.
O que o Congresso pode conseguir com a criação de um sistema de vigilância público-parlamentar. Até algo assim, os conselhos do Ministério Público e da Magistratura continuam como motivo de descrença extensiva nessas instituições.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/conselhos-de-ministerio-publico-e-judiciario-sao-motivo-de-descrenca-extensiva.shtml
Dorrit Harazim: Vísceras expostas
Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento
Dorrit Harazim / O Globo
O simples fato de a CPI da Covid ter existido e resistido, apesar da tropa de choque bolsonarista e da contrariedade do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já foi notável. Duplamente admirável foi o empenho da maioria de seus integrantes em trabalhar como gente grande, com decência e benefício claro para a sociedade. Conseguiram dar algum compasso moral a um Brasil que, de resto, está à deriva e expuseram as vísceras de Jair Bolsonaro, cujo método de governo se assenta num amplo leque de tipificações penais.
Nada a festejar, porém. Não pode haver conforto para povo algum que tem na chefia da nação um presidente indiciado por crime contra a humanidade — no caso, contra sua própria gente. É igualmente trevoso para a história de qualquer nação ver seu presidente indiciado por mais outros oito crimes. É tudo de um horror abissal, por ser factual. E por quase ter ficado enterrado nos porões do governo, não fosse o dever cumprido pela maioria na CPI.
Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento. E dar uma resposta adulta para a gargalhada com que o filho Zero Um do presidente, senador Flávio Bolsonaro, pretendeu desdenhar o documento histórico. O aspecto mais chulé da vida nacional anda esquisito — num curto espaço de tempo somos informados de que o presidente chora escondido no banheiro e de que o Marcola do PCC, líder da maior facção criminosa do país, está deprimido na prisão.
Mas são problemas reais que deixam em torvelinho 213 milhões de brasileiros. A fome de comer pelanca, o caos social, a extrema direita sem freios, os solavancos na economia, a emergência ambiental, a incerteza quanto a liberdades, a degradação geral da vida em sociedade — tudo isso entrou em marcha acelerada sob o comando errático de um só homem, Jair Bolsonaro. Que ninguém se engane — armados de fé e, se preciso, munidos de armas, seus seguidores mais extremados nunca lhe faltarão no pacto de morte contra o Estado Democrático de Direito.
Talvez o presidente e o relator da CPI da Covid, senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, já tenham se arrependido de ter votado pela recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. Nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump sobreviveu a dois processos de impeachment porque os senadores do Partido Republicano cerraram fileiras. Acreditaram estar fazendo política. Na realidade, fizeram história trevosa ao deixar o caminho aberto para Trump e sua vertente nacionalista voltarem ao poder — seja na reconquista da maioria na Câmara e no Senado em 2022, seja com Trump de volta à Casa Branca em 2024.
Não se trata de alarmismo. Nesta semana, Steve Bannon, o já notório cérebro de uma internacional fascistoide que inclui o Brasil, desafiou abertamente o Poder Legislativo dos EUA. Simplesmente recusou-se a depor perante a comissão de inquérito que investiga sua atuação na invasão do Capitólio de 6 de janeiro último, quando milicianos trumpistas pretendiam impedir a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden em 2020. Parece pouco? Para padrões da bicentenária democracia americana, não é. Ao deboche público das instituições, arrostado por Bannon, vem somar-se uma acelerada limitação do direito ao voto em vários estados decisivos do país. E esse desmonte é obra de governadores mais leais a Trump que àquilo que os Estados Unidos de melhor deram ao mundo: o voto universal e livre.
Por toda parte, pipocam candidatos a clones de Trump, que Steve Bannon vai arrebanhando e formatando em rede. Alguns ainda são meros aspirantes a um poder menor, como a figura midiática do argentino Javier Milei, candidato a uma vaga no Congresso nas eleições do próximo mês. Admirador declarado de Trump e Bolsonaro, tem fala carismática e propostas de soluções simples para problemas complexos, como manda o manual populista. Outros visam mais alto logo de cara. Na França está em curso a ascensão meteórica e inesperada do polemista Éric Zemmour, apresentador do canal conservador CNews , que parece querer disputar a corrida presidencial. Situado à extrema direita de Marine Le Pen, Zemmour também é admirador declarado de Trump, alerta contra o “declínio da França”, ataca a imigração, o islamismo e o resto da cartilha democrática.
Sem falar no governo a cada dia mais fechado da Polônia, primeiro a desdenhar de peito aberto as convenções democráticas da União Europeia. Na sexta-feira, a ainda chanceler da Alemanha, Angela Merkel, recebeu uma ovação sincera dessa mesma União Europeia. Foi recebida pelo rei Philippe da Bélgica (a sede da EU é em Bruxelas), homenageada com peças de Mozart e Beethoven em concerto de gala e saudada com frases como “a senhora foi um compasso”, “as próximas cúpulas sem Angela Merkel serão como Paris sem a Torre Eiffel”. No caso, não eram exagero — por 16 anos ela foi âncora. Sem ela, a Europa e o mundo com Trumps e Bolsonaros se tornarão ainda mais sombrios.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/visceras-expostas.html
Cristovam Buarque: A gripezinha fiscal do Guedes
O debate atual sobre o financiamento do Auxílio Brasil é mais um exemplo de corrupção da bondade
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
As atas das sessões no Parlamento durante os debates da Lei Áurea mostram escravocratas argumentando contra a Abolição, porque os escravos livres ficariam desamparados e morreriam de fome. Isto é corrupção da bondade. Defender aos pobres fazendo mal a eles. Este caso extremo foi repetido ao longo de décadas na política brasileira. Não defenderam a Abolição com distribuição terra aos ex-escravos, defendiam manter a escravidão para proteger aos escravizados.
Esta tem sido uma prática comum da minoria privilegiada brasileira ao defender propostas que lhes interessem, argumentando a favor dos pobres. Além da corrupção no comportamento, que rouba dinheiro público, temos a corrupção da ostentação, a corrupção dos privilégios, a corrupção nas prioridades e corrupção das bondades falsas. O BNH foi criado com o argumento de dar habitação aos pobres, mas serviu para financiar o lucro de empreiteiras, e construir as mansões e apartamentos que caracterizam as moradias das classes médias e altas brasileiras. O sistema nacional de habitação deixou pobres sem água, saneamento e os privilegiados com bons apartamentos financiados com empréstimos subsidiados, construídos por pedreiros recebendo míseros salários e continuarão sem casa, água nem saneamento.
O debate atual sobre o financiamento do Auxílio Brasil é outro exemplo de corrupção da bondade: em nome de atender o povo pobre, que passa fome, e precisa do auxilio, provavelmente vai fazer a maldade de trazer de volta a inflação, que sacrificará sobretudo a população pobre..
Por décadas os dirigente brasileiros aliaram o populismo mais desbragado dos políticos com o keynesianismo de economistas que não souberam adapta-lo às características do Brasil. O resultado foram décadas de uso da inflação para financiar projetos megalomaníacos, mordomias desavergonhadas, privilégios aristocráticos, subsídios à ineficiência, concentração da renda. Além de criar e consolidar a cultura de recursos ilimitados do Tesouro, capaz de financiar o luxo e dar ajudas a quem vive no luxo, tudo financiado pela inflação que aumenta as receitas nominais dos governos fazendo circular moeda desvalorizada, espécie de cheque com quase fundo.
O Auxílio Brasil aos pobres não deve ser adiado, mas deve ser financiado com recursos dos que não são pobres. Sem risco da inflação que paga com uma mão e tira com a outra.
O povo precisa e tem direito a receber uma renda que lhe permita sobreviver com dignidade. Esta renda exige muito mais do que os míseros R$400,00 que estão oferecendo, mas em moeda estável, sem inflação. E o Brasil, com um PIB e uma Receita Pública que permite financiar este auxílio. Desde que se toque no exagerado custo dos subsídios a setores ineficientes, se elimine privilégios financiados com recursos públicos, cancele-se o fundo partidário, as emendas parlamentares, os precatórios, reduzam o custo monumental do Estado, especialmente Legislativo e Judiciário. Mas no lugar de tirar de quem tem para auxiliar quem não tem, prefere-se romper o Teto para repetir as antigas equações populistas e gastar mais do que dispõe, com empréstimos ou emissão de moeda deixando ao povo a conta da inflação.
Bolsonaro aplica para as finanças a mesma visão negacionista com que enfrentou o covid, agora enfrenta o deficit. Para ele, com o apoio do Guedes, furar o teto é um arranhãosinho. A consequência poderá ser muito mais do que uma gripezinha fiscal: um epidemia monetária chamada inflação.
*Cristovam Buarque foi governador, senador e ministro
Fonte: