parlamentarismo

Representantes do governo e da oposição da Venezuela durante negociação na Cidade do México - Ministério de Relações Exteriores do México

Governo e oposição da Venezuela assinam acordo de normalização das relações

Opera Mundi | Brasil de Fato

As delegações do governo da Venezuela e da Plataforma Unitária – maior coalizão entre partidos opositores da direita venezuelana – assinaram neste sábado (26/11) o segundo acordo parcial para a proteção do povo venezuelano, no final da rodada de diálogo iniciada no dia anterior, na Cidade do México.

Em ato realizado em um hotel da capital mexicana, representantes dos dois setores estabeleceram as diretrizes de um documento que foi previamente lido por um dos mediadores, o diplomata norueguês Dag Nylander.

O documento, batizado como Segundo Acordo Parcial para a Proteção do Povo Venezuelano, consiste em uma série de compromissos de ambos os lados, visando a recuperação de recursos legítimos por parte do Estado venezuelano que estão bloqueados devido às sanções impostas por governos estrangeiros – especialmente o dos Estados Unidos – contra o país sul-americano. Esses recursos, também segundo o acordo, devem ser utilizados no atendimento das necessidades sociais e melhoria dos serviços públicos.

Segundo o chanceler mexicano Marcelo Ebrard, o outro mediador do encontro, o acordo deste sábado representa, “uma esperança para toda a América Latina. É uma boa notícia quando há diálogo, mediação e essa é a nossa posição sobre esse assunto”.

Em entrevista para o canal TeleSUR, o diplomata também destacou o documento “cria um mecanismo prático, voltado para atender necessidades sociais vitais e problemas de serviço público, com base na recuperação de recursos legítimos, propriedade do Estado venezuelano, que hoje estão bloqueados no sistema financeiro internacional”.

Ambas as partes concordaram com a criação de uma Junta Nacional de Assistência Social, que servirá como “órgão técnico auxiliar para a mesa de diálogo e negociação, que trabalhará para realizar ações e programas específicos de assistência social para o povo venezuelano”.

Os recursos bloqueados serão direcionados principalmente para a assistência social das populações em termos de saúde, eletricidade, alimentação e assistência às vítimas de tragédias naturais.

O líder da delegação governista no encontro foi o deputado Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional, o legislativo unicameral da Venezuela. Ele destacou que este segundo acordo possui virtudes que permitirão ao governo ter acesso a recursos necessários para que a confrontação política entre ambos os setores não signifique uma piora nas condições de vida das pessoas.

“Através deste acordo, estamos arrecadando mais de três bilhões de dólares, que vão diretamente para o financiamento da educação, saúde, eletricidade e para a atenção direta das vítimas das tragédias ocorridas na Venezuela devido às mudanças climáticas”, disse o parlamentar.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Nas entrelinhas: Transição não será um passeio pelo Eixo Monumental

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Engana-se quem pensa que este período de transição para o novo governo será fácil para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No plano político, a sinalização está sendo boa: Lula estabeleceu as relações cordiais com os demais Poderes e opera a montagem de um governo de ampla coalizão democrática. Também mostrou que não pretende deixar no sereno os eleitores de mais baixa renda que o elegeram, ao anunciar que os recursos do Bolsa Família vão extrapolar o teto de gastos.

Entretanto, o dólar disparou depois da divulgação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos. Ontem, o câmbio já passou dos R$ 5,30. O preço do fechamento do dia foi de R$ 5,396, alta de 4,14% no dia. Por volta das 15h30, o dólar estava a R$ 5,341, alta de 3,09%. Logo na abertura do mercado, a moeda americana chegou a subir quase 3%. Na quarta-feira, o dólar já havia fechado o dia em alta, de 0,74%, fechando a R$ 5,18. Desde o início do mês, a alta é de 2,96%. É óbvio que existe muita especulação no mercado, com divulgação de fake news que mexem com a Bovespa, em razão da insegurança dos investidores.

Lula já disse que não tem pressa para indicar o novo ministro da Fazenda, mas é aí que está o xis da questão no mercado financeiro. A rigor, ninguém sabe quais serão as medidas de impacto dos 100 primeiros dias de governo, exceto aquelas que estão sendo negociadas no Congresso, que sinalizam uma certa continuidade da farra fiscal que marcou a gestão do ministro Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Esse problema somente se resolverá quando for anunciado o nome do novo ministro da Economia ou da Fazenda, se houver desmembramento.

Havia uma expectativa positiva de que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin viesse a ocupar esse cargo, mas isso nunca foi cogitado de verdade por Lula. O próprio Alckmin já havia dito isso, o que fora interpretado como dissimulação, porém, ontem, Lula jogou uma pá de cal nessa possibilidade, ao afirmar que o ex-governador paulista não ocupará nenhum ministério. Esse também não foi o problema maior para o mercado financeiro, o que gerou instabilidade foi a própria fala de Lula e o fato de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ter sido confirmado como um dos integrantes do governo de transição.

Coalizão

Até agora, a principal ancoragem da transição de governo no mercado financeiro era a presença dos economistas Pérsio Arida, André Lara Resende e Guilherme Mello na equipe econômica da transição. A confirmação de Guido Mantega, ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff, sinaliza noutra direção. Mantega tem uma velha relação com Lula, que começou quando dava aulas de economia para o então líder metalúrgico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

Arida, Resende e Mello têm evitado declarações à imprensa; imagina-se que a mesma coisa acontecerá com Guido Mantega. Enquanto não se define o nome do futuro ministro, porém, as especulações no mercado financeiro vão continuar, até porque existe um ambiente internacional que também favorece isso. A guerra da Ucrânia se prolonga, o inverno se aproxima na Europa e há sinais de que poderemos ter um ambiente de recessão na economia mundial. Esse cenário acaba alimentando as teses de políticas anticíclicas, como as adotadas por Lula após crise de 2008, que se prolongaram no governo Dilma, levando-a ao impeachment.

A transição vai bem no plano político. Lula está prestigiando todos os políticos que o apoiaram desde o primeiro turno e ampliou a equipe de transição para incorporar os partidos e lideranças que o fizeram no segundo turno, principalmente Simone Tebet. O risco que corre, porém, é o novo ministério ficar com cara de governo velho, no qual antigos caciques políticos e a atual cúpula petista pontificariam. Com a PEC da Transição, do ponto de vista de sua base eleitoral, e o bom relacionamento com os líderes do Centrão, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, Lula garante a estabilidade do governo na sua largada para o novo mandato. Mas isso não basta para satisfazer os setores da classe média e da elite econômica do país que fazem restrições ao presidente eleito.

De qualquer forma, o novo governo será o que Lula conseguir articular em termos de forças democráticas. O primeiro turno das eleições mostrou que o projeto original era viabilizar nas urnas, de forma inequívoca, um governo de esquerda, ainda que sua coalizão eleitoral se autointitulasse “frente ampla”. A correlação de forças políticas e eleitorais, porém, obrigou Lula a ampliar suas alianças em direção ao centro político; a vitória por estreita margem, a realizar uma articulação ampla das forças democráticas para dar sustentação ao seu governo. Essa articulação não passa apenas pelos acordos no Congresso, passa também, e sobretudo, pela formação do governo e sua composição.

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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF

Bloqueios de Moraes pós-eleição incluem resolução nova e inquérito do STF

Após o segundo turno da eleição presidencial, o Judiciário já deu diferentes decisões de bloqueio de contas em redes sociais e derrubadas de grupos de WhatsApp e Telegram.

Entre os alvos mais recentes estiveram a deputada Carla Zambelli (PL-SP), os deputados federais eleitos Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO), além do economista Marcos Cintra (União Brasil-SP), que foi secretário da Receita Federal no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Tais decisões se inserem em um contexto de manifestações extremistas e antidemocráticas que questionam o resultado da eleição e pedem golpe.

Além disso, também há uma campanha constante de disseminação de afirmações falsas e teorias conspiratórias sem embasamento de que teria havido fraude no pleito deste ano.

O presidente do TSE , Alexandre de Moraes
O presidente do TSE , Alexandre de Moraes - Gabriela Biló/Folhapress

Apesar deste cenário, também há críticas por parte de especialistas, como no caso de Cintra.

Ele foi alvo de decisão do presidente do TSE e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das milícias digitais no Supremo, mas a avaliação é a de que a decisão não fundamenta qual seria sua ligação com a organização criminosa investigada.

Cintra fez uma série de tuítes reverberando informações não verificadas de questionamentos das urnas com base em uma live divulgada em canal argentino na última sexta-feira (4).

Já a decisão quanto à conta de Zambelli partiu do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), depois de a deputada fazer postagens de incentivo aos movimentos de cunho golpista.

Nikolas e Gayer, que também disseminaram o vídeo do canal argentino, disseram por meio de perfis não afetados por suspensão que as decisões também partiram do TSE.

Qual base a Justiça Eleitoral tem usado para remover conteúdos, contas e grupos? A dez dias do segundo turno o TSE aprovou uma nova resolução que ampliou seus poderes de modo inédito. Ela afirma que o TSE pode, "em decisão fundamentada", determinar a imediata remoção de conteúdos das redes sociais considerados "inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral". Com isso, o TSE passou a poder agir de ofício, ou seja, sem ser provocado por candidaturas ou Ministério Público Eleitoral, para lidar com desinformação sobre as urnas, por exemplo.

A resolução do TSE também permite a suspensão temporária de perfis, contas ou canais, nos casos em que haja "produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral".

O TSE pode remover conteúdo após o segundo turno? Apesar de o segundo turno da eleição já ter passado, o entendimento de especialistas é que o tribunal ainda pode tomar decisões com base na resolução.

Marcelo Weick, advogado eleitoral e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), entende que o marco que tem sido considerado é a diplomação dos eleitos, ato que ocorre em dezembro. "É a certificação do término do processo eleitoral como um todo, e garantir ao candidato a aptidão pra ele tomar posse", explica.

Há também quem faça uma avaliação mais ampliada e entende que essa possibilidade permanece mesmo após a diplomação, como é o caso do Carlos Affonso Souza, diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade).

"Acredito que o TSE pode decidir sobre os casos enquanto os alegados crimes e infrações não venham a prescrever", afirma ele.

Atuação proativa do TSE é adequada? As íntegras das decisões seguem sob sigilo, o que dificulta a análise sobre a fundamentação de cada uma delas. Ainda assim, de modo geral, especialistas entendem que as medidas tomadas pelo Judiciário são apropriadas frente ao cenário de intensa campanha de desinformação sobre as urnas e de ameaça à integridade do processo eleitoral.

Para Paulo Rená, que é codiretor do Aqualtune Lab, ONG integrante da Coalizão Direitos na Rede, a atuação proativa do TSE é também reflexo da falta de moderação feita pelas redes sociais, que, apesar de terem assinado compromissos com o tribunal de combate à desinformação, não atuaram de forma tão intensa na remoção de conteúdo falso contra as urnas.

Clara Iglesias Keller, pesquisadora no Centro de Ciências Sociais de Berlim, diz acreditar que, apenas dentro dos próximos meses, será possível ter uma análise apropriada sobre as decisões, mas destaca a atuação do tribunal.

"Nessas eleições o TSE foi a nossa única barreira institucional contra a desinformação", diz ela, que destaca que a desinformação é um complexo problema social.

"Os debates legislativos não caminharam a tempo e o tribunal se viu diante de um problema cujas raízes e efeitos estão muito além das suas competências."

Quando os ataques às urnas e defesa de golpe ultrapassam os limites da liberdade de expressão? Weick (UFPB) avalia que as decisões mais recentes têm tido preocupação em estancar ataques coordenados, dentro de um ecossistema de disseminação massiva de desinformação. Por isso avalia que é preciso considerar esse contexto nas decisões, dado que não são postagens isoladas.

"Você constrói ardilosamente um documento falso, manipulado, em que você coloca informações completamente descontextualizadas, sem rigor científico-acadêmico adequado", diz. "E a partir daí você começa a projetar uma série de comentários, de personalidades fazendo essa projeção, você catapulta essa desinformação."

De acordo com o procurador Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, proibir pessoas de lamentar nas ruas um resultado eleitoral, sem armas, ameaças ou violências, "seria tão impróprio quanto proibi-las de comemorá-lo".

Ele faz a ressalva contudo que, "se a manifestação, inclusive pela internet, tiver por objetivo incentivar a prática de crimes, entre eles os da Lei dos Crimes contra o Estado democrático de Direito, então ela já não terá proteção legal".

Quais as críticas à decisão de suspensão da conta de Cintra? Cintra não teve a conta no Twitter bloqueada com base na resolução do TSE. Ele foi incluído no inquérito das milícias digitais que tramita no STF. Apesar disso, não é possível depreender quais os elementos que permitiram a ligação do economista com a organização criminosa investigada. Essa é a avaliação tanto de Souza quanto de Weick e Rená, consultados pela reportagem com base na decisão.

Nela, Moraes afirma que Marcos Cintra utiliza as redes sociais para atacar as instituições democráticas e o próprio Estado democrático de Direito. E aponta que suas ações podem configurar crimes eleitorais.

"E as urnas, TSE? Tenho razões para não concordar com Bolsonaro… falta de preparo e de cultura, baixa capacidade de liderança, e comportamento inadequado para presidir um país como o Brasil. Mas as dúvidas que ele levanta sobre as urnas merecem respostas. Verifiquei os dados do TSE e não vejo explicação para o JB ter zero votos em centenas de urnas. Ex. Roraima, e em São Paulo, como em Franca, Osasco e Guarulhos", foi um dos trechos dos sete tuítes publicados por Cintra.

Moraes ainda cita que o inquérito foi instaurado devido a indícios e significativas provas apontando "a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político" com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito, de modo semelhante ao identificado no inquérito das fake news.

*Texto publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo


Lula inicia montagem de sua base no congresso | Imagem: Maurenilson Freire/Correio Brasiliense

Nas entrelinhas: Lula inicia montagem de sua base no Congresso

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje a Brasília com um a agenda carregada, na qual constam reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. Do ponto de vista prático, isso significa que está operando a transição de governo junto aos demais Poderes, o que deve esvaziar ainda mais o poder do presidente Jair Bolsonaro nos dois meses que lhe restam de mandato. Indagado sobre as tensões políticas pós-eleitorais, um ministro do Supremo que dialoga com os dois lados minimizou a importância dos protestos realizados por bolsonaristas no fim de semana: “Lula já assumiu o vértice do sistema de poder”, ou seja, a alta burocracia federal já o pera a transição político-administrativa como deve ser.

O presidente Jair Bolsonaro, a propósito, continua sem agenda relevante e digerindo o resultado das eleições. Suas declarações são de líder da oposição. Até hoje não reconheceu formalmente a derrota nem cumprimentou o presidente eleito. Em seu pronunciamento após a eleição, deixou claro que considera seu grande legado a formação de uma direita organizada no Brasil. É a primeira vez que um político na Presidência da República se assume como um líder de direita. Líderes da antiga UDN, por exemplo, que eram a expressão da direita golpista durante a guerra-fria, jamais assumiram essa condição. Todos se diziam liberais, como Eduardo Gomes, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto.

Os encontros com Lira e Pacheco são importantes para a construção da base parlamentar no novo governo e a viabilidade das medidas dos primeiros 100 dias de governo. O Orçamento de 2023 é uma bomba de efeito retardado, porque não prevê recursos para o Auxílio Brasil e para as políticas públicas. Por exemplo, verbas para a campanha de vacinação contra a Covid-19, que já dá sinais de que está voltando. Essa negociação é crucial, mas depende também de decisões sobre a equipe econômica do novo governo. A incorporação dos economistas André Lara Resende, Persio Arida e Guilherme Melo na equipe de transição descontentou os economistas do PT, que tinham expectativa de que o ex-senador Aloizio Mercadante fosse anunciado para comandar a política econômica do novo governo.

Governabilidade

A conversa de Lula com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, coordenador da equipe de transição e responsável pela incorporação dos economistas do Plano Real, ontem, pode ter resultado na indicação do futuro ministro da Fazenda (ou da Economia, se for mantida a nomenclatura atual). É preciso pôr fim às especulações no mercado, que estão provocando instabilidade no câmbio e nas ações da Bovespa. Por exemplo, no caso da Petrobras, havia uma quase certeza no mercado financeiro de que a empresa seria privatizada, caso Bolsonaro fosse eleito. Essa possibilidade está descartada, mas ainda permanecem grandes dúvidas quanto à política de preços e as prioridades de investimentos da petroleira.

Pelo acordado durante o fim de semana, Lula deve se reunir com a equipe de transiçao para definir uma solução para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, na tentativa de acomodar a extensão do Auxílio Brasil de R$ 600 para 2023. As conversas de Lula com Pacheco (PSD-MG) e Lira (PP-AL) são fundamentais para a governabilidade do novo governo. No caso de Pacheco, a relação é fundamental para o êxito do governo Lula, porque é uma Casa revisora e que sempre cumpriu um papel relevante no sentido de garantir a governabilidade. Além disso, Pacheco é o mais importante representante do PSD no Congresso, legenda que já negocia, por meio de seu presidente, Gilberto Kassab, sua participação no governo. Partido de centro-direita , a legenda tem 11 senadores e 42 deputados.

Uma conversa estratégica é com Arthur Lira, que controla o Orçamento da União. Seu partido foi a viga mestra da base de sustentação do governo, sob comando do presidente da legenda, Ciro Nogueira, o ministro da Casa Civil e responsável pelo diálogo entre o atual governo e os integrantes da equipe de transição de Lula. O caminho crítico da relação entre Lula e Lira é a eleição para a Presidência da Câmara, chave para os dois primeiros anos de mandato de Lula. Hoje, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, deve revelar se a legenda do presidente Jair Bolsonaro lançará candidato a presidente da Câmara ou apoiará Lira.

Outro elemento complicador na relação com o Congresso é a posição do MDB, cujo presidente, Baleia Rossi (SP), foi adversário de Lira na sucessão de Rodrigo Maia, em 2020. O Renan Calheiros, por cacique da legenda e adversário de Lira, já critica Lula, porque estaria cedendo demais às exigências do Centrão. Com 42 deputados e dez senadores, o MDB saiu muito fortalecido da eleição. Sua candidata, Simone Tebet, foi decisiva para a eleição de Lula e deve integrar o novo governo. O MDB discute com o PSDB o Cidadania e o Podemos a formação de uma frente parlamentar no Congresso e, talvez, uma federação das quatro legendas.

Para aprovar a tal PEC da Transição, Lula precisará contar com o apoio de 219 deputados e 14 senadores que não foram reeleitos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-inicia-montagem-de-sua-base-no-congresso/

BRASILIA, 02/10/2022 (Xinhua) -- O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, dá coletiva de imprena após a divulgação do resultado do primeiro turno das eleições 2022 (Foto: Xinhua/Lucio Tavora)

Atos que questionam as eleições "serão tratados como criminosos", diz Moraes

Brasil de Fato*

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, afirmou nesta quinta-feira (3) que os responsáveis por protestos que questionam o resultado das eleições "serão tratados como criminosos" e suas responsabilidades serão apuradas. A fala dura contra os atos bolsonaristas que se espalharam pelo país depois do encerramento das eleições foi feita na primeira sessão do TSE após o pleito do dia 30 de outubro. 

"Aqueles que criminosamente não estão aceitando, que estão praticando atos antidemocráticos, serão tratados como criminosos e as responsabilidades serão apuradas", afirmou o ministro. 

Militantes bolsonaristas trancaram estradas e rodovias em todo o país em atos contra a eleição de Lula e pedindo intervenção militar. Os bloqueios de caráter antidemocrático começaram ainda na noite do domingo e se espalharam por diversos estados do país. 

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, em boletim divulgado às 20h20 desta quarta-feira (2), há 126 interdições ou bloqueios em estradas federais pelo país. Outros 732 pontos de manifestação já teriam sido dispersados.

As ações golpistas foram indiretamente legitimadas pela recusa de Bolsonaro em declarar que aceita a vitória de Lula. Em seu primeiro pronunciamento, feito quase 48horas após a derrota, na terça-feira (1), afirmou a legitimidade dos atos pela "injustiça" da eleição. Depois de repercussão negativa, ele voltou a falar na noite desta quarta, agora pedindo diretamente aos manifestantes para liberarem as estradas. 

"As eleições acabaram, o segundo turno acabou democraticamente no último domingo. O TSE proclamou o vencedor, o vencedor será diplomado até dia 19 de dezembro e tomará posse em 1º de janeiro de 2023. Isso é democracia, isso é alternância de poder, isso é estado republicano", garantiu.

Comparecimento e eficiência

O ministro parabenizou a atuação da Justiça e do Ministério Público eleitorais na condução das eleições e também os eleitores. "Quero parabenizar a sociedade, as eleitoras, os eleitores, que em sua maioria massacrante são democratas, acreditam na democracia, no Estado de Direito. Compareceram, votaram em seus candidatos e aceitaram democraticamente o resultado das eleições." 

Moraes também destacou o comparecimento de 79,41% do eleitorado, chegando a quase 125 milhões de eleitores. "Houve efetivamente a participação maciça do eleitorado, e o brasileiro demonstrou a total confiança nas urnas eletrônicas", ressaltou. 

"Somos uma das quatro maiores democracias do mundo, mas a única que proclama o resultado no mesmo dia. Três horas após o final da eleição nós já sabíamos quem será o novo presidente e vice-presidente da República, mostrando a eficiência, a rapidez e a competência das urnas eletrônicas".

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato. Título editado


Ministros do governo se reúnem com ministros do TCU para discutir transição | Foto: Alexandro Martello/g1

Nogueira e Guedes se reúnem com TCU para discutir transição de governo

Alexandro Martello*, g1

Os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia) se reuniram nesta quinta-feira (3) com ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) para discutir a transição do governo Jair Bolsonaro para o governo do presidente eleito Lula.

Na última segunda (31), um dia após a vitória de Lula nas urnas, o TCU informou que iria acompanhar a transição. O tribunal criou um comitê, formado pelos ministros Bruno Dantas (presidente do TCU), Vital do Rêgo, Jorge Oliveira e Antonio Anastasia.

Após o encontro, Anastasia afirmou que há uma "grande receptividade por parte da equipe do atual governo”" em fornecer as informações necessárias.

"Eu acredito que, assim, [a transição] vá ocorrer de maneira muito serena e tranquila", acrescentou.

Segundo ele, o TCU irá atuar para que as informações "fluam de maneira oportuna, no tempo adequado e que sejam de fato aquelas que foram solicitadas".

Paralelamente à reunião dos ministros do atual governo com os integrantes do TCU, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin fará reuniões nesta quinta-feira em Brasília para discutir a transição.

No Congresso, por exemplo, Alckmin se reuniu com o relator do Orçamento da União, senador Marcelo Castro (MDB-PI). À tarde, o vice-presidente eleito se reunirá com o ministro Ciro Nogueira.

Atuação do TCU na transição

O prazo de funcionamento do comitê do TCU será de 90 dias. A função do grupo será acompanhar:

  • todos os atos da transição;
  • o compartilhamento de informações;
  • analisar eventuais reclamações de sonegação de informações por parte do atual governo.

Um processo também foi aberto para acompanhar e consolidar os resultados do trabalho do comitê. O processo será relatado pelo ministro Antônio Anastasia.

Em nota, o presidente do TCU, Bruno Dantas, afirmou que o tribunal tem "larga tradição na fiscalização do cumprimento da lei".

"O arcabouço normativo que fixa padrão civilizado para a transição de governos no saudável rito periódico de alternância de poder é um patrimônio da democracia brasileira e merece o máximo de atenção de todas as instituições", disse.

Na última terça-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez o primeiro pronunciamento após perder a eleição. Bolsonaro leu um discurso, de dois minutos, em que disse que continuará cumprindo a Constituição. Depois, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou que dará início à transição de governo.

Transição é prevista em lei

Presidente eleito, Lula terá direito a uma equipe de transição para os próximos dois meses. As regras para o processo de transição estão listadas na Lei 10.609/2002 e no Decreto 7.221/2010.

A "equipe de transição" terá a missão de se inteirar do funcionamento dos órgãos e entidades da administração pública federal – e preparar os primeiros atos do novo governo, geralmente editados já no primeiro dia do ano.

Para isso, a equipe do atual governo tem que colaborar fornecendo informações. O TCU vai acompanhar justamente esse processo.

A expectativa dos ministros do TCU é que a transição seja "tranquila" e "harmoniosa".

As autoridades que compõem o poder Executivo têm a plena consciência de que o Brasil é um país com uma democracia sólida, uma democracia robusta, com instituições que cumprem as suas atribuições e competências constitucionais e legais", afirmou Dantas nesta terça-feira (1º), durante sessão plenária.

"Não tenho dúvida alguma que essa transição se dará da maneira mais tranquila e harmoniosa possível", completou.

O ministro Jorge Oliveira, que compôs o governo Bolsonaro antes de ser indicado ao TCU, elogiou a iniciativa inédita do tribunal e disse que o TCU pode somar ao trabalho de transição que será feito.

"Não há qualquer receio que não tenhamos uma transição republicana. Mas, de fato, o Tribunal de Contas tem muito a contribuir com esse processo."

A própria lei que estabelece a transição entre governos diz que os órgãos e entidades da administração pública federal "ficam obrigados a fornecer as informações solicitadas pelo Coordenador da equipe de transição, bem como a prestar-lhe o apoio técnico e administrativo necessários aos seus trabalhos".

*Texto publicado originalmente no G1


Atrás nas pesquisas, Bolsonaro questiona credibilidade das sondagens eleitorais

Nas entrelinhas: Lula tenta reduzir desvantagem entre os evangélicos

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Quem visita os bairros de periferias ou favelas das grandes cidades brasileiras, com muita facilidade consegue identificar uma família evangélica por meio da simples observação visual. Geralmente, moram nas casas mais bem cuidadas, mesmo que menores e com aparência mais pobre. A principal razão costuma ser o fato de que seus ocupantes integram uma família estruturada, cuja rotina de trabalho e estudo está sustentada na harmonia familiar, na disciplina, na resiliência, na austeridade e na ordem. Existe uma funcionalidade na presença das igrejas pentecostais na organização da sociedade nas periferias que não pode ser ignorada.

É óbvio que há católicos, espíritas, umbandistas etc. com família unicelular e casas bem organizadas, mas estamos falando de famílias desestruturadas. O eixo da atuação dos evangélicos nas comunidades pobres é a preservação da família unicelular patriarcal e a defesa dos seus costumes tradicionais, o que leva à formação de uma base cultural conservadora, facilmente capturada pelas narrativas políticas reacionárias. Há setores reacionários na Igreja Católica, mas a doutrina católica é menos conservadora e sua presença como organização nas periferias é muito menor, porque suas igrejas fisicamente estão fora da maioria dessas comunidades. Por força da nossa própria formação como nação, os católicos até são a maioria nessas comunidades, mas não representam uma força organizada a partir do cotidiano de seus moradores, ao contrário dos evangélicos.

O presidente Jair Bolsonaro, como um fenômeno eleitoral de massas, emergiu da periferia em 2018 ancorado nas comunidades evangélicas, porque capturou o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal. Com uma narrativa conservadora, confrontou a revolução dos costumes, que é identificada pelos evangélicos como uma das causas da sua desestruturação, cujas consequências são dramáticas para uma família de baixa renda, porque bagunça a vida de todos os seus integrantes do ponto de vista até da sobrevivência física, ao contrário do que ocorre com um núcleo familiar de classe média, que sofre consequências sérias, mas tem mais mecanismos de defesa.

A agenda identitária da renovação dos costumes serviu de plataforma para que o PT e outros setores de esquerda, após o impeachment de Dilma Rousseff, reagrupassem suas forças e iniciassem o resgate de sua influência na sociedade, que havia sido fragilizada pela cooptação dos movimentos sociais durante os governos Lula e Dilma. A centralidade dessa pauta na luta contra Bolsonaro, porém, foi um erro em 2018, quando já estava em jogo a questão democrática, o que por muito pouco não se reproduziu nas eleições deste ano. Isso fez com que o apoio dos evangélicos se tornasse a principal ferramenta de Bolsonaro para penetrar nas camadas mais pobres da população, ainda que seja rejeitado pela maioria dos mais pobres e das mulheres.

Pesquisa

O Datafolha divulgado ontem, por exemplo, mostra que Bolsonaro lidera a disputa contra Lula entre os evangélicos, por 66% a 28%, enquanto a liderança do petista entre os católicos é de 58% a 37%. Lula vence entre os mais pobres, com renda de até dois salários mínimos, de 57% a 37%, mas perde em todas as faixas de renda acima disso, inclusive entre os que ganham entre dois e cinco salários mínimos, em que Bolsonaro lidera por 53% a 41%, faixa com forte presença evangélica.

Lula manteve a liderança geral, com 49% de intenções de votos, mas diminui a distância para Bolsonaro, como 45%. Só manteve a dianteira por causa da maioria das mulheres (51% a 42%), do Nordeste (67% a 29%) e dos negros (58% a 38%), além dos católicos e dos mais pobres.

Não à toa Lula, divulgou ontem a sua carta aos evangélicos, na qual reiterou a defesa do Estado laico e da liberdade religiosa. “O respeito à família sempre foi um valor central na minha vida, que se reflete no profundo amor que dedico à minha esposa, aos meus filhos e netos. Por isso, compreendo o lugar central que a família ocupa na fé cristã”, diz o documento. “Também entendo que o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado”, completa.

O documento procura repelir a acusação de que pretende fechar as igrejas evangélicas, muito difundida pelos pastores que apoiam Bolsonaro para disseminar ojeriza ao PT e ao ex-presidente Lula nas comunidades evangélicas: “Todos sabem que nunca houve qualquer risco ao funcionamento das igrejas enquanto fui presidente. Pelo contrário! Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso governo que as igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento, e até tiveram condições de enviar missionários para outros países.”

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-tenta-reduzir-desvantagem-entre-os-evangelicos/

Livro Cidadania LGBTI+ A criminalização da homotransfobia no Brasil é escrito pelo jornalista Rogério Godinho | Foto: FAP

Livro Cidadania LGBTI+ escancara preconceitos e destaca avanços 

João Vítor*, com edição da Coordenadora de Mídias Sociais Nívia Cerqueira

Em ordem cronológica, o livro Cidadania LGBTI+ aborda o embate no poder Legislativo que resultou na conquista da criminalização da homotransfobia no Brasil em 2019. Uma batalha que ainda não terminou, mas que mostra o quanto avançamos e precisamos ainda lutar para impedir retrocessos. O livro é escrito pelo jornalista Rogério Godinho e editado pela pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

Parte crucial da história do livro de 333 páginas, conforme ressalta Godinho, gira em torno do uso do preconceito como ferramenta de pânico moral. “Por entender a importância do tema e por me emocionar com a vitória de seus personagens, tenho enorme orgulho e felicidade de apresentar a vocês este livro”, destaca. Godinho afirma que a sociedade ainda vai precisar evoluir muito para eliminar o preconceito. "É um processo que envolve gerações e ainda estamos no meio dele", explica.

Apesar de ter seu nome na capa do livro, o autor considera-se interlocutor dos verdadeiros heróis desta conquista. “São pessoas que lutaram por meio de argumentos jurídicos, nos tribunais e nas colunas de opinião, no Ministério Público, nas defensorias e até nas delegacias para que isso se concretizasse”, diz.

https://www.youtube.com/watch?v=TKsWvXCZlW8

O jornalista conta que, por vezes, teve que lutar contra as lágrimas ao escrever. “ São centenas que sofrem e morrem neste Brasil a cada ano - eternamente de luto - , uma dor que não é possível colocar em números poque não cabem em uma lista”, lamenta Godinho sobre o preconceito.

O livro foi idealizado pelo psicanalista Eliseu Neto, especialista em Orientação Profissional e defensor dos direitos das pessoas LGBT.  Ele confirmou presença no lançamento da obra que acontece no dia 19/10, a partir das 19 horas, em evento online, que será transmitido nas redes sociais da FAP. “Dedico este livro a todas as pessoas que sofrem um preconceito tão arcaico”, diz Neto.  Godinho mediará o webinar, que contatará também com a participação da ativista Ananda Puchta, da advogada Maria Eduarda Aguiar; do advogado de Direitos Humanos Paulo Iotti e do diretor-executivo da organização brasileira LGBTQIA+, Toni Reis.

Um levantamento do Grupo Gay da Bahia, organização não governamental voltada para a defesa dos direitos dos homossexuais no Brasil, diz que no primeiro semestre de 2022, 135 pessoas LGBTI + foram mortas no país.

Neto analisa de que forma o preconceito pode ser erradicado. "O caminho é modificar pelo processo civilizatório, pela cultura, pela educação. A gente precisa de escolas inclusivas, escolas que ensinem a lidar com o diferente, a transformar na linguagem e a mitigar os preconceitos”, explica o psicanalista.

Cidadania LGBTI+ registra embate histórico diante de um Legislativo omisso em garantir direitos às minorias. O livro remete à luta da comunidade LGBTI+, que tanto já sofreu, mas que ainda assim não se abala e segue preparando-se para um futuro ainda incerto.

Serviço

Lançamento do livro Cidadania LGBTI+: a criminalização da homofobia no Brasil

Data: 19 de outubro

Horário: 19h

Onde ver: Perfil de Facebook e canal de Youtube da Fundação Astrojildo Pereira

Realização da FAP e do autor Rogério Godinho

*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão.


Noam Chomsky falando em microfone aberto | Foto: orhan akkurt/shutterstock

Chomsky: PT tem que lembrar que apoio de artista e reunião em universidade não ganham eleição

Mariana Sanchez*, BBC News Brasil

Pela janela, Noam Chomsky, de 93 anos, assiste à motociata pró-Bolsonaro rasgar a rua, preenchendo o ambiente com bandeiras verde e amarelas e o ronco alto dos motores das motocicletas.

Ativista político que se autodenomina um socialista libertário, Chomsky diz seguir "com grande interesse" aquela que tem sido descrita como a eleição mais tensa no país desde a redemocratização. Suas reflexões, ele ressalta, não são as de um especialista. "Não me leve muito a sério", diz, antes de emendar observações afiadas sobre a política brasileira.

Chomsky nota que, se as motociatas de Bolsonaro têm ocupado espaços públicos ao redor do Brasil, o mesmo não tem acontecido com a campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva, que tenta voltar à presidência e impedir que o atual presidente conquiste mais quatro anos no Palácio do Planalto. Para o pensador, a esquerda deixou de ocupar as ruas de modo organizado.

"No Brasil, minha impressão é que o PT simplesmente falhou nos últimos 20 anos em se organizar como movimento de base. Então, só para ilustrar, a gente conversa com as pessoas e as pessoas não sabem que se beneficiaram dos programas que o Lula criou, não sabem que ele foi o responsável por seus filhos poderem entrar na faculdade, por terem conseguido abrir um pequeno negócio. É Deus, é sorte, ou algo assim. Não o PT", aponta Chomsky.

Segundo ele, assim como o partido Democrata nos Estados Unidos, o PT se afastou do trabalhador, do mais pobre. Ao abraçar agendas neoliberais, perdeu a conexão histórica com seu eleitorado. E isso abriu espaço para que movimentos de direita radical capturassem essa audiência.

"(O PT vai fazer) uma grande reunião do partido para tentar responder ao que aconteceu (no primeiro turno), uma reunião na universidade, onde estarão artistas e escritores. Enquanto isso, as pessoas comuns (seguem) dizendo (sobre o PT): 'nos livramos dos bandidos'", avalia Chomsky, que conversou com a BBC News Brasil, por vídeo chamada, na tarde de segunda-feira (03/10), menos de 24 horas após a definição de segundo turno entre Lula, que conquistou 48,43% dos votos válidos, e Bolsonaro, com 43,20% dos votos.

Segundo Chomsky, um defensor incondicional da liberdade de expressão, a falta de capilaridade de base do PT e da esquerda brasileira explica a eficácia que têm algumas fake news na campanha, como a de que Lula planeja fechar templos religiosos.

"Se você tivesse um partido político ou qualquer organização geral defendendo os trabalhadores e os pobres, eles poderiam reagir a isso (fake news) na base, via organização local. Os Democratas não têm. E acho que não existe nada parecido no Brasil. O PT simplesmente não está se organizando na base, no chão de fábrica", afirma Chomsky.

Lula participa de uma reunião com artistas na cidade de São Paulo em 26 de setembro de 2022
Chomsky observa que PT deixou de se organizar em bases populares — e perdeu a conexão histórica com seu eleitorado

O filósofo, aposentado pelo Massachussets Institute of Technology (MIT) e atualmente professor da Universidade do Arizona, afirma que pautas como o aborto e o armamento civil são estratégias diversionistas para que a população mais pobre não perceba que as políticas econômicas dos governos são desfavoráveis a seus interesses. E afirma que o "pior crime de Bolsonaro é destruir a Amazônia", algo que pode colocar em risco a sobrevivência da humanidade como um todo.

Chomsky vê muitos paralelos entre a política nos EUA e no Brasil: desde o erro das pesquisas eleitorais ao medir as performances dos candidatos populistas de direita ao risco de uma repetição da invasão do Capitólio à brasileira.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Noam Chomsky à BBC News Brasil, editada por concisão e clareza.

BBC News Brasil- Como o senhor avalia o quadro político do Brasil hoje, à luz dos resultados do primeiro turno, que mostraram Lula a 1,5 ponto percentual de ganhar no primeiro turno mas com Bolsonaro apenas 5 pontos percentuais atrás dele, mostrando um vigor que as pesquisas não detectaram e que surpreendeu muita gente?

Noam Chomsky - Em primeiro lugar, isso é apenas uma parte do quadro político. Tem outra parte que eu acho ainda mais reveladora, que é que os candidatos de direita, os candidatos de Bolsonaro, realmente varreram a maior parte do Brasil muito além do que se esperava para o Congresso e entre os governadores.

E foi bastante surpreendente ver o que aconteceu com as pesquisas, dá pra supor que é bastante semelhante ao que está acontecendo nos Estados Unidos (onde as pesquisas demonstraram erro fora do esperado em antever a votação trumpista). Eles foram exatos em Lula, quase precisos. Mas subestimaram muito Bolsonaro e também seus candidatos.

Motociata de Bolsonaro em Curitiba em 31 de agosto
Para Chomsky, as motociatas de Bolsonaro têm ocupado espaços públicos ao redor do Brasil — diferentemente da campanha petista

Isso é exatamente o que acontece com Trump. As pesquisas subestimam o apoio popular a ele e aos que ele apoia. E suspeito que o motivo seja o mesmo. A parte da população que está inclinada a votar em Trump ou Bolsonaro provavelmente é tão anti-elite que não confia nos pesquisadores, acha que eles fazem parte dessa conspiração de esquerda que está tentando destruir a família, a igreja. Eles simplesmente não respondem. Eu não ficaria surpreso se o mesmo estivesse acontecendo aqui.

Houve uma tonelada de publicidade negativa nos anúncios da campanha de Bolsonaro em relação ao Lula. "Livre-se do ladrão". "Livre-se da corrupção". "Eles estão apenas roubando você". E a impressão que dá ao falar com as pessoas nas ruas é que isso teve um grande efeito. Que o grupo de Bolsonaro seja corrupto até o pescoço não é o que as pessoas têm ouvido ou captado no WhatsApp. Então, o papo das pessoas conversando na rua é 'vamos nos livrar dos corruptos, dos ladrões'. Novamente um fenômeno bastante semelhante tem acontecido nos Estados Unidos.

BBC News Brasil - Mas por que a esquerda não consegue reagir a isso?

Chomsky - O Partido Democrata, que você poderia supor ser a oposição (a Trump e aos republicanos nos EUA), na verdade praticamente se juntou à onda neoliberal no início dos anos 1980. Eles abandonaram a classe trabalhadora e os pobres apenas para seguir a guerra de classes de (Ronald) Reagan. Muito parecido com o Partido Trabalhista na Inglaterra, onde a piada era que Tony Blair havia se tornado uma versão light de (Margareth) Thatcher.

O resultado final é que esse público não é de ninguém. Não há nenhum partido político que esteja de fato defendendo os direitos e interesses dos trabalhadores, dos pobres. Eles (os trabalhadores e os pobres) são facilmente desviados para outras preocupações quando alguém como Trump, nos EUA, aparece no palco segurando em uma mão dizendo uma faixa que diz "eu te amo" enquanto que com a outra mão, ele te apunhala pelas costas. Eles apenas olham para o "eu te amo", não para o programa de governo.

No Brasil, minha impressão do que aconteceu é que o PT simplesmente falhou por 20 anos em se organizar na base. Então, só para ilustrar, a gente conversa com as pessoas e as pessoas não sabem que se beneficiaram dos programas que o Lula criou, não sabem que ele foi o responsável por seus filhos poderem entrar na faculdade, por você ter conseguido abrir um pequeno negócio. É Deus, é sorte, ou algo assim. Não o PT. Vimos isso em discussões pré-eleitorais de ativistas do partido, falávamos sobre como eles tiveram um grande apoio de artistas e de alguns movimentos sociais, mas não são essas pessoas que vão votar e vencer a eleição. Na verdade, (minha esposa) acabou de me dizer que haverá uma grande reunião do partido para tentar responder ao que aconteceu (no primeiro turno), uma reunião na universidade, onde estarão artistas e escritores. Enquanto isso, as pessoas comuns (seguem) dizendo que nos livramos dos bandidos. Essa é uma observação superficial, mas essa é a impressão que tenho há muitos anos.

BBC News Brasil - A direita radical tem ganhado terreno entre grupos que antes eram considerados esquerdistas, como trabalhadores sindicalizados, os mais pobres. Esse é inclusive um objetivo declarado deles, como disse recentemente Steve Bannon à BBC News Brasil. Por que isso está acontecendo?

Chomsky - Devo dizer que, embora acompanhe de perto os assuntos brasileiros, não estou intimamente envolvido neles, então posso dar apenas julgamentos superficiais. Mas me parece muito com o que aconteceu nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Então, vamos dar uma olhada nos Estados Unidos: o chamado neoliberalismo não tem praticamente nada a ver com mercados ou qualquer coisa assim, é apenas uma guerra de classes massiva e selvagem, muito concentrada e bem planejada, o capitalismo selvagem em seu extremo.

Noam Chomsky em 2018
Chomsky vê muitos paralelos entre a política nos EUA e no Brasil — desde o erro das pesquisas eleitorais ao risco de uma repetição da invasão do Capitólio à brasileira

Na década de 1970, o mundo dos negócios viu uma oportunidade de reverter as odiadas medidas do New Deal, as medidas social-democratas, que eram significativas. Eles foram fortemente apoiados por alguém como (o presidente americano republicano Dwight) Eisenhower, mas a comunidade empresarial nunca gostou e, no início dos anos 1970, houve uma crise econômica e uma oportunidade para os empresários de basicamente ir na jugular dessas medidas e lançar uma grande guerra de classes. Reagan embarcou. Margareth Thatcher, na Inglaterra, fez o mesmo. Tanto eles quanto seus conselheiros pelo menos entenderam que era apenas uma guerra de classes. A primeira coisa que fizeram foi ir atrás de destruir os sindicatos. Esse é o único mecanismo de defesa que os trabalhadores têm, isto está bem compreendido ao longo de mais de um século. Você tem que destruir os sindicatos se quiser levar a cabo uma guerra de classes. Divida a população e faça com que ela se desvie, se afaste das questões econômicas. Não queremos que olhem para isso porque estamos apunhalando-na pelas costas. Em vez de olhar para a economia, olhe para o aborto ou para armas ou qualquer coisa.

Isso começou com (o republicano) Richard Nixon com o que foi chamado de Estratégia do Sul (um discurso político que explorava eventuais episódios de violência em protesto antirracismo e advogava pela insegurança da população branca nas cidades), quando ele percebeu que podia conquistar os democratas do Sul que se opunham aos direitos civis (dos negros), apresentando-se como o partido racista.

Claro, Nixon não dizia: 'sou racista'. O que fazia era dar indicações, os chamados apitos de cachorro, que são códigos para fazer as pessoas entenderem que você está do lado da supremacia branca. E no momento em que chega a Reagan, não eram nem apitos de cachorro, era um racista aberto.

Ao mesmo tempo, os republicanos foram percebendo que se fingissem ser contrários ao aborto - apenas fingissem - poderiam ganhar o enorme voto evangélico. Se a gente voltar para a década de 1960, os líderes do Partido Republicano eram pró-escolha da mulher. Reagan, George H. W. Bush faziam parte basicamente dos apoiadores de Roe versus Wade (a decisão da Suprema Corte que liberou o aborto em todos os EUA até ser derrubada pela Corte este ano). Reagan, como governador da Califórnia, passou uma das leis mais abrangentes para garantir o acesso ao aborto (em 1967). Os estrategistas do Partido Republicano de meados dos anos 1970 que perceberam que, se fingissem ser anti-aborto, poderiam obter o enorme voto evangélico e o voto católico do norte. E num estalar de dedos, todos eles se tornaram apaixonadamente anti-aborto.

Isso está acontecendo agora no Brasil, o grande voto evangélico vai para Bolsonaro também. Novamente, (a estratégia de investir nas) questões culturais. Você olha para as eleições de 2018 no Brasil, nas quais suspeito que Steve Bannon esteve muito envolvido, e as mensagens que vinham no WhatsApp, que é o que a maioria das pessoas olham, é que o PT ia destruir as igrejas, ia transformar seus filhos em homossexuais e assim por diante. Esse é o problema. Desta vez, eles são todos ladrões corruptos que atacam a igreja, e por aí vai. Se você tivesse um partido político ou qualquer organização geral defendendo os trabalhadores e os pobres, eles poderiam reagir a isso (fake news) na base, via organização local. Os Democratas não têm. E acho que não existe nada parecido no Brasil. O PT simplesmente não está se organizando na base, no chão de fábrica. O que eles estão fazendo é como quando os democratas nos Estados Unidos se reúnem para ir a uma das festas chiques de (Barack) Obama, onde podem ouvir Beyoncé cantando e discutir. Se os republicanos querem apelar à classe trabalhadora, o que eles fazem é mandar que George W. Bush vá a um bar e peça uma cerveja e finja ser um "Zé" da classe trabalhadora comum. O que os democratas fazem: John Kerry vai praticar windsurf. Isso realmente não vai agradar aos trabalhadores. O PT e os Democratas se tornaram partidos de pessoas abastadas, que vão às universidades discutir o que fazer. E aí já está perdido.

De outro lado, os republicanos estão já bastante esgotados com os seus principais apoiadores, os setores corporativos, que não gostam deles. Assim como a classe empresarial no Brasil não gosta da vulgaridade e crueldade de Bolsonaro. Mas ainda assim, os dois grupos acham melhor isso do que ter outro petista ou democrata no poder.

BBC News Brasil - O senhor está traçando muitos paralelos entre os EUA e o Brasil. Há quem acredite que o país pode viver uma situação como o 6 de janeiro de 2021, quando trumpistas invadiram o Capitólio pra contestar os resultados eleitorais. O senhor vê esse risco no Brasil?

Invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021
Apoiadores de Trump invadiram o Capitólio para interromper a sessão que certificaria a vitória de Joe Biden, eleito presidente do país

Chomsky - O tumulto das motociatas do Bolsonaro dão uma ideia do que poderia ser. E olha que era apenas um desfile pelas ruas da cidade. Acho que os próximos serão meses muito difíceis. Bolsonaro fez declarações alegando possíveis fraudes tão extremas que a comunidade diplomática internacional se opôs fortemente. Então eu acho que eles vão se abster desse tipo de movimento. Mas é perfeitamente possível que eles possam replicar o 6 de janeiro. Lembre-se, o 6 de janeiro chegou muito perto de um golpe e só não o foi porque meia dúzia de pessoas decidiram diferente. Teria sido um golpe se (o vice de Trump) Mike Pence e (o então líder da maioria no Senado) Mitch McConnell estivessem dispostos a ver o sistema democrático formal derrubado. Foi muito perto.

Se aconteceu nos EUA, há um risco muito grande de que aconteça no Brasil. O país está obviamente muito dividido e Bolsonaro está despejando armas na mão de pessoas que se organizariam facilmente para dar um golpe. Não é preciso muita imaginação para pensar que os mesmos que participam da motociara também poderiam pegar em armas se for o caso. Como Trump, Bolsonaro disse muito explicitamente que ele não vai ser derrotado, quem sabe o que ele quer dizer?

BBC News Brasil - Se Lula vencer, o que ele deveria fazer em seu terceiro mandato?

Chomsky - Bom, a essa altura está meio tarde, mas eles precisam começar a se organizar entre a população em geral. Não basta ter artistas do seu lado, ou ter acadêmicos, é preciso sair às ruas e se organizar para realmente ter forças populares reais ali.

Não é que faltem pessoas (nesse campo da esquerda). Houve grandes manifestações populares (contra Bolsonaro), mas meio espontâneas. Eu não acho que eles tinham uma organização unificada ou um conteúdo político direto, exceto o "fora Bolsonaro" ou algo assim. Isto não é suficiente.

BBC News Brasil - Como o governo Bolsonaro se compara ao de Trump?

Chomsky - Uma das semelhanças é voltar a atenção do público para outro lugar. Essa técnica de apontar pro outro lado e gritar 'olha lá o ladrão', pra se livrar de questionamento sobre o aumento da fome e da pobreza, sobre as mortes da pandemia.

Mas o pior crime de Bolsonaro, não só para os brasileiros, mas para o mundo inteiro, é destruir a Amazônia. Mais alguns anos com o atual avanço da extração ilegal da madeira, do agronegócio e da mineração e chegaremos em pontos de inflexão irreversíveis, no qual a floresta se converte em savana. Sabe-se que isso acontecerá mais cedo ou mais tarde, mas essa possibilidade se aproximou muito por causa desses ataques destrutivos. É um desastre para o Brasil, uma catástrofe para o mundo inteiro. Em vez de tratar disso, vamos fazer campanha em outra coisa: 'olha aí, os ladrões do PT, tentando enganá-lo', 'eles vão destruir a família', 'vão atacar a igreja cristã'. Enquanto isso, nos aproximamos mais e mais do ponto em que não vamos mais sobreviver.

*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil


Adesismo e derrota na federação PSDB Cidadania | Imagem: reprodução

Nas entrelinhas: Adesismo e derrota na federação PSDB-Cidadania

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A coligação PSDB-Cidadania elegeu 18 deputados, de uma bancada de 29 parlamentares. Os tucanos eram 22, agora são 13. Os “cidadânios”, digamos assim, eram sete, e agora são cinco. A coligação foi feita para consolidar a hegemonia interna dos deputados paulistas de ambas as legendas, em torno da candidatura à reeleição do governador Rodrigo Garcia, que não chegou ao segundo turno. À época, o candidato do PSDB era o governador João Doria, candidato à Presidência, mas havia uma conspiração armada para defenestrá-lo tão logo se desincompatibilizasse do cargo para disputar a eleição.

No começo, Doria não acreditou que isso poderia ocorrer, mas levou um xeque-mate tão logo Garcia assumiu controle pleno do Palácio dos Bandeirantes. O vice que assumira o governo fazia a política municipalista, enquanto Doria se digladiava com o presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia, diga-se de passagem, em defesa da causa mais justa naquele momento: a política de distanciamento social e a corrida para produção de vacinas.

O governador foi vitorioso do ponto de vista da política sanitária, mas a superexposição aumentou sua taxa de rejeição no plano eleitoral. Garcia era um articulador suave, que conquistou o apoio da maioria dos prefeitos e da bancada tucana. Conduziu com competência a operação de cerco e aniquilamento de seu padrinho político no partido.

O PSDB não queria Doria como candidato, ou melhor, não queria ter candidato algum à Presidência. Isso seria um estorvo para a maioria da sua bancada federal, que estava grudada como bigode no Centrão, ou seja, na boca do Orçamento Secreto, mas do lado de fora do governo Bolsonaro.

A federação com o Cidadania facilitava a montagem das chapas proporcionais e trazia um aliado para disputa contra Doria. A preferência do Cidadania era o governador gaúcho Eduardo Leite, que jogou a toalha na disputa com Doria, ao perceber que os paulistas também não queriam que fosse candidato. Para o Cidadania, a federação resolveria suas dificuldades para ultrapassar a cláusula de barreira e poderia garantir a sobrevivência do partido, que sucedeu o antigo PPS (ex-PCB).

A salvação da lavoura foi a candidatura de Simone Tebet (MDB), um dos raros produtos da alta política dessas eleições, que sobreviveu a todos os assédios para que retirasse seu nome da disputa. O presidente do Cidadania, Roberto Freire, obsessivo articulador de uma alternativa de centro democrático à polarização Lula x Bolsonaro, e o deputado Baleia Rossi, presidente do MDB, que bancou a candidatura, foram os artífices dessa empreitada. Simone fez uma bela campanha, apesar de “cristianizada” pelo MDB e pelo PSDB. O Cidadania investiu em sua candidatura, mesmo sem possibilidade de ir ao segundo turno, vislumbrando que seria uma aposta para o futuro, ou seja, para 2026.

O que deu errado? O maquiavelismo provinciano de Garcia e seus aliados, que não contavam com a força do presidente Jair Bolsonaro (PL) na alavancagem da candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que virou o primeiro turno como franco favorito. Garcia ainda tentou desbancá-lo, fazendo pilhérias com o fato de o adversário não ser paulista e sequer saber onde ficava a seção eleitoral na qual votou. Mas não contava com o desgaste da longa permanência do PSDB no poder e das defecções que legenda sofreu desde quando Doria passou a controlar seu diretório regional. A mais importante foi a do ex-governador Geraldo Alckmin, que virou vice de Lula, mas houve outras, como a do ex-senador Aloysio Nunes Ferreira.

Troca-troca

O fato de o PT tratar Garcia como inimigo principal foi um equívoco grave, porque deixou Tarcísio solto e acabou empurrando toda a base do governador paulista para o colo do candidato que encarnava a polarização nacional. Isso criou as condições para que Garcia anunciasse apoio a Bolsonaro no segundo turno, para horror dos tucanos históricos, que estão vendo a legenda se transformar num partido meramente fisiológico. Com todos os seus defeitos, Doria tinha uma proposta programática social-liberal. Já o grupo liderado por Garcia não tem proposta alguma.

Liderado por Roberto Freire, o Cidadania tenta resistir ao arrastão bolsonarista em São Paulo, mas o líder da bancada na Câmara, Alex Manente, que se elegeu com grande votação, fez questão de marcar posição e anunciou que a bancada ficaria neutra na disputa nacional. A maioria apoiará a reeleição do presidente da República nos estados.

Entretanto, a legislação permite a troca de legendas dentro da federação, sem perda de mandato. Os dois partidos teriam mais nitidez se fizessem um troca-troca: quem apoia Lula no segundo turno fica ou vai para o Cidadania, quem apoia Bolsonaro permanece ou muda para o PSDB. Ou vice-versa. Seria mais coerente.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-adesismo-e-derrota-na-federacao-psdb-cidadania/

Lula x Bolsonaro pela presidência | Imagem: Lucasmello/Shutterstock

Nas entrelinhas: Segundo turno entre Lula e Bolsonaro não é nova eleição

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

É um lugar comum nas campanhas eleitorais, principalmente de parte de quem está perdendo, a tese de que o segundo turno é uma nova eleição. Há controvérsias. As forças em movimento são as mesmas, porém, os dois primeiros colocados operam forte atração sobre as demais, por expectativa de poder, motivação ideológica e/ou emocional. Isso provoca o realinhamento eleitoral, cuja resultante será a formação de uma maioria de votos válidos, que garante a consagração inequívoca do presidente eleito.

A eventual mudança de posição entre os dois candidatos é resultado da inércia da primeira votação e da eventualidade de o líder não se dar conta de que a sua estratégia está sendo superada pelo segundo colocado. Estamos falando do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL), obviamente. O que ocorreu na reta final do primeiro turno, por isso, gera uma força de inércia que pode resultar numa troca de posições.

Na última semana da eleição, Lula perdeu posições e Bolsonaro avançou. Mais do que frustrar a expectativa petista de vitória no primeiro turno, o resultado da votação de domingo embalou a campanha de Bolsonaro e gerou perplexidade na campanha de Lula, ainda que ninguém queira passar recibo do que aconteceu. Com 96,93% das urnas apuradas, Bolsonaro recebeu 43,70% dos votos válidos, enquanto o Lula teve 47,85% dos sufrágios. Os candidatos Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram, respectivamente, 4,22% e 3,06% dos votos válidos.

Um bom exemplo dessa expectativa é a fotografia da manifestação petista na Avenida Paulista, no dia da eleição, com Lula ao lado da esposa Janja; da ex-presidente Dilma Rousseff; da presidente do PT, Gleisi Hoffman; do ex-senador Aloizio Mercadante e do seu vice, Geraldo Alckmin, quase um estranho no ninho. Era uma espécie de “Lula é meu e ninguém tasca”, armado na expectativa de que a eleição estava decidida. Entretanto, o resultado do primeiro turno exigia que o palanque fosse muito mais amplo.

Lembrei-me de certa passagem do romance Vida e Destino (Alfaguara), do escritor judeu ucraniano Vassili Grosman, que foi correspondente de guerra na Batalha de Stalingrado, na Segunda Guerra Mundial. A publicação do livro esteve proibida durante muito tempo e seu autor chegou a ser preso por causa dele. Grossman relata a experiência de guerra, os absurdos de seus efeitos sobre a vida das pessoas, com toda a inversão de valores que acarretou. Realista, mostra os bastidores da batalha no partidos e na antiga sociedade soviética. É uma descrição impressionante de como a resistência ao invasor alemão se transformou numa guerra patriótica, na qual o protagonismo popular foi decisivo na frente de batalha. Mas também desnuda o comportamento do aparelho partidário, que se recolhe à retaguarda e, no momento de virada da guerra, opera para colher os louros da vitória.

O palanque de Lula no domingo refletiu uma falsa expectativa, na qual não se levou em conta que a onda do voto útil havia se esgotado e fora protagonizada por formadores de opinião que já estavam no campo da esquerda. O alarido e a agressividade da campanha, porém, provocaram o voto útil reverso dos eleitores anti-petistas, que não desejavam votar em Bolsonaro, mas o preferem em relação a Lula.

É aí que mora o perigo de virada eleitoral logo no começo do segundo turno, porque a inércia desse movimento silencioso pode não ter se esgotado no dia da votação.

Alianças

O PT se movimenta em direção ao centro com dificuldades. Lula recebeu o apoio do PDT, com a aquiescência de Ciro Gomes, e do Cidadania, liderado por Roberto Freire, ambos duros desafetos, que ontem anunciaram formalmente o apoio a Lula no segundo turno. Esses apoios decorrem de um claro posicionamento contra Bolsonaro e não de uma negociação de ambos com o petista.

Lula espera obter o apoio de Simone Tebet, a candidata do MDB, com quem deve se encontrar para tratar dos termos do apoio. No dia da eleição, a senadora anunciou que não iria se omitir e aguardava um posicionamento firme do partido.

O deputado Baleia Rossi (SP), o presidente da legenda, que bancou sua candidatura, porém, deve anunciar a neutralidade do MDB. Houve uma forte mudança na composição da bancada, que passou a contar com maior participação de parlamentares bolsonaristas eleitos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em contraponto aos representantes do Norte e Nordeste, aliados de primeira hora de Lula.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), no domingo anunciou seu apoio a Bolsonaro, que ontem recebeu a adesão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que o visitou no Alvorada. Ele ficou neutro no primeiro turno, apesar de Lula apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), no domingo anunciou seu apoio a Bolsonaro, que ontem recebeu a adesão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que o visitou no Alvorada. Ele ficou neutro no primeiro turno, apesar de Lula apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).

O governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que ficou fora do segundo turno, fechou o cerco ao anunciar, ontem, o apoio a Bolsonaro. O PSDB paulista apoiará Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato do presidente em São Paulo, mesmo tendo ele declarado que não deseja o apoio de Garcia. A. bancada do Cidadania, liderada pelo deputado paulista Alex Manente, que apoiará Tarcísio, anunciou neutralidade, contrariando a Executiva do partido.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-segundo-turno-entre-lula-e-bolsonaro-nao-e-nova-eleicao/

Revista online | Veja lista de autores da edição 46 (agosto/2022)

O economista Edmar Bacha durante entrevista cedida ao Estado em sua casa na zona sul do Rio | FOTO: MARCOS ARCOVERDE/ESTADAO

*Edmar Bacha é o entrevistado especial da revista de agosto (edição 46). Ele é sócio fundador e membro do conselho diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica/Casa das Garças. Membro das Academias Brasileiras de Ciências e de Letras. Em 1993/94, foi membro da equipe econômica do governo, responsável pelo Plano Real.

*Fundação Astrojildo Pereira detém os direitos da reportagem especial da edição 46: Monkeypox reacende alertas sobre estigma e homofobia.

*Lilia Lustosa é autora do artigo Elvis eterno. É crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.

*Renata Costa é autora do artigo Por que as políticas públicas de leitura são fundamentais. É ex-secretária do Plano Nacional do Livro Leitura (PNLL), gestora do projeto Palavralida e conselheira de Estado de Cultura do Rio de Janeiro

*Kennedy Vasconcelos Júnior é autor do artigo Representatividade negra na política. É coordenador do Igualdade23 de Minas Gerais. Primeiro Secretário na empresa Conselho Municipal de Cultura de Juiz de Fora – Concult-JF.

*Arlindo Fernandes de Oliveira é autor do artigo A Câmara dos Deputados nas eleições de 2022. É consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.

*Delmo Arguelhes é autor do artigo A tópica anticomunista na linguagem fascista. É doutor em história das ideias (UnB, 2008), com estágio pós doutoral em estudos estratégicos (UFF, 2020. Coordenador do Grupo Geopolítica e Governança Oceânica do CEDEPEM (UFF/UFPel). Autor do livro Sob o céu das Valquírias: as concepções de honra e heroísmo dos pilotos de caça na Grande Guerra (1914-18).

*Henrique Brandão é autor do artigo 2013: ecos que reverberam até hoje. É jornalista e escritor.

*Mayra Goulart é autora do artigo Ressentimento e reação conservadora: sobre eleição histórica. É professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS/UFRRJ). É, ainda, coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).

*Benito Salomão é autor do artigo Artificialismos econômicos. É economista-chefe da Gladius Research e doutor em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).

*A Fundação Astrojildo Pereira detém os direito do editorial da revista de agosto (edição 46): A presença da sociedade civil

*Marcelo S. Tognozzi é o autor do artigo Pobreza sem fronteiras. É jornalista e consultor independente. Fez MBA em gerenciamento de campanhas políticas na Graduate School Of Political Management - The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madri.

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