Ocupação

Urnas eletrônicas Brasil 2022 | Imagem: BrunaFelinto/Shutterstock

Nas entrelinhas: O Centrão esvazia a terceira via para ocupar seu lugar

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Com a entrevista do presidente Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional (TV Globo), ontem à noite — que pretendo comentar amanhã, porque escrevo antes que aconteça —, iniciamos uma semana na qual as propostas dos candidatos a presidente da República chegarão ao amplo conhecimento dos eleitores. Ciro Gomes (PDT) participará na terça; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na quinta; e Simone Tebet (MDB), na sexta. André Janones (Avante), que seria entrevistado na quarta, retirou a candidatura. As entrevistas esquentarão o clima político. O horário eleitoral de propaganda obrigatória de rádio e tevê começará no dia 26, sexta-feira.

Enquanto a disputa pela Presidência monopoliza as atenções nacionais, a disputa eleitoral pelas 513 cadeiras da Câmara Federal e 51 assentos no Senado ocorre numa espécie de lusco-fusco: é acompanhada nos respectivos estados, mas não em seu conjunto, como deveria. É sempre assim, o balanço vem depois do primeiro turno, quando se avalia se houve muita ou pouca renovação. No Senado, com certeza, será limitada pelo fato de que está sendo disputado apenas um terço das cadeiras, uma vaga para cada um dos 26 estados e Distrito Federal; na Câmara, é possível que a renovação seja a menor dos últimos tempos, porque o processo eleitoral e seus mecanismos de financiamento foram blindados para dificultar ao máximo a renovação política.

Houve crescimento do número de candidatos, principalmente de mulheres e de negros, por causa da política de cotas e da obrigatoriedade de melhor distribuição de recursos para esses segmentos, mas isso não significa que haverá ampla renovação. A principal mudança será em relação aos partidos que não alcançarem a cláusula de barreira (2% dos votos válidos em todo o Brasil para a Câmara dos Deputados, ou 11 deputados federais eleitos, tudo isso em pelo menos nove Estados), que perderão o financiamento eleitoral e o acesso à propaganda gratuita de rádio e tevê. Isso também é uma contabilidade que ficará para depois do pleito.

A disputa pela Câmara é emulada pelo número de deputados de cada partido, que determina a distribuição do fundo eleitoral de R$ 4 bilhões, sem falar no fundo partidário, que financia o funcionamento dos partidos. A performance dos partidos na eleição para a Câmara é a que tem maior peso na distribuição do fundo eleitoral. O resultado da eleição determinará a destinação de R$ 4,9 bilhões em 2024, e igual valor, pelo menos, em 2026. Esses recursos do fundo estão por trás de todo o troca-troca de partidos que ocorreu na janela de filiação partidária e da capacidade de cada legenda estruturar suas chapas de candidatos proporcionais.

Quem tem a força

Dos 513 deputados atuais, 453 deputados federais tentarão a reeleição, o maior índice da história, certamente porque nunca tiveram condições tão favoráveis para a campanha. Historicamente, a taxa média de reeleição é 53%. Os números mostram que 33% dos candidatos nunca disputaram uma eleição e 44,5% já tentaram a carreira legislativa, mas não se elegeram para qualquer cargo. Dos 10.332 concorrentes, apenas 2.257 (21,8%) já exerceram algum cargo legislativo. O que está desequilibrando a disputa é a força do dinheiro à disposição dos deputados federais, além da liberação de verbas do “orçamento secreto” de R$ 16 bilhões para compra de apoios.

O “orçamento secreto”, como são chamadas as emendas de relator do Orçamento da União, é uma ferramenta monopolizada pelo Centrão, operada pelo ministro da Casa Civil da Presidência, Ciro Nogueira (PP), e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Os parlamentares que não estão na base governista estão em desvantagem. Como a liberação das verbas depende do Executivo, o apoio dos candidatos do Centrão à reeleição de Bolsonaro faz parte do pacote da reeleição, mas essa força de atração do governo como forma concentrada de poder é mitigada eleitoralmente pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a expectativa de poder que isso gera, além dos arranjos políticos locais, nos quais os governadores, sobretudo os que disputam a reeleição, têm muito peso na armação das chapas proporcionais.

Manter o controle do Congresso e garantir a reeleição de parlamentares aliados fazem com que o Centrão, liderado pelo PP e pelo PL, avance em direção aos parlamentares dos partidos de centro-esquerda, incorporados à articulação majoritária da Câmara sem que, necessariamente, seus partidos apoiem Bolsonaro. Vem daí também as dificuldades da construção de uma terceira via, cujo espaço político está sendo ocupado pelo Centrão, como uma força com política própria e poder de pressão sobre o governo, enquanto a polarização eleitoral reduz o campo de disputa dos votos indecisos. A possibilidade de romper essa lógica dependeria de um ambiente eleitoral mais aberto, como foi o de 2018, no qual os parlamentares com mandato teriam mais dificuldades de se eleger.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-centrao-esvazia-a-terceira-via-para-ocupar-seu-lugar/

Em 20 anos, área de lavouras aumentou 300% na Chapada dos Veadeiros

Pressão no entorno do parque aumenta a cada ano. Monocultura e pastagem ganham espaço nas cidades da região, em detrimento do cerrado

evolução da ocupação territorial na chapada dos veadeiros, em goiás
Lapig/UFG - Landsat 5 e Landsat 8

Galtiery Rodrigues / Metrópoles

Goiânia – A região da Chapada dos Veadeiros sofreu severa mudança na configuração da ocupação do solo nas últimas décadas. Enquanto áreas de florestas e de cerrado nativo reduziram, devido ao desmatamento, o espaço ocupado por pastagens e, principalmente, monocultura de grãos aumentou significativamente. Em 20 anos, a dimensão da área das plantações nas cidades que compõem a região triplicou, com um aumento exato de 305%.

Dados da plataforma MapBiomas.org mostram que, entre 2000 e 2019, o território ocupado por agricultura em Alto Paraíso de Goiás, São João d’Aliança, Cavalcante, Teresina de Goiás, Nova Roma e Colinas do Sul foi de 15,7 mil hectares para mais de 63,8 mil hectares. A mudança dessa configuração já é nítida na paisagem vista por quem chega à Chapada, especialmente pela rodovia G0-118, no trecho entre São João e Alto Paraíso.

A alteração e reflexo dessa pressão no entorno de um dos parques naturais mais famosos do Brasil, e que atrai turistas do mundo todo, é perceptível, inclusive, pela evolução, ao longo do tempo, de imagens de satélite. A pedido do Metrópoles, o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG) fez a comparação entre o antes e o depois da região da Chapada.

Veja como era em 1985 e como está hoje:

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, gerido e monitorado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), possui uma extensão de 240,6 mil hectares e é um dos últimos cinturões de cerrado nativo, em Goiás. O estado liderou o desmatamento do bioma, no Brasil, até 2013, conforme dados do Prodes, programa de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


Mais sobre o assunto

Hoje, Goiás é o segundo colocado em incremento de desmatamento, atrás apenas do Mato Grosso, e responsável, até então, por 15,78% da área de cerrado devastada no país. Só em 2020, o Prodes calculou uma área desmatada de cerrado equivalente a 724,52 Km², em solo goiano.

Por ser unidade de conservação, o parque da Chapada carrega o status de proteção. O seu entorno, no entanto, é o que preocupa, devido à crescente pressão em direção ao parque, com prejuízos para a biodiversidade local. Nos últimos dois anos e meio, a plataforma Map Biomas Alerta identificou 110 situações de desmatamento nas cidades da região, que geraram uma devastação de 5.431 hectares – média de 5,7 hectares por dia.


CHAPADA DOS VEADEIROS


Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Insetos no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Borboleta no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Amanhecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Vista de área pertencente à proposta de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Entardecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Insetos no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso  (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Borboleta no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso  (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) -  Amanhecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Vista de área pertencente à proposta de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) -  Entardecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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“Se não existisse o parque, seria tudo soja”

A trincheira jurídica confere certa proteção ao parque, apesar de investidas e interesses de conhecimento público que ameaçam a integridade da área. O caso mais recente é o projeto protocolado na Câmara dos Deputados pelo deputado federal Delegado Waldir (PSL/GO), que visa sustar o decreto do governo Michel Temer (MDB), assinado em 2018 e que ampliou o território do parque. O projeto dele prevê uma redução de mais de 70% da área atual.

Morador da região desde 2003 e atual secretário de Meio Ambiente de Cavalcante, Rodrigo Batista Neves considera a existência do parque e as regras legais que isso impõe como os únicos fatores que, ainda, seguram o avanço mais incisivo da fronteira agrícola sobre o território da Chapada.

“A gente agradece muito por existir esse parque. Se não existisse, a Chapada já seria tudo soja. As zonas que foram conservadas são exatamente o parque e o Sítio Histórico Kalunga. Eles (empresários do agronegócio) falam que áreas que estão hoje dentro do parque são ideais para plantação de soja, como a região das Sete Lagoas e a Serra das Cobras”, diz Rodrigo.

O avanço da ampliação da monocultura, na região, segundo o secretário, ocorreu fortemente de 2005 para cá. “Em coisa de um ano, por exemplo, você via de 3 a 5 mil hectares de cerrado sumindo”, descreve. A alteração mais sensível foi na região entre São João d’Aliança e Alto Paraíso de Goiás. Na primeira, existem, hoje, 29 pivôs centrais em funcionamento e na segunda, apesar do avanço mais recente da agricultura, já são 21.

Veja a comparação da região:

Maiores áreas de monocultura

São João d’Aliança e Alto Paraíso possuem as maiores parcelas de terra ocupadas por lavouras, dentre as cidades que compõem a região da Chapada dos Veadeiros. Em 20 anos, São João, cujas lavouras cultivam soja, milho e feijão, passou de 8,7 mil hectares de agricultura para mais de 42,7 mil hectares – um aumento de 392%, diante de uma perda de 15% da área de cerrado no município, no mesmo período.https://f38f0f04653412e5845eb906cdb8f8f1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Em 2000, Alto Paraíso, cidade portal do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e, portanto, mais próxima da área de conservação, tinha uma parcela ocupada por lavouras equivalente a 3,4 mil hectares. Vinte anos depois, já eram mais de 16 mil hectares, segundo maior território ocupado por agricultura entre as cidades da região. Em percentual, esse aumento foi de 367%.https://f38f0f04653412e5845eb906cdb8f8f1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Estou aqui há 33 anos. As coisas mudaram, significativamente. Acho que já comeu uns 80% do cerrado, desde quando vim morar aqui. De uns tempos para cá, desandou de vez, mas é complicado. Todos precisam comer, produzir e a demanda agrícola é muito grande. A gente tenta conciliar as duas coisas, com uma boa administração, mas, ambientalmente, é um baita prejuízo. Não tem como mensurar”, afirma Geraldo Bertelli, secretário de Meio Ambiente de São João D’Aliança.

Comparação na região de Nova Roma:

Secretária defende o agro e cita loteamentos como maior ameaça

Apesar dos dados de avanço da ocupação do território na região da Chapada dos Veadeiros, a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás, Andréa Vulcanis, não considera, hoje, o agronegócio como o elemento que mais ameaça o cerrado no entorno do Parque Nacional. Para ela, o que preocupa na região são os loteamentos e a abertura de condomínios.

Vulcanis alega que o agro é uma atividade com taxa baixíssima de descumprimento do Código Florestal, e cujas reservas legais são preservadas “e muitas das vezes em uma área até maior do que é demandado”, defende. Em março deste ano, fiscais da secretaria que ele comanda (Semad) flagraram 200 hectares sendo desmatados no interior da Área de Proteção Ambiental (APA) de Pouso Alto, em Cavalcante.

“A Chapada é muito mais visada pelos loteamentos e condomínios, principalmente com o advento da pandemia, e pelo êxodo urbano. As pessoas agora procuram paisagens naturais para terem uma segunda moradia, principalmente pessoas vindas de outros países. De outra vista, penso que a exploração daquele lugar para o agronegócio se dá pela oferta de terras mais baratas, menos valorizadas”, expõe Andréa.

Pessoas ligadas ao meio ambiente e ao ecoturismo da região consideram polêmico o posicionamento da secretária. “Eu colocaria o contrário: primeiro o agronegócio, depois a mineração e, em terceiro, os loteamentos irregulares. Se juntar todos os loteamentos, não dá uma fazenda de soja de Alto Paraíso”, contrapõe o secretário de Meio Ambiente de Cavalcante, Rodrigo Neves.

Comparação na região de Cavalcante e Colinas do Sul:

Dinâmica da ocupação exploratória

A maneira como o cerrado foi ocupado, historicamente, teve a exploração como sua principal característica. A coordenadora do Lapig e professora do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG, Elaine Barbosa da Silva, explica que, apesar da ocupação recente – de 1970 para cá -, não havia um vislumbre de proteção do bioma, no início do avanço da fronteira agrícola em direção ao oeste do Brasil.

“Ele foi abarcado pela exploração. A parte de Goiás mesmo é bem degradada. São ambientes totalmente fragmentados, resultantes de uma lógica que se repete ao longo do bioma, no geral. Primeiro, vem a pastagem, após o desmatamento, e depois, quando essas áreas de pasto se valorizam, com implantação de infraestrutura e, principalmente, se estão em regiões planas, de fácil mecanização, elas são tomadas pela agricultura”, explica a professora.

Os números mostram isso. Nas cidades da Chapada dos Veadeiros, houve primeiro um avanço da área ocupada por pastagens, associado ao desmatamento de cerrado e de regiões de floresta, entre 1985 e 2000, inclusive com índice acima do avanço da agricultura, no mesmo período. A partir do ano 2000, com algumas áreas já abertas e seguindo a lógica da dinâmica de ocupação, o espaço foi preenchido pelo crescimento acelerado da monocultura na região.

De 1985 a 2019, conforme os dados de monitoramento da plataforma Map Biomas Brasil, as cidades da Chapada reduziram em quase 107 mil hectares a área ocupada por cerrado (-11%) e em 30,6 mil hectares a área ocupada por formações de floresta – também redução de 11%.

Veja a evolução da ocupação territorial na Chapada dos Veadeiros, de 1984 a 2000:




Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/em-20-anos-area-ocupada-por-lavouras-aumentou-300-na-chapada-dos-veadeiros


Demétrio Magnoli: Retirada americana do Afeganistão é tão inevitável quanto a do Vietnã

O dia da queda de Cabul marcará um bárbaro retrocesso

No 11 de setembro, exatos 20 anos depois dos atentados jihadistas de 2001, as forças americanas e da Otan deixarão o Afeganistão, encerrando a mais longa guerra da história dos EUA. Quase meio século atrás, em janeiro de 1973, os Acordos de Paris colocaram ponto final no envolvimento militar dos EUA no Vietnã. No 30 de abril de 1975, as forças do Vietnã do Norte capturaram Saigon, capital do Vietnã do Sul. De quanto tempo, depois de setembro, precisará o Taleban para tomar Cabul?

O Afeganistão, cemitério de potências, foi o palco principal do Grande Jogo, a disputa política, diplomática e militar travada entre os impérios britânico e russo, desde 1830 até 1895, pelo controle sobre a Ásia Central. No país montanhoso, dominado pela cordilheira do Hindu Kush, sem saídas marítimas, a URSS travou sua última guerra, de 1979 a 1989, o conflito que empurrou o Império Vermelho ao precipício. O Taleban e a Al Qaeda nasceram das ruínas daquela guerra.

Obama definiu a intervenção americana no Afeganistão como a “guerra inevitável”, por oposição à “guerra estúpida” no Iraque. O 11 de setembro de 2001 não deixava alternativa senão a derrubada do regime do Taleban e a eliminação das forças da Al Qaeda abrigadas no país.

Mas George W. Bush e, especialmente, o cortejo de neoconservadores que comandaram sua política externa, queriam mais. A ambição geopolítica de hegemonia sobre o “coração da Ásia” inspirou a estratégia de “construção da nação” —e, por consequência, uma prolongada ocupação do Afeganistão. A “guerra inevitável” converteu-se numa segunda “guerra estúpida”.

Nos EUA, desde Woodrow Wilson, a realpolitik deve ser coberta pela túnica dos valores e ideais. Prometeu-se aos afegãos democracia, liberdades públicas, a igualdade das mulheres. A Constituição de 2004 garante, ao menos em palavras, os direitos básicos de cidadania. Ironicamente, sob esse ponto de vista, a presença militar americana separa os afegãos do fundamentalismo religioso tirânico. O dia da queda de Cabul marcará um bárbaro retrocesso.

A retirada do Afeganistão é tão inevitável quanto a do Vietnã —e por razões similares. Os americanos cansaram das guerras sem fim e, para eles, sem sentido. Os Acordos de Paris de 1973 foram negociados por todas as partes, inclusive o Vietnã do Sul, e previam um cessar-fogo. Dessa vez, os EUA correram rumo à porta de saída. Trump firmou com o Taleban um acordo de paz bilateral, que excluiu o governo afegão e só previne ataques contra as forças ocidentais. Biden adotou-o quase por inteiro, apenas postergando em quatro meses a retirada.

“Nós ganhamos a guerra e os americanos perderam”, declarou Haji Hekmat, um alto comandante do Taleban, enquanto Biden anunciava a data fatal. O Exército afegão, composto por 175 mil tropas e 150 mil paramilitares, é um tigre de papel. Sem o apoio aéreo fornecido pelos EUA, ninguém acredita que sobreviverá ao choque direto com o Taleban. Vietnã, outra vez.
2021 não é 2001. A Al Qaeda só existe como fiapos, e o Talebã dificilmente voltará a abrigar jihadistas dispostos a atacar os EUA. A retirada justifica-se, à luz da segurança nacional americana. Mas, ao contrário do Vietnã, é um ato de traição.

Na hora da queda de Saigon, em operação frenética, os EUA evacuaram mais de 7.000 pessoas, inclusive milhares de políticos e funcionários sul-vietnamitas. Nos anos seguintes, centenas de milhares embarcaram em frágeis botes para tentar a travessia do golfo da Tailândia e do mar do Sul da China. Mesmo assim, o êxodo abrangeu um setor minoritário associado, direta ou indiretamente, ao antigo regime.

Não haverá helicópteros americanos no dia da queda de Cabul. O povo afegão será deixado para trás, nas mãos dos fanáticos do Taleban e sua polícia religiosa. As mulheres serão trancafiadas em casa e não haverá escola para as meninas.​

*Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.