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Nas entrelinhas liberdade de expressão | Imagem: reprodução

Nas entrelinhas: Quando a liberdade de expressão é um subterfúgio

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O pensamento liberal no Brasil muitas vezes é traduzido com segundas intenções. Por exemplo, na Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, o direito à propriedade privada não foi adotado para favorecer o florescimento de uma economia capitalista como as que se desenvolviam na Europa e nos Estados Unidos, mas para proteger o regime escravocrata.

O dogma liberal era invocado sempre que se falava de abolição, pois os escravos eram considerados propriedade inalienável. Ou seja, um fundamento das revoluções burguesas serviu a três gerações de escravocratas, até 1888. Hoje, o racismo estrutural, a causa de muitas das nossas desigualdades, é um mal invisível, que ninguém confessa, como a inveja.

De igual maneira, a nossa legislação trabalhista surgiu durante a Carta Magna de 1937, a constituição fascista do Estado Novo. Nem todos os seus dispositivos estavam a serviço do regime autoritário, mas toda a parte que envolvia os direitos coletivos, como greves, sindicatos, convenção coletiva e mesmo a Justiça do Trabalho, serviam ao corporativismo estatal inspirado na Carta del Lavoro, fascista. Entretanto, o engessamento da legislação trabalhista e sindical não impediu o posterior desenvolvimento dos direitos dos trabalhadores nem o avanço nas relações sociais.

Não é de se estranhar que o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, no confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF), a propósito do chamado inquérito das fake news, esgrimam o princípio da liberdade de expressão contra o Estado democrático de direito. No caso do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que desafia o STF, se invoca o princípio da liberdade de expressão com a mesma esperteza que os senhores de escravos defendiam o direito à propriedade privada.

A liberdade de expressão é uma conquista de toda a humanidade, faz parte dos direitos fundamentais das pessoas, nas legislações da ONU, convenções internacionais e países democráticos. No Brasil, esse conceito dá suporte à democracia, pois afasta a ideia de censura que marca os governos autoritários. Soberania, cidadania, dignidade humana, valores do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político estão associados à liberdade individual. A filósofa Hanna Arendt dizia que o pensar e o agir politicamente são o fundamento da condição humana, que não pode ser dissociada da liberdade de opinião.

Obama e Rússia

O Art. 5º, IV da Constituição Federal diz: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Entretanto, é assegurado o direito de resposta aos prejudicados, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (inciso V). No Art. 200, a lei diz: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Porém, há limites para esse direito, em especial quando é utilizado para violar ou negar garantias fundamentais estabelecidas pela Constituição. Por exemplo, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

No Brasil, a lei não admite censura, mas há responsabilização, inclusive punitiva. O Estado democrático não restringe informações e ideias, mas deve responsabilizar o cidadão que não respeite o direito dos demais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o ex-presidente Barack Obama faz autocrítica de não ter se preocupado com as fakes news como deveria.

Agora, promove um debate sobre o funcionamento das redes sociais e sua utilização para influenciar o resultado das eleições. Acusa a Rússia de favorecer a eleição de Donald Trump “trolando” as redes sociais norte-americanas. O The Washington Post, recentemente, dedicou um editorial ao tema, a propósito dos questionamentos de Obama, que fez um apelo para que as empresas de tecnologia se “redesenhem” para proteger o público da polarização de falsidades on-line. Em um longo discurso na Universidade de Stanford, localizada no coração do Vale do Silício, Obama falou sobre as maneiras pelas quais as plataformas de tecnologia ajudaram a dividir o público, espalhar desinformação e corroer a confiança nas instituições democráticas, levando à ascensão de autocratas e mortes desnecessárias pelo coronavírus.

“As pessoas estão morrendo” por causa da desinformação nos serviços de mídia social, disse ele. As empresas não estão sendo transparentes com o público sobre como seus algoritmos — o software que usam para espalhar conteúdo em seus serviços — funcionam.

Obama afirmou que, quando era presidente, não percebeu “como nos tornamos suscetíveis a mentiras e teorias da conspiração, apesar de ter passado anos sendo alvo de desinformação”, dizendo que ainda guarda arrependimentos até hoje. A desinformação refere-se a uma campanha coordenada por líderes políticos, corporações ou outras figuras para espalhar falsidades prejudiciais e narrativas enganosas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quando-a-liberdade-de-expressao-e-um-subterfugio/

Demétrio Magnoli: Luta de classes nos EUA

Progressistas decidiram falar exclusivamente à 'elite' das grandes cidades e às minorias negra e latina

Jeffrey Sachs, economista, foi o guru das reformas de mercado na Polônia dos anos 1990. Anthony Scaramucci, empresário das finanças oriundo de uma família de trabalhadores, é um republicano convicto que rompeu com Donald TrumpBarack Obama, presidente antes de Trump, é a principal voz do Partido Democrata. Os diagnósticos deles sobre a eleição americana formam um mosaico que ilumina a encruzilhada histórica que se apresenta diante dos progressistas.

Sachs: “A política nos EUA é basicamente uma luta entre os que têm ensino superior e os que têm ensino médio”. Os primeiros votaram nos democratas; os segundos, nos republicanos.

Trump perdeu, mas desmentiu a antiga lenda que associa a expansão da proporção de votantes a triunfos esmagadores do Partido Democrata. Na eleição com maior participação desde 1908, Trump obteve 10,5 milhões de votos a mais do que em 2016 e os republicanos ampliaram sua minoria na Câmara.

O “povo branco” —isto é, os brancos da classe trabalhadora— novamente escolheu Trump, apesar da pandemia e da recessão. Mais: Trump avançou entre os latinos e até entre os homens jovens negros, perdendo nesses setores por margens menores que quatro anos atrás. De certo modo, o Partido Republicano repaginado pelo nacionalismo de direita é o partido popular dos EUA. Há, nisso, um alerta para o Brasil.

Scaramucci: “Foi um voto de protesto contra a elite e a mídia que diz mais sobre os eleitores do que sobre Trump. Essas pessoas já não creem que o sistema serve a seus interesses”.

Não se deve confundir 73 milhões de americanos com um núcleo de fanáticos direitistas. A massa de eleitores de Trump não é formada por “deploráveis”, o rótulo empregado por Hillary Clinton, e não compartilha os trechos mais desprezíveis de seu discurso xenófobo, racista e autoritário.

Mas, sob o impacto da dissolução do “sonho americano”, eles votam contra o “sistema”. A lição vinda dos EUA ajuda a decifrar a popularidade de Jair Bolsonaro.

Obama: “A minha simples presença na Casa Branca desencadeou um pânico profundo: o sentimento de que a ordem natural foi despedaçada. Trump ofereceu, a milhões de americanos assustados pela visão de um homem negro na Casa Branca, um elixir para sua ansiedade racial.” É verdade —mas uma verdade que solicita contexto.

Nos EUA, entre os brancos, a divisão de classes refrata-se como cisão geográfica. A população com ensino superior vive nas principais cidades; os demais, nos núcleos interioranos.

As desigualdades sociais, acirradas nas últimas décadas, empurraram a universidade para fora do alcance de grande parcela da classe média. Um Everest de US$ 1,6 trilhão de dívidas estudantis pesa sobre as costas das famílias que, um dia, nutriram-se do sonho de ascensão social. Trump fala ao “americano esquecido” que desistiu de ouvir Obama.

O mapa eleitoral conta a história inconveniente. O Obama de 2008 triunfou nos estados decisivos do Meio-Oeste em declínio econômico: Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Minnesota e até Ohio e Iowa. O Trump de 2016 venceu em 5 dos 6.

A “ansiedade racial” só se manifestou após o duplo mandato do “homem negro na Casa Branca”. Biden recuperou três desses estados, mas por margens apertadas decorrentes da elevada participação das maiores cidades.

O Partido Democrata tornou-se o partido popular dos EUA por meio de duas rupturas fundamentais separadas por três décadas: Franklin Roosevelt e o New Deal conquistaram a classe trabalhadora do Meio-Oeste; Kennedy, Johnson e a Lei dos Direitos Civis conquistaram o voto negro.

Porém, nos últimos tempos, hipnotizados pelo multiculturalismo, os progressistas decidiram falar exclusivamente à “elite” das grandes cidades e às minorias negra e latina.

A opção asfaltou a estrada na qual transita a direita nacional-populista. Biden não assinala o fim da história.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Dorrit Harazim: Faltam 72 dias

Obama desvestiu-se da sua oratória poética para comunicar, em tom de urgência, que a nação corre perigo

Feliz do país que, como os Estados Unidos, tem no seu acervo de instituições democráticas algo tão peculiar como sua confraria de ex-presidentes. O seleto clube nunca conseguiu ter mais de seis membros, uma vez que ex-presidentes também morrem. Mas, desde que foi criado formalmente por Harry Truman, em meados do século 20, com estatuto e direito à sede própria perto da Casa Branca, os ex servem de esteio valiosíssimo para quem assume a Presidência. Os relacionamentos entre eles e com o titular na Casa Branca se forjam com o tempo. São relacionamentos por vezes surpreendentes, de afeto tardio, outras vezes hostis ou cheios de reservas, mas sempre respeitosos. Todos do clube passaram pela mesma experiência, conheceram as falácias do poder, acumularam cicatrizes no comando da nação. E todos, quando eleitos, recorreram ao clube em algum momento de seus mandatos. Menos Donald Trump, que não confia em ninguém.

Em outubro de 1981, diante da notícia-choque do assassinato do líder egípcio Anuar Sadat em atentado no Cairo, Ronald Reagan convocou três antecessores para representá-lo nos funerais de Estado: Gerald Ford, Richard Nixon e Jimmy Carter. A longa viagem tinha tudo para dar errado: Ford nunca se afinara com o encrenqueiro Carter, e este jamais escondera o desapreço por Nixon. Os três haviam se tornado ex-presidentes ou em desgraça, ou decepcionados, ou trucidados nas urnas. As questões de protocolo no voo foram espinhosas até para definir quem subiria primeiro no Air Force One. Mas ao final o trio já se tratava por Dick, Jimmy e Jerry. A partir dali, Ford e Carter estabeleceram uma parceria tão longeva que decidiram firmar um pacto — quem sobrevivesse ao outro faria o tributo final no funeral do morto. E assim foi.

Cabe também lembrar a tradicional “carta ao sucessor” deixada na mesa de carvalho do Salão Oval por todos os presidentes no derradeiro dia de poder. “Quando você ler esta carta você será Nosso Presidente… Torço por você”, escreveu o republicano George H.W. Bush em bilhete endereçado ao democrata Bill Clinton. E assim foi — Bush sênior sempre torceu pelo sucessor. Também Barack Obama, pouco após a posse em 2009, tratou de convidar para um almoço íntimo os quatro membros do clube dos ex da época: Bush pai e filho, Carter e Clinton. “Conseguimos deixá-lo à vontade falando de nossas próprias inseguranças, trocando lembranças”, contou Carter em livro. “Todos que ocuparam o posto entendem que o cargo transcende o indivíduo.”

Todos, menos Donald Trump.

Difícil imaginar o teor de uma hipotética “carta ao sucessor” redigida de próprio punho por Trump. Talvez um tuíte? Ou apenas sua assinatura garrafal? Ou nem isso? A tentativa de adiar a qualquer custo a passagem de bastão poderia levá-lo a desviar da caminhada democrática iniciada há 244 anos.

Foi pensando nisso que Barack Obama falou à nação esta semana. É útil ouvir e ler o discurso na íntegra para apreciar a escolha de cada uma de suas 2.298 palavras. O tom de voz sombrio tem peso equivalente ao conteúdo. Nada no texto é acidental ou retórico. Obama desvestiu-se de sua conhecida oratória poética para comunicar, em tom de urgência, que a nação americana corre perigo. A palavra “democracia” é repetida 18 vezes, e o alerta vem sem enfeites: “Este governo já demonstrou que, para vencer, derrubará nossa democracia se achar necessário”.

Pela primeira vez na história dos EUA, um ex-presidente afirma que outro presidente, no exercício do cargo, ameaça a democracia, é moralmente falido e inteiramente despreparado para liderar o país.

A fala de Obama fez parte da programação de quatro dias que oficializou a chapa Joe Biden/Kamala Harris no confronto com Trump. Mas ficará registrada como um dos discursos mais relevantes de toda a carreira pública do ex-presidente. Como a pandemia condenara a Convenção Democrata a um formato 100% virtual — alguns dos recursos utilizados deram muito certo, por sinal —, Obama escolheu o Museu da Revolução Americana na Filadélfia para lhe servir de pano de fundo silencioso, carregado de história. Foi mais decisivo do que Hillary e Bill Clinton somados.

Caberá ao amplo leque de vozes que acredita em “We, the People…” tentar empurrar o candidato democrata para a vitória perseguida por Joe Biden há 33 anos. A depender do seu discurso de aceitação, sozinho ele não conseguirá turbinar a nação “para além da escuridão atual”. Foi designado pela temperança de agregador e pela imagem de decência exigida no momento. Tomara que seja o suficiente. Cabe sempre lembrar que Donald Trump não é uma aberração solitária, nem a causa do estado de desagregação cívica do país. O ocupante da Casa Branca é apenas o sintoma mais berrante e perigoso da corrente obscurantista que o colocou no poder. Tem tudo para ser, também, um dos piores ex-presidentes da história.


Vera Magalhães: Democracia acima de tudo

Firmeza dos democratas nos Estados Unidos deveria inspirar os brasileiros

“Este presidente e aqueles no poder estão contando com o seu cinismo. (…) E é assim que nossa democracia murcha, até não ser mais democracia. Não deixe isso acontecer. Não permita que nos tirem nossa democracia.”

O discurso, dito olhos nos olhos por um Barack Obama bem mais grisalho e com semblante muito mais grave que aquele que incendiou os Estados Unidos em 2008, já nasceu histórico.

Foi a primeira vez que um ex-presidente do país se referiu ao seu sucessor, ao presidente em exercício, com palavras tão duras e diretas. Obama chamou Donald Trump textualmente de incompetente, que encara a presidência “como outro reality show”.

No próprio discurso, o democrata deixou explícito por que resolveu romper a liturgia e chamar as coisas pelos nomes que têm: “O que nós fizermos nos próximos dias vai ecoar pelas gerações que virão”.

A mesma falta de meias-palavras esteve presente nas falas de Michelle Obama, Bill e Hillary Clinton e dos candidatos a presidente, Joe Biden, e a vice, Kamala Harris. Sim, são todos do mesmo partido, mas estão longe de ocupar as mesmas casas no tabuleiro ideológico, de ter as mesmas origens, de concordar em muitas políticas públicas.

A democracia emerge da convenção democrata como um bem inegociável. Porque ela é fundamental, e não um mero detalhe.

Corta para o Brasil. Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal teve de dar mais uma reprimenda no Executivo por vilipendiar a democracia, desta vez produzindo dossiê contra 579 adversários, os mesmos ministros trataram de dar aquela aliviada para o ministro responsável pela excrescência, André Mendonça. E a Polícia Federal comandada por ele acaba de convocar um jornalista a depor com base na Lei de Segurança Nacional, um resquício da ditadura, por uma coluna de opinião.

Aqui a democracia é um apêndice, um adereço contra o qual o presidente investe diuturnamente sob um dar de ombros preguiçoso dos políticos, dos juízes, dos procuradores e da sociedade entre anestesiada e cúmplice da barbárie.

Adversários de Bolsonaro estão mais preocupados em criar uma narrativa para si que em se unirem na defesa incondicional de princípios inegociáveis e dizer com todas as letras que Bolsonaro é, sim, uma ameaça ao estado democrático de direito. Como Trump também é.

Em seu novo livro, O Tempo dos Governantes Incidentais, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches se debruça sobre esse novo tipo de mandatário eleito em circunstâncias excepcionais (daí por que “incidentais”) e que, recorrendo à desinformação, a um passado falsamente idealizado e ao populismo barato, além da estratégia de aniquilação dos adversários, corroem as instituições por dentro.

Os democratas perceberam que não se combate um adversário descompromissado com a ética, a verdade e as responsabilidades do cargo com palavras vazias. E foram ao ponto ao apontar também que Trump não faz o seu trabalho, não lidera o país em seu momento mais grave no século.

Bolsonaro também passou meses sem fazer o seu trabalho: comandando claques golpistas, no lombo de cavalos, mostrando cloroquina para a ema e mais preocupado em lotear os órgãos de Estado que em dirigir o País na pandemia.

E ainda assim os presidentes da Câmara e do Senado não o chamam à responsabilidade, e os postulantes a seu lugar em 2022 seguem cometendo os mesmos erros e se preparando para repetir a polarização nefasta que o elegeu.

Há tempo de os políticos brasileiros acompanharem os artifícios de que Trump vai lançar mão, de teorias da conspiração à sabotagem dos Correios, para se preparar para enfrentar um presidente que não hesitará em lançar mão de todos os expedientes para se perpetuar no cargo, sua única preocupação genuína.


Míriam Leitão: Por conta própria

Um em cada quatro brasileiros que está trabalhando inventou seu próprio emprego e está na categoria “trabalhador por conta própria”. É a principal causa da leve queda da taxa de desemprego divulgada ontem. Há uma melhora da economia que se vê em vários indicadores, mas o número de desempregados é absurdo. Nos EUA, Trump tem comemorado a queda do desemprego, um feito do governo Obama.

O presidente Donald Trump, no discurso que faz anualmente no Congresso, o Estado da União, prometeu, na noite de terça-feira, mais crescimento e disse que será decorrência do corte de impostos sobre empresas. Quando Obama assumiu, o desemprego estava em disparada e se aproximava de 11%. Ele recuperou a economia do caos financeiro da crise de 2008 e entregou o país crescendo, com desemprego em queda. Mesmo assim, seu partido perdeu a eleição. Hoje, o desemprego americano está abaixo de 5%. Trump tem surfado nessa onda e a apresenta como sua. O corte de impostos ainda nem teve tempo de produzir efeitos.

No Brasil, tudo tem outra escala. O desemprego caiu pela primeira vez, desde 2014, na comparação com o mesmo período do ano anterior, mas ligeiramente: de 12% para 11,8%. Na média de um ano contra outro, a taxa ficou maior. E olhando-se os números, o que tem puxado a melhora é o trabalhador por conta própria. Um milhão e cem mil brasileiros entraram nesse grupo quando se compara o último trimestre de 2017 contra o mesmo trimestre de 2016. Nessa categoria está desde a pessoa que realiza o sonho do empreendedorismo até aquela que “se virou” diante do ambiente inóspito da destruição de postos de trabalho.

Após a devastação da crise econômica, que se prolonga por três anos, quem poderá crescer na intenção de votos com o alívio modesto que aconteceu ou com a promessa de prosperidade? Que o ambiente melhorou não há dúvida para quem olha os números, mas percepção é diferente de estatística. Na Nota de Crédito do Banco Central veio a informação de que aumentou a oferta de empréstimo para as famílias. Os resultados fiscais mostraram subida da arrecadação. Mas quem pode comemorar isso, ou mesmo sentir, diante de tantas dificuldades diárias da prolongada crise, do bombardeio das más notícias sobre as negociatas em que os políticos se envolveram? Ontem, a 7ª Vara Federal aceitou mais uma denúncia contra o ex-governador Sérgio Cabral. Já são tantas que o país perdeu a conta.

A demanda dos eleitores está ainda difusa, mas certamente os brasileiros vão querer mais segurança, mais emprego, melhores serviços públicos. A pesquisa do Datafolha mostrou que o ex-presidente Lula permanece na frente nos cenários em que aparece, com perto de um terço das intenções, e que o segundo é o deputado Jair Bolsonaro. O primeiro está longe da urna, depois da condenação. O segundo não melhora além da margem de erro no cenário sem Lula. O que cresce é o grupo dos nulos, em branco ou não sabe, que chega a um terço das intenções. A campanha não começou e tudo o que os dados mostram é a confusão. Para fazer a pesquisa, foi preciso ter nove cenários para apresentar aos entrevistados. Fica também claro que há uma avenida para ser ocupada por pessoa que traga esperança para além da polarização raivosa.

Há economistas prevendo que o país pode ter um ciclo longo de crescimento se resolver o nó fiscal que tem pela frente, e que o horizonte da solução começará a aparecer se a reforma da Previdência for aprovada. O debate “E agora, Brasil?”, publicado hoje no jornal, mostra esse pensamento. E os números indicam a importância do tema para a definição do futuro. Um dos vários dados impressionantes exibidos pelo economista José Márcio Camargo é o de que Brasil gastou em 15 anos, com o pagamento das aposentadorias do servidores públicos federais, R$ 1,2 trilhão. Isso é 50% mais do que gastou com educação no período. É dramático, mas a maioria dos candidatos vai tentar fugir de assuntos áridos como a Previdência.

A tantos meses das eleições, qualquer previsão é porosa. Esta é a eleição mais incerta da história recente. No Brasil real, as pessoas inventam seu próprio emprego e buscam soluções diárias para os problemas que o governo — ou a falta de — cria para o país. O brasileiro continua vivendo por conta própria.

 


Dorrit Harazim: A união instável de Harry, Trump e Obama

O ex e o atual ocupante da Casa Branca não cabem num mesmo evento, sobretudo se transmitido ao vivo para todo o planeta

Anotem na agenda de 2018: o sábado 19 de maio tem tudo para nos transformar em aldeia global. Súditos da rainha, viciados em celebridades, saudosistas do Império Britânico, fashionistas, consumidores de contos de fadas, analistas diplomáticos, seguidores de “The Crown” e público em geral tem encontro marcado na cerimônia de casamento do príncipe Harry, da Casa de Windsor, com a atriz americana multirracial Meghan Markle.

Para 99,99% dos bípedes, esse encontro será virtual — via TV ou internet —, com interpretações simultâneas jorrando nas redes sociais. Para o seleto grupo de candidatos a um convite presencial, a agonia da incerteza está apenas começando.

No caso do triângulo Barack Obama/noivo/Donald Trump, essa questão não é trivial, pois envolve questões de Estado e a histórica relação entre Inglaterra e Estados Unidos. Também contém riscos políticos e gera alertas diplomáticos, sem falar da ameaça de protestos nas ruas londrinas em plena festança.

O motivo é um só: o ex e o atual ocupante da Casa Branca simplesmente não cabem num mesmo evento, sobretudo quando ele é transmitido ao vivo para o planeta todo. No atual clima de polarização e toxicidade social alimentado por Donald Trump, Harry terá de fazer uma escolha difícil.

Com Barack Obama o neto caçula de Elizabeth II parece ter uma química natural, espontânea, de admiração mútua. Foi para Harry que o ex-presidente americano deu, dias atrás, a primeira entrevista desde sua aposentadoria da Casa Branca em janeiro último. O príncipe havia sido convidado pela rádio BB4 para atuar como entrevistador do programa natalino da emissora. Saiu-se surpreendentemente bem, por sinal, melhor do que muitos jornalistas profissionais.

Obama, por sua vez, estava ciente de que cada palavra sua seria dissecada na Casa Branca. Não achou necessário citar nominalmente Trump, o sujeito oculto de algumas de suas respostas:

“Um dos perigos da internet é permitir que pessoas tenham percepções inteiramente diferentes da realidade... O risco de permanecer em bolhas de informação que apenas reforçam nossos preconceitos... A questão é saber como tirar proveito da tecnologia sem que a multiplicidade de vozes e pontos de vista leve à balcanização da sociedade”.

O ex-presidente definiu seu lugar na história como “o piscar de um só olho” e mostrou-se afiado fora do poder. Segundo qualquer critério afetivo, ele e Michelle, que já haviam conquistado as graças da rainha na visita de Estado a Londres em 2011, compõem o seleto grupo de convidados dos noivos.

Já com o sucessor de Obama o príncipe Harry não tem relação alguma. Contudo, segundo os mandamentos básicos da diplomacia, do protocolo da Casa de Windsor e por razões de Estado, o casal Donald e Melania deveriam encabeçar a lista de convidados oficiais.

Contudo, a presença de Donald Trump em solo britânico, com ou sem Obama na área, é bastante espinhosa. Em julho último, quando participou pela primeira vez de uma reunião do G-20 na cidade alemã de Hamburgo, o presidente americano cogitou passar alguns dias no seu resort de golfe em Turnberry, Escócia. Aproveitaria para fazer uma visita à primeira-ministra Teresa May em Londres, com menos de 24 horas de divulgação prévia por questões de segurança.

Não conseguiu. Ou melhor, desistiu a tempo. May fora a primeira líder de país aliado a visitar Trump poucos dias após sua instalação na Casa Branca. Estendera-lhe o tapete vermelho de um convite de visita de Estado, com direito a recepção real no Buckingham Palace.

Este tipo de visita tem pedigree muito maior do que uma mera visita política entre líderes. Trump estava no comando do país há menos de um mês, e suas credenciais para tal regalia eram ralas. Pior, o que ele já demonstrara soava inquietante do outro lado do Atlântico: protecionismo radical, fazer da mídia independente um inimigo público, tentar banir a imigração de alguns países de maioria muçulmana.

Para contextualizar a enormidade do convite o “The Guardian” lembra que John J. Kennedy, Richard Nixon e George Bush pai jamais foram recebidos em visita de Estado pela rainha, Obama teve de esperar dois anos e meio, e George W. Bush, três.

De lá para cá as coisas só pioraram. Uma petição assinada por mais de dois milhões de britânicos exige a retirada do convite a um presidente que já ofendeu gratuitamente o prefeito de Londres, Sadiq Khan, no dia seguinte ao atentado terrorista na London Bridge. Os ingleses também não perdoam Trump por ele ter implodido o Acordo Climático de Paris, de grande aceitação no país, e detestam seu estilo grosseiro de escavadeira. Até mesmo o chanceler Boris Johnson, pouco afeito a protocolos, manifesta desprezo pela “assombrosa ignorância” do personagem. “Mentiroso”, “covarde”, “cascudo” são alguns dos adjetivos usados em editorial pelo “Observer” para definir Trump.

Por enquanto a visita não tem data marcada. Com esse pano de fundo não foi de todo inesperada a mobilização popular à tentativa presidencial de visitar seu campo de golfe e dar uma esticada até 10 Downing Street. Caso ele pisasse em solo britânico, as redes sociais seriam acionadas e protestos de rua brotariam em cascata.

Por mais que um casamento real seja uma festa nacional e os convidados à cerimônia não estão em visita oficial ao país, é difícil prever como Trump será recepcionado caso compareça.

Não comparecer, se convidado, significará admitir a rejeição. Não convidá-lo equivalerá a uma afronta explícita por parte de Harry, cuja noiva, vale frisar, é americana.

Por outro lado, não convidar Barack Obama seria uma decepção para os admiradores do ex-presidentes e para a geração com a agenda social de Harry.

Nesse imbróglio todo quem tem a carta maior em mãos é Obama, se for convidado. Ele pode declinar , o que poderá ser interpretado como elegante gesto para não ofuscar Trump — ou para deixar que o sucessor se enforque sozinho em Londres.

Mas, se comparecer, a audiência global no dia 19 de maio de 2018 tem tudo para ser histórica. Oba.

 

 


Valor Econômico: Com críticas veladas a seu sucessor, Obama prega tolerância e cooperação

No momento em que o mundo assiste à ascensão de movimentos de extrema direita, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama diz que a saída contra a xenofobia, o populismo e o nacionalismo passa pela trilogia tolerância, Estado de direito e pluralismo. "A globalização nos deu benefícios incríveis, o mundo está mais seguro e mais educado do que em qualquer outro momento da história", disse, ao participar do Fórum Cidadão Global, promovido pelo Valor e AAdvantage/Santander.

Por Maria Cristina Fernandes e Daniela Chiaretti | Valor Econômico

Obama reconheceu, porém, que a globalização enfraqueceu a condição dos trabalhadores para "conseguir salários mais justos". Ele atribuiu a frustração das pessoas - fenômeno apontado como responsável tanto pela vitória de Donald Trump nos EUA quanto pelo Brexit (a saída da Inglaterra da União Europeia) e a emergência da extrema direita na França e na Alemanha - não ao capitalismo, "responsável por uma economia mais próspera", mas à concentração de renda.

"Em um mundo em que apenas 1% controla a riqueza, não veremos estabilidade política. As economias não crescem com sucesso quando se tem muita concentração de riqueza sem expansão da classe média. É preciso que a nova economia funcione para todos", pregou ele, para uma plateia de empresários embevecida por seu discurso.

Lembrando que assumiu a presidência em meio a uma grave crise econômica, Obama fez um mea culpa ao lamentar não ter sido capaz de aproximar as posições que se radicalizaram depois de 2008. "Conseguimos evitar uma grande depressão no país, mas não fomos capazes de nos aproximar das pessoas que se frustraram com a crise. A polarização e o ódio aumentaram. Não fui capaz de evitar isso, ainda que seja injusto dizer que eu tenha sido o único responsável".

Além de pregar a tolerância, a saída diplomática para resolver conflitos, o fortalecimento da política e o investimento em educação na primeira infância, o ex-presidente defendeu o Acordo do Clima, do qual os EUA se tornaram signatários em seu mandato e ao qual Trump quer renunciar. "Precisamos de uma diplomacia forte para assegurar a paz. O poder das ideias é mais importante do que a força militar. Não podemos resolver os problemas do mundo só com tanques e aviões", disse o ex-presidente.

Na abertura do fórum, o vice-presidente do Grupo Globo, José Roberto Marinho, disse que, "em um mundo de conflitos, Obama valorizou a tolerância. Ou, nas palavras dele, a unidade de propósito, em vez do conflito e da discórdia". Em seu discurso, o presidente do Santander, Sérgio Rial, disse, ao tratar da crise no Brasil, que "não podemos deixar o país na mão de minorias organizadas".

"A política é um reflexo da sociedade", diz Obama
"A lista é longa e começa por não ter começado a tingir meus cabelos". Barack Obama já estava ao fim dos 60 minutos de sua fala no evento "Cidadão Global", promovido pelo Valor, Santander e AAdvantage, quando foi indagado sobre o que lamentava não ter sido possível fazer em sua vida pública.

Ao responder, com bom humor e velada referência ao sucessor, à pergunta do diretor geral da Infoglobo, Frederic Kachar, o ex-presidente dos Estados Unidos não fugiu à responsabilidade pelo que aconteceu em seu país depois de ter deixado a Casa Branca. Disse lamentar não ter sido capaz de aproximar as posições que se radicalizaram depois da grande crise financeira de 2008.

"Conseguimos evitar uma grande depressão no país, mas não fomos capazes de nos aproximar das pessoas que se frustraram com a crise. A polarização e ódio aumentaram. Não fui capaz de evitar isso, ainda que seja injusto dizer que o presidente tenha sido o único responsável", afirmou. "Mas a boa notícia é que não podemos contribuir apenas como presidente. Tenho pelos menos 30 anos pela frente para tentar levar uma mensagem de esperança não apenas para os Estados Unidos mas para o resto do mundo".

Obama atribuiu a frustração das pessoas não ao capitalismo, "responsável por uma economia mais próspera", mas à concentração de renda. "A globalização nos deu benefícios incríveis, o mundo está mais seguro e mais educado do que em qualquer outro momento da história", afirmou, ao ponderar que se vive o melhor e o pior dos momentos. "Mas a globalização também enfraqueceu a condição dos trabalhadores para conseguir salários mais justos. Em um mundo em que apenas 1% controla a riqueza não veremos estabilidade política. As economias não crescem com sucesso quando se tem muita concentração de riqueza sem expansão da classe média. É preciso que a nova economia funcione para todos".

A saída contra a xenofobia, o populismo e o nacionalismo, para o ex-presidente americano, passa pela trilogia da tolerância, estado de direito e pluralismo. Minutos antes, em palestra que antecedeu a de Obama, o principal colunista econômico do "Financial Times", Martin Wolf, dissera que, depois da crise de 2008, 80% da população do mundo desenvolvido teve sua renda estagnada
Entre os feitos de sua vida pública que o orgulham, Obama mencionou a reforma do sistema de saúde, que teria incluído 20 milhões de pessoas e hoje está sob ataque de Donald Trump. Citou ainda o acordo com o Irã que tirou este país da rota seguida pela Coreia do Norte: "Quando assumi, já era tarde demais para um acordo com a Coreia do Norte, mas o Irã exportava problemas para a região e para outras partes do mundo. Percebi a oportunidade de evitar o desenvolvimento de armas nucleares naquele país. Levou sete ou oito anos de trabalho, mas deu certo. Temos diferenças e tensões entre nós, mas o problema foi solucionado sem um único tiro."

Sem citar nominalmente seu sucessor, ao qual se referiu como "a pessoa que me substituiu", Obama fez dura crítica ao belicismo da geopolítica na nova ordem mundial: "Precisamos de uma diplomacia forte para assegurar a paz. O poder das ideias é mais importante do que a força militar. Não podemos resolver os problemas do mundo só com tanques e aviões". Ao alertar contra o tom supremacista da política externa americana - "Quando países dizem que são melhores que os outros, sabemos onde isso termina" - não deixou alternativa à plateia senão a comparação com o sucessor. Numa outra crítica velada a Donald Trump, que tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima, Obama disse ver com naturalidade a divergência sobre os meios e os custos para se enfrentar o aquecimento global, mas que não era possível negá-lo.

Tanto em seu discurso quanto nas respostas às perguntas que lhe foram dirigidas, Obama fez uma profissão de fé na política. Disse que há tecnologia para se solucionar quase todos os problemas do mundo e que é a política - ou a ausência dela - que bloqueia sua resolução. Citou as filhas - "Elas passam muito tempo digitando no celular e lhes pergunto, por que não se encontram com seus amigos cara a cara?" - para dizer que um dos maiores desafios da contemporaneidade é fazer com que as pessoas discutam, "não necessariamente para concordar com tudo o que o outro diz".

Citou o poder da internet tanto para conectar as pessoas quanto para espalhar ódio e terror: "Estamos mais conectados, mas muitas vezes nos refugiamos em tribos e bolhas. Não trocamos impressões, o que vemos é aquilo que um algoritmo diz que devemos ver". Citou a Fox News e o "The New York Times", nos Estados Unidos, como filtros de dois mundos completamente diferentes. "Eu não votaria em mim mesmo se assistisse apenas a Fox News", disse, arrancando risos na plateia, antes de concluir que é pelo estímulo à divergência que se fortalece a democracia: "Ficamos tão seguros de nossas crenças que excluímos opiniões que não se encaixam nelas."

Disse que a única maneira de "curar" a democracia é aumentar a participação política e renovar o poder, que se ressente quando é ocupado pelas mesmas pessoas por muito tempo, sem sangue ou ideias novas: "Se ainda fosse presidente, a Michelle não estaria mais comigo". Reconheceu ameaças autoritárias em todo o mundo, mas disse não acreditar que o futuro pertença aos autocratas.

Ao ser indagado sobre o poder da educação, o ex-presidente citou Cingapura. "É um país pequeno, não tem nada lá, mas seu povo é extraordinariamente bem educado e o país está indo muito bem, ao contrário de muitos países grandes e com muitos recursos naturais - não vou dizer que países são esses [risos da plateia] - que estão em outra direção". Disse que o investimento em educação deve privilegiar a primeira infância, quando o cérebro da criança funciona como uma esponja para absorver estímulos. Foi aplaudido ao rechaçar investimentos em educação a partir de um viés de gênero ou raça.

Fez propaganda da fundação que leva seu nome e à qual passou a se dedicar depois de deixar o poder. "Ser presidente te dá uma boa cadeira para observar o mundo", disse, numa referência singela ao comando da maior potência mundial. "Foi assim que decidi que o melhor que posso fazer é emprestar meus esforços para treinar jovens e fazer com que eles se envolvam nas questões de sua comunidade. Eles estão dispostos a mudar o mundo. Eles nos inspiram e nós os encorajamos. É assim que se resolvem os problemas. A solução não vem do topo, mas da mudança com quem está ao seu lado".

Indagado por Kachar sobre a mensagem que deixaria para um país imerso em uma crise política e econômica sem precedentes, o ex-presidente americano não se imiscuiu na política interna brasileira mas voltou-se para sua plateia de empresários, banqueiros, profissionais liberais e artistas: "Em muitos países, as pessoas dizem que odeiam os políticos e o governo, mas o governo e os políticos são um reflexo de nós mesmos. Se uma sociedade é saudável, a política também será. Se uma sociedade é doente, a política também será." Com leveza, o ex-presidente americano compartilhou a culpa pela crise com cada um dos que ali estavam. O recado era duro e, fosse outro o palestrante, face ao grau de esgarçamento da conjuntura brasileira, poderia ter sido recebido com ressalvas, mas foi sob as palmas de uma plateia embevecida que Obama deixou o palco.

Foi a segunda vez que o ex-presidente americano esteve no Brasil. Na primeira, em 2011, veio com a mulher, Michelle, e as duas filhas, Malia e Sasha. Foi recebido pela ex-presidente Dilma Rousseff, em Brasília, e pelo ex-governador Sérgio Cabral, hoje preso. No Rio, esteve na favela Cidade de Deus, lembrada ontem em seu discurso.

O ex-presidente chegou na noite de quarta-feira a São Paulo e pernoitou em um hotel da zona sul. Sua palestra foi precedida de uma abertura do vice-presidente do Grupo Globo, José Roberto Marinho, do discurso do presidente do Santander, Sérgio Rial, de uma palestra do professor da Universidade de Nova York, Robert Salomon e de uma entrevista pública com o colunista do "Financial Times", Martin Wolf, conduzida pelo editor de internacional do Valor, Humberto Saccomandi.

Ao deixar o evento no Teatro Santander, na zona sul de São Paulo, o ex-presidente americano encontrou-se com 11 jovens de diversas regiões do país que atuam com educação, mobilização social e redução da desigualdade. Depois foi jantar no Fasano, nos Jardins, com um grupo de 12 pessoas. Obama embarca hoje para Córdoba, na Argentina. (Colaboraram Daniel Rittner e Suzi Yumi Katzumata).