OAS

Bernardo Mello Franco: Os interesses de Sergio Moro

O juiz que comandou a Lava-Jato virou sócio de uma consultoria que socorre empresas falidas na operação. O novo emprego de Sergio Moro tem levantado discussões sobre ética e conflito de interesses. Não é a primeira vez que acontece com ele.

Em 2018, Moro mandou prender o candidato que liderava a corrida presidencial. A decisão abriu caminho para Jair Bolsonaro, que ocupava o segundo lugar nas pesquisas. Sete meses depois, o juiz pendurou a toga para se juntar à tropa do capitão.

O convite para integrar o governo foi feito durante a campanha, segundo o próprio Moro. O pacote incluía uma vaga no Supremo Tribunal Federal, mas ele rompeu com o chefe antes de selar a nomeação.

Agora a zona cinzenta se deslocou da política para o mundo dos negócios. Moro será sócio-diretor da consultoria americana Alvarez & Marsal, especializada em recuperar empresas quebradas. Entre seus clientes, estão quatro alvos da Lava-Jato: Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Sete Brasil.

Em nota, o ex-ministro disse que pretende “ajudar as empresas a fazer coisa certa”. “Não é advocacia, nem atuarei em casos de potencial conflito de interesses”, afirmou. A A&M o apresentou como um especialista em “liderar investigações anticorrupção” e “aconselhar clientes sobre estratégia e conformidade regulatória proativa”. Já se sabia que Moro aconselhava procuradores, falta saber o que ele dirá aos réus.

O ex-juiz selou o destino das quatro empresas atendidas pela A&M. Analisou informações confidenciais, condenou executivos e assinou acordos de delação e leniência. No caso da Odebrecht, ele fixou o pagamento de US$ 2,6 bilhões em multas. Agora virou sócio da consultoria que toca a recuperação judicial da empreiteira.

“Moro está emprestando o patrimônio da Lava-Jato a uma empresa que lucra com os resultados dela. A meu ver, isso põe muitos processos que ele julgou em suspeição”, afirma o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. O ex-ministro poderá responder a um processo disciplinar na Ordem. Nas mãos do juiz Moro, o consultor Sergio estaria em apuros.


Roberto Freire: Lula no banco dos réus

O recebimento, pelo juiz Sérgio Moro, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se torna réu pela segunda vez na Operação Lava Jato, agora pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é um marco e pode representar um divisor de águas nas investigações do maior escândalo da história da República.

Segundo Moro, estão “presentes indícios suficientes de autoria e materialidade” para o acolhimento da denúncia contra Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e ex-dirigentes e executivos da OAS. O MPF aponta que o ex-presidente teria sido o beneficiário direto de quase R$ 4 milhões em propina paga pela empreiteira e proveniente de contratos da Petrobras. O dinheiro teria sido destinado à reforma de um tríplex no Guarujá (SP), além do transporte e armazenamento de bens pessoais de Lula após o encerramento de seu governo.

Ao fim e ao cabo, ao contrário do que alguns mais precipitados imaginavam, a denúncia formulada pelo MPF foi minuciosa e estritamente fundamentada em provas e indícios que permitiram aos procuradores, além de denunciar Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, apontá-lo como o “comandante máximo” de uma engrenagem didaticamente batizada de “propinocracia”. Os investigadores concluíram, em suma, que o grande líder do PT teria chefiado a organização criminosa que assaltou a Petrobras nos últimos 13 anos.

O MPF não foi “midiático”, “espetaculoso” nem apelou à “pirotecnia”. É preciso compreender a dimensão do acontecimento político em curso: tratou-se de uma denúncia contra um ex-presidente da República, o que por si só justifica a decisão dos procuradores de explicar detalhadamente à sociedade o que se passava. A força-tarefa da Lava Jato não poderia apresentar a denúncia como algo de menor importância, simplesmente seguindo o protocolo-padrão. Como pano de fundo, afinal, há uma disputa que é também política e um embate no campo da comunicação – e é preciso enfrentá-lo sem que se deixe de seguir todos os ritos processuais e a legislação.

A presença de Lula no banco dos réus em Curitiba – ele também responde na Justiça Federal de Brasília pela suposta tentativa de obstruir as investigações da Lava Jato – passa a integrar aquilo que venho chamando de marcha da sensatez em curso no Brasil nos últimos meses. Entre as conquistas desse período, estão o impeachment de Dilma Rousseff por crimes de responsabilidade, a posse do presidente Michel Temer em respeito ao que determina a Constituição e a cassação de Eduardo Cunha pela Câmara dos Deputados.

Nesta caminhada em direção a um país mais ético, o Congresso ainda se debruçará sobre as dez medidas contra a corrupção apresentadas pelo MPF em forma de um projeto de lei que conta com o apoio dos brasileiros. É importante rechaçar qualquer tentativa de anista ao crime de caixa 2 eleitoral, como chegou a se especular em decorrência da desastrada tentativa de votação, pela Câmara, de um substitutivo ao PL 1210/2007 nesta semana. A tipificação penal do caixa 2 já consta daquele conjunto de medidas e certamente será votada. Não há, no horizonte, nenhuma perspectiva de aprovação de qualquer anistia.

Voltando a Lula, cabe a todos nós acompanharmos o desenrolar do inquérito que comprovará se a “alma mais honesta” do país – como o próprio chegou a se autodefinir recentemente – praticou os crimes de que é acusado. Os indícios e elementos presentes na peça acusatória aceita por Sérgio Moro são consistentes. Independentemente do desfecho do processo, os brasileiros têm muito a comemorar, especialmente quanto à vitalidade e o bom funcionamento de instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal, o Poder Judiciário, além de uma imprensa livre e independente. Neste novo Brasil, felizmente, ninguém está acima da lei. Nem aquele que sempre se julgou inimputável, mas teve de descer do palanque direto para o banco dos réus. (Diário do Poder – 23/09/2016)

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


Fonte: pps.org.br


Merval Pereira: O Comandante

Mais importante, a longo prazo, que as denúncias pontuais feitas ontem ao ex-presidente Lula pela Operação Lava-Jato é a caracterização dele como “o comandante máximo do esquema de corrupção da Petrobras” ou “o verdadeiro maestro dessa orquestra criminosa”, palavras duras usadas pelo procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de Curitiba.

As denúncias podem levar, a curto prazo, à condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas é a acusação explícita de que ele é o chefe do esquema de corrupção que foi montado em seu governo desde o mensalão até o petrolão que o atinge politicamente de maneira quase letal, ao mesmo tempo que gerará a maior pena, caso seja aceita quando apresentada.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que está a cargo do processo-chave sobre o esquema de corrupção, já disse em alguns despachos que Lula é o chefe do grupo criminoso. Como já escrevi aqui, a Justiça brasileira levou quase dez anos para ter condições políticas de denunciar o ex-presidente Lula como chefe da quadrilha, que todo mundo sabia que era desde o início, no mensalão.

Agora ficou demonstrado que mensalão e petrolão são a mesma coisa — um segmento do mesmo esquema de corrupção montado pelo PT no Palácio do Planalto, que não poderia funcionar sem que Lula fosse o chefe, como sublinhou Dallagnol ontem. A denúncia dos procuradores de Curitiba foi contextualizada dentro de um esquema de corrupção que teria três objetivos: montar uma base política no Congresso, a perpetuação no poder, e o enriquecimento ilícito de lideranças políticas.

O apartamento tríplex no Guarujá e o armazenamento de pertences pessoais de Lula por cinco anos, a cargo da empreiteira OAS, são apenas parte desse último ramo do esquema, e não apenas eles. Lula ainda está sendo investigado pelo pagamento de palestras que os investigadores desconfiam que foram superfaturadas, e em alguns casos nem existiram; pelo lobby a favor de empreiteiras em países amigos; e pelo sítio em Atibaia, que também teve outra empreiteira, a Odebrecht, a fazer reformas e melhorias.

Essas e outras denúncias serão reforçadas pelas delações premiadas de Leo Pinheiro, da OAS, e Marcelo Odebrecht. Pinheiro já disse na delação que foi anulada por Janot que o tríplex foi abatido da propina devida ao PT. A obstrução da Justiça, para evitar a delação de Nestor Cerveró, é outra investigação que está em progresso.

Juntando-se as vantagens pessoais com o esquema de corrupção montado a partir da sua chegada ao Planalto para comprar apoio político e manter o PT no poder o maior tempo possível, temos um retrato de um grupo político criminoso que tomou de assalto as instituições do país. E que pode ter cometido crimes antes mesmo de chegar ao poder central.

A Lava-Jato está também exumando outro fato escabroso, os aspectos políticos do assassinato do exprefeito Celso Daniel, de Santo André. O publicitário Marcos Valério confirmou ao juiz Sérgio Moro que foi procurado para resolver uma questão financeira envolvendo uma chantagem do empresário Ronan Maria Pinto contra os líderes do PT José Dirceu e Gilberto Carvalho.

Ele confirmou que o empréstimo do banco Schahin foi para pagar essa chantagem, e em troca o banco ganhou uma encomenda bilionária da Petrobras para compra de sondas. Valério, no entanto, recusou- se a revelar a razão da chantagem, assumidamente por receio de ser alvo de represálias.

“O senhor não pode garantir a minha vida”, disse a Moro. Bruno, irmão de Celso Daniel, e outros parentes do ex-prefeito de Santo André consideram que foi crime político; ele teria sido assassinado para evitar que denunciasse esquemas de corrupção em financiamento de campanhas petistas e de aliados.

O conjunto da obra não é nada favorável àquele que já foi o maior líder político deste país. (O Globo – 15/09/2016)


Fonte: pps.org.br


A XIII Internacional (*)

O dia 04/03/2016, ficará marcado como o da condução coercitiva de Lula, de sua família e de seus mais próximos assessores, para prestar depoimento, na 24a fase da Operação Lava-Jato, que investiga a relação do ex-presidente com empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras.
A condução coercitiva de Lula e a prisão de João Santana inspiram o esboço de uma novela com todos os seus ingredientes. Ela nos permite uma reflexão coletiva; particularmente, os que, pelo menos uma vez, já votamos em Lula. A arte talvez nos permita o distanciamento para pensarmos sobre a sua personalidade complexa, e cheia de imensas qualidades e defeitos.
Um enredo envolvendo a articulação de uma grande empreiteira global com um ex-presidente, transformado em seu maior criador de negócios - grandes obras - preferencialmente em países que lutam para superar a pobreza e a miséria. Uma estranha aliança, em que as partes não exigem uma da outra unidade ideológica, mas apenas convergência de interesses!
No mundo pós guerra-fria, onde a democracia política se impõe, as eleições passaram a ser a forma de se chegar ao poder; porém, elas são muito caras em toda parte!
O ex-presidente, baseado em seu prestígio internacional, se coloca o objetivo político de ajudar a eleger governos populares na América Latina e na África. Convenceu-se, entretanto, do caráter estratégico e revolucionário da corrupção para realizar esse projeto de poder além-fronteiras; ou seja, de que a corrupção restaria plena e moralmente justificada se fosse para levar a boa e justa causa popular à vitória eleitoral, e derrotar as "elites conservadoras”!
Transformado em projeto internacional, seria necessário constituir fundos, com muito dinheiro, baseados nas obras superfaturadas da Odebrecht, e de suas associadas, em vários países (**). No Brasil, a empreiteira já ganhara experiência com essas associações, como revelado pela Lava-Jato, ao participar de um cartel de empreiteiras criado para vencer licitações fraudulentas, e para superfaturar obras de várias estatais, como a Petrobras; para isso, utilizavam-se de funcionários  dessas empresas, e de operadores externos especializados na arte de lavar dinheiro!
A adesão a esse projeto seria reforçada com a abertura de linhas de crédito do BNDES para financiar, em vários países, certas obras consideradas estratégicas. Uma audaciosa política de estado, porém conduzida discretamente para não sofrer entraves políticos internos. E a Odebrecht tocaria essas obras!
Todo o dinheiro arrecadado pela empreiteira seria gerenciado no exterior, mantendo-o, para a sua proteção, em contas diversificadas situadas em paraísos fiscais. Uma intrincada e arriscada operação, mas os retornos valeriam a pena, pois esses recursos permitiriam a eleição de governos "populares", que seriam seguidos de mais obras e mais lucros!
Aos candidatos "amigos" seriam oferecidos os serviços do marqueteiro João Santana. Qual candidato "popular" não o aceitaria, particularmente se tudo já estivesse incluído no preço? A empreiteira, usando a sua estrutura internacional, faria os pagamentos dos seus serviços diretamente em suas contas no Brasil ou no exterior!
Esse enredo é apenas o esboço de uma novela, uma obra da imaginação; portanto, limitada em seus detalhes, pois se sabe que a complexidade da vida real costuma superar a arte!
Trata-se de um enredo ficcional constrangedor para uma certa esquerda que se consome em ultrapassadas e atrapalhadas teses. Entretanto, os fatos insistem em darem a esse enredo cores de realidade, que, por sua natureza criminosa, não pode ser assumido e precisa ser negado a plenos pulmões. Essa é a razão porque esse projeto está desabando!
Mas, negando sua natureza, muitos continuam a defendê-lo! Ora, porque, ingenuamente, creiam ser um projeto "socialista" e se identifiquem com ele; ora, porque proclamem que a luta contra a corrupção é apenas parte do discurso conveniente da "direita golpista" para atingi-los, da qual, a Lava-Jato, não seria mais do que seu instrumento; ora, porque, apegados, não querem ver desabar, dolorosamente, sonhos e projetos nos quais empenharam suas vidas. Com, isso, desmoralizam, e levam para o mesmo saco, toda a esquerda democrática, que, duramente, teve papel fundamental para conquistar a democracia!
Não percebem, tragicamente, que a luta contra a corrupção é, sobretudo, uma tarefa histórica e estratégica para o aperfeiçoamento da democracia brasileira, e para a própria saída da crise; e que, portanto, não existe, para a cidadania, tarefa mais radicalmente democrática e republicana!
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(*) Um texto em construção, pois a vida, vertiginosamente, empenha-se em trazer novos fatos para alimentar esse esboço ficcional. Versão dia 04/03/2016.
(**) Sobre essas obras, melhor ir direto ao site da Odebrecht: http://odebrecht.com/pt-br/organizacao-odebrecht/odebrecht-no-mundo
Por: Carlos Alberto Torres: Do Blog Decisões Interativas: http://www.decisoesinterativas.com.br/2016/02/x-internacional.html