noblat

Ricardo Noblat: Torcida contra Doria

E a favor de França

Entre deputados e senadores que frequentaram Brasília nas últimas 48 horas, há uma forte torcida suprapartidária para que João Doria, candidato do PSDB ao governo de São Paulo, seja derrotado por Márcio França (PSB).

Políticos em geral desprezam os que julgam traidores. E Doria é visto por muitos como um traidor de Geraldo Alckmin, que o acolheu no PSDB e o ajudou a se eleger prefeito de São Paulo.

Caso Marielle Franco ficará para Bolsonaro resolver
A ideologização do crime

Michel Temer pretendia passar a faixa presidencial ao seu sucessor com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) esclarecido: quem matou, quem mandou matar e por que. Mas isso parece cada vez mais distante.

O provável é que o desfecho do caso fique para a próxima administração – ao que tudo indica a de Jair Bolsonaro (PSL). Há muitos indícios e até provas de como tudo ocorreu, menos uma confissão. É aqui que mora o perigo.

Generais da reserva que assessoram Bolsonaro enxergam a morte de Marielle por outro ângulo. Admitem que foram milicianos que a mataram, sim, mas por conta da quebra de um suposto acordo tácito que haveria entre eles e o PSOL.

O acordo: o partido poderia correr atrás de votos em áreas controladas pelas milícias, mas não atrapalhar depois os seus negócios. Marielle tornou-se um incômodo com sua pregação em defesa dos favelados e, por isso, acabou eliminada.


Ricardo Noblat: Lula contra Lula

Segundo turno no primeiro

Hoje ou no dia 28, data de um eventual segundo turno, o maior risco que corre o deputado Jair Bolsonaro (PSL) é se eleger presidente da República. O risco de Fernando Haddad (PT) é mínimo.

Bolsonaro foi o único candidato que cresceu nas pesquisas de intenção de voto do Ibope e do Datafolha divulgadas ontem à noite. Haddad e Ciro Gomes (PDT) permaneceram onde estavam.

Nas últimas 48 horas, Ciro e Haddad trocaram votos. Um subiu tomando voto do outro para mais tarde devolver. A Onda Ciro foi menor do que pareceu. Não houve Onda Haddad.

Uma ou duas vezes, o segundo turno será Lula contra Lula. O Lula do bem na pele de Haddad. O Lula do mal na pele de Bolsonaro. Nem Haddad se elegeria sem Lula, nem Bolsonaro.

Ganhe quem ganhar, será o último presidente da Era Lula que começou em 1989 com a eleição de Fernando Collor. Collor elegeu-se contra Lula. Fernando Henrique derrotou Lula duas vezes.

Eleito e reeleito, Lula elegeu e reelegeu Dilma. Imaginou voltar este ano. Mofa na cadeia. Em breve, deverá ser condenado de novo.

Bonner e Bolsonaro

Campeão de audiência

Por volta das 15h de ontem, depois de comprar um sanduiche de mortadela em uma padaria nas vizinhanças da TV Globo no bairro do Jardim Botânico, no Rio, o jornalista William Bonner, apresentador do Jornal Nacional, foi saudado na rua por motoristas de táxi aos gritos de “Bolsonaro, Bolsonaro, Bolsonaro”.


Ricardo Noblat: Lula candidato é fraude

Por que ele não pode cumprir pena como outro preso qualquer?

Que sinuca de bico está o Supremo Tribunal. Se mandar Lula para casa agora, se dirá que o fez a tempo de ele poder ser candidato. Se mandar imediatamente depois da eleição, se dirá que o manteve preso só para impedi-lo de ser candidato. Não seria o caso então de deixá-lo simplesmente cumprir a pena como outros presos?

O ex-governador Sérgio Cabral, do Rio, foi condenado e está preso. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, também. Assim como está preso o ex-ministro Geddel Vieira Lima, sequer julgado, e o ex-ministro Antônio Palocci, empenhado em delatar para diminuir seu tempo de cadeia. Por que Lula, condenado três vezes, não pode?

Ele foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Apelou então para o tribunal de Porto Alegre. Ali, a sentença do Moro foi até aumentada, e por unanimidade. Lula então apelou de novo. E o mesmo tribunal confirmou a sentença ampliada. Todos os recursos de defesa para libertá-lo foram negados por tribunais superiores. Fazer o quê?

Quem acha que eleição sem Lula é uma fraude tem todo o direito de achar, mas, por coerência, não deveria participar das eleições para não coonestar com a fraude. Mas o PT participará, sim. Como participou de todas as fases do impeachment de Dilma mesmo dizendo que o impeachment era uma fraude. Ou melhor: um golpe.

O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, liderado pelo PT, não foi considerado golpe por Lula e os que o apoiaram. Lula liderou a chamada “Marcha dos Cem Mil” a Brasília para exigir o impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-ministro Tarso Genro publicou na Folha artigo a respeito.

Vida que segue. E para que siga com algum grau de ordenamento, cumpra-se a lei que deve servir igualmente para todos, e obedeça-se à Justiça, uma vez que nada de melhor foi inventado. Seria desejável que não se tentasse enganar as pessoas com falsas promessas – mas aí é cobrar demais a muita gente.

No próximo dia 15, quando requerer o registro da candidatura de Lula, o PT não mandará o documento que deveria informar se ele já foi ou não condenado pela Justiça. É o que basta para o registro ser negado. Quer dizer: para tirar vantagem, o PT está empenhado em frustrar milhões de brasileiros com essa história de Lula candidato.

Fazer o quê?

Por que ele não pode cumprir pena como outro preso qualquer?

Que sinuca de bico está o Supremo Tribunal. Se mandar Lula para casa agora, se dirá que o fez a tempo de ele poder ser candidato. Se mandar imediatamente depois da eleição, se dirá que o manteve preso só para impedi-lo de ser candidato. Não seria o caso então de deixá-lo simplesmente cumprir a pena como outros presos?

O ex-governador Sérgio Cabral, do Rio, foi condenado e está preso. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, também. Assim como está preso o ex-ministro Geddel Vieira Lima, sequer julgado, e o ex-ministro Antônio Palocci, empenhado em delatar para diminuir seu tempo de cadeia. Por que Lula, condenado três vezes, não pode?

Ele foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Apelou então para o tribunal de Porto Alegre. Ali, a sentença do Moro foi até aumentada, e por unanimidade. Lula então apelou de novo. E o mesmo tribunal confirmou a sentença ampliada. Todos os recursos de defesa para libertá-lo foram negados por tribunais superiores. Fazer o quê?

Quem acha que eleição sem Lula é uma fraude tem todo o direito de achar, mas, por coerência, não deveria participar das eleições para não coonestar com a fraude. Mas o PT participará, sim. Como participou de todas as fases do impeachment de Dilma mesmo dizendo que o impeachment era uma fraude. Ou melhor: um golpe.

O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, liderado pelo PT, não foi considerado golpe por Lula e os que o apoiaram. Lula liderou a chamada “Marcha dos Cem Mil” a Brasília para exigir o impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-ministro Tarso Genro publicou na Folha artigo a respeito.

Vida que segue. E para que siga com algum grau de ordenamento, cumpra-se a lei que deve servir igualmente para todos, e obedeça-se à Justiça, uma vez que nada de melhor foi inventado. Seria desejável que não se tentasse enganar as pessoas com falsas promessas – mas aí é cobrar demais a muita gente.

No próximo dia 15, quando requerer o registro da candidatura de Lula, o PT não mandará o documento que deveria informar se ele já foi ou não condenado pela Justiça. É o que basta para o registro ser negado. Quer dizer: para tirar vantagem, o PT está empenhado em frustrar milhões de brasileiros com essa história de Lula candidato.

Fazer o quê?


Ricardo Noblat: Lula encarcerou o PT em Curitiba

Para o bem ou para o mal. O PT inventou o discurso de que o melhor seria insistir com a candidatura inexistente de Lula para esconder a verdade de que lhe falta um candidato com chances de vencer.

Notável, pois. Com 38 de idade, e tendo disputado todas as eleições de 1982 para cá, o segundo maior partido do país (o primeiro é o PMDB) foi incapaz de parir outros nomes de peso. Por quê? Porque isso jamais interessou a Lula.

Ninguém à sombra dele se criou. Por timidez de alguns. Por receio de outros de acabarem marginalizados por Lula. Por azar de poucos que acabaram ficando pelo meio do caminho ao se meterem em enrascadas.

Um desses poucos foi o ex-ministro José Dirceu, o coordenador da campanha presidencial de Lula em 2002. Incomodava Lula a condição não oculta de Dirceu de uma espécie de primeiro-ministro do governo.

No que Dirceu apareceu como o chefe do esquema do mensalão do PT, Lula mandou que ele se demitisse. Nada fez para impedir que Dirceu fosse cassado. A Justiça inocentou Dirceu da acusação de ter chefiado o esquema.

O ex-ministro Antônio Palocci, que Lula chamava de “meu irmão”, e que confessa ter administrado o dinheiro da propina paga a Lula, caiu ao se envolver com a quebra do sigilo bancário de um caseiro.

Houve também aqueles que preferiram pedir as contas e ir embora do PT. Marina Silva, petista de raiz, por exemplo, foi um deles. E houve os expulsos, como Luiza Erundina, que foram se abrigar em outros partidos.

Sempre que lhe pareceu conveniente, Lula fingiu distanciar-se do PT. Sempre que se viu em apuros, correu para o colo do PT. Assim foi quando o governo de Dilma começou a ir para o brejo e ele não viu mais como salvá-lo.

E mais recentemente foi assim quando a Lava Jato bateu à porta de Lula, obrigou-o a sentar no banco dos réus e por fim condenou-o a 12 anos e um mês de cadeia pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Encarcerado em Curitiba, Lula encarcerou também o PT. Fracassou, porém, no seu intento de encarcerar toda a esquerda. Parte dela circula por aí carregando Marina, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Manuela d’Ávilla.

Lula e seus dóceis serviçais teimam com a história de que o candidato do PT a presidente a ser escolhido em cima da hora herdará os votos de Lula e disputará o segundo turno. E se não for assim?

Se não for, que não atribuam mais essa culpa a Lula. Vítima de um golpe, Lula terá mais com o que se preocupar. É ele quem vê o sol quadrado há mais de 100 dias. É ele que está com os bens bloqueados. Até ficou viúvo.

Com a preciosa ajuda do PT, Lula já garantiu a essa altura a condição de mártir no imaginário coletivo dos que gostaram dos seus governos, embora desaprovem seus malfeitos.


Ricardo Noblat: Aproveite o fim de semana, Lula!

Ninguém fez mais do que ele para estancar a sangria da Lava Jato

Não foi Lula que afirmou que era preciso “estancar a sangria” provocada pela Lava Jato. Ou dito de outra maneira: acabar com a Lava Jato, ou reduzir seus efeitos ao mínimo. O autor da frase famosa foi o senador Romero Jucá (RR), presidente do PMDB.

Mas ninguém, nem mesmo Jucá, nem mesmo o presidente Michel Temer, nem mesmo ultimamente o ministro Gilmar Mendes, fez mais para “estancar a sangria” do que Lula. Fez o diabo para escapar da Lava Jato e ser candidato outra vez à presidência da República.

Pressionou a então presidente Dilma Rousseff para que ela freasse as ações da Polícia Federal, do Ministério Público e da Procuradoria Geral da República que o ameaçavam, como se de fato Dilma pudesse fazer isso. Não podia. E não pareceu interessada em fazer.

Lula pediu e levou a cabeça de José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça, seu antigo desafeto, por achar que ele dava moleza à Lava Jato. Por achar que na chefia da Casa Civil o ministro Aloizio Mercadante era um zero à esquerda, também pediu e levou sua cabeça.

Pôs Jaques Wagner, homem de sua confiança, no lugar de Mercadante. E quando temeu ser preso pelo juiz Sérgio Moro, aceitou docemente constrangido o convite de Dilma para substituir Wagner e ganhar assim o direito de só ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal.

Sem falar do que ficou registrado em célebre telefonema trocado por ele com um amigo – um ataque pesado ao Supremo a quem se referiu como “corte acovardada”. Conspirou, sem sucesso, para que os ministros do Supremo mudassem de comportamento, e quase conseguiu.

Resta-lhe aguardar a hora de ser preso. Sua defesa pouco terá o que fazer até lá. Esgotou-se quase todo o estoque de recursos ao seu alcance. Se tudo correr como parece escrito nos autos dos doutos, este será o último fim de semana de Lula em liberdade. Pelo menos por um bom tempo.


Noblat: Um general prega o golpe. E nada acontece com ele

Nem o Ministério da Defesa, nem o Exército tomaram qualquer providência até ontem à noite para punir o general Antonio Hamilton Mourão que na última sexta-feira, em palestra para maçons reunidos em Brasília, defendeu um golpe militar caso o Poder Judiciário não tire de cena políticos corruptos.

Ao jornal O Estado de S. Paulo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ora em tratamento de saúde, limitou-se a dizer que “o problema” estava superado. A Procuradoria Geral da Justiça Militar informou que analisou a fala de Mourão e não encontrou “nenhum ilícito penal previsto no Código Penal Militar”.

O ministro Raul Jungmann, da Defesa, disse em nota que “há um clima de absoluta tranquilidade e observância aos princípios de disciplina e hierarquia constitutivos das Forças Armadas”. Anunciou por fim que convocara o comandante do Exército “para esclarecer os fatos” e examinar “medidas cabíveis a serem tomadas”.

A pregação do golpe feita por Mourão se deu quando lhe perguntaram se não concordava de que, com poderes cheios de corruptos, incluindo um presidente da República duas vezes denunciado criminalmente, não seria o momento de se ter uma intenção militar. Parte da resposta de Mourão:

- Na minha visão, que coincide com a dos companheiros que estão no alto comando do Exército, estamos numa situação que poderíamos lembrar da tábua de logaritmo, de aproximações sucessivas. Até chegar ao momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou, então, nós teremos que impor isso.

Quer dizer: se a Justiça não punir políticos corruptos com sua exclusão da vida pública, os militares poderiam fazê-lo. Isso não está na lei. O comandante das Forças Armadas é o presidente da República. Uma intervenção militar só pode ocorrer em casos previstos na Constituição. E nenhum desses casos tem a ver com a não punição de políticos corruptos. Simples assim.

A propósito do que disse o general Mourão, e sob o título “Parabéns, ministro”, Julgmann recebeu de uma funcionária pública que se assina Luciene a mensagem que segue:

“Penso que um agente de Estado não pode expressar convicções pessoais de tal gravidade. O agente é pago pelo Estado, está com o uniforme do Estado, personifica o Estado. Da mesma forma que eu sou obrigada a manter a postura na minha condição de agente de Estado, espero que o agente militar também se porte à altura, cada qual no exercício do seu papel.

Se eu me expressar mal em relação ao meu ofício, o Tribunal de Contas da União dispõe de uma Lei Orgânica para me corrigir. É importante que o Ministério da Defesa proceda da mesma forma, para que não haja sobressaltos para os cidadãos. O agente de Estado, civil ou militar, deve agir nos marcos da Constituição, não de suas convicções pessoais.

Democracia não se coaduna com ameaças - explícitas ou veladas - ao Poder Judiciário, porque são ameaças ilegítimas, que afrontam cláusulas pétreas. O cidadão é legítimo para cobrar o Supremo Tribunal Federal (STF). No movimento da Ficha Limpa, nós cidadãos pressionamos o STF de forma democrática, nos marcos da Constituição. Não com ameaças inconstitucionais.”

TAGS:políticapoder judiciárioministério da defesaconstituiçãoRaul Jungmanncomandante do exércitoeduardo villas bôas*** *** ***antonio hamilton mourãocódigo penal militarprocuradoria geral da justiça militarministério do exércitoo estado de s. paulo

 

 


Ana Maria Machado: Acabar com isso

Precisamos pensar em saídas. E o ideal seria conseguirmos pensar juntos, buscando um entendimento nacional

Por vezes, está tão forte a sensação de não aguentar mais conviver com a crise no país, que a vontade de acabar logo com isso extrapola dos limites e foge ao controle. Só isso, o absoluto esgotamento de paciência com a realidade, na saturação completa com a situação, pode explicar equívocos como gente que fica pedindo intervenção militar. Em todos os níveis, da política ao caos policial do Rio. Em fenômenos como a ascensão de candidatos como Bolsonaro, nas pesquisas recentes e nos testemunhos de quem convive com jovens revoltados e adultos indignados, de memória curta ou ignorância histórica longa. Não é possível que a cultura do ódio esteja levando a desmoralização dos ideais a esse ponto.

É bom não confundir os canais. Nada justifica apelar para isso. Mas é bom também que todos tenham um pouco de sensatez e parem de evitar o debate sério, limitando-se a repetir palavras de ordem que impedem a circulação do pensamento. Pura tentativa de desqualificar opiniões diferentes e rotular os outros. Em vez disso, é essencial trocar ideias e procurar se informar. É a única coisa que pode ajudar a sair do atoleiro. Precisamos pensar em saídas. E o ideal seria conseguirmos pensar juntos, buscando um entendimento nacional amplo — como a Espanha ao fim do franquismo, a Colômbia ao encerrar a guerra civil.

Em recente artigo, José Paulo Cavalcanti cumpriu o dever cívico de arrolar algumas razões para não esquecermos o que significou no país a intervenção militar, dos métodos de tortura ao número de mortos e desaparecidos, da supressão dos direitos humanos à censura à imprensa e à cultura em geral.

Não é porque a utopia também foi corrompida que se deve abrir mão do sonho de uma sociedade menos desigual, que não sirva a interesses partidários espúrios nem implante um mecanismo para a ocupação sistemática da máquina pública de forma a se perpetuar no poder. Talvez essa tenha sido a maior roubalheira dos tempos recentes: roubaram os sonhos generosos da juventude, (da nossa e das seguintes), distorcendo-os pela mentira, a ponto de se tornarem irreconhecíveis, forçados a coincidir com o corporativismo e o autoritarismo populista. Como se o altruísmo da utopia tivesse que se reduzir às experiências unipartidárias e totalitárias, do stalinismo ao bolivarianismo. No afã de desmoralizar a social-democracia xingada de neoliberalismo, sequestraram o projeto de reduzir a desigualdade, recusando os meios racionais de lidar com a economia de modo a aumentar a produtividade e a riqueza. Misturaram tudo com o primarismo da concentração do poder estatal e com a mais deslavada corrupção. Na arrogância de estar acima da lei, se vê qualquer limite legal como perseguição, e o fim passa a justificar os meios.

Os fatos de cada dia, chocantes e assustadores, viram metáfora. Como o bebê, vítima da certeza de que o mais forte tudo pode e fica impune, o Brasil do futuro é atingido, asfixiado e paralisado antes de nascer. Como as senadoras que tiveram a audácia de se apropriar da nossa voz, pretendendo falar em nosso nome ao ocupar a mesa parlamentar, ficamos na escuridão e vamos sendo apagados do debate.
A violência desenfreada em nossas cidades tem causas complexas mas é também a outra face da impunidade do mais forte e armado, no vale-tudo do poder. Na política, da mesma forma, afirma-se a tática de se impor pela força ou pela pretensa malandragem — no grito, no cuspe, na raiva, na mentira e na compra de votos.

Essa distorção cínica contribui para a perda de esperança, o apagão da crença no futuro do país, o desalento de estarmos sem rumo, à deriva, sem projeto. Até isso nos surrupiaram, ao usarem a utopia e os sonhos de justiça social, igualdade e crescimento para encobrir espertezas de desvio de dinheiro a serviço de um projeto partidário de manutenção no poder. Ainda por cima, a se fingir de vítima coitadinha.

Isso tudo é que tem que acabar, sabe-se lá como. Mas vai ter de ser de acordo com a Constituição. E ao que tudo indica, vamos ter que antes passar pelo processo de fazer emendas à Carta Magna numa reforma eleitoral, para podermos escolher melhor nas próximas eleições. Com essa gente que aí está, para as primeiras medidas, que jeito? Com as que elegermos em seguida, para completar a faxina. Vai depender também de cada um de nós, fazendo as pressões certas nos pontos precisos, em vez de apenas gritarmos palavras vazias, uns contra os outros.

Não podemos perder a oportunidade de começar a dar fim a esse descalabro, sem nos limitarmos ao marasmo estéril da repetição de slogans ou ao delírio de achar que a Justiça pode se dar ao luxo de ficar discutindo firula sem resolver sobre sentenças fundamentais para a democracia.

Que os juízes tenham juízo. Precisamos acabar com isso. Pode ser do interesse de alguns acusados que o processo se arraste, em troca de vantagem pessoal. Mas será catastrófico para o Brasil. Justiça que tarda falha.

- O Globo

* Ana Maria Machado é escritora