Nelson Mandela

O ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela fala aos visitantes em 8 de março de 1999 em sua residência em Houghton, um subúrbio de Joanesburgo, África do Sul/ Per-Anders Pettersson/Getty Images

Dia de Nelson Mandela é celebrado hoje; relembre a trajetória do líder sul-africano

Tiago Tortella*, CNN

“Está em suas mãos tornar o mundo um lugar melhor”. Há 104 anos nascia o autor da frase: Nelson Mandela, ex-presidente sul-africano, ganhador do Nobel da Paz e um dos principais líderes na luta contra o Apartheid, um regime de discriminação racial na África do Sul.

Defensor dos direitos humanos, Mandela foi preso diversas vezes, enfrentou quatro julgamentos e passou 27 anos na prisão. Ele foi o primeiro presidente democraticamente eleito na África do Sul.

Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1993, é descrito pela Organização das Nações Unidas (ONU) como alguém que “dedicou sua vida a serviço da humanidade”.

Desde novembro de 2009, o dia 18 de julho é reconhecido pela ONU como o Dia Internacional de Nelson Mandela. “Em reconhecimento à contribuição do ex-presidente sul-africano para a cultura de paz e liberdade e luta pela democracia internacionalmente”, justificou a ONU sobre a celebração.

A organização ressalta ainda que a data é “uma ocasião para todos agirem e inspirarem mudanças”.

Em 2015, a data também foi reconhecida para promover “condições humanas de reclusão, consciencializar para que os presos sejam uma parte contínua da sociedade e valorizar o trabalho dos agentes penitenciários como serviço social de particular importância”.

Abaixo, relembre a história de Nelson Mandela:

"É fácil quebrar e destruir. Os heróis são aqueles que fazem a paz e constroem." Nelson Mandela

Mvezo, África do Sul

Rolihlahla Mandela nasceu no dia 18 de julho de 1918, na vila de Mvezo, na África do Sul. O nome “Nelson” foi adicionado durante a escola primária por uma professora, em Qunu. Era um costume dar às crianças na escola um “nome cristão”.

Seu pai, Nkosi Mphakanyiswa Gadla Mandela, morreu quando ele tinha 12 anos.

Ele começou um curso de bacharelado em Artes na Universidade de Fort Hare, mas não o concluiu, pois foi expulso por participar de um protesto estudantil.

Mandela chegou a Joanesburgo, capital do país, em 1941, e trabalhou como oficial de segurança de minas. Ele completou o bacharelado na Universidade da África do Sul e voltou para Fort Hare para sua graduação em 1943.

Ele se casou pela primeira vez em 1944, com a enfermeira Evelyn Mase, com quem teve dois filhos e duas filhas (a primeira delas morreu durante a infância). Mandela e Mase se separaram em 1958.

Mandela também começou a estudar um curso de Bacharel em Direito na Universidade de Witwatersrand. Porém, deixou a universidade em 1952, sem se formar.

"Nossa marcha para a liberdade é irreversível. Não devemos permitir que o medo fique em nosso caminho." Nelson Mandela

Apartheid

O Apartheid passou a existir formalmente após a Segunda Guerra Mundial no país, quando o Partido Nacional, liderado por descendentes de colonos europeus, chegou ao poder na África do Sul.

Entre 1949 e 1953, os legisladores sul-africanos aprovaram uma série de leis cada vez mais opressivas, que regulavam até atividades cotidianas.

Havia a proibição de casamento entre negros e brancos, divisões da população por cor, reservando os melhores equipamentos públicos para brancos, e a criação de um sistema de educação separado e inferior para negros.

Outro ponto imposto pelo regime era que negros também tinham que usar praias e banheiros públicos diferentes. Os salários também eram desiguais.

Foi contra este regime que Nelson Mandela lutou.

Vida política

Em 1944, o líder ajudou a criar a Liga da Juventude do Congresso Nacional Africano (ANCYL, em inglês). Ele foi eleito secretário nacional do grupo em 1948.

Conforme explica a Fundação Nelson Mandela, através de seus esforços, a Casa adotou o Programa de Ação, em 1949, que visava uma política de massa.

Em 1952, foi lançada a Campanha Desafio. Ela instigava desobediência civil e resistência popular contra seis leis consideradas injustas. Mandela foi eleito Voluntário-Chefe Nacional, com Maulvi Cachalia como seu vice.

“Ele e outros 19 foram acusados ​​pela Lei de Supressão do Comunismo por sua participação na campanha e sentenciados a nove meses de trabalhos forçados, suspensos por dois anos”, diz a fundação.

Um diploma de dois anos em direito, além de seu bacharelado, permitiu que Mandela exercesse a advocacia e, em agosto de 1952, ele e Oliver Tambo fundaram o escritório de advocacia Mandela & Tambo.

Ele foi banido pela primeira vez em 1952, e a Carta da Liberdade foi adotada em 1955

"Verdadeiros líderes devem estar prontos para sacrificar tudo pela liberdade de seu povo." Nelson Mandela

Acusação de traição e prisão

Em 1956, Nelson Mandela foi acusado de traição. Em 1958, ele se casou pela segunda vez, agora com Winnie Madikizela, com quem teve duas filhas. Se separaram em 1996.

O julgamento só terminou em 1961, com ele e seus colegas sendo absolvidos.

Antes disso, em 1960, 69 pessoas foram mortas e outras 200 ficaram feridas pela repressão policial em um protesto em Sharpeville. Em seguida, o governo declarou estado de emergência e baniu o Congresso. Cerca de 18 mil manifestantes foram presos durante o período, entre eles, Mandela.

Com o fim do julgamento, “Mandela passou à clandestinidade e começou a planejar uma greve nacional para 29, 30 e 31 de março”. Porém, a ideia foi cancelada devido à forte repressão governamental.

Em 1961, foi criado o movimento armado da ANC, o Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação, em tradução livre), com Mandela sendo escolhido líder. Em dezembro daquele ano, o grupo começou ataques com uma série de explosões.

Em janeiro 1962, ele sai secretamente da África do Sul com um passaporte etiópio, viajando pela África e Europa para obter apoio para a luta armada, retornando em julho do mesmo ano.

Mandela foi preso meses depois, em agosto. Ele foi acusado de deixar o país sem permissão e incitar greve e insurreição, condenado a cinco anos de prisão.

Em 1963, líderes da ANC foram presos, e Mandela foi acusado junto a eles por sabotagem. A apuração das autoridades ficou conhecida como “Julgamento de Rivonia”, no qual ele corria risco de pena de morte.

Em seu discurso no tribunal, disse:

"Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Acalento o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e alcançar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer." Nelson Mandela

Em junho de 1964, Nelson Mandela e sete outros foram condenados à prisão perpétua. Ele percorreu três prisões: Robben Island, Pollsmoor e Victor Verster.

Durante o cárcere, em 1968 e 1969, sua mãe e filho mais velho morreram, mas ele não foi autorizado a comparecer aos enterros.

Conversas com o governo e liberdade

Em 1985, em meio a recorrentes protestos em massa contra o regime do Apartheid, a ANC iniciou conversas com o governo sul-africano.

“Em 12 de agosto de 1988, ele foi levado ao hospital, onde foi diagnosticado com tuberculose. Depois de mais de três meses em dois hospitais, ele foi transferido em 7 de dezembro de 1988 para uma casa na Prisão Victor Verster, perto de Paarl, onde passou seus últimos 14 meses de prisão”, diz o site da Fundação.

“Ele foi libertado no domingo, 11 de fevereiro de 1990, nove dias após a retirada do banimento do ANC e quase quatro meses após a libertação de seus camaradas restantes de Rivonia. Ao longo de sua prisão, ele rejeitou pelo menos três ofertas condicionais de libertação”, complementa.

Em junho de 1990, Mandela compareceu pela primeira vez à ONU, no Comitê Especial Contra o Apartheid, no Salão da Assembleia-Geral, em Nova York.

Em 1991, foi eleito presidente do ANC e manteve negociações para “acabar com o governo da minoria branca”.

"Diz-se que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que esteja dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pela forma como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim os mais baixos." Nelson Mandela

Nobel da Paz

Em 1993, Nelson Mandela ganhou o prêmio Nobel da Paz, “pelo seu trabalho pelo fim pacífico do regime do Apartheid e por lançar as bases para uma nova África do Sul democrática”, de acordo com a descrição no site da instituição.

Ele dividiu o prêmio com “o homem que o libertou, o presidente Frederik Willem de Klerk, porque eles concordaram com uma transição pacífica para o governo da maioria”.

Eleito presidente

Em 1994, foram realizadas as primeiras eleições “multirraciais” na África do Sul. Mandela pôde votar pela primeira vez em sua vida.

A ANC ganhou com grande maioria e, em 10 de maio, Nelson Mandela assumiu como o primeiro presidente democraticamente eleito do país. Porém, ele afirmou que não buscaria reeleição e, após um mandato, deixou o cargo.

Em 1998, se casou pela terceira vez, com Graça Machel.

Nelson Mandela faleceu em 5 de dezembro de 2013, em sua casa em Joanesburgo.

"Nossa liberdade não pode ser completa enquanto outros no mundo não são livres." Nelson Mandela

Outras partes de seu legado

O ex-presidente sul-africano fundou algumas organizações sociais. Em 1995, o Fundo para a Infância Nelson Mandela, que “se esforça para mudar a forma como a sociedade trata suas crianças e jovens”.

Fundação Nelson Mandela, por sua vez, foi criada logo depois que ele deixou a presidência, em 1999. Ela é focada no diálogo e legado do líder, tendo também o Centro de Memória dedicado a ele, inaugurado em novembro de 2013.

Há também a Fundação Mandela Rhodes, que fornece bolsas de pós-graduação para estudantes em um Programa de Desenvolvimento de Liderança na África do Sul. Ela foi fundada em 2003.

"Se eu tivesse a vida novamente, faria o mesmo de novo, assim como qualquer homem que ouse se chamar de homem." Nelson Mandela

*Texto publicado originalmente na CNN.


Ivanir dos Santos: Para sempre Mandela

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta” – Nelson Mandela

A célebre epígrafe escrita por Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, compõem a sua autobiografia, intitulada “Long Walk to Freedom” publicada em 1995, retratara um dos períodos mais emblemáticos da luta antirracismo, colonialismo e contra a intolerância em África. Se estivesse vivo Mandela, símbolo das lutas contra o apartheid, teria completado cem anos de vida no último dia 18 de julho. O apartheid, é uma palavra afrikans (ou africâner), uma língua creolizada derivada do encontro entre a língua holandesa com as línguas nativas sul-africanas, que no seu sentido literal significa separação ou segregação.
A política de segregação racial fez da África do Sul o único país do mundo a definir os direitos fundamentais dos seus cidadãos tomando como base a cor da pele, separando brancos e negros no mesmo espaço geográfico. Algo bem diferente das configurações políticas e sociais do Brasil, que foi construído sobre a ideia de “democracia racial” com o intuito de passar uma imagem de convivência pacífica e harmoniosa entre as “três raças” (indígena, negra africana e branca europeia), afim de não evidenciar todas as mazelas deixadas em nossa sociedade com o sistema escravocrata.

Assim, enquanto a política do apartheid, entre as décadas de 1940 a 1990, evidenciou o racismo como um problema político e social na África do Sul, tal como o episódio em Shaperville onde milhares de sul-africanos saíram às ruas protestando contra a segregação racial no país, no Brasil tais questões foram distensionadas com narrativas construídas pela historiografia tradicional, que contribuíram para o fortalecimento do processo de inviabilização do racismo e para o crescimento das políticas de embranquecimento social.

Mandela nunca aceitou que a política do apartheid fosse a base de sustentação das relações políticas e sociais de seu país e foi por lutar contra todo o sistema racista “herdado” do processo colonial que passou 27 anos encarcerado na Prisão Local de Pretória (entre 7 de novembro de 1962 a 25 de maio de 1963), de Robben Island (entre 27 de maio de 1963 a 12 de junho de 1963), novamente em Robben Island (entre 13 de junho de 1964 a 31 de março de 1982) no setor de segurança máxima, na Prisão de Pollsmoor (entre 31 de março de 1982 a 12 de agosto de 1988) e na Prisão Victor Verster (7 de dezembro de 1988 a 11 de fevereiro de 1990). E mesmo preso, Mandela lutou pela garantia da igualdade e equidade entre negros e brancos dentro e fora da África do Sul, lutas essas evidenciadas nas de cartas que escreveu para parentes e amigos relatando o sistema de opressão que subjugava o continente africano e em especial a África do Sul. Parte desses escritos foram publicados como biografia e/ou autobiografias do maior líder negro sul-africanos, imortalizando a memória e as lutas de Nelson Mandela contra o racismo, contra a desigualdade e contra a intolerância.

*Ivanir dos Santos é professor doutor Babalawô


Roberto Freire: Ultraje a Nelson Mandela

“Free Mandela” foi uma palavra-de-ordem que correu o mundo.

O significado era duplo: liberdade para o líder sul-africano e ao mesmo tempo “libertemos Mandela”, um imperativo de consciência.

Lula – com a concordância de muitos lulopetistas – anda se comparando ao ex-presidente da unificada África do Sul.

Seus apoiadores mais empedernidos lançaram a campanha “Lula livre”, mirada no que aconteceu ao ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1993.

Mandela foi preso pela intolerância do apatheid; Lula é só um preso comum, por corrupção.

Mandela foi encarcerado em decorrência de sua luta contra o apartheid na África do Sul. Lula, por chefiar a corrupção sistêmica nos governos lulopetistas e por dela se beneficiar pessoalmente, segundo o entendimento da 13ª Vara Federal de Curitiba e do Tribunal Federal Regional da 4ª Região, de Porto Alegre. E não cabem mais recursos no mérito do julgamento, mas apenas na ritualística do processo do Triplex do Guarujá.

Mandela liderou o Congresso Nacional Africano – CNA – na época da segregação racial e da supremacia branca na África do Sul. Lutou pela universalização dos direitos civis em seu país.

Os crimes pelos quais Lula começou a cumprir pena aconteceram quando o Brasil vivia o Estado Democrático de Direito, no maior período da história do Brasil sob o império da democracia.

Mandela, encarcerado, manteve a luta contra o apartheid por 27 anos e comandou a transição para uma democracia, em que foi vitoriosa a bandeira “um homem, um voto”.

Lula tenta politizar sua condição de preso comum, como se sua liderança popular e realizações de seus governos lhe outorgassem passaporte para a impunidade.

Os crimes de que Mandela foi acusado – pleitear a igualdade jurídica entre todos os habitantes de seu país – o fizeram tornar-se uma personalidade mundial, reconhecida em todas as latitudes, como um herói da luta pelos direitos humanos.

Os crimes de que Lula é acusado foram, são e serão crimes em qualquer quadrante do Planeta. Não há um só país que aceite a corrupção como sistema de construção de alianças políticas e de obtenção de vantagens pessoais. Não há país que, em sua legislação, autorize chefes de governo a liderar o saque a recursos públicos e a beneficiar-se pessoalmente dessas ações.

Mandela teve a grandeza de unir os cidadãos e cidadãs de seu país em uma democracia imperfeita como qualquer outra, mas destituída da segregação e separações em decorrência da cor da pele e das características físicas das pessoas.

Não restou a Mandela qualquer revisão de seus objetivos de vida. Quanto mais se joga luz sobre seu passado, mais esse ser humano especial merece a consideração de todos.

Quanto mais se joga luz sobre a vida de Lula, a política e mesmo a pessoal, mais se evidenciam os indícios e provas de sua participação – e obtenção de benesses pessoais – na apropriação privada dos recursos públicos, pelo seu partido, por muitos do seu entorno e pelo próprio, nos mecanismos de corrupção sem precedentes na história de nosso país e, provavelmente, do mundo.

Mandela agora faz parte da história e tem um legado político e pessoal admirável, ontem, hoje e no futuro.

O mesmo não pode se dizer do sr. Luís Inácio Lula da Silva, que passará muitos anos de sua vida nas malhas da justiça criminal comum. Seu horizonte é de, no máximo, colaborar com a Justiça e reconhecer seus erros, para obter alguma complacência.

Comparar Nelson Mandela a Lula é um acinte à memória do líder sul-africano e, em decorrência, à honra de todos os lutadores pelos direitos humanos e demais causas sociais e humanitárias.

Nenhum humanista, nenhum democrata, pode aceitar impassível tamanha estultice. (Diário do Poder – 30/07/2018)