murilo de aragão

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O Brasil já vive a campanha pré-eleitoral de 2022 para a Presidência por algumas razões claramente postas: as narrativas do governo; a excepcionalidade da pandemia; e a reentrada de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa.

Comparando a um festival de música, podemos dizer que ela se desenvolve em palcos diversos, com ritmos e intensidades diferentes. Agora, como nas próximas semanas, o palco central é a CPI da Pandemia no Senado, onde a questão eleitoral tem estado evidente.

Em outro palco relevante se desenvolve a narrativa do presidente Jair Bolsonaro, destinada a aquecer a militância. Ele tem um acervo de intenção de votos que pode lhe assegurar vaga no segundo turno. Manter essa base unida e engajada é o seu objetivo — daí ele estimular a polêmica.

Em palcos ainda periféricos, Lula e as esquerdas vão começar a se organizar e tentar chegar a uma unidade que parece distante. Mas não impossível. Ciro Gomes (PDT) e Lula, com evidente vantagem para o último, disputam a bandeira da esquerda. Ambos têm pela frente um desafio maior do que a rixa entre eles: atrair eleitores do centro para ter maior competitividade.

No centro oposicionista alguns atores se movimentam para organizar o seu show, mas sem saber quem será o lead vocal da banda. Contam com o fato de que quase 40% do eleitorado pode optar por uma solução de centro. Esse conjunto de forças, porém, tem sido incapaz de construir uma unidade mínima.

 “O eleitorado majoritário, que é de centro, escolherá aquele cuja narrativa inspirar tempos melhores”

Até a aliança nacional entre PSDB e DEM, que vigorava desde a primeira eleição de FHC, em 1994, pode ser posta em xeque, depois que o presidente nacional do Democratas, ACM Neto, reagiu negativamente à ida do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, para o PSDB, numa jogada articulada pelo governador João Doria (PSDB).

Enquanto isso, o público começa a pensar em suas prioridades. As camadas ideologizadas se orientarão por preferências programáticas até chegarem ao segundo turno, quando optarão pelo “menos ruim”. O eleitorado majoritário, que é de centro, escolherá aquele cuja narrativa inspirar tempos melhores.

Dois temas sobressaem hoje e poderão se destacar na cena eleitoral. O principal é a necessidade de vacinação em massa contra a Covid-19, o que abriria caminho para uma normalidade menos tensa. O outro é o emprego, que sintetizaria a retomada da economia e a sensação de que, finalmente, a crise ficou para trás. No entanto, mesmo que a imunização seja massiva, o repertório “vacina e emprego” continuará a influenciar a agenda dos candidatos em 2022. A pandemia pode acabar logo; as suas sequelas, não.

No cenário atual, tanto a narrativa de Bolsonaro quanto a de Lula ganham força. Bolsonaro deve reproduzir o discurso de 2018, explorando a bandeira do antipetismo, que, apesar de menos intensa, é importante. Lula, por sua vez, insistirá na narrativa antibolsonarista, que toma corpo devido aos problemas de gestão no combate à pandemia.

Levará vantagem quem elevar mais a rejeição ao oponente e for mais eficiente em construir uma agenda de futuro, que passará pela vacina e pelo emprego. A polarização — conveniente a Bolsonaro e Lula — será consolidada ou desafiada a partir dessas duas pautas.

Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739

Fonte:

Veja

https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/eleicoes-vacinas-e-emprego/


Murillo de Aragão: O poder e a gastronomia

O caminho do entendimento a partir de uma refeição

Brasília tem sido agitada por uma sucessão de jantares. São encontros recorrentes que ganharam relevância por causa dos desafios impostos pela pandemia e pela política fiscal. Sobre esse assunto, dois aspectos devem ser considerados.

O primeiro é que a sequência de eventos é um bom sinal. Revela que há a vontade de se expor ao diálogo e o reconhecimento de que não existe monopólio de poder. O segundo aspecto é que se trata do processo de construção de consensos. Em torno da mesa se confrontam divergências e se buscam soluções. Não é um fenômeno novo.

Pelo menos desde os anos 80, quando os ventos da democracia voltaram a soprar no Brasil, almoços e jantares sempre foram espaços de entendimento, conspiração, lobby e agendas de poder. Restaurantes de Brasília foram templos de negociação. Ulysses Guimarães, no Piantella, tinha a sua turma do poire, que articulou a derrubada do regime militar nas eleições indiretas de 1985.

Na Constituinte, entre 1986 e 1988, Luís Eduardo Magalhães, filho de ACM e deputado constituinte pelo PFL, e José Genoíno, deputado e líder do PT, dois políticos de campos opostos, atravessaram noites conversando e se entendendo. Ou, pelo menos, reduzindo as diferenças.

O evento que selou a paz entre Rodrigo Maia e Paulo Guedes caracteriza a política da mesa de jantar

Os jantares ocorrem de forma segmentada. Obviamente, os mais importantes servem para debater pautas e conspirações. Mas também para alavancar carreiras. Fábio Ramalho, deputado mineiro conhecido como Fabinho Liderança, durante anos promoveu concorridos encontros semanais em sua casa. Ali, construiu uma rede de apoios que o levou à vice-presidência da Câmara.

Na gestão de Michel Temer, em oposição ao governo fechado de Dilma Rousseff, o Palácio da Alvorada foi muitas vezes tomado por centenas de parlamentares em jantares em que se debatia a agenda de reformas. Muitas resistências foram debeladas a partir das oportunidades de diálogo.

A pandemia feriu de morte alguns dos restaurantes de Brasília. Lamentavelmente, Piantella e Gero fecharam as portas. Eram espaços neutros onde os diversos se encontravam e dialogavam. Ao contrário do que acontece em Washington, nos Estados Unidos, o establishment político nacional nunca privilegiou restaurantes por razões partidárias.

O medo da contaminação deslocou o foco dos eventos para as residências. Com menos gente, mas com pautas ainda intensas. Quase sempre a comida é razoável, a bebida é de qualidade, mas o que interessa mesmo são as articulações. Recentemente, o evento realizado na residência de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União, que selou a paz entre o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, motivou-me a cunhar a expressão “gastropolitics”, para caracterizar a política em torno da mesa de jantar.

A “gastropolitics”, longe de ser um problema, tampouco é solução. É apenas uma exigência e faz parte do processo civilizatório, promovendo os meios para que se discutam soluções. Lembrando que o fim da política é o começo da barbárie e do conflito. Assim, dialogar nunca é demais.

*Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708


Murillo de Aragão: Medo e autoritarismo

Só damos crédito para nossas instituições diante de interesses. Foi assim entre os apoiadores da Lava Jato. Agora o mesmo vale para a turma da Vaza Jato

Como bem disse o historiador José Murilo de Carvalho, no Brasil a república não é republicana. E o que faz nosso sistema político ser assim? É o fato de, ao longo de nossa história, o conjunto das forças sociais ter se movido mais por interesses do que por princípios ou valores. Essa prevalência se expressa na forma do autoritarismo que permeia a política nacional desde sempre. Interesses são defendidos pela imposição do medo como estratégia e da não aplicação do direito e da lei.

O autoritarismo sempre foi e sempre será o maior inimigo da lei e da ordem por atropelar as instituições, colocando os interesses acima dos princípios gerais. O autoritarismo desmoraliza as instituições e, sem estas, não se pode assegurar o exercício do direito, nem tampouco a aplicação de princípios e valores. A situação se torna mais complexa quando o autoritarismo não é percebido como tal. Ou só é percebido e condenado se praticado pelo adversário da vez. A ausência de princípios e de valores acaba suavizando a interpretação do que seja ou não autoritarismo.

Para muitos, por exemplo, uma condução coercitiva sem prévio convite para prestar depoimento – recurso usado com frequência pela Operação Lava Jato – não é uma manifestação de autoritarismo por parte do Judiciário e, sim, um recurso para atingir o bem comum e o interesse coletivo. Ainda no caso da Lava Jato, poucos se indignaram com a determinação de prisões temporárias de longo prazo, uma vez que os detidos em questão eram notórios meliantes e, mesmo sem julgamento, mereciam apodrecer na cadeia. Novamente os interesses se sobrepuseram aos princípios, deixando à mostra nossa face autoritária e o emprego do medo para fazer prevalecer os interesses.

Em tempos de Vaza Jato, que revela o interesse e o medo nas ações investigatórias, a utilização generalizada de aplicativos criptografados para se comunicar indica a falência das instituições em sua função de assegurar o sigilo nas comunicações. Ironicamente, nem a adoção da criptografia nos aplicativos poupou aqueles que sempre vulgarizaram o direito ao sigilo dos investigados, vazando seus depoimentos para a imprensa de forma recorrente.

A midiatização dos processos de investigação é outra face do nosso autoritarismo. Bem como a vocação para o estrelato de certas figuras de nosso Judiciário, que, caso se comportassem republicanamente, só se manifestariam por meio dos autos. Os piores males são aqueles praticados em nome do bem. Como disse Millôr Fernandes, o Brasil ainda tem um longo passado pela frente.