Murillo de Aragão

Murillo de Aragão: Um novo ciclo da política

Caminhamos para uma República submetida ao poder burocrático dos atores do Judiciário

Independentemente de quem venha a ganhar as eleições presidenciais deste ano, algumas questões já estão postas. A primeira é que o próximo governo manterá o presidencialismo de coalizão.

Afinal, sem uma grande coalizão o presidente da República não conseguirá governar, já que o polo central da política se deslocou do Planalto para o gabinete do presidente da Câmara dos Deputados. Portanto, sem uma identificação política entre governo e presidência da Câmara a administração funcionará aos soluços e dependente de medidas provisórias que poderão ser rejeitadas in limine.

Outra questão posta e assegurada é que a Operação Lava Jato e seus sucedâneos continuarão a produzir efeitos e a emparedar o mundo político. Em consequência, a imprensa - que nunca nutriu simpatia pelo establishment político - continuará sua faina diária de desinstitucionalizar o universo político. Independentemente do tamanho e da gravidade da culpa de seus atores.

A terceira questão posta é que o mundo político, entre cético e acovardado, assiste à sua destruição institucional sem esboçar reação. Aceita a perda de terreno para o Judiciário, não se rebela contra o seu ativismo de forma consequente e não constrói uma narrativa minimamente coerente.

Políticos caminham em meio aos destroços como se as bombas atiradas pelo Ministério Público e pela Justiça não os atingissem. Engana-se o mundo político, pois vivemos tempos em que praticamente tudo na política foi criminalizado e a presunção da inocência deu lugar à certeza antecipada de culpa.

Assim, as eleições de 2018 vão marcar apenas mais um passo rumo ao fim da política conforme estabelecida após o fim do regime militar.

Após os fracassos iniciais de Sarney e Collor, uma aliança rentista-burocrática promoveu o aumento da taxa de juros e da carga tributária para pagar a conta fiscal e controlar a inflação, em meio a uma alegoria democrática. Ao lado de certa disciplina fiscal, permitia-se uma bacanal partidária sustentada por três pilares: cargos públicos, verbas orçamentárias e intermediação de negócios. A estabilidade da aliança rentista-burocrática dependia, também, de bons salários para os cargos no Estado dos quais se executavam as políticas vigentes.

A equipe econômica era minimamente blindada para fazer política fiscal e monetária, e o mundo político era financiado para ajudar ou, ao menos, não atrapalhar. Sob a vista grossa de todos, políticos e empresários exploravam a intermediação de obras públicas e a venda às estatais. E a máquina pública impunha uma perversa política tributária, além de sufocar o federalismo.

Paradoxalmente, o ex-presidente Lula - o líder operário e esquerdista - foi o ápice do "novo-republicanismo", ao conciliar a manutenção da aliança rentista-burocrática com a expansão da classe média baixa e o aprofundamento do capitalismo tupiniquim de vendas ao governo. E uma expressão perversa do conservadorismo retrógrado de nossas esquerdas.

Rentismo e popularismo deram algum resultado. Os miseráveis viravam pobres. E os pobres viravam devedores das Casas Bahia! Por sua vez, a alta burocracia ganhou mais privilégios e aumentos salariais generosos, enquanto os ricos ficavam milionários.

O ocaso de Lula vem com o naufrágio da Nova República, cujo féretro está sendo conduzido por uma República que ainda não tem um nome, mas que arrisco chamar de República Judicialista.

Estamos caminhando para uma República submetida ao poder burocrático dos atores do Judiciário, e não necessariamente aos ditames das leis e da Constituição. Algo que, tempos atrás, chamei de "novo tenentismo".

Obviamente, o naufrágio da Nova República ocorre por contradições inerentes ao sistema, que, se por um lado permitiu a farra de verbas públicas, por outro aboliu a disciplina partidária, institucionalizou a corrupção e doações por dentro e por fora, fragilizou o federalismo e permitiu que o governo fosse capturado por corporações burocráticas.

O episódio do mensalão iniciou um processo irreversível de mudanças. Pela primeira vez o sistema político foi incapaz de se proteger no Judiciário. Mas como nada vem sozinho, a cretinice do mundo político veio acompanhada de outras transformações que retroalimentaram o processo.

Por conta da dificuldade de chegar a consensos políticos importantes, recorreu-se à Justiça para arbitrá-los. Abrindo mão de decidir, o Legislativo estimulou o Supremo Tribunal Federal a assumir o papel de terceira câmara legislativa. Não só julgando, mas também legislando sobre temas relevantes.

Isto posto, proponho que estamos vivendo o naufrágio da política conforme estabelecida no fim do regime militar, como já dito, e reconheço a emergência de uma nova política, exposta tanto pelos índices de rejeição aos políticos quanto pela evidente supremacia do Judiciário sobre os demais Poderes.

As eleições não devem mudar significativamente o universo da política em termos de renovação. O judicialismo prosseguirá emparedando o mundo político e, aqui e ali, pondo algum político importante na cadeia. A política continuará criminalizada. Já que nem políticos nem imprensa, muito menos o Judiciário, conseguem e/ou desejam separar o joio do trigo.

Duas consequências estão claras: a ascensão do Judiciário como Poder e a dependência, cada vez maior, da validação do Judiciário às políticas públicas. Nada estará fora do escrutínio do judicialismo. Até mesmo o que não deveria ser judicializado. Novos tempos já estão em vigência e não poderão ser mudados nem sequer pelas eleições de 2018. Caberá ao Supremo Tribunal Federal conter excessos e, minimamente, tentar restabelecer o império da lei, ora ameaçado por um ativismo muitas vezes desenfreado.

*Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político, doutor em sociologia (UNB) e professor na Columbia University


Murillo de Aragão: A Novidade da Vez

A pré-campanha eleitoral tem se caracterizado pelo surgimento de pré-candidatos que aparecem e desaparecem. São novidades de temporada. Alguns ficam, como Jair Bolsonaro e sua incírivel resiliência. Outros como João Dória e Luciano Huck passaram como cometas e desaparecerem no firmamento da sucessão presidencial.

A novidade da vez é Joaquim Barbosa. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal só não deve ser o candidato do PSB à Presidência da República se não quiser. Essa é a opinião de mais de uma dezena de parlamentares do partido ouvidos pela Arko Advice na última semana.

Hoje, entre os congressistas, praticamente não há vetos à sua candidatura. As resistências na legenda ao nome de Barbosa foram reduzidas sensivelmente após a divulgação de pesquisas de intenção de voto em que ele aparece bem posicionado (entre 8% e 10%, dependendo do cenário).

Os resultados incentivaram a pretensão da cúpula partidária de lançar a candidatura. Vários parlamentares veem grande potencial de crescimento futuro, a ponto de projetarem o candidato socialista já no segundo turno da eleição presidencial.

De acordo com alguns, há análises internas apontando que uma parcela significativa do eleitorado ainda não associa o nome de Barbosa à sua figura pública. Mas, ainda conforme essas análises, quando isso ocorrer e o ex-ministro assumir, de fato, a candidatura poderá deslanchar nas pesquisas.

A visão dos correligionários é de que Barbosa conjuga a imagem do homem ficha limpa, comprometido com o combate à corrupção e a seriedade na gestão pública, com a do cidadão negro de origem humilde que venceu na vida e está preocupado com as questões sociais no país.

As políticas de alianças regionais, principal argumento contrário à candidatura presidencial socialista, podem não ser ser empecilho. Há focos muitos pontuais de resistência. Em Pernambuco e na Paraíba, os governadores Paulo Câmara e Ricardo Coutinho trabalham para ter o PT em suas coligações, e uma candidatura nacional dificultaria essas costuras locais. O governador paulista Márcio França, contudo, já estaria avaliando apoiar Barbosa por entender que tal gesto poderia agregar mais a seu projeto de reeleição do que se apoiar Geraldo Alckmin (PSDB).

No entanto, apesar de o ambiente partidário ser altamente favorável, permanece a dúvida entre os socialistas sobre o futuro do projeto presidencial no PSB. Pois, além de Barbosa não ser assertivo quanto a assumir a candidatura, outras questões preocupam. Sua falta de familiaridade com o ambiente político é uma delas. Sua postura e seu temperamento, isto é, sua forma de reagir na fase mais aguda da campanha, quando ocorrerão embates com outros candidatos, são incógnitas.

Da mesma maneira, o aspecto programático da candidatura gera insegurança. Suas ideias para a economia ainda não foram tornadas públicas. A clareza de um programa econômico numa candidatura presidencial é fundamental para angariar apoio na opinião pública e nos meios de comunicação. Esse tipo de preocupação é partilhada pelos prováveis adversários, que avaliam que Barbosa é apenas uma figura simpática ao público, mas repleta de incertezas.

* Murillo de Aragão é cientista politico


Murillo de Aragão: A renovação política nas Eleições 2018

Caminho para alavancar uma candidatura não alinhada com o antigo será o das redes sociais

Uma das perguntas mais recorrentes em minhas palestras é como e se o novo prevalecerá nas eleições de 2018. A pergunta parte do pressuposto de que existe um notável sentimento antipolítico na sociedade e que, a partir dessa constatação, seria mais do que natural uma grande renovação do sistema político.

No entanto, existem condições muito duras para que o novo prevaleça. A primeira barreira para a disseminação do novo, que chamarei de novos entrantes, são as regras atuais. O marco regulatório das eleições estabelece regras para a distribuição de fundos partidários e para o uso de tempo de televisão. Ambas são críticas para a campanha eleitoral e estabelecem uma situação de privilégio para as estruturas partidárias tradicionais.

Grandes partidos ganham mais verbas, mais tempo de televisão e, na maioria das vezes, mais prefeituras. Ora, numa competição em que haverá escassez de recursos – pela ausência de financiamento empresarial e pela debilidade das doações individuais – o maior financiador da campanha será o Fundo Partidário.

Sabendo disso, o relator da minirreforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido, está prevendo uma verba de R$ 3 bilhões para os partidos. Ainda que tamanha indecência não seja aprovada, grandes partidos continuarão a ser fortes financiadores da campanha eleitoral.

Apenas no primeiro trimestre deste ano o PT recebeu mais de R$ 23 milhões do fundo. Já legendas como o Partido Novo, que não tem nenhum deputado federal, recebeu pouco mais de R$ 300 mil. Ou seja, o sistema privilegia quem está no poder.

Outro fator crítico é a máquina pública. Somente o PMDB tem mais de mil prefeitos eleitos no Brasil. O PSDB tem pouco mais de 700. Entre os novos partidos, somente o PSD tem desempenho importante: 539 prefeituras.

Existem duas saídas para os novos entrantes: aliar-se às estruturas tradicionais ou buscar caminhos completamente inovadores. A fórmula novo-antigo foi testada com sucesso em São Paulo com João Doria. Com um discurso novo, uma campanha inovadora e uma estrutura partidária tradicional e poderosa venceu com certa facilidade. No Rio de Janeiro, a dupla finalista na disputa pela capital apresentou comportamento semelhante. Marcelo Crivella e Marcelo Freixo disputaram apresentando-se como o novo, ainda que os dois não representem nada de novo em termos políticos.

Faltando pouco mais de um ano para as eleições gerais, o sentimento antipolítico não se organizou para se expressar de forma competitiva. As especulações abrangem poucos nomes que poderiam aglutinar a sociedade em torno de um projeto político alternativo. Fala-se de Joaquim Barbosa, Luciano Huck e até mesmo de Sergio Moro. Porém como torná-los competitivos?

A resposta está no trinômio participação-mobilização-redes sociais. Os críticos do sistema político devem transformar sua crítica em participação e a participação em mobilização. Sem uma tomada de posição o sistema continuará mais ou menos como está – mudando pouco para não ter de mudar muito.

Pesquisa recente do Ibope aponta que pela primeira vez eleitores consideram a internet o maior influenciador para eleger um presidente da República. Ainda que o resultado seja apertado em relação à televisão, as mídias virtuais estão em ascensão, conforme pondera José Roberto Toledo (Estado, 12/6). Destaca-se, ainda, o fato de a internet ser fundamental para os eleitores jovens.

Dados do Facebook indicam que 45% da população brasileira acessa a rede social mensalmente. Seriam mais de 92 milhões de brasileiros acessando regularmente as redes. O Instagram tinha 35 milhões de usuários no Brasil em 2016. E o aplicativo de mensagens Whats-App já é utilizado por mais de 120 milhões de brasileiros!

Nos Estados Unidos, na eleição de Donald Trump, segundo seus estrategistas, a vitória se confirmou com a opção de privilegiar as redes sociais, em detrimento da mídia tradicional. Na França, Emmanuel Macron abandonou um partido tradicional, organizou um movimento e usou as redes para alavancar a campanha.

Considerando que as redes sociais assumem papel preponderante na formação da opinião política, pela primeira vez na História do Brasil poderemos ter eleições nas quais as estruturas tradicionais podem não ser decisivas para o resultado final. Em especial se um novo entrante chegar ao segundo turno, em que o tempo de televisão destinado à propaganda eleitoral gratuita é igual para os dois concorrentes.

Poderemos ter um fenômeno Macron no Brasil? Sim e não. Para responder afirmativamente à questão volto às duas peças iniciais do trinômio que propus. Sem participação e mobilização nada de novo acontecerá. A indignação com a política será estéril. Ficará nas intenções vagas de sempre. Porém, se a sociedade civil se mobilizar em torno de um projeto que seja aglutinador e expresse uma nova forma de fazer política, tudo pode mudar. E o caminho para alavancar uma candidatura que não esteja alinhada com o antigo será as redes sociais.

A conjunção de fragilidade financeira das campanhas – sem as doações empresariais – com desmoralização do mundo político e a emergência das redes sociais pode proporcionar uma surpresa eleitoral que ainda não tem cara nem nome. No entanto, justamente por não ter nome é que o tradicional pode prevalecer. Outro fator importante é que a indignação com a política ainda não se traduziu em participação e mobilização. O tempo está passando. Nem a política tradicional dá sinais de querer renovar-se nem os novos entrantes ainda dão sinais de querer, efetivamente, participar.

*Advogado, consultor e jornalista, é mestre em ciência política e doutor em sociologia pela universidade de brasília

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-renovacao-politica-em-2018,70001875569

 


Murillo de Aragão¹: País mistura avanços na agenda econômica e incertezas na política

Nos arraiais do governo existe a certeza de que a semana passada foi a melhor de todas as da curta gestão do presidente em exercício Michel Temer. A lista de realizações não é pequena.

Um acordo que se arrastava havia anos finalmente foi fechado com os Estados, depois de incluído em uma proposta de emenda constitucional um teto de gastos que começou a ser discutido no Congresso. O acordo já está contemplado na meta fiscal aprovada anteriormente.

A Câmara aprovou medida provisória que abre ao capital estrangeiro o controle de empresas aéreas. Como parte dessa nova política, o governo enviou ao Congresso um tratado de céus abertos com os Estados Unidos que mofava na antiga Casa Civil.

O Senado aprovou regra rigorosa para a indicação de dirigentes de empresas estatais, e foi agendada para agosto a primeira privatização da era Temer – a da distribuidora goiana de energia Celg.

O Ministério da Indústria e Comércio anunciou que pedirá ingresso nas negociações do Acordo Internacional de Comércio de Serviços (Tisa, na sigla em inglês), que envolve 23 países, entre eles Estados Unidos, México e Canadá, além dos integrantes da União Europeia. A medida representa um extraordinário avanço para a abertura econômica do Brasil.

Às realizações nos campos econômico e fiscal somam-se avanços no campo internacional. Temer foi convidado pelo primeiro-ministro da Índia para a reunião do Brics em outubro, um reconhecimento explícito de sua legitimidade como presidente da República.

No campo midiático, uma série de entrevistas dadas por Temer repercutiu positivamente e contribuiu para consolidar sua imagem.

Na quinta-feira, 23, em um gesto inédito na diplomacia brasileira, Temer recebeu mais de 50 embaixadores de países predominantemente muçulmanos com um jantar no Palácio do Jaburu para comemorar o encerramento do ramadã.

No evento, o embaixador da Palestina, decano dos embaixadores de países árabes em Brasília, destacou a solidez das instituições brasileiras e a condução do processo político. A presença de expressivo número de diplomatas no jantar foi mais uma chancela internacional ao governo Temer.

Na área do combate à corrupção, a operação Custo Brasil atingiu em cheio o PT, envolvido em mais um escândalo que, desta vez, alcançou uma das mais importantes defensoras da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado, Gleisi Hoffmann, mulher do ex-ministro Paulo Bernardo, preso na quinta-feira.

Como nem tudo é perfeito, o PMDB continua pressionado por novas delações que virão a público em breve, o que indica que o Brasil continuará respirando um clima paradoxal, ao misturar avanços na agenda econômica e incertezas no campo político.

Uma coisa é certa: as instituições estão funcionando, e o novo governo não está paralisado pela crise política. Ganha terreno nos campos fiscal e econômico, o que até há bem pouco tempo parecia tarefa impossível.

No momento em que escrevo, o governo começava a definir a nova meta fiscal de 2017, o que se concluirá até o fim desta semana. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), encaminhado em abril pela presidente afastada Dilma Rousseff, fixava em zero o esforço fiscal do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) para o próximo ano. Mas previa que a equipe econômica pudesse abater o equivalente a R$ 65 bilhões, ou 0,96% do PIB, desse resultado por frustração de receitas (R$ 42 bilhões) e preservação de gastos essenciais (R$ 23 bilhões). Agora, estima-se que o déficit possa chegar a R$ 140 bilhões.


¹Murillo de Aragão: Advogado, mestre em Ciência Política e Doutor em Sociologia pela UnB. Autor de dezenas de artigos e estudos políticos, entre eles o livro “Reforma Política: o Debate Inadiável”. Escreve nos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Membro do CDES, da Presidência da República.

Fonte: Blog da Política Brasileira