Murillo de Aragão

Murillo de Aragão: A névoa e a ponte

Um grupo minoritário almeja colonizar um governo que habita um sistema político semipresidencialista. Se no lugar disso tentassem construir consenso, tanto melhor. Felizmente, o Congresso se mantém comprometido

Ao nos aproximarmos da ponte que nos levará a um futuro de investimentos e desenvolvimento, nos deparamos com um intenso nevoeiro político. Parte dele artificialmente produzido por máquinas de gelo seco de aliados do governo. Outra parte decorre da ausência de clareza no modelo de relacionamento político entre o governo e o Congresso. Alguns até consideram que esse não relacionamento é uma espécie de modelo. E sendo assim, o governo estaria abrindo mão da primazia da agenda para aceitar a coautoria das reformas com o Congresso.

Aos observadores da cena política, fica um alerta. Não se deve considerar que o nevoeiro é homogêneo. Existem variações de intensidade e de consistência. As crises geradas pelas disputas internas fragilizam mais o governo do que a agenda das reformas. Basta constatar que o Congresso está comprometido com a nova Lei de Licitações e as reformas previdenciária, tributária e das agências reguladoras.

Em favor de uma visão mais otimista, está prestes a ser implementada uma extensa agenda de desburocratização no âmbito federal. Tal agenda terá o condão de animar discretamente a economia. No segundo semestre, em que pese o nevoeiro político, teremos a continuação dos programas de parcerias de investimento, privatizações e os leilões do pré-sal. Serão bilhões de dólares a serem injetados em nossa economia.

No entanto, o quadro seria muito melhor se a parte artificial do nevoeiro, alimentada por declarações mal-educadas, falta de respeito à hierarquia e escolhas desastradas para cargos públicos relevantes, fosse dissipada por níveis razoáveis de cordialidade e sensatez. Porém, a disputa política nos remete à tentativa de um grupo que não possui maioria no Congresso, mas almeja colonizar um governo que habita em um sistema semipresidencialista. Alguns esquecem que a vitória de Bolsonaro resultou de um conjunto de aspirações nem sempre homogêneas.

A maioria que elegeu o novo presidente deve ser recomposta. O caminho é a negociação política para a construção de um consenso que vá um pouco além do mínimo. Sem esses requisitos básicos em favor das reformas, não iremos a lugar algum.


Murillo de Aragão: A primeira liberdade

Apesar da deseducação e do preconceito — independente da origem ideológica —, o direito de livre expressão irá triunfar. Sem tolerância não iremos a lugar algum

Uma das lutas da humanidade é para podermos falar o que pensamos sem sermos punidos, coagidos ou até mesmo mortos. A essência da evolução é a liberdade de expressão, que precede a liberdade de imprensa. Na constituição norte-americana, a primeira das liberdades é a de expressão, conhecida como a liberdade das liberdades. Sem ela, as demais não se realizam.

Observando a história recente da humanidade — para não irmos muito longe —, a supressão desse direito é o objetivo dos regimes de exceção. Hitler, Stalin, Mussolini, Tito, Perón, Vargas, Castro, Mao, Chávez e tantos outros ditadores trataram de limitá-la. Muitos deles usaram das franquias democráticas para chegar ao poder. E lá, trataram de suprimi-la. No entanto, a resistência às ditaduras se dá no exercício, ainda que precário, da livre expressão das ideias. Algo tão relevante que muitos projetos de poder buscam influir na formulação de conceitos de liberdade para, no final das contas, controlar a circulação da informação.

Um estudo da Freedom House, organização internacional independente que pesquisa o estado da liberdade de expressão, informa que vivemos treze anos seguidos de declínio no exercício dos direitos políticos e dos direitos civis. Os ataques à liberdade de expressão, incluindo aí as atividades jornalísticas, seriam decorrentes da era de radicalismos em que vivemos.

Como combater a intransigência e a perda da nossa liberdade de expressão? Em essência, necessitamos de mecanismos institucionais e, sobretudo, de uma atitude consciente. Tais mecanismos se consolidam a partir de três vetores básicos: educação para a cidadania, marcos regulatórios adequados e garantia de que o direito de expressão seja exercido sem limitações e com responsabilidade. Na prática é preciso capacidade para educar, capacidade para fazer boas leis e capacidade de aplicá-las.

O Brasil de hoje, ainda precariamente educado para o debate, deve aprender a conviver com o contraditório e com a diversidade de opiniões. Sem a tolerância e o respeito aos que pensam diferente não iremos a lugar algum. As expressões de deseducação, intolerância e preconceito — independente da origem ideológica — não atendem aos interesses da cidadania. Apesar das turbulências dos tempos de hoje, acredito que a liberdade de expressão irá triunfar no País, ainda que a luta esteja apenas começando.


Murillo de Aragão: Desvendando o enigma Brasil

A questão da imagem do nosso país no mundo deve ser abordada de forma estratégica

A eleição de Jair Bolsonaro e a extensa agenda de reformas e oportunidades econômicas no Brasil fazem crescer o interesse internacional pelo País. Investidores querem saber se o ambiente de investimentos vai ser melhor e se a reforma da Previdência Social vai passar, entre outras perguntas. Porém muitas delas revelam desinformação sobre o que o Brasil fez e comprovam que ainda somos um enigma para a maioria no exterior. Faltam informações sobre o que já foi feito no nosso país em termos de reformas.

Fica claro para mim que o Brasil, mesmo sendo a oitava economia do mundo e um dos principais parceiros dos Estados Unidos, da China e da Europa, é um país de nicho. Ou seja, as pessoas olham o Brasil por motivações muito específicas. Impressiona quanto o nosso país não é percebido, com seus problemas, oportunidades e vantagens, de forma precisa.

A chave da desinformação está nas percepções sobre a região. Parte da opinião pública internacional acha que a América do Sul não está inserida nos atuais problemas da humanidade. Sem grandes conflitos globais, ficamos numa região periférica para o fluxo de informações no mundo e, também, para o debate geopolítico ora em curso. Mas dadas as circunstâncias atuais, tanto o ambiente econômico do Brasil quanto a configuração geopolítica do mundo podem favorecer muito o nosso país. Cada vez mais seremos estratégicos na produção de alimentos e de energia, entre outros aspectos essenciais para a humanidade.

A imensa maioria nada sabe sobre o País ou se informa apenas pelo noticiário, que quase sempre é negativo. Na linha tradicional de que good news are bad news. Basicamente porque o Brasil quase nada faz para divulgar – de forma consistente – o que se passa aqui. Não temos uma estratégia de contato com formadores de opinião internacionais nem damos o devido valor à criação de uma rede de informações sobre o País. Países como a China e a Rússia, por exemplo, têm estruturas permanentes de divulgação sobre o ambiente de investimentos em seu território.

Boa parte da divulgação positiva sobre o Brasil é feita pelas autoridades econômicas, pelas empresas e pelo sistema financeiro, que divulgam o País para públicos específicos. Por isso somos destinação preferencial para investimentos diretos e movimentamos expressivo fluxo para nossos mercados de capitais. No entanto, para outros públicos, mesmo na esfera de investimentos diretos potenciais, as percepções sobre o Brasil são muito embaçadas.

A culpa da desinformação é toda nossa e de nosso olhar sobre nós mesmos. Somos um país egocêntrico, cujos problemas são produzidos localmente e com muito esmero. Mantemos, ainda, uma relação esquizofrênica: ora somos os maiores do mundo em algumas coisas, ora somos a lata de lixo da humanidade. Faltam-nos equilíbrio e isenção ao tratarmos de nós mesmos.

Paradoxalmente, quem se dedica a entender o que acontece no Brasil consegue fazer um juízo de valor mais correto sobre o País. Com mais precisão e menos preconceito, podem se analisar os aspectos positivos e negativos. Daí o relevante fluxo de investimentos, mesmo com parte expressiva da mídia nacional e internacional jogando contra a imagem do Brasil.

Em 2017 fomos – empatados com a Austrália – o quinto destino do mundo para investimentos diretos estrangeiros. Podemos ter muito mais. Nosso potencial está longe de ser totalmente explorado. Em tempos de questionamentos em torno da globalização, o Brasil é um dos mercados mais atraentes do mundo por ter população, unidade cultural, vocação para o consumo e necessidade de investimentos em infraestrutura. Podemos ampliar o sistema financeiro como novos players. As oportunidades são imensas.

Nos últimos dois anos, o governo da União e o Congresso Nacional aprovaram reformas absolutamente estratégicas no campo econômico. Regras eleitorais foram aperfeiçoadas pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal, resultando num processo eleitoral admirável. Poucos países do mundo fizeram reformas trabalhistas recentemente. Reformamos os setores de óleo e gás. Estamos impulsionando um ambicioso programa de parceiras de investimento. Entretanto, nem a Operação Lava Jato, nem a agenda de reformas mereceram a devida divulgação quanto aos seus efeitos estruturantes no Brasil.

Devemos entender o nosso privilegiado lugar no mundo, hoje. Pela primeira vez em décadas temos um governo livre das amarras ideológicas que favoreceram arranjos e esquemas de privilégio, que, no fim das contas, não promoveram o bem-estar geral nem o desenvolvimento consistente do nosso país. Estamos reformando nosso capitalismo em bases de maior competitividade e transparência. Ao lado do que já foi feito, temos um ciclo de reformas estruturantes em curso. As oportunidades que se apresentam são excepcionais. E uma boa comunicação com o mundo exterior será essencial para aproveitá-las.

Assim, além do aprofundamento do processo de reformas, temos de desvendar o enigma Brasil para investidores e visitantes. E se não soubermos contar nossa história, alguém a contará por nós, e quase sempre de maneira negativa. Para tal, a questão da imagem do País deve ser abordada de forma estratégica. Sem esconder nossos problemas. Mas mostrando a realidade de nossos avanços.

Contrapondo, sobretudo, à campanha que muitos – dentro e fora de instituições oficiais – fizeram para denegrir o Brasil por motivos políticos. Essa não é apenas uma missão de governo. É uma missão de toda a sociedade. E deve envolver esferas do poder público e da sociedade civil. Apesar dos pesares, devemos ter orgulho de termos promovido importante avanços econômicos e institucionais nos últimos anos. E o mundo deve saber mais e melhor sobre nós.

*Advogado, consultor, mestre em ciência política, doutor em sociologia pela UNB, é professor da Columbia University (Nova York)


Murillo de Aragão: Despertar da cidadania no condomínio Brasil

Nas urnas, a luta contra o privilégio e a favor da subordinação do Estado ao interesse da sociedade

Desde os tempos coloniais, o governo é mais importante que a sociedade. A vida brasileira gira em torno do Estado. E quem se relaciona bem com ele, seja vendendo produtos e serviços ou trabalhando para ele com uma incontável série de benefícios, está feito. Criamos duas castas no Brasil: a dos que se servem do Estado e a dos que são escravizados por ele.

A mão grande dos exploradores dos cofres públicos atingiu todos os ramos da administração pública, criando um Estado gastão, ladrão, ineficiente e preguiçoso. Ao cidadão tem restado ruminar as narrativas politicamente corretas que impunham a lógica de que o Estado sabe o que faz pela sociedade.

A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) como presidente do Brasil, cujo mandato se inicia agora, representa uma espécie de despertar da cidadania. Ainda que parte da imprensa, das esquerdas derrotadas, da academia e do mundo politicamente correto diga que não. Pois a nova lógica demole o projeto de poder que transferia a subserviência das oligarquias econômicas para as oligarquias de esquerda.

No entanto, sem entrar no mérito, a escolha em si representou uma libertação em muitos sentidos. Aliás, não é a primeira vez que tal fenômeno acontece, uma certa independência da população em relação ao pensamento das elites. Em 2005, quando o “não” ao desarmamento foi derrotado em referendo, o universo (pretensamente) politicamente correto também foi.

Em 2013, no auge das manifestações em São Paulo, que se espalharam pelo País, declarei no programa GloboNews Painel, a William Waack: “O mundo político está completamente atônito porque, evidentemente, é um fator novo e que tem profundas repercussões políticas. Pode até ser considerado um despertar da cidadania”. Pois ali prosseguia o lento despertar, que continuou este ano com o resultado das eleições para a Presidência, em outubro.

No momento, o despertar da cidadania significa que, em 2018, parte expressiva do eleitorado rejeitou a tutela da grande mídia, do universo “cultural-Rouanet” e da academia pública. E também a tutela do clientelismo escravizador de bolsas variadas. Da bolsa BNDES, com seus 13 salários e até quatro salários de bônus para seus funcionários, à finada TJLP, que beneficiava os campeões nacionais.

A cidadania pode errar em sua escolha. Mas tem o livre-arbítrio para tal. Em especial, quando as elites acadêmicas, midiáticas e culturais buscam incutir um padrão ideológico que deveria ser hegemônico, baseado na crença de que o modelo do Estado forte é o único que pode propor a redenção do povo.

Fica claro que, depois de quase 40 anos orbitando em torno de fórmulas social-democráticas e socialistas tupiniquins, não fomos a lugar nenhum de forma consistente. O roubo e o privilégio aumentaram. Os gastos com salários mais do que dobraram. Bilhões de reais foram surrupiados em corrupção, corporativismo, clientelismo e fisiologismo. Auxílios-moradia, planos odontológicos e pagamento de faculdade para filhos de juízes são a ponta de um iceberg profundo que envolveu crimes e privilégios ilegítimos, mas legalizados por leis anticidadania.

Todo o discurso do bom-mocismo dos últimos tempos serviu para encobrir uma brutal exploração dos cofres públicos em favor de políticos, empresários corruptores e corporações de funcionários públicos. A eleição de Jair Bolsonaro significou que a cidadania não quer o sistema que vigia até agora. Deseja outra relação entre o governo e a sociedade. Enfim, representa um despertar cujas repercussões não são apenas nacionais.

O Brasil da era Lula-Dilma (PT) foi um anteparo para os movimentos de esquerda não democráticos em todo o mundo. As duas gestões mantiveram relações espúrias com países e movimentos, alguns deles terroristas, cujo objetivo era implantar ditaduras sob os mais variados pretextos. Agora, consternados, devem assistir ao desmonte do aparelhamento estatal promovido diante da nossa imensa complacência. Ainda agora, após exaustivos debates, o PT decidiu que não faria nenhuma autocrítica sobre a sucessão de erros, fracassos e escândalos.

A cidadania não quer mais relações com quem não respeita, de verdade, os direitos humanos. A esquerda petista tolera as violências contra os direitos humanos em Cuba, na Venezuela e na Nicarágua, mas trata de desmoralizar e desinstitucionalizar a polícia no Brasil. Tampouco a cidadania quer aposentadorias diferenciadas ou privilégios, tais como os 16 salários pagos aos funcionários do BNDES, auxílios-moradia sem justificação e educação paga para filhos de juízes. Deseja uma segurança pública forte e uma política feita em bases de honestidade.

A cidadania demanda que o governo Bolsonaro abra a caixa de Pandora dos privilégios no Brasil. De forma ampla e transparente. E, passo seguinte, comece a cortá-los. Doa a quem doer. Não será uma batalha fácil. Não há aqui, no meu texto, uma intenção de oposição ao serviço público, que é mais do que necessário para a cidadania. Não podemos, contudo, viver num condomínio em que os moradores trabalham para os funcionários, e não o contrário.

Em junho, em artigo que publiquei na IstoÉ, afirmei que as eleições de 2018 não resolveriam os nossos problemas. Não deverão resolver, sobretudo, porque são questões incrustadas em nossa cultura há séculos. Ao longo do tempo mudou a narrativa, mas não o propósito de tutelar uma cidadania carente de educação. No entanto, a tomada de decisão do eleitorado apontou uma nova direção: a luta contra o privilégio e a favor da subordinação do Estado aos interesses da sociedade. Essa é a mensagem que veio das urnas e que Jair Bolsonaro deve receber como sus principal missão.

*Murillo de Aragão é escritor, cientista político, doutor em sociologia (UNB) e professor da Columbia University (Nova York).


O Estado de S. Paulo: Presidencialismo de coalizão ‘não vai acabar’, avisa sociólogo

 Mas o que Bolsonaro quer é enfraquecer caciques nos partidos e acabar com a ‘porteira fechada’ para as nomeações, avisa o sociólogo Murillo de Aragão

Sonia Racy/Direto da Fonte, de O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro toma posse daqui a 29 dias “com uma base completamente diferente e uma agenda nova” mas continuará precisando de apoio para aprovar seus projetos. “Isso significa que o governo de coalizão não vai desaparecer. Mas as conversas decisivas passam a ser com bancadas, e não com lideranças partidárias tradicionais”, enfatiza o cientista político Murillo de Aragão nesta entrevista a Gabriel Manzano.

A agenda do presidente eleito, nesta semana, inclui reuniões com cerca de 100 parlamentares das principais legendas, em Brasília, “e isso mostra que os partidos não serão abandonados”, destaca o analista. “O que está saindo de cena, sim, é o controle de lideranças do Congresso sobre nomeações. O que acaba é o critério de porteira fechada”.

Doutor em Ciência Política e Sociologia e dono da Arco-Advice, que faz pesquisa e análise de políticas públicas em Brasília, Aragão já começa a preparar sua viagem a Nova York – onde todo início de ano, em janeiro e fevereiro, dá aulas de política brasileira na Universidade de Columbia. No seu balanço sobre o que muda e o que fica na cena política do País com o novo presidente, ele destaca: “Teremos um governo que vem com a chancela da Lava Jato”. E que traz “não só uma renovação de pessoas, mas também de costumes”.

Como explicar uma transição tão tranquila depois de se falar tanto em “ruptura” com o que havia antes?
Temos de fato uma transição muito positiva. Para começar, não há uma incompatibilidade ideológica entre o governo que sai e o que entra. Há uma continuidade na economia e nada do atrito que aconteceu na passagem de Dilma Rousseff para o Temer. Naquela ocasião não houve a menor boa vontade de se passar informações.

Mas há diferenças claras. Quais destacaria?
Primeiro, Bolsonaro chega com uma base política completamente diferente da que havia e que era a tradicional do meio político brasileiro. Segundo, agora há um viés ideológico – não chega a ser conflito, mas é algo mais à direita do MDB histórico. Terceiro, ele traz muitos quadros que não eram do círculo de poder, gente outsider ou do baixo clero. Por fim, um quarto ponto, essencial: vem com a chancela da Lava Jato. De certa forma, diria que este “é” um governo da Lava Jato. Se essa operação do MP e da PF atrapalhou os governos Dilma e Temer, agora ela vai ajudar o governo Bolsonaro. É uma diferença devastadora. E tem mais: o que veremos agora será um governo dialogando não com partidos, mas com bancadas. Esses pontos não são padrão na nossa história parlamentar.

Diria que o presidencialismo de coalizão está no fim?
Não, não vejo assim. O presidencialismo de coalizão no Brasil não vai acabar por causa do modo Bolsonaro de governar. Eles vão precisar de coalizões para aprovar projetos e emendas importantes. Como não temos um partido com maioria absoluta em ambas as casas, a criação de uma base torna a negociação inevitável. O que há de novo nessa relação é o esvaziamento do poder dos caciques tradicionais. E, junto a isso, o fim da fórmula “porteira fechada” para nomeações. Resta saber se vai funcionar, né?

Bolsonaro reúne-se nos próximos dias com cerca de 100 parlamentares dos principais partidos. Não lhe parece que é “mais do mesmo”?
Não me parece. Imagino que as pautas não terão conexão com interesses dos partidos. O que se percebe é que o presidente quer conexão direta com o Congresso, mostrar que os políticos não serão abandonados. Claro, essa iniciativa ajuda a bloquear algum movimento – já se falou nisso… – para isolar o PSL nas duas casas.

O governo FHC, nos anos 90, dialogava com bancadas…
Mas havia menos partidos do que hoje. E quem agrega votos, hoje? São as bancadas. Há dezenas delas – as mais organizadas são a ruralista, a evangélica, a de segurança pública, a da saúde e a dos funcionários públicos. Algumas vezes elas superam o poder de mobilização das lideranças partidárias. Manter a ligação com elas vai ser um fator decisivo.

A conversa constante com o Legislativo exige pragmatismo, concessões. O risco de atritos vai fazer parte desse jogo, não?
Apesar de o apoio popular ao eleito ser relevante, esses riscos não podem ser desprezados. O apoio de bancadas é um bom ponto de partida mas talvez não seja suficiente. Os partidos vão continuar decidindo na divisão dos cargos das mesas diretoras e das principais comissões técnicas. Aí, se o governo não estiver bem articulado com sua base política poderá ter surpresas. Exemplo: setores do atual Centrão podem se aliar ao PT para reagir a essa estratégia, visando construir certa autonomia nas duas casas. Ou seja, o Executivo terá que demonstrar perícia na coordenação dos grupos.

Você falou, anteriormente, num custo e curva de aprendizado da nova equipe. O que quer dizer?
Que eles vão pagar o preço da inexperiência. Novo governo pressupõe novo modelo de diálogo, nova organização do Executivo, dos ministérios, trazendo gente de fora do sistema… O governo terá que aprender. A Dilma Rousseff, por exemplo, nunca aprendeu.

Além disso a equipe é diversificada, não? Os estilos de Sergio Moro, Hamilton Mourão, Paulo Guedes ou Ernesto Araújo não chegam a ser harmônicos…
Sim. E outro ponto é que o governo vem com bandeiras quentes da campanha eleitoral que agora terão de ser transformadas em políticas concretas. Custo e curva de aprendizado são exatamente isso. Transformar intenções em realidades.

E quanto ao presidente? Ele tem um currículo político discreto, mas ao mesmo tempo é focado, sabe o que quer. Como será esse encaixe entre o que ele tem para dar e o que o País precisa?
Apesar de não ter sido um político do alto clero, Bolsonaro sempre teve uma identificação com seu eleitorado – tanto que retornou seguida vezes ao mandato no Congresso. Foi fiel a esse eleitorado e este lhe deu a base para chegar à Presidência. Ser do baixo clero não significa incompetência, significa apenas que ele não entrava no jogo das lideranças. E, como ressaltei, sua atuação é, de certa forma, ligada à Lava Jato – afinal, ela esvaziou um sistema político e com isso inviabilizou qualquer candidatura do establishment. Agora, ao virar presidente, ele assume uma postura mais prudente. Aquela testosterona toda que exibiu na campanha vai dando lugar a coisas mais pragmáticas.

Por exemplo?
Ele quer manter um controle bem próximo de duas questões fundamentais. A primeira, a fiscal, que é gravíssima, principalmente nos Estados e municípios. A segunda, a da segurança pública. Nesse sentido, ele quer empoderar dois núcleos do poder, Paulo Guedes e Sergio Moro. Vamos ver se o modelo dará resultado. Ele busca um comando bastante próximo, para jogar junto.

Há quem ache suspeita a apregoada renovação do Congresso, dizendo que ele é sempre o mesmo no controle de seus espaços.
Essa renovação do Congresso é um fenômeno vinculado à rotina política anterior. Mas o fator Lava Jato significa alguém no Ministério da Justiça avisando: “Olha, as regras de comportamento são outras agora”. O novo Legislativo vai se dar conta de que o jogo mudou.

Naquele ambiente de luta por verbas, por votos, por cargos, o que significa “mudou”?
Que não é só uma renovação de pessoas, mas também de costumes. Essa eleição traduziu o resultado de uma tomada de posição da sociedade. O eleitorado foi buscar um candidato de fora do establishment político – também no caso de alguns governadores e muitos deputados – e espera deles um novo tipo de comportamento. Esse é o primeiro ponto. O segundo é saber se esse Congresso vai ser reformista. Cabe lembrar que, de um modo geral, o Legislativo tem sido, sim, reformista.

Faz parte desse cenário uma esquerda fazendo o que gosta – oposição – e o PT tentando se reerguer. Que força a oposição poderá ter?
O primeiro ponto a mencionar é que a esquerda brasileira é arcaica, uma esquerda do século 20 – mais na sua primeira metade –, que enveredou pelo populismo, o clientelismo, o ideologismo… O PT deixou-se contaminar por isso tudo. Numa visão ideal, eledeveria fazer a autocrítica dos erros que praticou, entender a necessidade de o Brasil ter um ambiente progressista para os negócios, não só em direitos e garantias, mas também na geração de empregos, de negócios, como os outros países são. E que, para o bem do País, não atuasse de forma radical contra o debate das reformas. Mas o que foi que vimos? Que eles jogaram todas as cartas na “hipótese Lula”. Não deu certo. Antagonizaram-se com outras forças de esquerda e o que temos hoje é uma profunda desconfiança entre os três principais blocos dessa área – PT, PSB e PDT.

E ainda vão enfrentar a raiva do Ciro Gomes pelo caminho…
Sim, e o que o Ciro e o Cid Gomes fizeram é a prova disso. Deram o troco por tudo o que o PT lhes fez. Agora o partido terá de se reinventar para não se transformar num partido menor. Mas essa reinvenção é dramática. O PT se transformou numa religião e quebrar dogmas é muito complicado.

Você preside o Conselho de Comunicação Social do Congresso. O que será da comunicação no novo governo?
O governo Temer conseguiu avançar numa significativa agenda de reformas, mas teve uma trágica gestão na comunicação. Bolsonaro usa bem as redes sociais, mas comunicação é bem mais que imprensa e redes sociais. Exige visão estratégica, manter a população informada e uma base de sustentação mobilizada. Um exemplo: a reforma da Previdência tem de ser encarada como uma questão política, fiscal, social e de comunicação. Sem comunicação eficiente, ela não passará.


Foto: Beto Barata\PR

Murillo de Aragão: Agenda para um novo Brasil

Mudança de mentalidade pós-eleição pode ser o gatilho para novos e prósperos tempos

Depois de um longo ciclo de políticas econômicas que oscilavam entre a social-democracia e o socialismo, o Brasil depara-se com uma saudável alternância de poder e de ideias que pode quebrar tabus e propor uma nova agenda de desenvolvimento para a sociedade. A Presidência da República que ora se instala pode destravar imensas potencialidades e provocar um ciclo de crescimento consistente.

Explicarei como.

O Brasil tem muitas circunstâncias excepcionais para deflagrar um vigoroso ciclo de prosperidade. São aspectos de relevância capital o espaço para investimentos em infraestrutura, um mercado consumidor ávido para consumir, reservas abundantes em moeda forte para garantir o fluxo de investimentos estrangeiros, bilhões de dólares que podem ser repatriados por brasileiros para investimentos e nenhum problema com o financiamento de nossa dívida interna, que, em grande parte, é financiada por brasileiros.

Todas essas condições estarão a favor do País para a construção de um bom ambiente de negócios, desde que a nova administração federal perceba o quanto isso é essencial. Pois com um ambiente saudável destravamos as condições para gerar empregos, renda, impostos e divisas.

Além do mais, existem condições internacionais que são favoráveis. A primeira delas é a abundância de liquidez para investimentos. A outra circunstância é a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que nos abrem oportunidades únicas, que devem ser exploradas com inteligência.

Como melhorar o ambiente de negócios no Brasil?

Devemos tomar por base o ranking do Doing Business in the World, feito pelo Banco Mundial. Por esse índice, somos, de longe, o pior país do mundo – entra as maiores economias do planeta – para fazer negócios. Entre 190 nações, ocupamos o vexaminoso 129.º lugar.

O que significa isso?

Significa que o Brasil é um país que subaproveita a sua potencialidade, cria menos empregos do que poderia e, em consequência, arrecada menos impostos do que deveria. Em poucas palavras, é um país em que a economia, os recursos naturais e os humanos são subutilizados.

E por que estamos nesta situação? Por causa de uma carga tributária desequilibrada, por excesso de burocracia, pela demora na emissão de licenças, pelos custos indiretos de mão de obra, pelos riscos jurídicos e pela precária oferta de crédito, entre outras mazelas. De fato, a corrupção, a opacidade da administração pública, a burocracia, os impostos e a precária qualidade da infraestrutura trabalham contra o Brasil e os brasileiros.

O que fazer?

Basicamente, olhar o ranking do Banco Mundial e adotar medidas que, em quatro anos, coloquem o Brasil entre as 60 nações mais competitivas do mundo para o ambiente de negócios. E em oito anos devemos buscar estar entre as 20 nações mais competitivas. O roteiro está dado pelas pesquisas do Banco Mundial e por outras entidades públicas e privadas.

Para isso o novo governo deve pôr a melhoria do ambiente de negócios como meta número um, a partir de uma ampla e radical desburocratização e simplificação de procedimentos. Todos ganham com isso, em especial os trabalhadores, que ganham mais e gastam mais, alimentando o ciclo da economia.

Existem muitos setores da nossa economia que ainda estão amarrados pelo conhecido custo Brasil. São competitivos da porta para dentro da fábrica, mas altamente penalizados por questões de logística, tributos e financiamento. É hora de o novo governo atacar o problema com vigor.

O ativismo da burocracia deve ser contido em favor de um ambiente saudável para empreendedores. A Justiça deve entender que a criação de empregos a partir do investimento privado é vital para o funcionamento do Brasil. Caberá ao novo governo da União propor aos demais Poderes um pacto em favor do emprego e do investimento a partir da desburocratização e da simplificação tributária.
Os vetores que promovem os custos altos da intermediação de crédito também devem ser frontalmente atacados. Não há justificativa para uma economia como a da Argentina, por exemplo, ter spreads bancários menores que os do Brasil. Não há justificativa para a existência de uma absurda concentração bancária e de penalização para quem investe e oferece trabalho.

O eixo das prioridades não deve ser o Estado, nem seus funcionários, mas, sim, o setor privado, que gera empregos, divisas e paga impostos. É o que a China busca fazer: promover o investimento privado para gerar empregos, renda e divisas. É o que os Estados Unidos tentam fazer.

O centro das atenções deve ser a sociedade, a partir de políticas públicas que criem empregos e facilitem os investimentos, cujas fontes de financiamento são abundantes no mundo. Assim o Brasil galgará posições no ranking do desenvolvimento humano.

Para o cidadão comum o que importa é saber que, no fim do mês, ele ganhará o suficiente para ter uma vida digna.

No primeiro dia como presidente da República, Jair Bolsonaro deve já ter em mente o que vai fazer para expandir os investimentos privados no nosso país. O caminho dado pela Doing Business in the World, do Banco Mundial, é o mapa a ser estudado. Caso tenhamos sucesso, o Brasil será inundado por investimentos. Tanto nacionais quanto internacionais.

Está ao alcance da mão resolver os nossos problemas, que são, em sua maioria, criados por nós mesmos. A mudança de mentalidade proporcionada pelas eleições pode ser o gatilho para novos e prósperos tempos econômicos no País.

*Murillo de Aragão é advogado, cientista político, doutor em sociologia pela Universidade de Brasília, escritor, é professor na Columbia University (Nova York)


Murillo de Aragão: Orgulho e preconceito

Em ano eleitoral, a pergunta mais ouvida por um analista político é sobre quem deve ganhar as eleições presidenciais

Tomo emprestado o título do livro de Jane Austen para escrever sobre os riscos que os analistas políticos correm em sua atividade ao longo de ano eleitoral. O êxito do trabalho de um analista político consiste, principalmente, em desvendar tendências e apontar direções. Trata-se, portanto, de um desafio que vai além da mera responsabilidade de explicar o que acontece.

Em ano eleitoral, a pergunta mais ouvida por um profissional da área é sobre quem deve ganhar as eleições presidenciais. Ninguém quer saber menos que isso. E, como sabemos, aquele que prevê o futuro erra mesmo quando acerta, já que o futuro é sempre imprevisível. E onde está a raiz da imprevisibilidade? Em duas vertentes decisivas no desenrolar dos acontecimentos: o livre-arbítrio e o acaso.

O livre-arbítrio leva as pessoas a tomar decisões. E, repetindo Tom Robbins, o coach das multidões, você é produto de suas decisões. Assim, as resoluções que os candidatos podem tomar, as besteiras que podem falar e, ainda, aquilo que podem deixar de mencionar resultarão em vitória ou derrota. Já o acaso, como disse Machado de Assis pela boca de um personagem, o conselheiro Ayres, tem voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.

Ora, se mesmo com todo o respaldo da ciência, com a expertise e, no caso de alguns, um histórico de acertos, os analistas têm de se submeter ao livre-arbítrio e ao acaso, eles precisam, naturalmente, cercar-se de certos cuidados. E tais cuidados relacionam-se com o título da obra de Austen.

Analistas não devem ficar orgulhosos de seus acertos, visto que estes podem valer pouco diante dos acontecimentos futuros. Também não devem nutrir preconceitos, já que estes existem para serem demolidos e desacreditados. O orgulho entra quando o analista insiste em um caminho errado. Às vezes, por exemplo, a cena futura pode estar determinada por acontecimentos que não chegam a ocorrer, caso de uma eventual melhora da economia que poderia favorecer determinados candidatos.

Outras vezes, os ventos da mudança correm encanados pelos subterrâneos da conjuntura. Como no episódio do desarmamento: todos achavam que a tese contra as armas seria vencedora, mas deu-se o inverso. Por isso o analista político deve ficar longe do orgulho e cultivar a humildade. Para poder reconhecer quando toma a direção errada porque suas certezas não eram tão certas assim.


Murillo de Aragão: Mulheres e democracia

Países que respeitam mulheres e asseguram seus direitos e sua participação na política são mais democráticos? Sem a menor dúvida. Países autoritários tendem a restringir os direitos das mulheres, impondo barreiras concretas e sub-reptícias ao papel delas na sociedade e, sobretudo, na política.

Alguns países alegam razões religiosas. Outros nada alegam porque neles sempre foi assim. É humilhante para o ser humano ver uma mulher coberta de negro da cabeça aos pés andando alguns passos atrás de um homem. Nada justifica isso. Deus não aprovaria tal submissão.

No mundo, as mulheres estão avançando na política. Ocupam mais de 20% dos assentos nos parlamentos. Ainda é pouco, mas é o dobro do que existia 20 anos atrás. No Brasil, contudo, ainda estamos muito atrasados. Devemos impor medidas mais radicais, por exemplo, alocando metade das vagas de ministros das Cortes superiores para mulheres.

O mesmo deveria valer para o ministério no Poder Executivo e para os órgãos colegiados. Os concursos públicos deveriam reservar vagas proporcionais para homens e mulheres. E o exemplo deveria começar no governo federal e seguir como regra de ouro para estados e municípios.

Vale recordar que no Brasil pouco funciona a Lei nº 12.034/09, que impôs aos partidos e às coligações o preenchimento do número de vagas com, no mínimo, 30% de mulheres. Como forma de preencher a cota destinada a elas, algumas legendas promovem o lançamento de candidatas “fantasmas”, o que não contribui para o aumento da participação feminina na política.

Com o intuito de evitar manobras como essas, o Supremo Tribunal Federal derrubou em março a regra que estabelecia o limite mínimo de 5% e máximo de 15% do montante do Fundo Partidário para o financiamento de campanhas eleitorais de mulheres. Agora, pela nova regra, os partidos deverão destinar um mínimo de 30% dos recursos do Fundo às candidaturas femininas. É um começo.

Por fim, vale lembrar a frase da política americana Madeleine Albright: “Desenvolvimento sem democracia é improvável. Democracia sem mulheres é impossível.”


Murillo de Aragão: Conflito sem fim

O Brasil vive tempos de conflitos generalizados. E, por serem generalizados, temos que identificar quem está na briga. São muitos os protagonistas. Tamanha heterogeneidade guarda alguma relação com a Guerra da Síria, onde entram rebeldes, governo, turcos, americanos, iraquianos, iranianos, israelenses, sauditas, jordanianos, curdos, além dos remanescentes do Estado Islâmico e da Al-Qaeda.

No Brasil, a Operação Lava Jato colocou o País em estado de guerra. De um lado, estão setores relevantes do Judiciário, do Ministério Público e da imprensa.

De outro, as empresas investigadas. Mas, em sendo um conflito de muitos lados, há ainda o lado dos políticos. Talvez fosse simples colocar apenas três lados na questão. Mas não podemos. Isso porque cada setor relevante conta com subfacções que atuam de forma independente. Assim, parte do Judiciário combate o ativismo que vem da República de Curitiba, assim como parte minoritária da imprensa reconhece e condena os excessos do ativismo judicial.

Na política, apesar de os grandes partidos estarem envolvidos nas investigações, as diferenças e as disputas entre eles impedem um acordo que possa colocá-los no mesmo time para confrontar o avanço da criminalização da política. Então é cada um por si. O empresariado que naufragou nas investigações nunca buscou uma atuação institucional para que suas empresas possam — desde que pagando o devido — voltar à atividade. É um empresariado ajoelhado ao sabor dos acontecimentos, sem narrativa e sem poder de reação institucional.

Na burocracia, o sistema U (CGU, AGU e TCU) quer impor sanções personalizadas e crescentes que ameaçam inviabilizar o futuro das já enfraquecidas empresas. O sistema U se esquece dos quase 300 mil empregos perdidos. CGU, AGU e TCU deveriam trabalhar para que as empresas voltem logo a gerar divisas e empregos.

Assim, ao olharmos o panorama da guerra institucional instalada no País, vemos o predomínio das agendas de interesses específicos — ideológicos, corporativistas e/ou financeiros.

E a ausência de uma visão sistêmica. Enquanto isso, a política continua sendo criminalizada. Com e sem razão, as empresas investigadas permanecem sem condições de retornar à normalidade. Os políticos se mantêm reféns da judicialização. E o Judiciário segue fragilizado por seu conceito de ativismo.

Em prevalecendo tais condições, a guerra não deve acabar tão cedo.


Murillo de Aragão: Uma questão de narrativa

Os eleitores querem candidatos que demonstrem que as mudanças começam já

Uma das palavras mais irritantes no momento é “narrativa”. Tudo é uma questão de narrativa. Falta aos candidatos uma narrativa... Ou: o candidato X tem uma narrativa... Enfim, por mais lugar-comum que seja falar em narrativas hoje, o fato é que elas são importantes no contexto eleitoral.

A eleição é uma operação a futuro e a descoberto. Não tem “hedge”. A opção feita é para ganhar ou perder. Não há alternativa. Assim, para alguém fazer uma opção tão arriscada deve ter partido de alguns pressupostos. Basicamente, existem três fatores que motivam um eleitor a escolher um candidato.

O primeiro é meramente fisiológico. Vota-se em troca de algo palpável e visível que possa ser, idealmente, executado de imediato. O voto fisiológico pode ser rasteiro, em troca de uma dentadura ou de tijolos, ou, ainda, embalado em interesses corporativistas. Vota-se na expectativa de que o eleito possa assegurar ou obter benefícios – imediatos ou futuros – para o eleitor.

A segunda opção é ideológica. Vota-se por afinidade de princípios ideológicos. Esse é um eleitor escasso no Brasil. Até pelo fato de os partidos políticos, que são os veículos das ideologias, serem instituições desmoralizadas. Poucos partidos são verdadeiramente ideológicos. E quase todos são de esquerda.

A terceira opção reside no encantamento que o candidato possa causar no eleitor com sua reflexão sobre a conjuntura. O eleitor, a partir de uma visão desideologizada da realidade, opta pelo candidato que melhor representar seus anseios e expectativas. A Alemanha não era nazista, mas escolheu Hitler. O Brasil não era petista, mas escolheu Lula. Não foram opções ideológicas.

Salvo o eleitor fisiológico, cuja motivação independe de uma narrativa que justifique sua opção, os demais eleitores são suscetíveis à aceitação de uma narrativa. Necessitam “comprar” uma história que os leve a firmar aquela opção futura. Seja por uma crença ideológica, seja por convencimento.

Durante décadas as promessas de campanha eram ingredientes relevantes nas narrativas dos candidatos. Porém o simples ato de prometer perdeu vigor e credibilidade. Nos dias de hoje, pela desmoralização da política e pela desconfiança nas instituições, para se comprar um discurso há de se compor uma alegoria que tenha começo, meio e fim. Enfim, uma narrativa completa.

A narrativa, objetivamente, tem alguns elementos: um fato, um tempo, um lugar, personagens, causa, modo e consequência. Um candidato (personagem) narra fatos (problemas) que ocorrem em determinado tempo, que tem causas e modos e que geram consequências. A ele cabe apresentar as soluções que atendem à expectativa do desenrolar dos problemas.

A boa narrativa de um candidato não está apenas no seu discurso. Envolve também sua postura, a embalagem e a difusão da sua mensagem, além da coerência entre o mensageiro e a mensagem. Mas, acima de tudo, a compatibilidade da mensagem com a conjuntura.

A conjuntura do Brasil tem alguns temas preponderantes, a saber: corrupção, segurança pública e desemprego. Tecnicamente, os candidatos que necessitam de uma narrativa para encantar o eleitor deveriam tomar posição em torno desses três temas e construir a sua mensagem.

Mas não é tão fácil assim. Pois existem aspectos que transcendem a mera intenção de abordar determinado tema. Muitas vezes o tema é bom e o mensageiro também, mas o interesse é baixo. Foi o caso de Cristovam Buarque em 2006, com sua bandeira da educação na campanha eleitoral. Não havia interesse relevante no tema a ponto de fazer o eleitor querer votar nele.

Hoje, em tempos de final de pré-campanha, há apenas duas narrativas predominantes. Uma é conduzida por Jair Bolsonaro (PSL), que mistura renovação, lei, ordem e segurança pública; e a outra conduzida pelo ex-presidente Lula (PT), que é a do perseguido por ter sido o “pai dos pobres”. Os demais pré-candidatos buscam um ganho para as suas campanhas eleitorais, o que ainda não conseguiram.

Existe claramente uma vocação pela renovação. Mas a renovação por si só não se sustenta. Caracteriza-se mais como uma antinarrativa. Por isso o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e Lula sofrem rejeição muito elevada, por serem representantes do mundo tradicional da política que está sendo desconstruída pelas investigações da Operação Lava Jato.

Os demais candidatos possuem franjas de votos, porém não encaixam uma narrativa que seja realmente popular. O centro reformista tampouco tem, até agora, narrativa que atenda às expectativas de um eleitorado desiludido com a política. Basta ver que, na pesquisa espontânea, boa parte dos eleitores entrevistados não têm candidatos e/ou dizem que votarão em branco.

A narrativa da estabilidade econômica, que poderia ser bem utilizada pelo ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), foi soterrada pela artilharia midiática contra o presidente Michel Temer (MDB), atacado não apenas por eventuais pecados, mas por ter sido o coveiro do sonho esquerdista de governo. Para piorar, a sensação térmica da economia não é boa a ponto de criar uma narrativa de sucesso a favor de Meirelles.

O PSDB de Alckmin até agora não construiu uma narrativa para ele ser um candidato competitivo. O eleitorado, enfurecido com a política e diariamente envenenado por uma mídia espetaculosa, quer candidaturas que tragam esperança de tempos melhores. Os eleitores não querem apenas promessas de tempos melhores. Querem candidatos que, em sua postura e sua narrativa, demonstrem que as mudanças começam já e agora. É um processo muito louco e que mexe com o psicossocial da coletividade. Quem dominar a chave desse processo deverá ganhar as eleições.

*Murillo de Aragão é advogado e consultor, mestre em ciência política e doutor em sociologia (Universidade de Brasília), é professor da Columbia University


Murillo de Aragão: O problema é nosso

Imaginem se fôssemos vizinhos da China, da Rússia, da Síria ou da Coreia do Norte? Imaginem se fôssemos palco de lutas religiosas entre sunitas e xiitas?

Basta alguns dias fora do Brasil para notar o tamanho dos nossos problemas. Basicamente, bem menores do que parecem e fruto de um imenso desamor pelo País. Em especial, por parte dos políticos e das elites, responsáveis por nosso sucesso meia-boca, pela demora em produzir resultados e por permitir que imensas corporações se apoderarem do Brasil. Traficantes e milícias controlam as favelas. Burocratas controlam a administração pública. Políticos controlam as verbas. Jornalistas controlam narrativas enviesadas. A universidade foi capturada por corporativistas de uma esquerda arcaica.

A cidadania sofre e nem sabe direito por quê. Sabe apenas que está ruim e, se pudesse, se mandava daqui. No final das contas, Thomas Hobbes está certo. O homem é o lobo do homem e o que o homem quer é paz e sossego para obter e desfrutar os ornamentos da vida. No Brasil não há nem paz nem sossego. Salvo se você pagar taxas extras de segurança. Os riscos vão desde os riscos físicos até os jurídicos e burocráticos – o velho conhecido “risco Brasil”. O Brasil é um risco e a agenda política e midiática está toda errada, já que ela não trabalha a favor da cidadania visando a minimizar os riscos. Trabalha em favor de projetos de poder que misturam ideologia, corporativismo, fisiologia e clientelismo.

As eleições de 2018 não devem resolver tais problemas. Continuaremos a ter ilhas de excelência em meio a um mar de mediocridade. Elas hoje não estão nem na política nem na imprensa, setores críticos para que um país seja livre, forte e democrático. A política, como disse, está capturada por projetos de poder. A imprensa, em parte expressiva, padece de um esquerdismo infantilóide em sua memória residente que corre atrás de um sonho juvenil. Para se salvar do tsunami das redes sociais, tende a ficar mais sensacionalista e superficial e, lamentavelmente, menos relevante.

Por que, no final das contas, digo que nossos problemas são menores do que parecem? Em primeiro lugar, porque são nossos problemas não estão submetidos a condições externas. Em segundo lugar, porque existem ilhas de excelência no País que podem contaminar positivamente os demais setores. Em terceiro lugar, porque somos um povo resiliente e trabalhador. Por fim, porque Deus é brasileiro e nos colocou ao lado dos argentinos e venezuelanos. Imaginem se fôssemos vizinhos da China, da Rússia, da Síria ou da Coreia do Norte? Imaginem se fôssemos palco de lutas religiosas entre sunitas e xiitas? Ou se tivéssemos encravados em nós uma disputa milenar entre judeus e muçulmanos? Os problemas estão postos e são nossos. Apenas nossos. Já é bem mais do que a metade do caminho.


Murillo de Aragão: ‘Fake news’ e democracia

Não podemos acabar com as fake news, mas podemos contê-las.

Sobre o tema fake news, temos boas e más notícias. Comecemos pelas más. As fake news nunca vão deixar de existir, independentemente dos seus meios de propagação. Hoje são as redes sociais. Antes foram as cartas, os jornais, os livros. A outra má notícia é que as fake news podem mudar o destino de uma nação, como se evidenciou nas eleições presidenciais vencidas por Donald Trump em 2016 nos Estados Unidos. A mais poderosa nação do planeta ficou de joelhos perante o fluxo contínuo de notícias falsas.

No Brasil, as cartas falsas de Artur Bernardes contra o marechal e ex-presidente Hermes da Fonseca alimentaram o movimento tenentista nos anos 1920, que culminou com um processo de intensa influência militar na política. Assim, notícias falsas são potencialmente perigosas para o processo democrático.

Claramente, o Brasil não está preparado para a onda de fake news que vem por aí e que já mostrou seu alcance e seus efeitos, por exemplo, durante a greve dos caminhoneiros que paralisou o país no mês passado. Os Estados Unidos, com uma parto de segurança muito maior e sofisticado que o nosso, nada pôde fazer. Em sendo assim, o que podemos fazer para evitar em nosso país que as notícias falsas distorçam o resultado eleitoral em outubro? É aí que entram algumas boas notícias.

Não podemos acabar com as fake news, mas podemos contê-las. Como? Já existe um movimento das autoridades destinado a conter o fluxo de fake news no processo eleitoral. Ao contrário dos americanos, que tiveram de assistir ao fenômeno, os brasileiros buscam — dentro de suas limitações — agir de forma preventiva. A segunda boa notícia é que as redes sociais estão mais atentas ao problema e temem ser penalizadas pela divulgação de informações inverídicas. O episódio Cambridge Analytica serviu de alerta a todas as plataformas. Em especial, ao Facebook.

A terceira boa notícia reside na atuação da imprensa, que tem checado mais atentamente as notícias divulgadas, estimulando uma atitude mais reflexiva por parte do internauta. Por fim, a tecnologia pode ajudar muito. A mesma tecnologia que apoia o comércio de moedas virtuais, o blockchain, poderá vir a ser um instrumento de validação das informações postadas nas redes.

No entanto, nada vai funcionar se o anonimato na internet não for combatido e se o internauta não melhorar suas atitudes, desenvolvendo maior senso de cidadania. Quem posta tem de ser identificado e responsabilizado pelo que diz. É assim com a imprensa e a mídia em geral e deve ser assim na internet. Cada um tem a liberdade de dizer o que quer, mas deve assumir as consequências pelo que diz.

*Murillo de Aragão é cientista político