mulheres

José Casado: A resiliência das mulheres

Bolsonaro tem um problema com elas, que o rejeitam

Jair Bolsonaro tem um problema com as mulheres. Elas o rejeitam, e reafirmam a aversão combinada à desconfiança nas pesquisas do Datafolha nos últimos 24 meses.

Em agosto de dois anos atrás, quatro de cada dez eleitoras se mostravam enfáticas na recusa ao candidato: 43% declaravam que nele não votariam “de jeito nenhum”.

Bolsonaro começava a despontar como favorito na disputa presidencial apoiado no voto masculino, na proporção de três homens para cada mulher. A repulsa feminina aumentou, para 50%, entre o primeiro e o segundo turno.

O repúdio atravessou o ciclo inaugural no Planalto. Em dezembro do ano passado, 41% das eleitoras qualificavam seu governo entre “ruim” e “péssimo”. Afirmavam (46%) “nunca confiar” no que dizia o presidente. A maioria (56%) o criticava por não se comportar no cargo como deveria.

A resistência feminina prossegue, estável na margem de erro de dois pontos percentuais. Semana passada 39% das mulheres classificavam o governo entre “ruim” e “péssimo”, e 44% declaravam jamais confiar naquilo que ele diz.

Com um discurso arcaico e governando de maneira rudimentar, entre vítimas e escombros econômicos da “gripezinha”, Bolsonaro se sustenta sob o repúdio permanente de cerca de 39 milhões de mulheres num país onde o voto feminino é maioria (52,5%). Merece um lugar na antologia dos anacronismos políticos.

Está sendo processado, de novo, por hostilidade às mulheres. Semana passada foi acusado em 71 páginas de coletânea de discursos, mensagens e registros de atos oficiais que “estigmatizam as mulheres” e “reforçam abusivamente a discriminação e o preconceito (de gênero)”.

Uma das decisões relatadas foi o veto presidencial, em junho, à manutenção dos serviços do SUS durante a pandemia para assistência às vítimas de violência sexual e nos casos de aborto estabelecidos na legislação. Os técnicos autores da recomendação foram sumariamente demitidos da Saúde.

Bolsonaro agora corre o risco de se tornar um político com atestado de misoginia passado em juízo.


Mulheres da periferia discutem sociedade sexista em live da Biblioteca Salomão Malina

Com transmissão ao vivo, evento online terá participação de sete jovens e será realizado no dia 16 de julho

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Mulheres artistas da periferia vão discutir, no dia 16 de julho, das 19h às 20h30, a escrita poética na sociedade sexista em nova live do grupo Slam-DéF, com apoio da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. O evento online é aberto ao público e terá transmissão ao vivo pela página da biblioteca no Facebook. A retransmissão em tempo real será realizada no site da FAP e na página da entidade no Facebook.

Empoderamento feminino, periferia, violência, criminalidade, opressão contra minorias, luta por oportunidades, racismo, machismo, sexismo estão entre os assuntos que devem ser abordados pelas artistas durante a live do Slam-DéF. Além disso, elas também devem apresentar caminhos para superação dos problemas, em busca de uma sociedade menos injusta, menos desigual e menos excludente.

Confira!

https://www.facebook.com/salomaomalina/videos/3474442282587467/

O slam nasceu em Chicago, Estados Unidos, nos anos 1980. Chegou ao Brasil duas décadas depois. No Distrito Federal, começou em 2015, com o Slam-DéF, que também atua no Entorno. O grupo integra diversas pessoas de qualquer idade, de cor, raça, etnia e orientação sexual. “A nossa ideologia é abrir espaço para as vozes da periferia”, afirma o produtor do grupo, o professor de língua portuguesa Will Junio.

A seguir, confira as sete artistas convidadas para a próxima live do Slam-DéF:

Madu Krasny é travesti negra, moradora da Tailândia, divisa de Taguatinga e Ceilândia, Distrito Federal. É coordenadora da pasta de mulheres e gênero do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UnB (Universidade de Brasília. Também coordena a pasta de Combate às Opressões, na UnB. É técnica da comunicação na Liderança do PSOL na Câmara dos Deputados e militante pelo Afronte.

Aqualtune é poetisa, atriz, dramaturga e estudante de Artes Cênicas na UnB.  Começou suas atividades artísticas no Espaço Semente ao se tornar integrante da Semente Cia. de Teatro e organizadora, junto ao poeta Banzo, do Sarau Semeando Arte, onde declamou e desenvolveu suas poesias. Através do Teatro Comunitário desenvolvido junto à companhia e de suas poesias, evidencia os protagonismos periférico, preto e feminino necessários à arte.

King é uma artista preta da zona sul de SP. Carrega em suas poesias um olhar crítico sobre a sociedade e a visão de mulher preta periférica. Em 2018 e 2019, participou da batalha nacional de poesia (Slam BR), alcançando o título de bi vice campeã. Carrega sempre uma frase consigo: “Quando a mulher preta fala, você para pra ouvir”.

Fabi Souza é poetisa do DF e estudante de artes. Atua na cena da poesia falada há um ano.

Mari Gominhos é produtora cultural e audiovisual. Atua na área de elaboração e execução de projetos culturais e coordena a produção do grupo Ruas (Rede Urbana de Ações Socioculturais) e no Coletivo Toca Filmes.

Negajara é poeta MC da cidade de Petrópolis (RJ), preta, periférica, bissexual. Começou sua caminhada em 2018, batalhando nas rodas de rima. Em 2019, passou a participar de batalhas de poesia e a organizar slans e rodas culturais. Ela acredita que a cultura é uma ferramenta de conscientização e empoderamento da periferia.

Nega Lu escreve a partir das suas vivências e visão de mundo, de forma afrocêntrica. Seu ponto de partida é ser mulher negra, LGBT e periférica. “Sou ser política, minhas poesias são denúncia, protestos. São amor também, carinho e calmaria”, afirma.

Bruno Carazza: O que querem as mulheres?

Bancada feminina tem uma boa agenda no Congresso

Em outubro de 2019, Melinda Gates publicou na revista Time uma carta aberta prometendo investir US$ 1 bilhão na próxima década em projetos para expandir o poder e a influência das mulheres nos Estados Unidos. A data desse anúncio foi cuidadosamente escolhida: naquele mês completavam-se dois anos do surgimento das primeiras denúncias contra o então todo-poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein, desencadeando um amplo movimento a favor da quebra do silêncio em casos de assédio e agressão sexual.

A hashtag #MeToo viralizou e foi fundamental para a condenação de Weinstein - num primeiro momento pública, e depois judicial - e para a promoção do debate sobre a condição feminina no mercado de trabalho. Depois de se alastrar das redes sociais para a sociedade, o #MeToo está enfrentando uma crise típica dos grandes movimentos populares surgidos nos últimos anos: como vencer a improvisação, a organização difusa e a ausência de lideranças e construir uma agenda de prioridades para obter resultados concretos na melhoria das condições de vida das mulheres?

Melinda Gates entende que a repercussão em torno do #MeToo representa uma janela de oportunidade para alavancar o “ativismo de sofá” numa ação coletiva em prol da igualdade de gêneros. Para isso, pretende usar sua fortuna para fomentar iniciativas voltadas a três prioridades: i) redução das barreiras ao desenvolvimento profissional feminino; ii) estimular a ascensão de mulheres nos setores de tecnologia, mídia e governo, que têm um grande impacto na sociedade e iii) mobilizar acionistas, consumidores e trabalhadores para pressionarem as empresas a se tornarem mais diversas, tanto em termos de gênero quanto de cor.

De acordo com Melinda Gates, há mais CEOs chamados James do que mulheres liderando as 500 maiores empresas nos Estados Unidos. E apesar de representarem 51% da população, apenas 24% das cadeiras no Congresso americano são ocupadas por parlamentares do sexo feminino. No Brasil, a situação é ainda pior: embora tenham melhorado de forma expressiva seu desempenho nas últimas eleições, as mulheres representam apenas 15% da Câmara e do Senado.

Para ter uma ideia de como a bancada feminina no Congresso brasileiro tem pautado as discussões sobre proteção às mulheres e promoção de igualdade de gênero em nosso país, realizei um levantamento de todos os projetos de lei e propostas de emenda à Constituição sobre esse tema apresentados por deputadas e senadoras na atual legislatura.

De 162 proposições analisadas, mais da metade (86) trata de prevenção e combate à violência contra as mulheres. Nossas parlamentares partem do diagnóstico de que os avanços obtidos com a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) ainda são insuficientes. A contar pelo número de propostas, preocupa principalmente a ineficiência das medidas protetivas previstas na legislação atual.

Para combater a recorrência de situações em que o agressor descumpre as determinações judiciais de se manter longe da vítima, deputadas e senadoras sugerem, entre outras ações, monitoramento com tornozeleiras eletrônicas, concessão facilitada de prisão preventiva, majoração do valor da fiança, busca e apreensão de armas de fogo e notificação compulsória às autoridades policiais e judiciais por parte de profissionais da saúde que tenham identificado sinais de violência em suas pacientes.

Um outro grupo de projetos promete atacar o problema da efetividade da Lei Maria da Penha em duas frentes diferentes: de um lado, procurando facilitar o acesso à Justiça das vítimas, com a ampliação dos mecanismos de proteção às autoras e testemunhas nos processos; de outro, elevando as sanções aos agressores, como a imposição do dever de ressarcir despesas do SUS e do INSS com o atendimento aos alvos de sua violência e a vedação de ser nomeado para cargos públicos. Também faz parte da agenda das parlamentares a concessão de benefícios para as mulheres agredidas, como licenças e a possibilidade de movimentar suas contas no FGTS para o custeio de tratamento médico, a fim de se recuperarem dos traumas físicos e psicológicos.

A segunda dimensão com mais projetos na agenda das parlamentares brasileiras diz respeito à maternidade. Tramitam no Poder Legislativo federal propostas para humanizar o acolhimento das gestantes desde o pré-natal, incluindo o direito à opção quanto ao tipo de parto, a prioridade de atendimento e transferência em caso de falta de vagas nos hospitais e a criação de espaços públicos para a amamentação. Também é objeto de sugestão a alteração da legislação para aumentar o período de estabilidade de emprego para as gestantes e a extensão da duração da licença-maternidade para 180 dias para todas as trabalhadoras, abrindo inclusive a possibilidade para que esse prazo seja compartilhado com os pais.

Para promover uma maior igualdade de gêneros no mercado de trabalho, deputadas e senadoras recorrem às cotas para reverter a predominância de homens nos cargos mais altos do setor público e privado, estabelecendo percentuais mínimos para mulheres nos postos de gerência e direção de empresas, entidades da sociedade civil e órgãos públicos. Há ainda iniciativas de desenvolvimento de políticas públicas para apoiar o imenso contingente da população feminina dedicada às atividades de cuidado com familiares que necessitam de atenção especial em função de suas condições de saúde, deficiências ou idade.

Por fim, um número expressivo de proposições procura atacar justamente o fato de possuirmos tão poucas mulheres na política brasileira. Medidas nesse sentido envolvem desde a ampliação do percentual mínimo de candidatas em cada partido (atualmente o patamar é de 30%) ao estabelecimento de critérios mais efetivos para a distribuição dos recursos do fundo partidário, chegando até mesmo à imposição de paridade no número de vagas a serem preenchidas por mulheres e homens nos Legislativos de todo o país.

Há no Congresso Nacional uma pauta extensa de propostas voltadas para a melhoria das condições das mulheres que merece receber mais atenção da sociedade. Estimular uma maior igualdade entre os gêneros deveria mobilizar nossa atenção não apenas em torno do 08 de março. Fica o alerta (for #MeToo).

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”


El País: Mulheres testam as ruas em protestos por direitos, pelo fim da cultura do feminicídio e contra Bolsonaro

Atos estão marcados em 70 cidades contra retrocessos na pauta feminista, que avança em países vizinhos. Legislação de proteção à mulher avançou no país mas assassinatos subiram

Heloísa Mendonça, do El País

As mulheres no Brasil ainda não conseguiram encher as ruas na mesma proporção que suas pares na Argentina, no Chile, ou nos Estados Unidos e Espanha, quando o assunto é luta por direitos femininos – ou feministas. Mas neste domingo, 8 de março, atos convocados em mais de 70 cidades do país pretendem marcar a posição das brasileiras identificadas com a pauta feminista que se veem ameaçadas pelo retrocesso do atual Governo. As críticas às políticas do presidente Jair Bolsonaro serão um dos motes de vários atos convocados por movimentos, como Mulheres contra Bolsonaro, Marcha Mundial das Mulheres e o coletivo Juntas. O protesto marca também um grito contra o aumento do feminicídio do Brasil, o quinto país que mais mata mulheres no mundo. Apesar da taxa total de homicídios estar em queda, a violência contra as mulheres cresceu no último ano. Dados compilados pela Folha de S. Paulo apontam que o feminicídio avançou 7,2% em 2019. No total, foram 1.310 vítimas de violência doméstica ou por sua condição de gênero. Em 2018, o feminicídio já tinha aumentado 4% , segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas no país.

Em São Paulo, o ato acontece às 14h na Avenida Paulista. O ataque ostensivo do presidente Bolsonaro a jornalistas mulheres, como Patricia Campos Mello e Vera Magalhães, também entrou na pauta, assim como demandas específicas das mulheres negras, que sofrem de uma situação ainda mais vulnerável no âmbito sócio-econômico. “Não há como negar que há pautas específicas das negras já que no Brasil existe uma desigualdade entre as próprias mulheres. São as negras que mais morrem, as que são mais encarceradas, as com menos acesso à saúde e as que ganham menos”, explica Juliana Gonçalves, uma das organizadoras da marcha das mulheres negras de São Paulo. As mulheres pretas ou pardas continuam na base da desigualdade de renda no país. Em 2018, elas receberam, em média, menos da metade dos salários dos homens brancos (44,4%), que ocupam o topo da escala de remuneração.

Falar das especificidades das mulheres negras foi, por muito tempo, visto como algo que não agregava à luta ou dividia o movimento feminista, segundo Gonçalves. “Mas quando a gente não fala, tornamos invisível as condições mais precárias e de vulnerabilidade que estão mais intensas na vida de uma mulher negra”, afirma. Ela explica, no entanto, que nos últimos anos, esse diálogo vem melhorando. “As mulheres brancas tem aumentado muito a escuta. É um avanço, em 2018, as mulheres indígenas negras vieram para frente do ato”, diz.

A representante do movimento das mulheres negras pondera, entretanto, que ainda há um longo caminho a ser percorrido, já que muitas mulheres brancas que se autodenominam feministas, reproduzem um discurso machista. “No próprio Big Brother está acontecendo uma situação racista contra o Babu. Não há como ser feminista e não ser antiracista”.

Em um momento, que segundo Gonçalves, o líder de uma nação legitima o discurso homofóbico, racista, que sempre esteve na sociedade isso, é hora de ir às ruas. “Participar do 8 de março é uma forma de gritar é o nosso combate. É uma forma de reafirmar os valores democráticos que estão em risco. Nós também marcharemos no dia 25 de julho, dia internacional da mulher negra latina-americana, e no dia 14 de março quando o crime bárbaro de Marielle Franco completa dois anos sem ter sido solucionado”, diz.

Feminicídio
Desde 2015, quando a lei do feminicídio foi criada, o número de assassinato de mulheres apresenta uma trajetória ascendente. Para alguns especialistas, os feminicídios aumentaram de fato, enquanto outros defendem que apenas o número de registros subiram. Para Gabriela Mansur, promotora de justiça e especialista em direito das mulheres, apesar da violência contra a mulher estar aumentado, a alta dos registros de feminicídios acontece porque a polícia está mais familiarizada com a lei e tratando os casos corretamente.

“Mas não podemos fechar os olhos para essa situação. Quanto mais voz e poder as mulheres estão adquirindo, mais violência elas estão sofrendo também. Precisamos transformar toda a sociedade. É necessário mais investimento em educação e investimentos em políticas públicas voltadas para a igualdade”, afirma Mansur, que alerta que o tema deve ser uma pauta prioritária no país e não apenas levantado no dia internacional das mulheres ou quando um caso grave acontece”, diz ela. O assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, por exemplo, é uma das bandeiras que estão puxando protesto – há outro marcado para o dia 16, quando a execução da vereadora da Maré e de Gomes completam três anos.Mansur avalia que o país tem hoje uma legislação avançada de proteção à mulher, com a criminalização do assédio, a criação do feminicídio, lei Maria da Penha (contra a violência doméstica) e uma nova lei que obriga profissionais da saúde a comunicar à polícia, em 24 horas, indícios de violência contra mulheres. “Felizmente, hoje vemos um engajamento maior da sociedade no tema. Em São Paulo, temos o exemplo do programa Tem Saída, que conta com o apoio de empresas privadas que viabilizam vagas para mulheres em situação de violência doméstica para gerar autonomia financeira. Estamos cada vez mais unidas ocupando nossos espaços”, explica.

Luiza Eluf, advogada criminal e autora de livros jurídicos sobre crimes sexuais e passionais, concorda que o país progrediu muito nos últimos anos na proteção das mulheres, mas as lei precisam ser mais respeitadas. “Temos noções muito claras e legislações muito precisas que impõem os direitos das mulheres. Falta obedecer”, diz a procuradora de justiça aposentada. Luiza lamenta que o padrão do comportamento do Governo de Jair Bolsonaro seja de desrespeito à mulher e que ataques, como os promovidos a jornalistas mulheres (Partícia Campos Mello e Vera Magalhães) sejam tão constantes. “O presidente utiliza as mulheres como objeto de uso e não se preocupa em ofendê-las em sua sexualidade”, diz. A advogada vê como um forte retrocesso o tratamento de subordinação atribuído às mulheres pelos integrantes do Governo. “A senhora [ministra da Mulher, da Igualdade e dos Direitos Humanos] Damares Alves, que cuida das políticas públicas das mulheres, ainda não percebeu a necessidade de considerar a mulher um ser humano completo e com direito a sua autodeterminação. Ela tem uma visão da mulher subalterna ao marido ou ao homem que esteja ao seu lado”, diz. Damares tem sido questionada sobre os ataques de Bolsonaro a mulheres, como a jornalista Patricia Campos Mello, mas a ministra acaba sempre justificando o que o presidente faz.

Apesar do esforço em aumentar a presença nas ruas, o movimento feminista no Brasil hoje está mais identificado com pautas abraçadas pela esquerda no país, o que tem afastado mulheres que confundem o protesto por direitos reprodutivos, garantias trabalhistas ou pela mesma democracia como atos de política partidária. Um desafio para as feministas brasileiras, que veem nos movimentos de países vizinhos um modelo. Chilenas e argentinas se tornam cada vez mais protagonistas dos movimentos de rua. Nos últimos meses, protestos multitudinários pelos direitos das mulheres avançaram em vários países da região, focados na igualdade de direito e contra a violência de gênero. No Chile, a performance “Un violador en tu camino”, do coletivo LasTesis, rompeu barreiras e deu a volta ao mundo. No Brasil, a luta feminista também pulsa forte com mudanças por dentro do sistema legal, mas ainda não ganhou uma expressão de porte nas ruas como no exterior. Este domingo será um novo teste.


Eduardo Rocha: A mulher e as desigualdades

Não obstante os séculos XX e XXI terem assistido a uma revolução no tocante a crescente presença das mulheres em todas as instâncias, no atual estágio do processo civilizatório da humanidade é inadmissível constatar o grau de desigualdade ainda existente entre homens e mulheres.

As mulheres estão em todas as partes da sociedade, mas a igualdade não está em parte alguma. É a conclusão que se repete mais uma vez quando se olha os números expostos no estudo “As mulheres no mercado de trabalho”, infográfico divulgado em 3 de março último pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) com base nos dados do 4º trimestre de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).

Em termos gerais de rendimentos médios mensais, enquanto os homens ganham R$ 2.495,00, as mulheres recebem R$ 1.958,00, ou seja, recebem 22% a menos.

Elas também recebem 29% a menos do que homens que ocupam os mesmos cargos de alta administração, como diretoria e gerência.

Quando se compara os rendimentos médios tendo por base o ensino superior, enquanto o homem ganha R$ 6.292,00, a mulher recebe R$ 3.876,00, isto é, 38% a menos.

Na aposentadoria, a mulher recebe em média R$ 1.707,00 e os homens R$ 2.051,00, ou seja, 17% menos. E como a desigualdade não tem limites, o desemprego atinge mais elas (13,1%) do que os homens (10,2%). E, desempregadas, demoram mais tempo (37%) para conseguirem outro emprego.

Mulheres brancas ganham mais do que negras, mostram dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 2012 até 2018, a diferença entre as mulheres cresceu levemente, de 66% para 71%.

Ainda segundo o DIEESE, a falta de creche tira a mulher do mercado de trabalho. Das que têm filhos em creches, 67% tinha trabalho remunerado. Já entre as mulheres cujos filhos não têm acesso à creche, 41% trabalham.

A desigualdade de oportunidades e rendimentos ocorre entre mulheres brancas e negras, entre mulheres e homens e mesmo numa mesma função/cargo, numa mesma categoria profissional, num mesmo nível educacional, numa mesma cidade, num mesmo estado e numa mesma região.

Mesmo depois de 230 anos da Revolução Francesa, não se concretizaram plenamente os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade – nem para o gênero humano em geral e muito menos para as mulheres em particular.

A democracia brasileira tem de cumprir a “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, aprovada em 1979 pelas Nações Unidas (e assinada pelo Brasil) e o seu cumprimento é mais do que um dever legal, é um dever moral em defesa da vida e da humanidade.

*Eduardo Rocha é economista.


Míriam Leitão: A Presidência desonrada

O presidente radicalizou, exibe agressividade descontrolada, e os outros poderes se encolheram diante desse extremismo

O presidente Bolsonaro avilta a Presidência da República. Ao caluniar e difamar uma jornalista com uma afirmação machista e uma insinuação sexual, ele não atinge só a Patrícia Campos Mello. Num efeito bumerangue, Bolsonaro desrespeita o próprio cargo que ocupa. A Presidência tem poderes e tem obrigações. O presidente tem usado os seus poderes para descumprir suas obrigações. Diariamente. Ele tem escalado diante dos olhos da nação. Até quando as instituições brasileiras permanecerão tão incapazes de responder a um chefe do Executivo que quebra o decoro da instância máxima da República?

O espetáculo de horror se repete toda manhã. Bolsonaro chega com seus seguranças e sua claque, ofende alguém ou alguma instituição, ataca e debocha dos jornalistas, faz gestos obscenos, manda os repórteres calarem a boca. Diariamente, ele exibe seu mandonismo primitivo. A qualquer momento do dia, em edição extraordinária, pode ser retomado o show de ofensas que é a comunicação presidencial. A lista dos alvos do presidente é imensa: os governadores, os portadores de HIV, os indígenas, os ambientalistas, a primeira-dama da França, os estudantes, Paulo Freire. Jornalistas são uma “raça em extinção”, governadores do Nordeste são os “governadores Paraíba”, o repórter na porta do Palácio tinha uma cara de “homossexual terrível”, ONGs incendiaram a Amazônia e ambientalistas devem ser confinados, os índios “estão evoluindo e cada vez mais são seres humanos como nós”, os portadores de HIV custam caro ao país, Paulo Freire não pode descansar em paz, é o “energúmeno”.

O que Bolsonaro fez ontem foi repugnante. Ele repetiu a mentira do depoente da CPI da Fake News na semana passada e que seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, ecoou da tribuna. Bolsonaro deu sequência à calúnia, usou de deboche obsceno para as gargalhadas da sua claque. O que houve foi um ataque serial à jornalista da “Folha de S.Paulo”, e dele o presidente fez parte. A reportagem que provocou toda a ira do presidente ilumina um fato que precisa ser cada vez mais entendido, a compra de disparos em massa de fakenews através do WhatsApp. O país precisa proteger a democracia do risco de interferências e manipulação do processo de escolha do eleitor através de mentiras difundidas pelas redes sociais. Ou a democracia entende esse submundo ou correrá riscos.

Todo governante pode gostar ou não de uma reportagem, reclamar, dar o seu lado, desmentir, combater a informação que considera errada com mais informação. Mas um governante não pode levar a Presidência ao nível de baixeza que foi levada ontem por Bolsonaro, na difamação sexista contra a portadora da notícia da qual ele não gostou. Essas ofensas a Patrícia Campos Mello atingem a imprensa independente e responsável, que não vai se calar diante dos gritos e das injúrias, mas que o governante tenta intimidar.

Este é apenas um caso. Mas é extremo. Nele, o presidente ultrapassou todos os limites impostos pelo decoro que o cargo exige. Nos últimos dias, ele provocou uma crise federativa ao desafiar os governadores a adotar uma proposta que ele sabe ser impraticável, de zerar todos os impostos sobre combustíveis e, depois, fez um acusação direta ao governador da Bahia. Uma das obrigações do presidente é zelar pela federação, Bolsonaro atormenta a federação. Ele a fragiliza.

Um presidente não é inimputável. Ele pode não responder pelos atos que cometeu antes de assumir. E essa prerrogativa existe para proteger a Presidência em si e não a pessoa que ocupa o cargo. Mas Bolsonaro entendeu que entre os seus poderes está o de dizer o que lhe vier à cabeça, agredindo qualquer brasileiro, grupo social ou instituição. Contra isso existem os freios e contrapesos, para que um Poder alerte o outro dos excessos cometidos. O problema no Brasil neste momento é que o presidente radicalizou, exibe uma agressividade descontrolada, e os outros poderes se encolheram diante desse extremismo.

É assim que as democracias morrem. Elas vão sendo desmoralizadas aos poucos, as instituições vão se omitindo e se cansando das batalhas diárias, as pessoas vão se acostumando aos absurdos. O país passa a achar normal o que é na verdade inconcebível e acaba por aceitar o inaceitável, como um presidente que ofende o cargo que ocupa. E assim nascem as tiranias.


Carla Jiménez: Nunca um presidente foi tão vulgar com uma mulher. Espere o efeito bumerangue

O ataque de Bolsonaro à repórter Patrícia Campos Mello vai ajudá-lo a definhar a partir de agora num Brasil onde 52% do eleitorado é feminino e que não vai mais voltar atrás em sua luta pelas mulheres

Os covardes machistas podem fingir que não são covardes machistas, mas em algum momento eles se revelam. E não há momento mais oportuno para os atores públicos do Brasil mostrarem que não o são, longe de serem coniventes com a baixaria empreendida pelo presidente Jair Bolsonaro contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, na manhã desta terça-feira. Num país em que 52% do eleitorado é feminino, deputados e senadores deveriam ficar alertas. Eles têm a grande oportunidade de mostrar que não vão deixar a vulgaridade assumir o Brasil, rasgando todo e qualquer senso de decência do Estado em relação a uma mulher, deixando que se propague uma mentira orquestrada dentro do Congresso. Deixem de lado o fato de Patrícia ser jornalista. Ela é mulher. Poderia ser uma economista, uma copeira, uma faxineira, uma jogadora de futebol. Ela foi exposta com insinuações sexuais por um presidente, como nunca o Brasil viu. Ele não está na mesa de bar com amigos, está na frente das televisões dizendo que Patrícia queria “dar um furo a qualquer preço”, sugerindo sexo em troca de informação, o que é o mesmo que chamar uma mulher de prostituta. Só uma cabeça pervertida pode se sentir tão à vontade para dizê-lo em alto e bom som.

Nunca na democracia um chefe de Estado havia caído tão baixo apelando à vulgaridade para falsear a realidade. Quiçá no mundo. Nem Donald Trump chegou a tanto. O Congresso tem as provas à mão para admitir que Hans River do Rio Nascimento mentiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Parte dessas mentiras a insinuação asquerosa de Bolsonaro, pai de uma filha de 9 anos, que Patrícia faltou com a ética para ter uma informação. De qual referência parte Bolsonaro? Todo mundo sabia do que ele era capaz, desde que ele xingou uma repórter em abril de 2014. Mas editou a si próprio para fazer sua campanha e venceu. Legitimamente.

Desde então, empreende uma guerra grosseira, agressiva e mentirosa contra a realidade para esquivar-se de suas próprias capivarasA morte de Adriano da Nóbrega, que convenientemente morreu nas mãos da polícia da Bahia, governada pelo Partido dos Trabalhadores, foi um presente no colo de Bolsonaro que agora se tornou o maior defensor de presos assassinos, embora repetisse sempre que “direitos humanos era para humanos direitos”, e seja um dos que faz coro ao jargão “bandido bom é bandido morto”. De onde vem essa mudança?

Os homens públicos deste país, empresários e agentes da Justiça vão deixar que o que já se construiu em termos de sociedade vá para o ralo? Em nome de quê? Senhores deputados e senadores, vocês podem ter um papel tremendamente decisivo neste início de 2020. Pelas suas filhas, pelas suas mães, pelas suas eleitoras, pelas suas irmãs. Não desprezem a construção que mulheres têm feito até aqui por um país mais decente e menos violento. A violência das palavras de um chefe de Estado reverbera em todas as esquinas e rincões do Brasil. Já se matam uma mulher a cada duas horas aqui, um estupro acontece a cada 11 minutos. Tenham decência, coragem, de estancar esta sangria desatada que abriu as portas para uma perversidade gratuita. Vocês foram eleitos para que o Brasil fosse um país melhor, mais próspero, mais respeitado, mais ético. Não há melhora onde uma mentira é naturalizada na Casa em que vocês representam cada brasileira. Não há prosperidade num país onde se quer estabelecer o medo como forma de governo. Não há respeito por um país que fecha os olhos e silencia diante dos disparates que estamos assistindo. Isso também é corrupção. Corromper seu papel público em nome do poder.

Bolsonaro se cercou de ministros sem filtro, como Paulo Guedes ou Abraham Weintraub, e nos vemos agora tentando medir quais declarações foram mais ou menos canalhas que outras. O primeiro ano já havia sido execrável e neste 2020 ele dobrou a aposta. Brasil perverso. Estamos perto do dia 8 de março. Isso vai ter impacto. Foi assim que começaram grandes manifestações femininas pelo mundo. O presidente está dando farto material para as campanhas de seus adversários e dos inúmeros inimigos que está fazendo. Sabendo-se que é incorrigível e que está cego pelo poder, vai tropeçar em suas próprias palavras.


El País: Assassinato de mulheres por armas de fogo cresce na maioria dos Estados

Taxa de assassinatos femininos por disparos aumentou em 17 das 27 unidades da federação entre 2006 e 2016, revela o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado

A taxa de mortes de mulheres por armas de fogo (homicídios e suicídios) no Brasil caiu em 2,4% entre 2006 e 2016. Embora pareça trazer uma boa notícia, a redução da violência letal contra mulheres com emprego de arma de fogo, esse número esconde uma situação preocupante: em 17 das 27 unidades federativas foi registrado aumento das taxas de homicídios de mulheres por armas de fogo no período analisado. Esse é o resultado do levantamento realizado pelo Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), do Senado Federal, a pedido da Agência Patrícia Galvão.

Além de revelar uma grave disparidade regional nos registros desses assassinatos de mulheres, o resultado chama a atenção para a importância da análise de dados para orientar decisões relacionadas aos processos de formulação, implementação, avaliação e aprimoramento de políticas públicas.

No caso analisado pelo OMV, quatro dos cinco Estados mais populosos do Brasil apresentaram uma considerável redução na taxa de mortes de mulheres por armas de fogo, seja em razão de homicídios ou de suicídios, entre 2006 e 2016. A queda dessas taxas em São Paulo (-59,2%), Rio de Janeiro (-41,3%), Minas Gerais (-26,5%) e Paraná (-32,2%) ajuda a explicar a redução na ordem de -2,4% do número de mortes por armas de fogo por 100 mil mulheres no Brasil no período considerado. Contudo, esse dado esconde que a maioria dos Estados apresentou um aumento alarmante desses índices. Em Estados como Acre (+524,1%), Maranhão (+182,2%), Ceará (+165,2%), Rio Grande do Norte (+155,5%) e Roraima (+110,6%) verificou-se que a taxa de mortes de mulheres por armas de fogo em 2016 mais do que dobrou na comparação com 2006.

Mais armas, mais feminicídios

A análise desses dados ganha relevância no debate em torno das possíveis consequências de políticas públicas voltadas à segurança das mulheres. O Governo do presidente Jair Bolsonaro tem, por exemplo, na política de flexibilização da posse de armas de fogo um dos pilares para dar maior segurança à população. Coletivos feministas têm alertado para o risco de um aumento do assassinato e suicídio de mulheres em um contexto de violência doméstica e familiar, conforme mostra a campanha #ArmadasDeInformação.

Isso porque, em geral, o autor do homicídio no contexto de violência doméstica é o companheiro da vítima. O coordenador do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado, Henrique Ribeiro, manifesta preocupação de que “o acesso à arma de fogo poderia levar a um aumento no número de suicídios de mulheres em razão de sofrerem violência doméstica”. Ele lembra que um estudo publicado em 2016 pelo Ministério da Saúde já apontou que mulheres identificadas como em situação de violência pelos serviços de saúde apresentaram 29 vezes mais chances de serem vítimas de assassinato ou de cometerem suicídio em comparação com a população feminina em geral.

Dados de fontes seguras sistematizados em séries históricas têm ajudado a dimensionar o fenômeno da violência machista. Segundo Henrique Ribeiro, no caso das mortes de mulheres por armas de fogo, por exemplo, “a análise de informações em nível de município, ou mesmo de bairro, por exemplo, poderiam ajudar o poder público a evitar um maior número dessas mortes”.

Embora estejam sendo produzidas cada vez mais pesquisas que reúnem evidências importantes sobre a urgência e gravidade da violência de gênero, a subnotificação, ou seja, as vítimas que não denunciam casos de violência por medo ou vergonha, é apontada como um dos desafios a serem superados para abordar políticas públicas eficientes. A disseminação de uma cultura de dados abertos é visto como um fator fundamental que órgãos públicos podem facilitar nesse sentido.

Conteúdo produzido pela agência de notícias do Instituto Patrícia Galvão, uma organização feminista que atua nos campos dos direitos das mulheres e da comunicação desde 2001.

INFORMAÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA

O levantamento realizado pelo Observatório da Mulher contra a Violência, a pedido da Agência Patrícia Galvão, é apenas um exemplo simples de como a análise de dados pode ser útil ao desenvolvimento de ações governamentais mais efetivas. Na verdade, quanto mais informações puderem ser consideradas na análise, maiores as chances de se desenharem melhores ações.

Em março de 2019, o OMV lançou o Painel de Violência contra as Mulheresuma ferramenta de consulta que sistematiza dados oficiais de homicídios, notificações de violência doméstica pelos serviços de saúde, ocorrências policiais e processos judiciais relacionados a casos de violência contra mulheres no Brasil e em cada estado nos últimos anos.

Nesse mesmo sentido, o Instituto Patrícia Galvão e o Instituto Avon lançaram em 2018 a plataforma digital Violência contra as Mulheres em Dados, que reúne pesquisas e dados recentes sobre a violência de gênero no Brasil, com foco na violência doméstica, sexual e online, no feminicídio e na intersecção com o racismo e a LGBTTfobia.


O Globo: Perseguição. Pornografia de vingança. Ofensa sexual. A violência contra a mulher cresce nas redes

Pesquisa mostra aumento de relatos de abusos via internet, e mais casos chegam à polícia

Por Paula Ferreira, de O Globo

RIO - A distância física da vítima não é mais uma barreira para os agressores de mulheres. Em ambientes virtuais, elas também são submetidas a violências como insulto, humilhação, ameaça, perseguição e ofensa sexual.

Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Datafolha apontou que os casos de violência contra a mulher praticados via internet aumentaram de 1,2% das 1.051 brasileiras entrevistadas em 2017 para 8,2% das 1.092 mulheres que responderam ao questionário neste ano.

Para o levantamento, as mulheres foram questionadas sobre o tipo de local onde sofreram a violência mais grave nos últimos 12 meses. Em primeiro lugar, aparece a casa (42%); depois, a rua (29,1%); em seguida, lugar indefinido (9%); e a internet (8,2%).

— Podemos sinalizar que há uma ampliação do uso dessas ferramentas. Se antes não tínhamos tantas interações nesse ambiente, agora temos. O crescimento desse espaço virtual como espaço de interação vai reproduzir a vulnerabilidade da mulher à violência como ocorre no espaço público — avalia Cristina Neme, consultora de projetos do Fórum e uma das responsáveis pela pesquisa.

A titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de Duque de Caxias, Fernanda Fernandes, diz que o aumento no número de casos de violência virtual que chega à polícia é significativo. Entre as ocorrências mais comuns estão o “estupro virtual” — quando a vítima é coagida a produzir conteúdo sexual sob ameaça de divulgação de fotos e vídeos — e denúncias de pornografia de vingança, quando o agressor divulga vídeos íntimos das vítimas.

— Depois de alterações na lei no ano passado, tipificando por exemplo a pornografia de vingança, os casos começaram a aparecer. Vivemos em uma sociedade machista, em muitos casos a vítima era culpabilizada. Por outro lado, o aspecto positivo é que, com as redes sociais, passamos a ter a materialidade do crime. A violência doméstica acontece entre quatro paredes e muitas vezes não tínhamos provas, com a internet é importante que as vítimas façam prints desses conteúdos e guardem esses registros — afirma a delegada.

Legislação passou a incluir crime na web
No ano passado, uma lei que alterou o Código Penal tornou crime a importunação sexual — prática sem consentimento de ato libidinoso contra alguém— e também a divulgação de cenas de sexo e pornografia contra a vontade. As penas variam de um a cinco anos e, no caso da pornografia de vingança, pode ser agravada de um terço a dois terços quando o agressor manteve alguma relação de afeto com a vítima.

No caso do estupro virtual, o entendimento passou a ser usado a partir de um a alteração de 2009 no Código Penal, que ampliou o conceito de estupro. Apesar desses avanços, a advogada Tatiana Moreira Naumann afirma que a lei ainda não protege totalmente as mulheres:

— A legislação ainda é muito machista. A mulher tem uma vulnerabilidade muito grande, especialmente nas questões de família. Na disputa judicial, ela vai estar sempre desfavorecida.

Muitas vezes, no entanto, fazer a denúncia não é fácil. Clara* (os nomes das vítimas foram trocados) conta ter sido dissuadida até por advogados de denunciar a agressão que sofreu. Submetida a diversos tipos de violência na web, sofreu os maiores danos após a divulgação de um vídeo íntimo por um homem com quem se relacionou.

A veiculação das imagens ocorreu em 2010, mas até hoje ela não conseguiu retirar o conteúdo de plataformas pornográficas, sendo inclusive chantageada pelos próprios administradores dessas páginas.

— De tempos em tempos, alguém me avisa que viu o vídeo em algum site. A mulher, embora seja a vítima, sempre recebe a culpa. Afinal, por que eu fui tirar a roupa para um desconhecido? Tem ideia de quantas coisas eu deixei de fazer por medo de esse vídeo aparecer? Sou professora, e fico constantemente com medo de que esse vídeo venha à tona e eu não possa mais dar aula para crianças.

Laura sofreu violência parecida. Ela estava na casa do atual namorado quando foi surpreendida por um vídeo publicado por seu ex-marido no Facebook. Na publicação, o ex afirmava que ela havia forjado um abuso sexual contra a própria filha para incriminá-lo. Durante o vídeo, que ficou no ar por dez dias, até uma decisão judicial, ele exibia a página inicial do processo de guarda da filha e desmoralizava a ex-companheira.

— O vídeo circulou, teve mais de 6.500 visualizações, 300 compartilhamentos, e milhares de comentários dizendo que eu deveria estar morta e que eu era um monstro — conta ela, que abriu um novo processo, dessa vez por calúnia, injúria e difamação.


El País: Damares Alves, a militante antiaborto alçada a pastora de Bolsonaro na Esplanada

Assessora parlamentar assumirá a nova pasta das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos, que inclui Funai, com pauta conservadora mas disposta a lutar por igualdade salarial entre gêneros

Por Ricardo Della Coletta, do El País

Fora dos círculos evangélicos, Damares Alves era uma desconhecida quase completa até ser anunciada, nesta quinta-feira, como a mais nova ministra do Governo Jair Bolsonaro. Damares comandará a pasta das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos, uma estrutura nova que será criada em 1º de janeiro e que albergará também a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pelas políticas públicas voltadas para as populações indígenas no país. Pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular, a advogada terá a missão delicada e ao mesmo tempo estratégica de formular pautas para os grupos mais vulneráveis da sociedade, ao mesmo tempo em que terá de responder à base conservadora que ajudou a levar Bolsonaro ao poder, um político que rejeita o conceito de "minoria" e relativiza até mesmo o de direitos humanos.

“Essa pasta vai lidar com proteção de vidas, não com morte”, disse, como cartão de visitas, Damares nesta quinta-feira. Ela é uma militante contra o aborto e rejeita que o tema seja encarado como uma questão de saúde pública, apesar das milhares de mortes por ano no Brasil decorrentes de interrupções clandestinas de gravidez. Se neste ponto está alinhada com Bolsonaro e sua base, em outro discordou do eleito: “Se depender de mim vou para a porta da empresa em que o funcionário homem, desenvolvendo papel igual da mulher, ganhe mais. Acabou isso no Brasil”, declarou. Durante a campanha, Bolsonaro afirmou mais de uma vez que, na questão de definição salarial e brecha de gênero em empresas privadas, o Estado não deveria interferir.

A futura ministra é desde 2015 assessora parlamentar do senador Magno Malta (PR), uma das principais figuras da bancada evangélica. Até então com salário líquido de 4.408 reais, virou ministra no lugar que muitos imaginavam pertencer a seu chefe. Apoiador de primeira hora de Bolsonaro, Malta não esconde seu ressentimento com o presidente eleito por ter sido preterido na montagem da Esplanada. Assim como ocorreu com a escolha do titular da Educação, Ricardo Vélez, Bolsonaro passou por cima de aliados no Congresso Nacional, que reclamaram nos bastidores de terem sido ignorados pelo presidente eleito na seleção. As queixas agora viraram públicas: "Se até o momento ficava claro alguma ingratidão com o Magno Malta, agora chegou a ser afronta. Acho que ele [Bolsonaro] erra em convidar e ela [Damares] erra em aceitar. Não foi uma coisa muito bem conduzida", diz o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM), aliado de Malta no Congresso

Atuação evangélica

A ligação de Damares com aliados do presidente eleito, no entanto, é anterior ao vínculo com o senador pelo Espírito Santo. Antes, ela trabalhou para o deputado federal Arolde de Oliveira (PSD), senador eleito pelo Rio de Janeiro cujo sucesso nas urnas em outubro se deveu, em grande parte, ao suporte do clã Bolsonaro. "Ela foi minha assessora durante uns quatro anos. Saiu em 2014 e nós negociamos com o senador Magno Malta para ela continuar fazendo o mesmo trabalho lá", conta Oliveira. "É uma advogada muito atuante, uma educadora, e é pastora. Então os valores e princípios dela são aqueles valores judaico-cristãos", acrescenta.

O deputado diz ter convidado Damares para auxiliá-lo após ter acompanhado o seu trabalho como colaboradora da frente parlamentar evangélica. Antes de trabalhar para Oliveira, ela foi chefe de gabinete de outro expoente da bancada neopentecostal na Câmara, o deputado federal João Campos (PRB). O parlamentar, pré-candidato à presidência da Câmara e autor do polêmico projeto da cura gay, diz que a militância de Damares em temas caros aos evangélicos a tornou conhecida no meio religioso. "Na medida em que foi se dedicando a esses temas, ela foi ficando conhecida e passou a ser solicitada a fazer palestras nos mais diversos Estados do Brasil", relata Campos.

Na Internet, é possível encontrar vídeos em que Damares afirma que "a ideologia de gênero é um grande maltrato contra as crianças do Brasil" e que "estão desconstruindo a identidade biológica" delas. Em sites especializados para o público evangélico, a pastora também é citada com certa frequência, denunciando, por exemplo, o que considera uma "guerra contra a família" promovida nas escolas brasileiras. Nesta quinta, porém, a futura ministra prometeu fazer “um governo de paz entre o movimento conservador, o movimento LGBT e os demais movimentos.”

Questão indígena

O ponto mais polêmico do novo ministério criado por Bolsonaro é sem dúvidas a transferência da Funai para o órgão. A saída da autarquia do guarda-chuva do Ministério da Justiça é fortemente criticada por antropólogos e lideranças indígenas, que temem retrocessos sobretudo na questão de demarcação de terras dos povos originários. O próprio Bolsonaro já declarou que pretende congelar os processos de demarcação existentes. Além do mais, em sua primeira coletiva de imprensa depois de anunciada ministra, Damares confirmou que o tema não deve ser prioridade. "O índio é gente e precisa ser visto de uma forma como um todo. Índio não é só terra", disse.

Damares, que anos atrás adotou uma menina indígena, se diz preparada para ter sob a sua responsabilidade o principal órgão de política indigenista em um país marcado por graves conflitos fundiários. As credenciais que ela apresenta, no entanto, estão longe de convencer antropólogos e movimentos organizados de defesa dos direitos dos índios. A futura ministra afirmou ter iniciado seu trabalho no tema em 1999, quando trabalhou numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a Funai. "Assessorando a CPI da Funai, descubro que alguns povos no Brasil, por uma questão cultural, ainda matam crianças porque não sabem o que fazer com elas quando nascem com alguma deficiência física ou mental", disse Damares nesta quinta-feira. "Quando descobrimos que isso acontecia, que filhos de mães solteiras não podem sobreviver, comecei um diálogo que acabou se prolongando de tal forma que estou há 16 anos cuidando de crianças indígenas no Brasil sempre com diálogo e respeito", acrescentou.

Damares tocou num assunto que é questionado por muitos antropólogos no país. Para o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Saulo Feitosa, que foi membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a futura ministra "descontextualiza" casos esporádicos de abandono de crianças indígenas. "Há informações de que em alguns povos há abandono de crianças, temos alguns relatos, inclusive lemos através da imprensa geral de que houve situações em que as crianças foram abandonadas. Mas esses relatos são muito esporádicos", rebate Feitosa. "Não há em hipótese alguma a possibilidade de se aceitar de que haja um abandono ou descarte de crianças em massa entre povos indígenas. Isso é mentira e nunca vai se aproximar da quantidade de crianças que são abandonadas no mundo urbano", conclui. De acordo com o professor, o trabalho de Damares nessa temática se insere num esforço de se "criminalizar" determinadas práticas tradicionais indígenas, com o objetivo de retratá-los como comunidades bárbaras e, dessa forma, facilitar a desterritorialização dos povos tradicionais do País.

Nesse sentido, Damares é tida como uma das idealizadoras de um projeto de lei na Câmara dos Deputados que propõe o "combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas". Justamente pelo seu histórico de atuação, a nova ministra representa uma guinada sem precedentes na política indigenista do Brasil, o que deve sofrer forte resistência de setores da sociedade civil.


Zeina Latif : Atenção às mulheres

Em um ano eleitoral, é melhor prestar atenção nas demandas das eleitoras

A desigualdade de gêneros é uma realidade. Mas seria injusto afirmar que o tema é negligenciado por formuladores de políticas públicas, gestores nos vários setores ou acadêmicos.
Existem muitos trabalhos acadêmicos sobre o tema, mas ainda há muita controvérsia sobre o peso relativo das diversas causas da desigualdade de gênero.
Uma área em que a diferença entre homens e mulheres é bem documentada é nas políticas de auxílio às famílias de baixa renda. São muitos os exemplos de que transferir os recursos para as mulheres, e não para os homens, aumenta a efetividade da política pública.
Na política habitacional, a experiência pioneira no Estado de São Paulo foi na gestão Mario Covas (1995-2001), que passou direcionar as moradias para as mulheres, em função da menor propensão a abandonar o lar.
No Minha Casa Minha Vida, 89% dos contratos são firmados pelas mulheres. No Bolsa Família, 93%. A avaliação é que o empoderamento feminino produz um melhor uso dos recursos transferidos.
Alguns críticos apontam que esses programas podem acabar reforçando a responsabilidade das mulheres nas tarefas tradicionais de cuidar dos filhos e da casa. É importante ponderar, no entanto, que o objetivo desses programas não é promover a igualdade de gênero, mas sim a igualdade de renda. Outras políticas devem focar a igualdade de gênero, sendo que envolver as mulheres nas políticas acima aumenta a capacidade de atingir os objetivos almejados.

Tanto é assim que o modelo brasileiro do Bolsa Família foi adotado em outros países com bons resultados.
A pesquisa acadêmica internacional provê evidências de que as mulheres fazem melhor uso dos recursos dos programas de transferências de renda, garantindo maior e melhor alimentação para a família (como na República da Macedônia) e maior poupança e investimento produtivo de mulheres em áreas rurais (como na Zâmbia).
Há também evidências, ainda que menos contundentes, de que o poder de decisão das mulheres é ampliado (Bolsa Família e Progresa/Oportunidades no México).
Na literatura econômica internacional, as pesquisas sobre a desigualdade de salários entre homens e mulheres têm avançado. Há várias evidências de que a maternidade impacta negativamente a produtividade e o rendimento das mulheres. Identifica-se também um menor engajamento e ambição das mulheres.
Não é esperado que as firmas remunerem igualmente seus funcionários nesses casos, pois isso afetaria a sua competitividade. Além disso, tentativas de evitar a queda da remuneração poderão ser contraproducentes ao desestimular o empenho dos demais funcionários (as).
Não deve surpreender a queda da taxa de fertilidade nos diversos países, que tem resultado no envelhecimento da população. Por isso mesmo, alguns países começam a adotar políticas públicas para incentivar a maternidade.
Já a suposta menor ambição profissional das mulheres merece reflexão. Aqui a questão cultural e de educação das meninas ganha peso. Aquilo que parece ser menor ambição pode ser, na realidade, a falta de referências (“role models”) que ajudem as jovens a serem mais competitivas. As pesquisas indicam que mães que trabalham aumentam a chance de a filha de ter sucesso profissional.
Mulheres têm diferentes interesses, habilidades e, muitas vezes, sentem dificuldades para mostrar sua competência. Os departamentos de recursos humanos precisam ser mais sensíveis a essas diferenças na seleção de funcionários e nas promoções.
As evidências não são conclusivas, mas há indicações que a diversidade de gênero ajuda melhorar a performance das empresas. Vale a pena estimular a participação feminina.
Finalmente, vale citar que as mulheres, que já são a maioria no ensino médio e no ensino superior (57% em 2015), também são mais numerosas nas urnas. Foram 6,2 milhões a mais em relação ao número de homens votando em 2014. Além disso, como ensina Fatima Pacheco Jordão, as mulheres são mais criteriosas no voto do que os homens.
Melhor prestar atenção nas demandas das eleitoras. Em um ano eleitoral, é melhor prestar atenção nas demandas das eleitoras.
 
* Zeina Latif é economista

#ProgramaDiferente em homenagem à Mulher na TVFAP.net

Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, neste 8 de março, o #ProgramaDiferente faz uma homenagem especial durante toda esta semana, com um vídeo diferente postado a cada dia nas suas redes sociais.

Iniciando nesta segunda, 6 de março, com a história da origem da homenagem. Na terça, dia 7, o cordel "As Mulheres na Bíblia". Na quarta, dia 7, a campanha #EssaSouEu. Na quinta, dia 9, o clipe "Vocês são Mulheres"; e finalmente na sexta, dia 10, o curta-metragem "Vida Maria".

Vale ainda uma passadinha no canal Mulheres, da TVFAP.net, para relembrar de programas especiais, matérias, entrevistas, palestras e documentários onde a mulher é a personagem central e o tema principal de todas as atenções. Viva o Dia da Mulher todos os dias, 365 vezes por ano!