MPF

Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil

Pedro Fernando Nery: Edaíquistão

Não será possível instituir uma renda básica melhor que o Bolsa Família depois da crise, sem combatermos os nossos 'e daís'

“Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação”. Diante disso, a liminar foi concedida no meio da pandemia, realocando milhões de reais do orçamento da Seguridade Social. Mais dinheiro para a Saúde comprar respiradores? Não, tampouco para a Assistência pagar o auxílio emergencial. Ao contrário, a decisão diminui o dinheiro disponível para as duas áreas. O juiz federal decidiu que os juízes federais não precisam pagar as novas alíquotas progressivas da reforma da Previdência.

Confisco foi a razão para considerar inconstitucional trecho da Emenda Constitucional discutida pelos constituintes ao longo do ano passado. O tema espera julgamento no STF. A liminar do juiz dada neste mês no processo 1009622-08.2020.4.01.3400 é em favor da sua própria categoria – embora seja verdade que o mesmo tratamento foi dado a outras categorias em outras ações.

O argumento é simples: como a alíquota progressiva exige contribuições maiores de quem ganha mais, aqueles no teto remuneratório terão uma alíquota efetiva de quase 17% para a Previdência. Somada ao imposto de renda, a tributação total sobre o salário superaria 40%.

Há dois problemas no argumento. Um primeiro é comparar a contribuição com o salário atual, e não com a renda a ser recebida: a aposentadoria continuará sendo pelo último salário para quem ingressou antes de 2003. Independentemente do salário médio ao longo da vida e do valor das contribuições, a aposentadoria é 100% do maior salário. O subsídio pode ser de milhões de reais por pessoa. Não à toa, o regime dos servidores continuará ostentado déficits financeiros bilionários anualmente e déficit atuarial da ordem de trilhão (a Constituição demanda o equilíbrio, mas o texto é preterido por um princípio na decisão judicial).

O retorno ao investimento é altíssimo: se produto semelhante estivesse disponível no mercado, os demais cidadãos fariam os aportes felizes, sem jamais pensar que estão sendo confiscados. A confusão existe porque a contribuição previdenciária na prática é híbrida, ora parece aporte ora tributo.

O MPF defendeu em 2018 a fixação de uma tese sensata: aumentar a contribuição previdenciária do servidor seria constitucional, desde que se apresentem estudos financeiros e atuariais mostrando a sua necessidade. Não sendo o caso, haveria o tal confisco.

Um segundo problema no argumento do confisco é ignorar que os trabalhadores do setor privado estão sujeitos a tributação muito maior, inclusive para pagar os benefícios do setor público, sem que se fale em confisco. Como mostrou Bernard Appy neste jornal na excelente coluna de fevereiro “Quem paga imposto no Brasil?”, o produto do trabalho de um celetista chega a ser tributado em mais de 60%. A conta considera não apenas a contribuição previdenciária e o imposto de renda, como os tributos indiretos federais e estaduais (ICMS, PIS-Cofins, IPI) sobre sua produção, que diminuem o que ele levará para casa.

Parte desses tributos fecham o déficit de mais de R$ 40 bilhões por ano dos servidores. Não é este o verdadeiro confisco? Como a previdência do funcionalismo integra a Seguridade Social, o buraco é custeado por contribuições como a Cofins – competindo com Saúde e Assistência. E daí?

As ações sobre o tema no Supremo, hoje com relatoria do ministro Barroso, eram no passado julgadas por Joaquim Barbosa, que expunha esse argumento. Entendia que na ausência do aumento da contribuição do servidor, a conta iria para os demais. Incluindo os filiados ao INSS, que teriam a obrigação de custear os benefícios do regime sem o direito de usufruí-los: “partilhar o déficit com as pessoas naturais e jurídicas privadas é injusto e abusivo.” Mesmo com a elevação da reforma da Previdência, menos de 20% das despesas são custeadas diretamente pelos servidores.

Os argumentos de servidores federais sobre confisco na reforma da Previdência são embalados por duas indignações. Uma é a subtributação da renda de profissionais liberais de alta renda pejotizados. Serviços pagam menos impostos que produtos, e a PJ ainda pode-se distribuir lucros e dividendos para a pessoa física sem pagar IR (E daí?). O juiz olha para o advogado e se sente injustiçado.

A outra é a exclusão de Estados e Municípios da reforma (E daí?). Juízes estaduais, que já ganham mais pela farra das verbas indenizatórias, ficaram a princípio dispensados da alíquota progressiva da reforma. A associação dos federais se mobilizou para não ter e pagá-la também.

Não será possível perenizar o auxílio emergencial e instituir alguma renda básica melhor que o Bolsa Família depois da crise sem combatermos nossos “e daís”. Consolidar a reforma da Previdência nos tribunais, reformar a tributação sobre a renda e eliminar verbas indenizatórias devem fazer parte da busca por recursos no pós-pandemia.

*Doutor em economia


O Estado de S. Paulo: MPF aponta interferência de Bolsonaro no Exército

Procuradores da República abriram duas investigações para apurar ordem do presidente que revoga portarias publicadas pela Força sobre monitoramento de armas e munições

Patrik Camporez, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Sob suspeita de ingerência na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro entrou agora na mira do Ministério Público Federal (MPF) por indícios de violar a Constituição ao interferir em atos de exclusividade do Exército. Procuradores abriram dois procedimentos de investigação para apurar uma ordem dada por Bolsonaro ao Comando Logístico do Exército (Colog), no último dia 17, que revoga três portarias publicadas entre março e abril sobre monitoramento de armas e munições.

A procuradora regional da República Raquel Branquinho aponta a possibilidade de Bolsonaro ter agido para beneficiar uma parcela de eleitores e que não há espaço na Constituição “para ideias e atitudes voluntaristas” do presidente, ainda que pautadas por “bons propósitos”. O desdobramento do caso pode levar a uma ação de improbidade na Justiça Federal ou à abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).

As portarias 46, 60 e 61, revogadas pelo comandante do Colog, general Laerte de Souza Santos, por exigência de Bolsonaro, foram elaboradas em conjunto por militares, policiais federais e técnicos do Ministério da Justiça. “Determinei a revogação das portarias (...) por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”, escreveu Bolsonaro no Twitter em 17 de abril.

Essas portarias estabeleciam o controle, rastreabilidade e identificação de armas e munições importadas e fabricadas pela indústria nacional, sob a finalidade de atividades esportivas, de colecionador e também para abastecer os quartéis. Na avaliação dos procuradores, ao revogá-las, o governo facilita o acesso do crime organizado a armas e munições desviadas. “A cidade do Rio de Janeiro é a face mais visível dessa ausência de efetivo controle no ingresso de armamento no País”, observou Raquel Branquinho em ofício obtido pelo Estado.

Ex-braço direito da então procuradora-geral da República Raquel Dodge na área criminal e uma das integrantes do grupo escolhido pelo atual chefe do MPF, Augusto Aras, para atuar na Lava Jato, Raquel Branquinho é considerada uma procuradora linha dura, conhecida por seu trabalho em processos importantes, como o mensalão.

As normas estabeleciam diretrizes para identificação de armas de fogo, bem como para a marcação de embalagens e cartuchos de munições. Umas das regras revogadas, por exemplo, determinava que armas apreendidas pela Justiça cuja identificação tenha sido suprimida ou adulterada poderiam ganhar uma nova numeração.

O pedido de investigação foi enviado por Raquel Branquinho no dia 20 deste mês ao chefe da Procuradoria da República no Distrito Federal, Claudio Drewes José de Siqueira. No ofício, a procuradora argumenta que Bolsonaro fere princípios constitucionais.

“Ao assim agir, ou seja, ao impedir a edição de normas compatíveis ao ordenamento constitucional e que são necessárias para o exercício da atividade desempenhada pelo Comando do Exército, o Sr. Presidente da República viola a Constituição Federal, na medida em que impede a proteção eficiente de um bem relevante e imprescindível aos cidadãos brasileiros, que é a segurança pública, e possibilita mecanismos de fuga às regras de controle da utilização de armas e munições”, escreveu Raquel Branquinho.

Agora, o MPF vai avaliar os motivos da conduta de Bolsonaro de determinar a derrubada das portarias do Exército. Numa avaliação inicial, Raquel Branquinho entendeu que a finalidade da revogação das portarias pode ter sido a de “atender uma parcela de eleitores.”

Procuradores ouvidos pelo Estado sob a condição de anonimato observaram que o texto de cancelamento das portarias, publicado no Diário Oficial da União, no dia 17, não apresentou motivação. “Caso o Exército não apresente justificativas plausíveis, que não seja uma postagem do presidente no Twitter, tudo fica ainda mais grave”, disse um procurador.

‘Voluntarismo’

A tentativa de ingerência de Bolsonaro num órgão de Estado foi o argumento usado pelo ex-ministro Sérgio Moro para pedir demissão na sexta-feira passada. O ex-juiz da Lava Jato acusou o presidente de tentar interferir politicamente ao trocar o delegado-geral da Polícia Federal e de cobrar acesso a relatórios sigilosos de inteligência.

Ao analisar o caso envolvendo o Exército, Raquel Branquinho diz “não restar dúvidas” da competência da Força na fiscalização de armas e munições. A procuradora ressalta, ainda, que a atitude de Bolsonaro nesse caso de derrubada das portarias “representa uma situação extremamente grave” e que tem o potencial de agravar a crise de segurança pública vivenciada no País. Outro risco, argumenta, é que organizações criminosas podem ser “fortalecidas na sua estrutura operacional, abastecidas por armas e munições, cujas origens são desconhecidas pelo Estado”.

Outra frente

Além do procedimento aberto a pedido de Raquel Branquinho, uma outra frente para apurar interferência de Bolsonaro no Exército foi iniciada em conjunto pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e pela Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional (7.ª CCR). Os dois órgãos são vinculados diretamente à chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), mas podem abrir processos sem passar pelo comando do órgão.

Neste procedimento, os procuradores Deborah Duprat e Marlon Alberto Weichert, dos Direitos do Cidadão, e Domingos Sávio Dresch da Silveira, da 7.ª CCR, pediram, no dia 20 último, explicações ao Comando Logístico do Exército para prosseguirem no trabalho. Eles querem saber se o órgão vai admitir a suposta ingerência do presidente. No ofício ao general Laerte de Souza Santos, comandante Logístico do Exército, os procuradores solicitam ainda o envio da cópia integral do procedimento de origem da portaria que revogou os atos.

Os procuradores ressaltam que as portarias revogadas concretizavam os princípios estabelecidos pelo Estatuto do Desarmamento e seus regulamentos e “preenchiam relevante lacuna” na regulamentação do rastreamento de produtos controlados pelo Exército. “Essas providências, imprescindíveis para a fiscalização do uso de armas de fogo e para a investigação de ilícitos com o emprego de armas de fogo, eram reclamadas por especialistas em segurança pública e também pela Procuradoria Federal”, diz trecho do ofício.

Defesa e Planalto

Procurados durante o fim de semana, o Ministério da Defesa e a Presidência da República não se manifestaram.

PARA ENTENDER: Portarias Revogadas

As três portarias revogadas pelo Comando Logístico do Exército (Colog) foram elaboradas por integrantes do Exército, Ministério da Justiça, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. As discussões duraram mais de um ano e tiveram como base dados fornecidos por instituições públicas e organizações civis.

Editadas entre março e abril, as portarias 46, 60 e 61 estabeleciam controle, rastreabilidade e identificação de armas e munições importadas e fabricadas pela indústria nacional, sob a finalidade de atividades esportivas, de colecionador e também para abastecer os quartéis. O Ministério Público Federal abriu dois procedimentos de investigações para apurar a revogação dos atos.


O Globo: 'Festejar a ditadura é apologia a atrocidades massivas', diz MPF sobre determinação de Bolsonaro

Órgão afirmou que a orientação do presidente merece 'repúdio social e político' e que pode configurar improbidade administrativa

Vinicius Sassine, O Globo

BRASÍLIA - A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), colegiado que funciona no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR) , criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro de determinar a comemoração do golpe que implantou a ditadura militar no Brasil em 31 de março de 1964 . Em um texto duro, assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e por três procuradores auxiliares, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que "festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos".

"Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo de repercussões jurídicas", diz a nota pública divulgada nesta terça-feira.

Bolsonaro, que admira e exalta os regimes militares da América Latina, determinou que os quartéis comemorem o 31 de março e os 21 anos de ditadura militar no Brasil. Reportagem publicada no site do GLOBO na tarde desta terça revelou que a determinação terá um efeito prático nos principais comandos militares .

Uma cerimônia será realizada, diferentemente do que era feito em anos anteriores. Generais ouvidos pela reportagem preferem evitar o termo "comemoração", mas falam em "lembrança de um fato histórico". A cerimônia vai contar com tropas em forma em quartéis; aviso pelo mestre de cerimônia de que os militares estão ali para "relembrar um fato histórico ocorrido em março de 64"; execução do Hino Nacional; leitura da chamada ordem do dia, que é um texto elaborado pelo Ministério da Defesa; e desfile para encerrar o evento. No Exército, houve quem sugerisse tiros de canhão ao fim da cerimônia, o que acabou descartado por líderes dos comandos militares, conforme as fontes ouvidas pela reportagem.

 Improbidade administrativa
A PFDC afirma na nota pública que a defesa de crimes constitucionais e internacionais – como um golpe militar – pode se caracterizar um ato de improbidade administrativa. Os procuradores federais dos Direitos do Cidadão afirmam "confiar" que as Forças Armadas e "demais autoridades militares e civis" deixarão de celebrar o golpe militar de 1964 e cumprirão seus "papéis constitucionais" na defesa do Estado Democrático de Direito. "Seria incompatível com a celebração de um golpe de Estado e de um regime marcado por gravíssimas violações aos direitos humanos."

Se a recomendação de Bolsonaro para que se comemore o golpe tem sentido de "festejar", trata-se de um ato de "enorme gravidade constitucional", conforme a PFDC. "O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto na Constituição."

O colegiado vinculado à PGR lembra que a Comissão Nacional da Verdade foi instituída por lei e seu relatório final, concluído no fim de 2014, é a versão oficial do Estado sobre o que aconteceu nos 21 anos de ditadura militar. "Nenhuma autoridade pública, sem fundamentos sólidos e transparentes, pode investir contra as conclusões da comissão, dado o seu caráter oficial", diz a nota da PFDC.

Agentes da ditadura mataram ou fizeram desaparecer 434 opositores do regime e 8 mil indígenas, como cita a PFDC. Entre 30 mil e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas, afirma o colegiado. "Esses crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais) foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República."


Elio Gaspari: O STF quebrou um pé da Lava Jato

Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo

Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.

Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova modalidade de barreira.

Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)

O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.

Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.

Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral.

Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.

Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.

Barroso ficou na minoria.

A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato.

O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil.

A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.

Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.

Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.

VENDA DE ALMA
Enunciando mais um pilar de sua diplomacia paleolítica, o chanceler Ernesto Araújo informou que “nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”.

Resta saber se alguém quer comprar essa alma.

RADIOATIVIDADE
O Ministério Público não quer ouvir o sobrenome Bolsonaro no caso do assassinato de Marielle Franco.

Antes que se pense que há nisso alguma forma de blindagem, o motivo real da preocupação é técnico. Se algum Bolsonaro entrar na roda, o foro do caso sai da alçada do MP. A prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz mostra que as promotoras pegaram o fio da meada.

TESTE
Como ficariam as coisas se:
1) Adélio Bispo, o autor da facada contra Jair Bolsonaro, fosse vizinho de Fernando Haddad no condomínio Vivendas da Barra.
2) Se um delegado informasse que a filha de Adélio namorara um filho de Fernando Haddad.
3) Se Adélio tivesse chegado ao local junto com um cidadão filiado ao PT.
4) Se a polícia encontrasse 117 fuzis pertencentes a Adélio na casa de um amigo dele.

CRIME DE ÓDIO
O delegado Giniton Lages, que investigava o assassinato de Marielle Franco, atribuiu o provável motivo da ação atribuída ao ex-PM Ronnie Lessa a “uma obsessão por determinadas personalidades que militam à esquerda política”. Crime de ódio, enfim. Essa é forte.

Adélio Bispo diz que esse foi o motivo que o levou a esfaquear JairBolsonaro. Até hoje não apareceu pista de mandante.

O Brasil teve outros três famosos atentados movidos pelo ódio político.

Em 1897, Marcelino Bispo atentou contra a vida de do presidente Prudente de Moraes e matou o ministro da Guerra. Em 1915, Manso de Paiva matou o senador Pinheiro Machado com uma facada. Eram lobos solitários.

No terceiro caso, tratava-se de ódio alugado, pois havia mandante. Em 1954, a guarda pessoal de Getúlio Vargas tentou matar o jornalista Carlos Lacerda e assassinou um major da Aeronáutica. Deu no que deu.

Quatro presidentes americanos foram assassinados por ódio político. Em três casos, foram ações de lobos solitários (John Kennedy, William McKinley e James Garfield). No quarto, o de Abraham Lincoln, houve quadrilha, mas não houve mandante.

Juntando-se todos esses atentados, jamais os criminosos tiveram negócios com o jogo clandestino e com milícias. Somando-se todas as armas dos atentados brasileiros e americanos, não se chega nem perto do arsenal de 117 fuzis de Ronnie Lessa. Conta outra, doutor.

RECORDAR É VIVER
Para que os operadores políticos de Bolsonaro percebam o peso que os políticos dão aos seus pedidos.

Em 1962, o vice-presidente americano Lyndon Johnson pediu a John Kennedy a nomeação de uma juíza para Dallas. Nada feito. Johnson era um protegido do presidente da Câmara e ele avisou ao governo: enquanto ela não for nomeada, a sua pauta está trancada. A nomeação saiu no dia seguinte.

No início da tarde de 22 de novembro de 1963, diante de um mundo perplexo, Kennedy estava morto e Johnson foi levado para o avião presidencial, onde deveria prestar juramento diante de um juiz federal.

O ar refrigerado do Air Force One estava desligado e fazia um calor horrível em Dallas. O novo presidente pediu que achassem a juíza Sarah Hughes, pois queria que ela presidisse a cerimônia de sua posse.

Poucas pessoas notaram que ele fora à forra.

 


O Globo: Receita Federal vai investigar auditores que investigam Gilmar

Ao saber de devassa feita por auditores fiscais, ministro do STF pediu providências ao presidente da Corte; Toffoli enviou ofícios à Fazenda e à procuradora-geral da República para adoção de ‘providências cabíveis’

Gilmar tem foro privilegiado e só pode ser investigado pelo próprio Supremo

Bela Megale, Daniel Gullino e Carolina Brígido, de O Globo

O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, determinou que a Corregedoria do órgão apure em que circunstância auditores da instituição instauraram investigação sobre o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Ontem, a revista “Veja” revelou que a Receita trabalha para identificar “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte de Gilmar e de Guiomar Mendes, mulher do magistrado.

Um relatório de maio de 2018 apontou uma variação patrimonial de R$ 696.396 do ministro em 2015, considerada sem explicação. O documento afirma que Guiomar “possui indícios de lavagem de dinheiro”. Em 2016, o casal movimentou R$ 17,3 milhões.

O documento diz ainda que o “tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte e seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.

Ao tomar conhecimento da notícia, Gilmar Mendes pediu providências ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Toffoli, por sua vez, enviou ofícios a Cintra, Guedes, e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitando a “devida apuração e adoção das providências cabíveis”.

“O secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, tomou conhecimento dos fatos narrados pelo ministro Gilmar Mendes e que foram objeto de comunicação enviada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, recebida nesta data. O secretário determinou, imediatamente, que a Corregedoria da Receita Federal inicie a devida apuração dos mesmos”, diz a nota do Ministério da Economia divulgada ontem.

“A decisão, tomada pelo secretário especial da Receita Federal, foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tomar conhecimento do Ofício nº 021/ 2019-GP, também encaminhado pelo Presidente do STF e que trata dos mesmos fatos”, concluiu o o texto.

No ofício enviado a Toffolli, Gilmar aponta “abuso de poder” por parte dos fiscais da Receita. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”.

O ministro do Supremo também pediu a “adoção de providências urgentes" para “apurar a responsabilidade por eventual ilícito” e destacou que “nenhum fato concreto é apresentado” nos documentos publicados pela revista.

Gilmar destaca ainda que iniciativa como essa investigação não é “inovadora”. “Referida casuística, aliás, não é inovadora, nem contra a minha pessoa e nem contra membros do Poder Judiciário, em especial em momentos em que a defesa de direitos individuais e de garantias constitucionais desagrada determinados setores ou agentes”, afirmou. Como ministro do STF, Gilmar tem direito ao foro privilegiado e só pode ser investigado criminalmente pela própria Corte.

Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) afirmou que “nada há de ilegal ou anormal na existência de investigação na vida fiscal do Ministro Gilmar Mendes” e destacou que as autoridades tributárias devem ter um rigor maior em relação às chamadas pessoas politicamente expostas, grupo que incluiu ministro do STF, porque há “maior risco de se envolverem em casos de corrupção”.

“O que deve ser ressaltado é que não há qualquer justificativa, moral ou legal, portanto, para qualquer nível de indignação do referido ministro do STF ou de qualquer outra autoridade pública quanto à existência da investigação de sua vida fiscal”, diz o texto da Unafisco.

A associação ressaltou que os auditores fiscais têm o dever de manter o sigilo das investigações, e que “eventual quebra de sigilo deve ser rigorosamente apurada e punida”. A nota afirma, no entanto, que a apuração sobre uma eventual quebra de sigilo não pode “causar qualquer prejuízo à continuidade das investigações”.


Folha de S. Paulo: Coaf aponta 48 depósitos suspeitos na conta de Flávio Bolsonaro, diz TV

Segundo reportagem, filho do presidente teria recebido R$ 96 mil em cinco dias; valor depositado era sempre de R$ 2.000

Um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) aponta movimentações suspeitas de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), deputado estadual e senador eleito. O filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, recebeu em sua conta bancária 48 depósitos em dinheiro, que foram considerados suspeitos pelo órgão que investiga lavagem de dinheiro.

O documento, obtido pelo Jornal Nacional, traz informações sobre movimentações financeiras de Flávio Bolsonaro entre junho e julho de 2017. Os 48 depósitos em espécie na conta do senador eleito foram feitos no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) sempre no valor de R$ 2 mil.

No total, foram R$ 96 mil, depositados em cinco dias. Em 9 de junho de 2017 foram 10 depósitos no intervalo de 5 minutos, entre 11h02 e 11h07. No dia 15 de junho, mais 5 depósitos, feitos em 2 minutos, das 16h58 às 17h. Em 27 de junho outros 10 depósitos, em 3 minutos, das 12h21 às 12h24. No seguinte mais 8 depósitos, em 4 minutos, entre 10h52 e 10h56. E no dia 13 de julho 15 depósitos, em 6 minutos.

Segundo a reportagem, o relatório diz que não foi possível identificar quem fez os depósitos e afirma que o fato de terem sido feitos de forma fracionada desperta suspeita de ocultação da origem do dinheiro.

O Coaf classifica que tipo de ocorrência pode ter havido com base numa circular do Banco Central que trata da lavagem de dinheiro. A realização de operações que por sua habitualidade, valor e forma configuram artifício para burla da identificação dos responsáveis ou dos beneficiários finais.

O documento está identificado como “item 4” e faz parte de um relatório de inteligência financeira (RIF).

Segundo o Jornal Nacional, esse novo relatório de inteligência foi pedido pelo Ministério Público do Rio a partir da investigação de movimentação financeira atípica de assessores parlamentares da Alerj.

No primeiro relatório o alvo eram as movimentações financeiras dos funcionários da Assembleia. O Ministério Público pediu ao Coaf pra ampliar o levantamento. A suspeita é que funcionários dos gabinetes devolviam parte dos salários, numa operação conhecida como “rachadinha”.

A Promotoria pediu o novo relatório ao Coaf em 14 de dezembro e foi atendido no dia 17, um dia antes de Flavio Bolsonaro ser diplomado senador. Segundo o Ministério Público, ele não tinha foro privilegiado na ocasião.

Flávio Bolsonaro questionou a competência do Ministério Público e pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a suspensão temporária da investigação e a anulação das provas. Ele foi citado no procedimento aberto pelo Ministério Público do Rio contra Fabrício Queiroz.

O ex-assessor de Flávio Bolsonaro é investigado por movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão durante um ano. Na reclamação ao STF, Flávio Bolsonaro argumentou que o Ministério Público do Rio se utilizou do Coaf para “criar atalho e se furtar ao controle do Poder Judiciário, realizando verdadeira burla às regras constitucionais de quebra de sigilo bancário e fiscal”.

Flávio argumentou também que "depois de confirmada sua eleição para o cargo de senador, o Ministério Público requereu ao Coaf informações sobre dados sigilosos de sua titularidade” e que as informações do procedimento investigatório foram obtidas de forma ilegal, sem consultar a Justiça.

A primeira turma do STF, no entanto, tomou ao menos duas decisões de validar que o Ministério Público obtenha informações do Coaf sem autorização judicial.

O Ministério Público do Rio se baseia em norma do Conselho Nacional do Ministério Público que permite a solicitação de relatório de inteligência do Coaf e tem convicção de que não configura quebra de sigilo.

Segundo a reportagem, o Ministério Público nega que tenha havido quebra do sigilo e diz que as investigações decorrentes de movimentações financeiras atípicas de agentes políticos e servidores podem desdobrar-se em procedimentos cíveis pra apurar a prática de atos de improbidade administrativa e procedimentos criminais.

A Promotoria declarou também que Flávio Bolsonaro não era investigado. Afirmou que o relatório do Coaf noticia movimentações atípicas tanto de agentes políticos como de servidores públicos, e que, por cautela, não se indicou de imediato os nomes dos parlamentares supostamente envolvidos em atividades ilícitas. Acrescentou também que a “dinâmica das investigações e a análise das provas colhidas podem acrescentar, a qualquer momento, agentes políticos como formalmente investigados”.

Procurada, a defesa de Flávio Bolsonaro disse que irá se pronunciar em momento apropriado.


Portal do PPS: Roberto Freire diz que oposição ao novo governo deve ser ainda mais forte

Com a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux de suspender provisoriamente as investigações sobre movimentações financeiras suspeitas de Fabrício Queiroz, ex-assessor e ex-policial militar, que era lotado no gabinete do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o presidente do PPS, Roberto Freire, disse em sua conta no Twitter não ter dúvida de que a oposição ao governo Bolsonaro deve ser mais dura.

“O fato envolvendo STF/Fux/Bolsonaro e Queiroz percebi e creio (…) que a oposição deve ser ainda mais forte”, defendeu na rede social.

Fux, que responde pelo plantão judicial do Supremo até o início do mês que vem, travou a investigação até análise do relator, ministro Marco Aurélio Mello, sobre uma reclamação protocolada na Corte pela defesa de Flávio Bolsonaro na qual alega ter havido “usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal”, pois os dados solicitados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o caso abrangem período posterior à eleição do filho do presidente da República como senador, quando ele já estaria protegido pelo foro por prerrogativa de função.

No entanto, o foro privilegiado, duramente criticado pelo presidente Jair Bolsonaro quando ainda era deputado, foi utilizado por Flávio para fundamentar os pedidos de suspensão das investigações e de anulação das provas. Para Freire, ao suspender as investigações contra o filho de Bolsonaro, Fux criou o foro privilegiado antecipado e contrariou decisão do próprio Supremo sobre o assunto.

“Não só o equivoco do foro antecipado como também contrariando decisão recente do próprio STF, que definiu que o parlamentar só terá direito ao foro quando o fato delituoso ou a ser investigado ocorrer no exercício do mandato”, disse Freire no Twitter.

Movimentações atípicas
Um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), revelado em dezembro do ano passado, apontou movimentações atípicas de servidores da Assembleia Legislativa do Rio. O órgão constatou que, de janeiro de 2016 a 31 de janeiro de 2017, Queiroz movimentou mais de R$ 1,2 milhão em uma conta bancária. A quantia foi considerada incompatível com a renda do servidor, perto de R$ 23 mil mensais.

Outros funcionários e ex-funcionários de 21 deputados também são investigados. Neste período de pouco mais de um mês, Queiroz e Flávio faltaram aos convites para depor no procedimento criminal do Ministério Público fluminense. A suspensão da apuração sobre as movimentações financeiras do ex-assessor ocorre na mesma semana em que o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, disse que pode encerrar a investigação e propor ação penal sem que Queiroz e Flávio prestem depoimento.

No período investigado, Fabrício Queiroz fez repasses de R$ 24 mil para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O dinheiro, segundo o presidente, era parte do pagamento de uma dívida com ele, feito na conta de sua mulher. Nathalia Melo de Queiroz, uma das filhas do ex-assessor, foi funcionária do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara. (Com informações das agência de notícias).


El País: Decreto sobre posse de armas de Bolsonaro é “inconstitucional”, diz órgão do MPF

Procuradoria considera decreto de Bolsonaro "compromete a Segurança Pública" e pede ação de Raquel Dodge

Por Gil Alessi, do El País

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enviou nesta sexta-feira uma representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alegando que as mudanças na concessão da posse de armas aprovadas pelo presidente Jair Bolsonaro são “inconstitucionais”. No texto, a entidade, que é ligada ao Ministério Público Federal, afirma que o decreto assinado pelo capitão na terça-feira “amplia de modo ilegal e inconstitucional as hipóteses de registro, posse e comercialização de armas de fogo, além de comprometer a política de segurança pública”. Agora cabe a Dodge analisar se leva a questão ao Supremo Tribunal Federal, para que a Corte delibere sobre o assunto.

O decreto de Bolsonaro foi seu principal aceno ao eleitorado e à bancada da bala do Congresso desde que tomou posse este ano. A ampliação da posse (possibilidade de ter armas em casa) e porte (andar armado) foram bandeiras de campanha do militar.

No texto encaminhado para Dodge os procuradores afirmam que o decreto representa uma “usurpação da função legislativa pelo poder Executivo, o que afronta o princípio da separação de poderes”. Além disso, o decreto de Bolsonaro “enfraquece as atribuições da Polícia Federal quanto ao exame dos fundamentos de necessidade de porte de arma na declaração”.

Um dos principais pontos contestados pela Procuradoria foi a ampliação do escopo do que viria a ser efetiva necessidade — uma justificativa necessária para que a Polícia Federal autorize a posse. O texto do decreto considera que “residentes em área rural”, “residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência”, ou seja, localizadas em Estados com índices de homicídio que superam dez por 100.000 habitantes e “titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais” se enquadram na descrição de efetiva necessidade. Na representação os procuradores alegam que com esta mudança, "fica presumido que todos os residentes podem solicitar a posse".

"A iniciativa de ampliar a posse de armas de fogo reforça práticas que jamais produziram bons resultados no Brasil ou em outros países. Sua adoção sem discussão pública, ademais, atropela o processo em andamento de implantação do Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, fruto de longa discussão democrática e caminho para uma redefinição construtiva do modo de produzir segurança pública no País", ressaltam os procuradores Deborah Duprat e Marlon Alberto Weichert. De acordo com eles, "as próprias autoridades de segurança pública rotineiramente orientam que a posse de uma arma de fogo aumenta o risco de vitimização letal do cidadão que sofre uma abordagem criminosa".

O pedido enviado a Dodge finaliza citando números da violência no Brasil: "Espera-se do Estado brasileiro, em todos nos níveis federativos, um efetivo, articulado e profissional esforço para enfrentar a inaceitável situação de uma violência endêmica que ceifa, anualmente, mais de 60.000 vidas no País. Para problemas difíceis não há soluções fáceis".

Esta não é a primeira movimentação contra o decreto de Bolsonaro. Na quinta-feira o núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo acionou o MPF para que ele se mobilize no sentido de anular o texto do capitão. Eles alegam que alterações deste porte no Estatuto do Desarmamento só poderiam ser feitas via Congresso. Além da defensoria, PT e PSOL também afirmaram que devem acionar o Supremo para tentar derrubar o decreto.


Folha de S. Paulo: PF fez acordo com Palocci para provar que tinha o poder de fazer, diz procurador da Lava Jato

Carlos Fernando defende delações, mas diz que há acordos que são mais benéficos aos réus

Por Ana Luiza Albuquerque, da Folha de S. Paulo

Carlos Fernando dos Santos Lima parece confortável. Vestindo trajes casuais, o procurador recebe a reportagem no QG da Lava Jato para falar sobre um assunto que conhece bem: as colaborações premiadas.

Passados quatro anos do primeiro acordo firmado no âmbito da operação, o instituto segue motivo de polêmica. Há três meses, a contragosto do Ministério Público, a Polícia Federal marcou posição ao fechar a delação do ex-ministro Antônio Palocci.

Para Santos Lima, ainda assim, a Procuradoria é a porta da frente para os acordos. Sobre a colaboração de Palocci, não poupa críticas: "Qual era a expectativa? De algo, como diz a mídia, do fim do mundo. Está mais para o acordo do fim da picada."

Para ele, a autorização do Supremo Tribunal Federal aos acordos com a polícia "deu excessivo poder ao juiz".

"A PF faz o acordo: você me entrega e depois o juiz vai te dar o benefício. Nosso acordo diz assim: você me entrega isso e vamos oferecer esse benefício. Se o juiz negar, vamos recorrer. Isso dá mais segurança jurídica."

A primeira fase ostensiva da Lava Jato foi em março de 2014. Em agosto do mesmo ano, foi fechado o primeiro acordo de colaboração, com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A investigação e as delações sempre andaram lado a lado?
Um dos pilares da Lava Jato é a colaboração, uma técnica que nós criamos em 2003, [sendo] a primeira com o Alberto Youssef no Banestado. É a única forma de você compreender como uma investigação sai de uma Range Rover presenteada a um ex-diretor da Petrobras para chegar na situação atual. Economiza muito do dinheiro público em relação a investigações complexas.

Como seria a Lava Jato sem as colaborações?
Nós mal teríamos chegado à conclusão de que houve corrupção na Petrobras. Na primeira vez em que a Petrobras veio aqui, veio para nos dizer que era impossível ter corrupção na Petrobras, que todos os esquemas de controle funcionavam perfeitamente. Mas vem Paulo Roberto Costa e diz: "Não, existia". Ele explica tudo. Estaríamos nos batendo hoje, ainda, com uma discussão se houve ou não corrupção.

Isso torna a operação dependente dos acordos?
É uma técnica moderna que tem que ser usada. Todas as investigações de crime organizado hoje vão depender da colaboração. Quando você tem uma organização criminosa, você tem uma confiança entre os membros. Eles estão todos ganhando, não tem por que derrubar o esquema.

Quando você introduz a possibilidade da colaboração, começa a gerar desconfiança. Isso tem um aspecto preventivo. Hoje, no Brasil, esquemas estão acontecendo. Entretanto, eles sabem que a qualquer momento qualquer um pode, se tiver possibilidade de ser pego, colaborar. Acho que está havendo uma reação injusta contra o instituto. Nós tivemos colaborações que não foram boas, não foram feitas com a melhor técnica.

O senhor pode citar algumas?
O caso do Delcídio [do Amaral], do Sérgio Machado, por exemplo. Quando você faz com excesso de rapidez, corre o risco de fazer colaborações mal feitas. Delcídio, na minha opinião, quase nem se autoincrimina. A primeira coisa é o colaborador falar os crimes que cometeu.

Nestes casos o acordo foi mais benéfico para o colaborador do que para o Estado?
Eu acho que sim. No caso do Sérgio Machado, no final das contas, o principal sequer foi denunciado. Aquelas conversas supostamente com membros do Congresso e ex-parlamentares, que geraram até pedido de prisão no Supremo, sequer movimentaram uma denúncia. Aquela gravação era um bom início de negociação, mas não era um fim em si mesma. A gente tem que tomar muito cuidado com excesso de vontade de conseguir certos documentos, provas, gravações.

Há afobação às vezes?
É natural, acho que até o jornalista compreende bem isso. Você está diante de uma situação de ter aquela reportagem, aquela denúncia, mas talvez não seja aquela [ênfase] que poderia ser, se tivesse um pouco mais de cuidado. O grande problema são colaborações mal feitas, não ilegais, e que geram uma crítica ao instituto.

O acordo dos irmãos Batista, da JBS, arranhou o instituto perante a opinião pública?
Acho que sim. É uma confusão, um ataque ao instituto, e não ao acordo em si. O instituto é bom. Nós, em Curitiba, não damos imunidade, por princípio. Marcelo Odebrecht era até uma figura mais importante que Joesley, mas nós exigimos que ele ficasse um ano preso depois de assinado o acordo. Ficou três anos no regime fechado. Você precisa explicar para a população por que você fez o acordo. Vou dar o exemplo também do acordo do [Antônio] Palocci, celebrado pela PF depois que o Ministério Público recusou.

Demoramos meses negociando. Não tinha provas suficientes. Não tinha bons caminhos investigativos. Fora isso, qual era a expectativa? De algo, como diz a mídia, do fim do mundo. Está mais para o acordo do fim da picada. Essas expectativas não vão se revelar verdadeiras. O instituto é o problema? Eu acho que a PF fez esse acordo para provar que tinha poder de fazer.

Foi uma queda de braço?
Foi uma queda de braço talvez conosco, mas a porta da frente dos acordos sempre será o Ministério Público. A porta dos fundos é da PF. As pessoas irão à PF se não tiverem acordo conosco. Não recusamos porque não gosto da cara do cidadão, mas porque vamos ter dificuldade para explicar por que fizemos. Acordo não é favor.

Por que o senhor acha que o Supremo autorizou a PF a firmar os acordos?
Acho que a interpretação do Supremo deu excessivo poder ao juiz. A PF faz o acordo: você me entrega e depois o juiz vai te dar o benefício. Nosso acordo diz assim: você me entrega isso e vamos oferecer esse benefício. Se o juiz negar, vamos recorrer. Isso dá mais segurança jurídica. Tenho a impressão que houve excesso de empoderamento do Judiciário.

Juiz tem que ser inerte. Não pode participar de negociação porque começa a se interessar pelo resultado da investigação. Tem que decidir conforme as provas, não pode se envolver emocionalmente. Por mais que se fale aqui no Paraná, no Brasil inteiro, que o [Sergio] Moro dirige as investigações, doutor Moro não dirige investigação nenhuma.

No início do ano a Folha publicou uma reportagem relatando que a delação da Odebrecht havia gerado, até então, poucos resultados práticos.
Depende do ponto de vista. Ela gerou inúmeras investigações. O problema é o foro privilegiado. O que estamos vendo nos arquivamentos no Supremo é a incapacidade de investigar adequadamente no foro privilegiado. No foro o ministro participa de cada decisão, vai e vem. Às vezes aqui uma coisa que é feita em uma tarde lá demora uma semana.

Tenho certeza de que, se boa parte dessas investigações fosse feita em primeiro grau, teria um resultado mais eficiente. Até nós podemos sofrer a crítica. Por que a Lava Jato diminuiu o ritmo? Porque a todo momento estamos sendo brecados ou pelo foro privilegiado ou pela transferência de casos para a Justiça Eleitoral. A Lava Jato no começo era uma Ferrari. Agora, somos um caminhão. Milhares de coisas que fomos acumulando, que temos que resolver.

Um dos problemas que está nos segurando é a estrada, que é ruim. Se os ministros do Supremo insistirem em tirar as coisas do Paraná ou mandar para a Eleitoral, vai ficar difícil. A Justiça Eleitoral em segundo grau é muito menos jurídica e muito mais influenciada por fatores políticos. O Supremo hoje diz: esse caso não é seu. Mas se alguém olhar a Constituição, o Supremo não tem essa competência. Quem decide conflito de competência entre Justiça Federal e Estadual é o STJ.

A Procuradoria do Paraná colocou um freio no firmamento de novos acordos?
Estamos voltando para o básico. Em vez de termos grandes acordos, estamos optando por pequenos acordos pontuais, que têm muita utilidade no desdobramento de investigações. Toda vez que faço um grande acordo esbarro no foro. É preferível fazer um acordo com pessoas menores que resolvo aqui no Moro.

Para o senhor, qual foi a delação do fim do mundo?
Diria que do Paulo Roberto Costa porque dela decorre todo o restante. [Pedro] Barusco foi importante. O Alberto Youssef é a colaboração que deu origem à 7ª fase, das empreiteiras, o momento de virada da Lava Jato. Não existe acordo do fim do mundo. Ainda mais no mundo em que os aspectos políticos acabam abafando as investigações. Palocci é dito que vai ser do fim do mundo. Não vai ser. Existem colaborações boas, que se justificam, e as que, infelizmente, não se justificam.

RAIO-X

Carlos Fernando dos Santos Lima, 54, é procurador regional da República. Mestre em direito pela Cornell Law School (EUA), é coautor dos livros "Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle Penal" e "Compliance Bancário: Um Manual Descomplicado"


Gianpaolo Smanio: O Ministério Público e a resolutividade

Os problemas que afligem o País estão longe de se restringir à corrupção

As pesquisas de opinião mais recentes indicam que uma das maiores preocupações da sociedade brasileira na quadra histórica que atravessamos diz respeito à corrupção, vista como um enorme obstáculo ao desenvolvimento do País, almejado por todos. Não é por outra razão que o trabalho engendrado pelo Ministério Público com o objetivo de combater delitos dessa natureza ganha enorme destaque na mídia.

Mas os problemas que afligem o Brasil estão longe de se restringir à corrupção, que deve, sim, ser combatida, na estrita forma da lei. Assim como devem ser enfrentadas as demais questões, que, a exemplo da corrupção, constituem uma enorme barreira para que o País transforme as suas grandes vantagens comparativas em bem-estar social que possa estar ao alcance de todos.

Isso só ocorrerá de fato quando os direitos sociais inscritos na Carta Magna tiverem efetividade. Nos termos do artigo 6.º da Constituição federal, acesso a educação, saúde, moradia, segurança, previdência social, segurança, ao trabalho e ao lazer, bem como a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados representam valores expressamente protegidos pela norma constitucional.

Por isso os cerca de 2 mil promotores e procuradores do Ministério Público de São Paulo (MPSP), o maior do País, se desdobram diuturnamente, seja na capital do Estado ou na mais remota comarca do interior, a fim de que os direitos sociais se transformem em algo concreto. Afinal, compete aos membros dessa instituição, conforme prevê a Lei Maior em seu artigo 127, promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, além de proteger o patrimônio público, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos, como determina o inciso III do artigo 129 do texto constitucional.

Foi exatamente o que ocorreu no caso do déficit de vagas em creches na cidade de São Paulo. O MPSP, atuando em parceria com as ONGs Ação Educativa e Rede Nossa São Paulo, impulsionou a abertura de 85 mil vagas na rede municipal nos últimos três anos na capital. Os promotores negociaram com a Prefeitura de São Paulo um plano de metas e monitoramento para zerar – com garantias de qualidade de atendimento – o déficit de vagas nas creches paulistanas. Tal acordo foi chancelado pelo Poder Judiciário.

Essa atuação, diferentemente do que imaginam as pessoas pouco afeitas à rotina do Ministério Público, ocorre frequentemente fora da esfera processual. O projeto Acessa SUS, concebido em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde, reduziu em 15% o ajuizamento de ações em que pacientes reivindicavam medicamentos muitas vezes fora da lista da Anvisa. A troca de informações com o Poder Executivo facilitou a percepção de fraudes que tiram recursos do SUS.

Foi com base no princípio da resolutividade que a nossa instituição formatou um projeto bastante simples, mas de alcance social notável: o Encontre seu Pai Aqui. Trata-se de um serviço de investigação e reconhecimento de paternidade, oferecido gratuitamente, implantado em parceria com o Poupatempo em novembro de 2016.

Por incrível que possa parecer, existem no Estado cerca de 750 mil pessoas, de zero a 30 anos de idade, sem o nome do pai no registro civil. Isso, para além das complicações legais, traz repercussões de cunho afetivo para os filhos que não têm nos seus documentos o nome do pai. Em um ano foram atendidos mais de 3 mil casos. Em 2017 o projeto recebeu o Prêmio Innovare, que tem como objetivo identificar, divulgar e incentivar práticas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil.

A parceria com o governo do Estado por intermédio do Poupatempo, cuja capilaridade aumenta sobremaneira o alcance da iniciativa do Ministério Público de São Paulo, ilustra outra marca da atuação de nossa instituição que tenho estimulado desde que recebi, em abril de 2016, a distinção de liderar os procuradores e promotores de São Paulo: a atuação em rede.

A junção de esforços potencializa os efeitos das ações do poder público. A partir deste conceito, o Ministério Público, em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde da capital, concebeu um projeto com resultados relevantes no combate à violência de gênero. Cartilhas elaboradas pelas promotoras do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) são distribuídas por agentes de saúde àquelas mulheres mais vulneráveis a esse tipo de ocorrência. A informação, fundamental para que a vítima decida denunciar o agressor, chega justamente por meio de uma pessoa que conquistou a sua confiança. Em 2017 esse projeto também recebeu uma distinção do Prêmio Innovare. Diversos municípios têm transformado o projeto em lei.

Os exemplos são inúmeros. E em todas as frentes. Adotar os princípios da resolutividade e da atuação em rede são marcas de um Ministério Público que busca, incansavelmente, dar respostas aos anseios da sociedade, em nome de quem as nossas prerrogativas são exercidas.

Obviamente, essa modernização da instituição não significa abrir mão de sua atuação tradicional no enfrentamento à criminalidade. Para ter uma ideia, ao longo de 2018 o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) deflagrou uma operação a cada cinco dias contra organizações criminosas em diversas partes do Estado. Em muitas ocasiões, essas organizações agem em conluio com agentes estatais.

O povo de São Paulo pode estar certo de que o MPSP vem cumprindo a sua tarefa no sentido de levar às barras dos tribunais aqueles que agem à margem da lei, assim como busca fazer valer, na prática, os direitos sociais.

*PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, DOUTOR EM DIREITO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP), É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE


Míriam Leitão: Motivo da ação

O Conselho Nacional do Ministério Público vai decidir na terça-feira sobre o destino de um processo disciplinar contra o procurador da Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima. A tramitação foi no mínimo estranha. A reclamação feita pelo ex-presidente Lula foi arquivada, e depois desarquivada para iniciar-se a ação contra o procurador, mas por outro motivo: pelo que ele disse sobre o presidente Temer.

Se o processo for aceito pelo CNMP, terá repercussão que vai além do caso. O que se busca, como fica claro na leitura das idas e vindas da ação, é evitar que procuradores falem. O autor da reclamação, Lula, teve sua queixa arquivada. Mas a corregedoria incluiu uma admoestação. Que o procurador “evite a emissão de juízos de valor, por meio das redes sociais, e da esfera privada em relação a políticos ou partidos políticos investigados". Ao contrário dos juízes que têm limitações de falar sobre o que vão julgar, o Ministério Público é parte do processo. Portanto, é natural que fale. Uma regra assim geral como pode ser interpretada? Qual é o limite do que pode ou não ser dito e em que circunstâncias? Essa zona cinza é que preocupa.

Lula recorreu e o corregedor Orlando Rochadel Moreira decidiu desarquivar o processo. Só que, curiosamente, continuou considerando que o que o procurador falara sobre Lula — que o ex-presidente estava no ápice de uma organização criminosa — era livre manifestação de pensamento. Um dos argumentos de Lula, no entanto, o de que o presidente Michel Temer também fora criticado pelo procurador Luiz Fernando em postagem no Facebook, foi usado para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar. Sobre Temer, o procurador escreveu no Facebook o seguinte: “Temer foi leviano, inconsequente, calunioso, ao insinuar recebimento de valores por parte do PGR. Já vi muitas vezes a tática de ‘acusar o acusador’. Lula faz isso direto conosco. Entretanto, nunca vi falta de coragem tamanha, usando de subterfúgios para dizer que não queria dizer o que quis dizer efetivamente". Termina dizendo que Temer não estava qualificado para o cargo.

Não há dúvida que ele usou adjetivos fortes, mas se Carlos Fernando for punido qual será o próximo passo? Estabelecer-se um grupo de adjetivos que não podem ser usados? Fazer uma lista de pessoas que não podem ser criticadas? Lula pode, Temer não pode. Com Lula, foi uma argumentação “técnica" e exercício da “liberdade de expressão”; com Temer foi ofensa à dignidade da Presidência da República.

O Processo Administrativo Disciplinar foi distribuído para o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que está no conselho por indicação do Senado. Ele estava fora do Brasil, mais precisamente em Portugal, na época em que reabriu o processo para fazer aditamentos incluindo um artigo que o procurador escreveu na “Folha de S. Paulo” e outra postagem no Facebook.

Parte importante do sucesso da Lava-Jato tem sido a comunicação aberta e transparente dos processos. Os procuradores são criticados, mas também explicam seus pontos de vista. É parte da estratégia para que a sociedade conheça todos os detalhes da bem-sucedida operação de combate à corrupção.

A acusação é de quebra de decoro. Da maneira como está, e nos termos que vem sendo colocada, é uma tentativa de pôr uma mordaça em procuradores ou, no mínimo, criar um clima de autocensura. É mais uma, e não será a última, tentativa de pressão contra a Lava-Jato. O CNMP é órgão externo, está para o MP como o CNJ para o Judiciário e não tem o poder de punir, mas obviamente tem peso. Como a decisão de iniciar o PAD foi tomada pelo corregedor “ad-referendum” do conselho, terá que ser confirmada pelo plenário. Se o for, o procurador vai responder a um processo por quebra de decoro por ter criticado Temer e terá ainda que seguir instrução de nunca manifestar juízo de valor sobre autoridades, políticos, partidos. Como tudo na Lava-Jato, há muito mais envolvido neste caso do que se pensa. Não é um procurador sendo ameaçado de ação disciplinar por eventualmente ter escrito algo em tom inadequado, é uma forma de criar barreiras à atuação dos procuradores de forma geral.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Merval Pereira: Mudança de paradigma

O fortalecimento do Ministério Público nos últimos anos, gerado pela Constituição de 1988, que já provocara controvérsias em situações pontuais como a atuação dos procuradores Luiz Francisco Fernandes de Souza durante o governo Fernando Henrique, considerado um petista disposto a encontrar crimes no governo tucano, e José Roberto Figueiredo Santoro, ligado ao senador José Serra e tido como um tucano de carteirinha, vem ganhando destaque a partir de uma ação mais estruturada do órgão, explicitada de maneira vigorosa a partir do processo do mensalão.

Há um grupo de ministros no Supremo Tribunal Federal (STF), capitaneado por Gilmar Mendes, que se incomoda com esse empoderamento e vê nele o germe de um estado policial. O choque prossegue com a visão do Direito que vem sendo adotada por outros colegas seus, que se permitem interpretar a Constituição, às vezes para alargar seu alcance. O ex-presidente do STF Ayres Britto acha que o ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que ele presidiu. A partir dali teria sido aberto um caminho para concretizar a máxima de que todos são iguais perante a lei.

Ayres Britto tem uma visão otimista do futuro do país, garantindo que é possível encontrar-se no texto constitucional a solução para todos os problemas que afligem nossa democracia. Um exemplo de como a interpretação da Constituição pode levar a soluções criativas foi a proibição do nepotismo.

O ideal é que houvesse uma lei que proibisse a nomeação de parentes até o terceiro grau para cargo em comissão nos três Poderes. Na falta da lei, Ayres Britto interpretou a Constituição para dizer que os princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade impedem o nepotismo. É uma visão que utiliza um pouco mais os princípios constitucionais para produzir os resultados que a sociedade demanda.

Os que são contrários a essa visão consideram que os procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro estão se excedendo, precisam ser contendidos, e o lugar ideal para contê-los é o STF. E que a interpretação constitucional leva a soluções ilegítimas e transformam o Supremo em legislador, papel que é do Congresso.

Alegam eles que os direitos individuais dependem da manutenção dessas proteções jurídicas que hoje estariam sendo ultrapassadas pela ação da Operação Lava-Jato. Há outra disputa mais política, que não tem a ver com partidos, mas com um aliança tácita de grupos sociais.

Quando a Lava-Jato começou a atingir todos os partidos, houve uma reação dos políticos de centro-direita, como PSDB, PMDB, PP, que começaram a tentar se resguardar de possíveis penalizações. E ministros como Gilmar Mendes viram nesse avanço da Lava-Jato uma criminalização da política.

Esse embate de visões, num momento em que o país vive situação anômala que tanto pode levá-lo a uma refundação como a uma crise ainda mais profunda, faz com que queiram mudar a maneira de investigar da Lava-Jato, como Moro interpreta a Constituição, como os procuradores de Curitiba perseguem agressivamente os que cometeram crimes de corrupção.

Gilmar Mendes chegou a se exaltar na semana passada dizendo que ninguém poderia lhe dar lições de combate à corrupção. Mas suas atitudes garantistas, além da explícita amizade com o presidente Michel Temer e com caciques políticos, o tornaram um dos ministros preferidos do PT, no momento em que os interesses confluem.

Essa preferência existe à sua revelia, diga-se de passagem. Recentemente ele criticou o PT. Para Gilmar Mendes, Lula está sendo vítima de sua própria obra, ao ter feito, entre outras coisas, más indicações para o STF.

“Foram péssimas indicações para o Supremo. Pessoas que não tinham formação, não tinham pedigree. Privilegiou-se a escolha de pessoas ligadas aos movimentos LGBT, ao MST, de causas, de grupo afro, sem respeitar a institucionalização do país”. Referências que podem ser vistas como indiretas em direção aos ministros Edson Fachin, acusado de ser ligado a movimentos sociais, especialmente ao MST; ao ministro Luís Roberto Barroso, que aprovou como advogado as uniões homoafetivas e o aborto de anencéfalos, e a Joaquim Barbosa, ex-presidente do STF.

Palestra
Prossegue o périplo de ministros, juízes e advogados pelas principais universidades dos Estados Unidos e Europa, diante da curiosidade sobre a situação brasileira. O professor Gustavo Binenbojm será um dos palestrantes do simpósio jurídico promovido pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, ao lado do Ministro Luís Roberto Barroso, da procuradora-geral da República Raquel Dodge e dos juízes Sergio Moro e Marcelo Bretas.