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Foto: Adriana Spaca/Brazil Photo Press via AFP/Arquivo

Gal Costa, uma das maiores cantoras do Brasil, morre aos 77 anos

g1*

Gal Costa, uma das maiores cantoras do Brasil, morreu aos 77 anos, em São Paulo, nesta quarta-feira (9). A informação foi confirmada pela assessoria da cantora. Ela havia dado uma pausa em shows, após passar por uma cirurgia para retirar um nódulo na fossa nasal direita.

Maria da Graça Costa Penna Burgos nasceu em 26 de setembro de 1945 em Salvador e foi a voz de clássicos da MPB como "Baby", "Meu nome é Gal", "Chuva de Prata", "Meu bem, meu mal", "Pérola Negra" e "Barato total".

Foram 57 anos de carreira, iniciada em 1965, quando a cantora apresentou músicas inéditas de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ela ainda era Maria da Graça quando lançou "Eu vim da Bahia", samba de Gil sobre a origem da cantora e do compositor.

Três anos depois, veio outro clássico: "Baby", de Caetano Veloso. A canção foi feita para Maria Bethânia, mas Gal a lançou em disco e a projetou no álbum-manifesto da Tropicália. "Divino maravilhoso" (de Gil e Caetano) foi outra da fase tropicalista.

Ao longo dos anos 60 e 70, ela seguiu misturando estilos. Dedicou-se ao suingue de Jorge Ben Jor com "Que pena (Ela já não gosta mais de mim)" e foi pelo rock com "Cinema Olympia", mais uma de Caetano. "Meu nome é Gal", de Roberto e Erasmo Carlos, serviu como carta de apresentação unindo Jovem Guarda e Tropicália.

Os músicos João Gilberto, Caetano Veloso e Gal Costa, em agosto de 1971 | Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo

Ao gravar "Pérola negra", em 1971, ajudou a revelar o então jovem compositor Luiz Melodia (1951-2017). No mesmo ano, lançou "Vapor barato", mostrando a força dos versos de Jards Macalé e Waly Salomão.

Ela seguiu gravando várias músicas de Gil e Caetano, mas foi incluindo no repertório versos de outros compositores como Cazuza ("Brasil", 1998); Michael Sullivan e Paulo Massadas ("Um dia de domingo", de 1985); e Marília Mendonça ("Cuidando de longe", 2018).

Na longa carreira, Gal lançou mais de 40 álbuns entre discos de estúdio e ao vivo. "Fa-tal", "Índia" e "Profana" foram três dos principais.

Ela estava em turnê com o show "As várias pontas de uma estrela", no qual revisitava grandes sucessos dos anos 80 do cancioneiro popular da MPB. "Açaí", "Nada mais", "Sorte" e "Lua de mel" eram algumas das músicas do repertório.

Bem recebido pelo público e pela crítica, esse show fez com que a agenda de Gal ficasse agitada após a pandemia. A estreia aconteceu em São Paulo, em outubro do ano passado.

Além de rodar o Brasil, Gal entrou na programação de vários festivais e ainda tinha uma turnê na Europa prevista para novembro.

Ela deixa o filho Gabriel, de 17 anos, que inspirou o último álbum de inéditas. "A pele do futuro", de 2018, foi o 40º disco da carreira. "Está vindo a geração que salvará o planeta", disse ela ao g1, quando lançou o álbum.

O último álbum lançado foi "Nenhuma Dor", em 2021, quando Gal regravou músicas como "Meu Bem, Meu Mal", "Juventude Transviada" e "Coração Vagabundo", com cantores como Seu Jorge, Tim Bernardes e Criolo.

Texto publicado originalmente no portal do g1.


Revista online | 50 anos de alguns discos maravilhosos

Henrique Brandão*, especial para a revista Política Democrática online

Nada menos moderno do que a ideia de que existe uma “fórmula modernista” de se fazer arte. O grande legado da Semana de 22, que acaba de completar 100 anos, foi justamente romper com os parâmetros do que a academia reconheceu como “arte”. Para os modernistas, e isso é moderno, a arte não está nos cânones festejados nos salões. Muito pelo contrário. O verso poderia ser livre; a pintura, exprimir subjetividade; a música, expressar os sons das festas populares; o cinema, mostrar a realidade; a fotografia, captar o espontâneo das ruas; a dança, inovar nos movimentos.

Na área musical, por exemplo, basta prestar atenção à bossa nova, à geração dos festivais da MPB e ao pessoal do tropicalismo, para perceber que suas obras trazem vários elementos do modernismo. 

Isso pode ser visto – e ouvido – nos discos que, coincidentemente, foram lançados em 1972, ano em que se comemorou o cinquentenário da Semana de 22. Foi uma safra excepcional.

Entre os muitos lançamentos estão: Transa, de Caetano VelosoExpresso 2222, de Gilberto Gil; e Clube de Esquina, de Milton Nascimento. Pouco antes, em dezembro de 1971, Chico Buarque lançou Construção. Esses quatro discos são belos exemplares de modernidade.

Caetano e Gil, já em 1968, fizeram parte do tropicalismo. Naquele ano, lançaram Tropicália, um disco-manifesto. Desde a capa, com foto cheia de simbolismos, fica evidente a iconoclastia da proposta. 

Em 1969, Caetano e Gil, perseguidos pela ditadura, se exilaram em Londres. Só retornaram ao Brasil em 1972, quando os respectivos discos foram lançados.

Clube da Esquina/ Foto: reproduçã
Tropicalismo / Imagem: reprodução
Chico Buarque e Caetano Veloso / Crédito: shutterstock
Gil e Caetano/ Crédito: shutterstock
Tropicália/ Imagem: reprodução
Clube da Esquina/ Foto: reprodução
Tropicalismo / Imagem: reprodução
Chico Buarque e Caetano Veloso / Crédito: shutterstock
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Tropicália/ Imagem: reprodução
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Clube da Esquina/ Foto: reprodução
Tropicalismo / Imagem: reprodução
Chico Buarque e Caetano Veloso / Crédito: shutterstock
Gil e Caetano/ Crédito: shutterstock
Tropicália/ Imagem: reprodução
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Transa, para muitos críticos e fãs, é o melhor disco de Caetano. Gravado em Londres, cantado em inglês e português, com direção musical de Macalé, o disco traz, em quase todas as músicas, citações e referências a poemas e obras musicais de diversos autores, como Gregório de Matos (1636-1996), Dorival Caymmi (1914-2008), Carlos Lira e Vinicius de Moraes, Baden Powel (1937-2000) e Edu Lobo, além de trechos de canções do folclore e pontos de capoeira, numa postura avant la lettre do que seria a música dos anos 2000, com o uso do sample e do mashup. Tudo costurado pelo talento de Caetano. 

Expresso 2222, de Gilberto Gil, é um marco na carreira do compositor baiano. Várias faixas se tornaram clássicos, como a que dá nome ao disco, e a confessional Back in Bahia, espécie de “Canção do Exílio” moderna, de pegada roqueira, composta quase 100 anos depois que Gonçalves Dias concebeu seus famosos versos românticos (1873). 

Se o amigo Caetano misturou suas referências dentro das próprias músicas, Gil preferiu gravar, com toque autoral, músicas do seu universo nordestino, como O canto da Ema (Ayres Viana, Alventino Cavalcanti e João do Vale) e Chiclete com Banana (Gordurinha e Almira Castilho), que acabou tornando-se o carro-chefe do disco. 

Pouco depois dos baianos tropicalistas, foi a vez de Chico Buarque partir para o exílio. Em vez de Londres, epicentro da onda psicodélica na Europa, Chico migrou para a Itália. Retornou ao Brasil em março de 1970, desembarcando no aeroporto carregando uma bandeira do Fluminense.

Se Caetano e Gil foram artífices da Tropicália, sob a inspiração de Oswald de Andrade, Chico já tinha desde garoto, por meio do pai, Sérgio Buarque, ensaísta formado sob os eflúvios modernistas, um vínculo permanente com o modernismo. 

Em Construção, Chico Buarque bebeu na fonte da poesia moderna. Os versos, sempre terminados em proparoxítonas, sugerem imagens de força cinematográfica. Chamam a atenção, no disco, os arranjos de Rogério Duprat, tropicalista de primeira grandeza que, a exemplo do que fez no Tropicália com Miserere Nobis e Coração Vagabundo, aboliu o intervalo entre as faixas de Deus lhe pague e Construção. A orquestração casa à perfeição com a bela e complexa letra de Chico, acrescentando dramaticidade à saga do personagem que morre na “contramão atrapalhando o tráfego”. 

Em 1971, Milton Nascimento, Lô Borges e uma turma de amigos mineiros, por sua vez, alugaram uma casa em Mar Azul, Piratininga, balneário situado em Niterói (RJ). Nos dias em que ficaram por lá, compuseram a maioria das músicas do álbum duplo Clube de Esquina.

O disco é uma síntese do pop dos Beatles, da música sacra do barroco mineiro, dos tambores africanos, da bossa nova, importante na formação dos que participaram do álbum, e do jazz, que todos ouviam atentamente. Todas essas referências se encontraram à beira-mar e gestaram um disco singular, de sonoridade moderna e universal. 

Viva os 50 anos desses discos maravilhosos. 

Saiba mais sobre o autor

Foto: reprodução

*Henrique Brandão é jornalista e escritor

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.


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