Moro

Folha de S. Paulo: Bolsonaro escolhe diretor da Abin para comandar a Polícia Federal

Alexandre Ramagem é homem de confiança do presidente e de seus filhos, tendo chefiado a segurança de Jair na campanha de 2018

Julia Chaib, Gustavo Uribe e Renato Onofre, da Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro escolheu o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, para o comando da Polícia Federal.

Segundo aliados do presidente e integrantes da PF, até a noite desta sexta-feira (24), era certo que ele assumiria a chefia da corporação.

Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, chegou a ser cotado para o cargo, mas hoje teria mais chances de assumir o Ministério da Justiça ou da Segurança Pública caso Bolsonaro confirme uma separação da estrutura atual da pasta.

Ramagem, o escolhido até a noite desta sexta-feira para ser diretor-geral da PF, é homem de confiança do presidente Bolsonaro e de seus filhos.

Delegado de carreira da PF, ele se aproximou da família Bolsonaro durante a campanha de 2018, quando comandou a segurança do então candidato à Presidência após a facada que ele sofreu em Juiz de Fora (MG).

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) é um dos seus principais fiadores e esteve diretamente à frente da decisão que o levou ao comando da agência de inteligência em junho passado.

O aval do “filho 02” foi conquistado durante a crise política que levou à saída do ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto Santos Cruz. Ramagem atuava como assessor especial da pasta e se manteve fiel à família.

Santos Cruz caiu após ataques da ala ideológica do governo e do chamado gabinete do ódio comandado por Carlos Bolsonaro.

No início de março, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ex-secretário geral da Presidência Gustavo Bebianno afirmou que um delegado da PF participou da tentativa de montagem de uma Abin paralela por iniciativa de Carlos Bolsonaro.

Questionado sobre se o delegado seria o atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, Bebianno preferiu não responder. “Eu lembro o nome do delegado. Mas não vou revelar por uma questão institucional e pessoal”, disse o ex-ministro, em entrevista exibida no dia 2 de março.

Bebianno disse que o episódio aconteceu nos primeiros meses do governo, quando Carlos Bolsonaro apareceu com os nomes de um delegado federal e de três agentes que fariam parte de uma suposta Abin paralela.

A afirmação só foi desmentida quatro dias depois. Em nota, o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ao qual a Abin é subordinada, afirmou que a acusação era um "devaneio de amadores".

"[O diretor] Aproximou a Abin da Polícia Federal, com ganhos evidentes para o Sistema Brasileiro de Inteligência. Transmitiu a seus subordinados uma nova concepção de inteligência, ágil e focada na informação tática, capaz de competir com a rapidez da internet, reduzindo o preciosismo em prol da velocidade. Abin paralela é devaneio de amadores", concluiu Heleno.

Bebianno morreu doze dias depois ao sofrer um infarto em sua casa em Teresópolis (RJ).

A troca da Abin não foi decidida por Heleno e, sim, por imposição do presidente Jair Bolsonaro. Na época, o ministro-chefe do GSI afirmou que a mudança foi “sem traumas” e feita “por orientação” de Bolsonaro “buscando uma nova situação para inteligência”.

No início do governo, Carlos Bolsonaro chegou a criticar internamente a Abin por não acompanhar “com a velocidade necessária” as informações nas redes sociais.

Ao assumir o cargo em junho do ano passado, Ramagem afirmou que as prioridades seriam o fortalecimento do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), o resgate da Escola de Inteligência (Esint) e o investimento em inteligência cibernética.

Na posse, o presidente Bolsonaro apontou a instituição como um dos pilares do seu governo. “Grande parte do destino da nossa nação e das decisões que eu venha a tomar partirão das mãos dele [Ramagem] e de todos que estão aqui, estamos no mesmo barco e juntos vamos construir um novo Brasil”, disse, em 1º de janeiro de 2019.

Delegado da Polícia Federal desde 2005, Ramagem comandou, de 2013 a 2014, a Divisão de Administração de Recursos Humanos e a de Estudos, Legislações e Pareceres, de 2016 a 2017.

Atuou ainda na coordenação de grandes eventos realizados no país nos últimos anos, como a Conferência das Nações Unidas Rio+20 (2012), a Copa das Confederações (2013), a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada do Rio (2016).

Em 2017, Ramagem integrou a equipe responsável pela investigação e inteligência de polícia judiciária na Operação Lava Jato. Em uma das ações que comandou, a Operação Cadeia Velha, ocorreu a prisão de integrantes da cúpula da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

Em 2018, antes de atuar na segurança de Bolsonaro, assumiu a Coordenação de Recursos Humanos da Polícia Federal, na condição de substituto. Após a eleição, em janeiro de 2019, foi para Secretaria de Governo e, de lá, para a Abin.


O Globo: Bolsonaro pode ser investigado por 7 crimes, avaliam procuradores após fala de Moro

Para subprocuradores e procuradores, a fala do ex-juiz federal da Lava Jato aponta indícios de envolvimento de Bolsonaro nos crimes de responsabilidade, falsidade ideológica, prevaricação, coação, corrupção, advocacia administrativa e até obstrução de Justiça 

Rafael Moraes Moura, O Globo

As declarações do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, podem levar o presidente Jair Bolsonaro a ser investigado por sete crimes, avaliam integrantes do Ministério Público Federal (MPF) ouvidos reservadamente pelo Estado/Broadcast. Para subprocuradores e procuradores, a fala do ex-juiz federal da Lava Jato aponta indícios de envolvimento de Bolsonaro nos crimes de responsabilidade, falsidade ideológica, prevaricação, coação, corrupção, advocacia administrativa e até obstrução de Justiça.

Uma das consequências da fala de Moro é aumentar a pressão sobre o procurador-geral da República, Augusto Aras, criticado pelos seus pares por, na visão deles, não agir para frear os excessos do Palácio do Planalto. Integrantes do Ministério Público Federal (MPF) veem elementos suficientes para que Aras já acione o Supremo Tribunal Federal (STF) para solicitar a abertura de uma investigação contra o presidente da República. Cabe ao PGR pedir a abertura de um inquérito contra Bolsonaro na Suprema Corte.

Aras ainda está analisando as declarações de Moro. No momento da coletiva do ex-juiz federal da Lava Jato, o procurador-geral da República cumpria agenda com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Para uma fonte, as declarações de Moro poderiam até mesmo fundamentar neste momento uma denúncia da GR contra Bolsonaro. Nesse caso, caberia à Câmara dos Deputados decidir dar prosseguimento ou não à acusação, o que poderia levar ao afastamento do presidente da República de suas funções.

Interferência. Um dos pontos mais destacados por membros do MPF foi a interferência política de Bolsonaro sobre a Polícia Federal. De acordo com o ex-juiz federal da Lava Jato, o presidente também demonstrou preocupação com o andamento de inquéritos sigilosos do Supremo Tribunal Federal (STF) que já miraram empresários bolsonaristas e sua militância digital.

“O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência, seja diretor, superintendente, e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm de ser preservadas”, disse Moro, ao comentar as pressões de Bolsonaro para a troca no comando da PF.

Também chamou a atenção de membros do MPF a fala de Moro sobre a exoneração de Maurício Valeixo da direção-geral da PF.  Segundo Moro, embora o documento de exoneração conste que Valeixo saiu do cargo “a pedido”, o diretor-geral não queria deixar o cargo. O próprio Moro, que aparece assinando a exoneração, afirmou que foi pego de surpresa pelo ato e negou que o tenha assinado. Para investigadores, isso poderia configurar falsidade ideológica.

Um renomado criminalista, no entanto, observou que seria difícil comprovar a culpa do presidente nesse episódio, ou seja, responsabilizar diretamente Bolsonaro pela publicação da exoneração.


O Estado de S. Paulo: FHC pede renúncia de Bolsonaro. 'Poupe-nos de um impeachment'

Ex-presidente tucano diz presidente está cavando sua própria cova

Redação, O Estado de S.Paulo

Após a demissão do ministro Sérgio Moro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cobrou nesta sexta-feira, 24, em suas redes sociais, que o presidente Jair Bolsonaro renuncie. Segundo ele, a sociedade deve ser poupada de mais um processo de impeachment.

"É hora de falar. Pr (presidente da República) está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: a saúde e o emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil.

FHC: 'Não sou médico, mas devemos ouvir os especialistas. O único remédio nesse momento é ficar em casa' Foto: Alex Silva/Estadão

Fernando Henrique Cardoso

@FHC

É hora de falar. Pr está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: a saúde e o emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil.

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No pronunciamento em que anunciou sua demissão, Moro afirmou que Bolsonaro quis ter acesso a relatórios de inteligência da PF, que são sigilosos. Relatou que investigações no STF preocupavam o presidente da República. “O presidente me quer fora do cargo”, disse Moro, ao deixar claro que a saída foi motivada por decisão de Bolsonaro.

Na visão dele, a demissão de Valeixo de forma “precipitada” foi uma sinalização de que Bolsonaro queria a sua saída do governo.

“O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência, seja diretor, superintendente, e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm de ser preservadas. Imagina se na Lava Jato, um ministro ou então a presidente Dilma ou o ex-presidente (Lula) ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações”, disse Moro, ao comentar as pressões de Bolsonaro para a troca no comando da PF.


Marco Aurélio Nogueira: Diga-me com quem andas

Ministro da Justiça, Sérgio Moro está comendo o pão que o diabo amassou

Ontem, conversando com o jornalista Alexandre Machado, observei que não é aceitável que o ministro da Justiça fique em silêncio num momento como o atual. São tantas ilegalidades, tanto desrespeito aos direitos humanos, à Constituição e à democracia, que o mínimo que o titular da pasta deveria fazer seria se posicionar. Qualquer outra coisa que não isso é constrangedora.

Sérgio Moro está comendo o pão que o diabo amassou. Pagará caro pela omissão e pela covardia que o converteram em objeto de decoração de um governo descerebrado. Não terá como apagar de seu currículo o serviço que está a prestar a um presidente que pouco caso faz à Justiça.

Hoje, o noticiário dá conta de que Moro está pensando em se demitir. O motivo seria a disposição do presidente de se livrar do diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo. É uma novela que se arrasta há tempo. A razão da irritação presidencial não é conhecida, mas não é difícil imaginar quais são suas preocupações e intenções.

Caso termine por se consumar, a demissão de Moro deixa o governo mais fraco na opinião pública, mas não em termos políticos e administrativos. O atual ministro já era carta fora do baralho governamental. Para azar dele, acabará saindo tarde demais, sem tempo hábil para recompor a imagem e calibrar a narrativa. Terá de fazer um esforço enorme para sustentar que apesar de ter andado na companhia da família Bolsonaro não manteve laços de identidade com ela.

*Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp


Folha de S. Paulo: Sergio Moro, o juiz da Lava Jato, anuncia sua demissão do governo Bolsonaro

Moro largou carreira de juiz federal para virar ministro e disse ter aceitado o convite de Bolsonaro por estar 'cansado de tomar bola nas costas'

Leandro Colon, da Folha de S. Paulo

O ministro Sergio Moro (Justiça) decidiu entregar o cargo nesta sexta-feira (24) e deixar o governo de Jair Bolsonaro após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ter sido publicada nesta madrugada no Diário Oficial da União. Ele anunciou a saída do governo a pessoas próximas.

Conforme a Folha revelou, Moro pediu demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta (23) quando foi informado pelo presidente da decisão de demitir Valeixo. O ministro avisou o presidente que não ficaria no governo com a saída do diretor-geral, escolhido por Moro para comandar a PF.

Após Moro anunciar um pronunciamento às 11h desta sexta, o Planalto enviou emissários para tentar convencer o ministro a ficar. Em vão. Moro não aceitou, mostrou-se irredutível. Nas palavras de um aliado, "os bombeiros fracassaram".

O contexto da exoneração de Valeixo foi considerado decisivo para o ministro bater o martelo.

A exoneração foi publicada como "a pedido" de Valeixo no Diário Oficial, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. Segundo a Folha apurou, porém, o ministro não assinou a medida formalmente nem foi avisado oficialmente pelo Planalto de sua publicação.

O nome de Moro foi incluído no ato de exoneração pelo fato de o diretor da PF ser subordinado a ele. É uma formalidade do Planalto.

Na avaliação de aliados de Moro, Bolsonaro atropelou de vez o ministro ao ter publicado a demissão de Valeixo durante as discussões que ainda ocorriam nos bastidores sobre a troca na PF e sua permanência no cargo de ministro. Diante desse cenário, sua permanência no governo ficou insustentável, e Moro decidiu deixar o governo.

Membros da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, ouvidos pela Folha na condição de anonimato, afirmam que o movimento de Bolsonaro que resultou no pedido de demissão feito por Moro tem como o pano de fundo a tentativa de o presidente controlar as ações e as investigações da corporação no país.

Para pessoas próximas ao ministro, os alvos são variados, mas o foco está em apurações que podem resultar em problemas para a família presidencial e para sua rede de apoio. E na falta de ações contudentes contra adversários políticos. Como as que envolvem a disseminação de fake news por parte da rede de apoio bolsonarista.

Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro. Ele disse ter aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas, por estar "cansado de tomar bola nas costas".

Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status de superministro. Desde que assumiu, porém, acumulou série de recuos e derrotas.

Moro se firmou como o ministro mais popular do governo Bolsonaro, com aprovação superior à do próprio presidente, segundo o Datafolha.

Pesquisa realizada no início de dezembro de 2019 mostrou que 53% da população avalia como ótima/boa a gestão do ex-juiz no Ministério da Justiça. Outros 23% a consideram regular, e 21% ruim/péssima. Bolsonaro tinha números mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo.

O ministro, nos bastidores, vinha se mostrando insatisfeito com a condução do combate à pandemia do coronavírus por parte de Bolsonaro. Moro, por exemplo, atuou a favor de Luiz Henrique Mandetta (ex-titular da Saúde) na crise com o presidente.

Aliados de Moro avaliam que ele foi um dos alvos da recente declaração de Bolsonaro de que usaria a caneta contra "estrelas" do governo.

"[De] algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem provocações. A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona", afirmou Bolsonaro, no início do mês, a um grupo de religiosos que se aglomerou diante do Palácio da Alvorada.

​Sob o comando de Moro, a Polícia Federal viveu clima de instabilidade no ano passado, quando Bolsonaro anunciou uma troca no comando da superintendência do órgão no Rio e ameaçou trocar o diretor-geral.

No meio da polêmica, o presidente chegou a citar um delegado que assumiria a chefia do Rio, mas foi rebatido pela Polícia Federal, que divulgou outro nome, o de Carlos Henrique de Oliveira, da confiança da atual gestão. Após meses de turbulência, o delegado assumiu o cargo de superintendente, em dezembro.

No fim de janeiro, o presidente colocou de volta o assunto na mesa, quando incentivou um movimento que pedia a recriação do Ministério da Segurança Pública. Isso poderia impactar diretamente a polícia, que poderia ser desligada da pasta da Justiça e ficaria, portanto, sob responsabilidade de outro ministro.

Bolsonaro depois voltou atrás e disse que a chance de uma mudança nesse sentido era zero, ao menos neste momento.

Com a demissão, Moro vê mais distante a possibilidade de ser indicado pelo presidente para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Sobre isso, Moro já respondeu que essa é uma "perspectiva interessante" e que seria como ganhar na loteria.

Pelo critério de aposentadoria compulsória aos 75 anos dos ministros do Supremo, as próximas vagas serão as de Celso de Mello, em novembro, e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. A indicação de ministros do Supremo é uma atribuição do presidente que depois precisa ser aprovada pelo Senado.

Esse caminho de Moro ao Supremo já estava enfraquecido especialmente depois da divulgação de mensagens privadas que trocou com procuradores da Lava Jato.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho do ano passado, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.

Em resumo, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas. Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petistas à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e pode ser julgado ainda neste ano.

Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".

Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.

RECUOS E DERROTAS DO 'SUPERMINISTRO'

Ministério da Segurança Pública - Bolsonaro afirmou que pode recriar a pasta da Segurança Pública, que hoje integra o Ministério da Justiça. Com isso, a área sairia da alçada de Moro. O ministro, contudo, tem usado como principal vitrine da sua gestão a redução de homicídios, que foi iniciada no governo de Michel Temer (MDB).

Prisão após condenação em 2ª instância - Em novembro, o Supremo Tribunal Federal voltou a barrar a prisão de condenados logo após a segunda instância. Decisão permitiu a soltura do ex-presidente Lula, condenado pelo ex-juiz. Ponto muito defendido pelo ministro, a execução antecipada da pena foi tirada do pacote anticrime pela comissão que analisou o texto na Câmara. Por outro lado, Moro tem liderado esforço no Congresso para a elaboração de nova lei que permita a medida.

Pacote anticrime - O projeto aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro foi um tanto diferente daquele apresentado por Moro à Câmara no início de 2019. Para além da prisão após segunda instância, a ampliação das causas excludentes de ilicitude, que poderia isentar de punição policiais que matassem em serviço, também foi removida. Das 38 sugestões de vetos que constavam em parecer do Ministério da Justiça, quatro foram atendidas por Bolsonaro de forma integral e uma de forma parcial. Meses antes, o presidente havia dito que o pacote, considerado prioridade para Moro, não era visto com urgência pelo governo.

Juiz das garantias - Aprovada junto com o pacote anticrime, a medida, que prevê a divisão de processos penais entre dois juízes, foi criticada por Moro. Bolsonaro, contudo, sancionou o projeto e não vetou o instituto.

STF - Bolsonaro havia afirmado que prometeu a Moro uma vaga no STF ao convidá-lo para assumir o ministério da Justiça. Depois, voltou atrás e afirmou que não houve combinado. O presidente também tem afirmado que pretende indicar alguém "terrivelmente evangélico" para uma das duas vagas que devem ser abertas até 2022 e deu a entender que pode nomear o atual ministro da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça.

Mensagens da Lava Jato - Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas por diversos veículos, entre eles a Folha, revelam que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, aconselhou e colaborou com a Procuradoria. Segundo a lei, contudo, um magistrado deve se manter imparcial diante das partes de um processo.

Confiança de Bolsonaro - Após a divulgação das primeiras mensagens, em junho, Bolsonaro deu declarações de apoio ao ministro, mas também disse que não existe 100% de confiança.

Destruição de provas - Logo que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear autoridades e captar suas mensagens no aplicativo Telegram, Moro disse que o material apreendido seria destruído. Tanto a PF quanto Bolsonaro afirmaram que essa decisão não cabia ao ministro —essa competência é da Justiça.

Polícia Federal - Bolsonaro anunciou que Ricardo Saadi seria substituído por Alexandre Silva Saraiva na Superintendência da PF no RJ. A direção da PF, contudo, havia escolhido o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, da Superintendência de Pernambuco. O anúncio de Bolsonaro foi malvisto pela corporação como uma interferência do presidente em assuntos internos. Desde então, Bolsonaro deu diversas declarações reforçando a intenção de intervir na Polícia Federal. Também alfinetou Moro ao afirmar que cabe a ele, e não ao ministro, fazer nomeações no órgão.

Perda do Coaf - Criado em 1998, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas. Ao assumir a Presidência, Bolsonaro tirou o Coaf do Ministério da Economia (antiga Fazenda) e o colocou na pasta de Moro, a Justiça.

ex-juiz acabou derrotado depois que o Congresso devolveu o Coaf à Economia (sob Paulo Guedes) ao analisar a MP da reforma administrativa do governo federal.

Depois, o Coaf foi transferido para o Banco Central. O chefe do órgão e aliado de Moro, Roberto Leonel, foi substituído por Ricardo Liáo, funcionário de carreira do BC.

Decreto das armas - O primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve ignorada sua sugestão de limitar o registro por pessoa a duas armas —o decreto fixou o número em quatro.

Laranjas - No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se “houvesse necessidade” e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema. Denunciado pelo Ministério Público por envolvimento no caso, Marcelo Álvaro Antônio permanece no cargo de ministro do Turismo.

Ilona Szabó - Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro. Até hoje, Moro não nomeou um substituto.


Igor Gielow: Motins estimulados pelo governo apontam politização dos quartéis

Confraternização do chefe da Força Nacional com PMs no Ceará acende alerta nos estados

Desde que as Forças Armadas cristalizaram a aliança com Jair Bolsonaro, já com o segundo turno da eleição de 2018 em curso, o risco da militarização da política foi cantado em prosa e verso.

Se tal movimento é praticamente impossível de negar, apesar do esforço da cúpula do serviço ativo para tentar distanciar-se de seus inúmeros membros no primeiro escalão do governo, seu corolário ainda era visto mais como uma hipótese assustadora do que como realidade.

Até aqui. A mão inversa da politização dos quartéis parece ter virado uma avenida, e o ponto de inflexão é o empenho do governo no estímulo velado aos motins policiais.

O tema estava na boca de governadores de estado ouvidos pela Folha nas duas últimas semanas, devido aos rumos da mobilização policial no Ceará —cujo saldo de 241 homicídios é um monumento à irresponsabilidade da gestão pública do país.

O malabarismo do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), que admitiu o óbvio (greve de policial é ilegal) para sapecar uma esperteza retórica (os policiais parados não seriam criminosos), acendeu luzes de alerta.

Elas se transformaram numa piscante árvore de Natal com o complemento feito pelo coronel Aginaldo Oliveira, da Polícia Militar do Ceará por origem, na chefia da Força Nacional por oportunidade.

Ele se esqueceu da distinção e chamou os amotinados de “gigantes” quando deveria estar enquadrando seus pares.

Oficiais da ativa e pelo menos dois governadores lembraram, nesta terça (3), que o último homem em missão semelhante que resolveu confraternizar com rebeldes acabou em desgraça —ninguém menos que o “general do Lula”.

Conhecido como G. Dias, o general Marco Edson Gonçalves Dias foi figura carimbada durante os oito anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Chefe da segurança presidencial, era boa-praça e chamava a atenção com sua lustrosa calva.

Após o fim do governo, ele foi chefiar uma tropa na Bahia. Em 2012, eclodiu um motim de PMs no estado. Num dado momento, na linha de frente, ganhou um bolo como presente de aniversário e resolveu bater um papo com a tropa aquartelada.

Prometeu-lhes anistia, ganhou uma remoção para um cargo burocrático seguido de uma ida expressa à reserva. Como diz um general que acompanhou o episódio à época, foi feito de exemplo.

Eram outros tempos. Para piorar, Oilveira integra a animada corte do bolsonarismo federal. Casou-se recentemente sob os olhares de Moro.

De branco a seu lado, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das expoentes da bancada do selfie que emergiu das redes sociais estridentes para o Congresso em 2018.

Alguém pode apontar que Oliveira não é um oficial das Forças Armadas, e sim um policial. Cabe lembrar: PMs são forças de reserva e auxiliares do Exército, como define o artigo 144 da Constituição.

O militarismo de sua estrutura não é um detalhe, é o seu DNA. E a empolgação dos sacerdotes de missa negra do bolsonarismo pelo ideário policialesco é vista por integrantes dos dois corpos (o policial militar e o militar) como uma forma de legitimação.

Muitos oficiais e, principalmente, os mais jovens consideram o “ethos” vigente uma resposta ao suposto desprezo pela autoridade policial por parte das forças de esquerda que governavam o país —todas egressas do combate à ditadura de onde o arcabouço filosófico da PMs surgiu.

Nesse caldeirão, a frase de Oliveira com o beneplácito explícito de Moro e silencioso de outro superior, o secretário nacional de Segurança, general Guilherme Theophilo (aliás, ex-candidato a governador pelo PSDB do Ceará derrotado pelo petista ora sob pressão) soa natural.

Obviamente, não é, ou ao menos não deveria ser.

Se é verdade que a incompreensão da realidade dos policiais é uma marca registrada de partidos de esquerda, isso não significa que pessoas encapuzadas e armadas devam ser louvadas como meras trabalhadoras atrás de direitos.

Dois barris de pólvora se destacam: Minas Gerais, onde Romeu Zema (Novo) prometeu um aumento nababesco e inexequível de 41%, e Espírito Santo, terra em que Renato Casagrande (PSB) foi pela mesma linha.

Nos domínios capixabas, as feridas do motim de 2017 ainda não cicatrizaram, e o caso tem sido acompanhado com muita atenção em São Paulo.

No maior estado do país, o governo João Doria (PSDB) adotou uma retórica constante de valorização do trabalho policial —gerando inclusive as críticas previsíveis.

Por ora, a cúpula da segurança do estado vê a situação sob controle, mas há apreensão. Uma contaminação paulista do movimento nacional mudaria o status da crise.

Ninguém falará isso em público, mas entre aliados do tucano há o temor de que Bolsonaro busque desestabilizar o rival certo na eleição de 2022.

A tensão segue, num momento em que a fase mais aguda do embate entre Congresso e Planalto parece estar cedendo —embora não se saiba ainda o que será feito do ato do dia 15 em favor do governo e contra o resto.

Mal parafraseando T.S. Eliot, essa é uma crise que, tendo começado com um estrondo na forma de dois tiros de amotinados no peito do senador Cid Gomes (PDT-CE), não parece caminhar para o fim apenas com um sussurro


Afonso Benites: Os acenos de Bolsonaro para colocar Sergio Moro na "gaiola dourada” do STF

Com eventual nomeação de ministro, presidente garante aliado na Corte, elimina adversário em disputa pela reeleição e o afasta de Doria e Huck

Quando foi sabatinado por um grupo de jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro da Justiça, Sergio Moro, foi criticado por bolsonaristas que cobravam uma defesa mais enfática de seu chefe, o presidente ultradireitista Jair Bolsonaro. Uma semana depois, foi a vez de Moro tentar se redimir, quando ainda se especulava o quanto a ameaça de Bolsonaro de fatiar o ministério nas mãos do ministro havia danificado a complexa relação entre os dois. Na rádio Jovem Pan, Moro, entrevistado por jornalistas, fãs e humoristas do programa Pânico, não quis deixar dúvidas a respeito e se declarou fiel ao presidente —uma lealdade tamanha que só falta, nas palavras do próprio ministro, fazer uma tatuagem na testa anunciando que apoiará a candidatura à reeleição de Bolsonaro eem 2022.

“Eu já falei um milhão de vezes. Toda hora me perguntam isso, daqui a pouco eu vou ter que tatuar na testa. Em 2022, o presidente já apontou que pretende ir para reeleição. É uma decisão dele. E, claro, eu sou ministro do Governo, eu vou apoiar o presidente”.

A inflexão do ministro e ex-juiz da Lava Jato é sintomática. No Palácio do Planalto e entre analistas que acompanham o dia a dia da política em Brasília, há quem diga que o cenário está desenhado. Para não alimentar um adversário dentro de sua própria casa, Bolsonaro estaria decidido a indicar Moro para vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal que será aberta em novembro, quando Celso de Mello se aposentará compulsoriamente por fazer 75 anos de idade. Não é só de olho na reeleição que o presidente está. “Se você o nomeia na vaga que se abre neste ano, você prende o Moro numa gaiola dourada. É tudo o que o presidente precisa”, afirmou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.

O movimento no xadrez político também garante um apoiador de primeira hora para as causas de interesse do presidente que chegarem à Corte, afasta a aproximação dele com outros presidenciáveis —como o governador paulista João Doria (PSDB) ou o apresentador da TV Globo Luciano Huck (sem partido)— e abriria um espaço para a recriação do ministério da Segurança Pública e consequente loteamento da área por representantes da “bancada da bala”. Na última semana, Bolsonaro articulou para que a cisão do Ministério da Justiça voltasse à pauta. E, oficialmente, secretários da Segurança Pública apresentaram a sugestão ao mandatário, que em um primeiro momento disse que estudaria o tema. Depois, quando atingiu o objetivo de dar uma espécie de castigo ao seu ministro, disse que a ideia estava descartada.

Bolsonaro estava insatisfeito com a ausência de defesa enfática de seu Governo por parte de seu ministro-estrela. Em dado momento do Roda Viva, da TV Cultura, Moro chegou a pedir para não falar sobre o presidente, mas, sim, sobre a gestão dele à frente do ministério. Agora, respondendo de maneira descontraída para o Pânico, da Jovem Pan, Moro se comparou, indiretamente, a Dom Pedro I, que em 1822, quando era príncipe regente decidiu ignorar as ordens de seu pai, Dom João VI, e avisou que ficaria no Brasil, ao invés de retornar a Portugal. “Vai ser o segundo Dia do Fico no Brasil”, disse, ao ser questionado se sairia da pasta da Justiça.

Moro sabe que até a indicação ao STF se concretizar, caso ela de fato ocorra, há um longo caminho. “Ele está sempre de saia justa. Se fizer uma defesa apaixonada do Bolsonaro, vão chamá-lo de bolsominion, o que ele não quer. Se ele criticar, ele perde apoio do presidente. Não pode nem sorrir, nem fazer careta. Hoje, ele ainda está dependente do presidente”, analisou o professor Caldas. E chegar ao Supremo não impede que o ex-juiz abandone a vida política. Nesse cenário, não estaria descartada uma candidatura dele ao Planalto em 2026.

Aparentemente, o movimento feito por Bolsonaro também serviu aos interesses do Governo no Legislativo. Nesta semana, emissários do Planalto se reuniram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para discutir uma pauta comum para o primeiro semestre legislativo, que se inicia na próxima semana. “Quando Bolsonaro sinalizou que daria a Segurança para o Alberto Fraga, ele queria agradar ao Maia. Como a reação negativa foi forte, ele voltou atrás. Mas o Maia não pode alegar que Bolsonaro não tentou”, afirmou o especialista. O presidente da Câmara era um dos entusiastas da separação dos ministérios.

Para Caldas, se Moro for nomeado para o STF, já há quem o substitua para ajudar Bolsonaro a angariar apoio popular, a atriz Regina Duarte, que está prestes a assumir a Secretaria Nacional de Cultura. Sai uma celebridade do Judiciário, entra uma celebridade da TV. “O presidente precisa de alguém com credenciais conservadoras impecáveis para dividir essa atenção com ele”, disse.


Ricardo Noblat: Bolsonaro prova do próprio veneno, não gosta e passa recibo

Essa, Moro ganhou

Onde se leu: o presidente Jair Bolsonaro disse que o fatiamento do Ministério da Justiça e da Segurança Pública estava em estudo e que Sérgio Moro até poderia reclamar…

Leia-se: da Índia, onde se encontra, o presidente Jair Bolsonaro disse que o fatiamento do Ministério da Justiça e da Segurança Pública não está mais em estudo. E que Moro não reclamou.

O feitiço virou-se contra o feiticeiro. Bolsonaro assustou-se com a reação de parte dos seus devotos, e dos devotos exclusivos de Moro que o criticaram duramente pelo que pretendia fazer.

A indignação dos devotos de Moro foi quase unânime nas redes sociais. No Twitter, o ex-juiz conta com quase dois milhões de seguidores. Em um único dia, no Instagram, conquistou 721 mil.

Está longe de ostentar uma plateia cativa à altura da de Bolsonaro. Mas já é uma potência que não pode ser ignorada por ele. Bolsonaro provou do próprio veneno, não gostou e passou recibo.

Dentro de um carro, atravessando uma avenida deserta de Déli decorada com seu retrato e as bandeiras da Índia e do Brasil, ele gravou um vídeo com a voz mansa onde falou de sua viagem.

Foi um pretexto para responder ao tiroteio. A certa altura de sua fala, pediu “calma” aos que o malhavam. E deu a entender que acompanhava tudo mesmo enquanto ainda voava para Déli.

“Não espere que eu esteja 100% contigo, nem no casamento dá 100%. E aqui tem coisa que a gente destoa”, disse. Em seguida, suplicou: “Agora, não potencializem isso.”

Foi adiante: “Me critiquem quando eu realmente errar. Se eu errar, desce o cacete. Enquanto está em fase de gestação, discussão, estudo, calma, pessoal, calma aí, senão, não vai dar certo”.

Queixou-se: “É impressionante como as pessoas escrevem coisas da cabeça, assim, sem qualquer fonte, sem qualquer origem, e partem de forma agressiva nos comentários. Calma, pessoal”.

E, por fim: “O povo da Argentina tratou o Macri de forma semelhante. Olha quem voltou para lá, a turma da Kirchner, turma da Dilma, do Lula, turma do Foro de São Paulo”.

Moro ganhou essa parada. O que não quer dizer que ele e Bolsonaro voltarão a conviver em paz. Bolsonaro não gosta de paz, gosta de conflitos. E quando se cansa de um, inventa outro.


Bruno Boghossian: Bolsonaro e Moro nunca estiveram tão próximos de um curto-circuito

Presidente tenta atordoar personagem que enxerga como ameaça, mas pode irritar sua base

Jair Bolsonaro e Sergio Moro nunca estiveram tão próximos de um curto-circuito político. Apesar das eventuais homenagens de um e das recorrentes mesuras de outro, presidente e ministro parecem cada vez mais dispostos a mergulhar numa disputa de poder inevitável.

Ainda que tenha sido divulgada apenas como uma ideia em estudo, a redução dos atributos de Moro com a possível recriação do Ministério da Segurança mostra que Bolsonaro está disposto a enfrentar o integrante mais popular de seu governo.

O presidente faz questão de turbinar a propaganda oficial que ostenta as estatísticas de redução de crimes violentos, mas indicou claramente que poderia tirar esse brinquedo das mãos do subordinado.

Empacado na pauta anticorrupção (sabotada pelo presidente, aliás), Moro abraçou a bandeira da segurança. Bolsonaro poderia ter dito apenas que as coisas vão bem. Preferiu participar ativamente das discussões e dar combustível ao plano encampado por secretários estaduais.

Embora o ministro seja considerado intocável por parte considerável da base bolsonarista, o presidente não demonstrou nenhum receio em contrariá-lo. “Lógico que o Moro deve ser contra”, antecipou-se.

Desde que Moro disse “sim” e entrou no governo, Bolsonaro insiste em dar sinais de que é o dono do passe do subordinado. Disse haver um compromisso para indicar o ministro à primeira vaga aberta no STF em seu governo, mas recuou. Depois, tascou um “quem manda sou eu” ao ameaçar demitir o chefe da Polícia Federal, atropelando o auxiliar.

O presidente quer manter Moro na rédea curta. Ora sinaliza que o ex-juiz seria um vice dos sonhos em 2022, ora indica que ele pode ser seu sucessor em 2026, mas dá outros recados quando o ministro demonstra estar confortável no mundo político.

Bolsonaro age para atordoar um personagem que o ameaça, mas esses choques também desgastam sua imagem entre os seguidores de Moro. Se o ministro decidir enfrentar o chefe, o presidente terá problemas.


El País: Sergio Moro retorna à ‘frigideira’ de Bolsonaro e pode perder comando da Segurança

Presidente estimula debate sobre divisão da pasta de Justiça e Segurança, comandadas por ex-juiz da Lava Jato. Medida que contraria ministro é pleito de policiais e bombeiros, boa parte da base eleitoral do presidente

Em um movimento que enfraquece politicamente o mais popular dos ministros brasileiros e possível presidenciável, Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aceitou reativar o debate sobre a recriação do Ministério da Segurança Pública. Hoje, a área é um dos braços da pasta da Justiça, comandada desde o início de 2019 por Moro, o ex-juiz da Operação Lava Jato que arrebatou parte da opinião pública num país divido e polarizado.

Na manhã desta quinta-feira, antes de embarcar para uma viagem oficial para a Índia, Bolsonaro disse a jornalistas que estava estudando o assunto a pedido do Conselho Nacional de Secretários da Segurança Pública (Consep). O colegiado, formado pelos secretários das 27 unidades da federação, se reuniu nesta semana em Brasília. Os secretários foram recebidos pelo presidente na tarde de quarta-feira, em uma audiência que não estava inicialmente prevista na sua agenda.

Alguns sinais políticos foram dados durante esse encontro. Participaram dele dois ministros, o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Nem Moro nem nenhum de seus subordinados estiveram na reunião. E a audiência foi transmitida ao vivo pela conta do presidente no Facebook. Foi uma maneira de prestar contas a boa parte de sua base eleitoral —policiais, bombeiros e outros agentes de segurança.

Se a pasta for dividida, como fora na gestão Michel Temer (MDB), Moro ficaria com a Justiça e outro político assumiria a Segurança, conforme dito pelo próprio presidente. “Se for criado, aí ele [Moro] fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança”, disse o presidente em contraposição ao que afirmara em novembro de 2018, quando, recém-eleito, afirmou que o então juiz seria o responsável por comandar as duas áreas. Em caso de separação, Moro perderia poder, já que a Polícia Federal migraria para a nova pasta, e também orçamento. Em 2019, a área de segurança representou 88% dos 17 bilhões de reais do ministério.

Questionado se iria se manifestar sobre o tema, Moro, que começou a semana mostrando lealdade à toda prova ao presidente quando questionado no programa Roda Viva, se calou. Fez circular a versão, porém, de que o fatiamento poderia levar, sim, a que ele deixasse o Governo. Por ora, o ministro parece não querer confrontar o presidente diretamente, como o fez recentemente quando Bolsonaro sancionou o juiz das garantias aprovado pelo Legislativo. O ministro já teve outros momentos de fritura no Governo Bolsonaro —o jargão para quando um político começa a ser desprestigiado entre seus aliados. Seja como for, Moro fez nessa quinta-feira um movimento político valioso, para tempos em que as redes sociais são essenciais para eleições. Abriu uma conta no Instagram, terreno onde Bolsonaro, seu chefe e possível adversário em 2022, tem quase 15 milhões de seguidores. Em três horas Moro atingiu a marca de 125.000 adeptos.

Na pressão contra Moro

Um dos cotados para o potencial ministério que esvaziaria a pasta de Moro é o ex-deputado-federal Alberto Fraga (DEM-DF), um tenente-coronel da reserva da Polícia Militar que já foi condenado pela Justiça a uma pena cinco anos de prisão pelo pagamento de propina. Ele recorre da sentença em liberdade, enquanto é um dos principais conselheiros de Bolsonaro nessa área. Fraga tem acesso VIP ao gabinete presidencial e, ainda na campanha eleitoral de 2018, era apontado como um dos possíveis assessores ou ministros.

A pressão pela recriação do ministério não tem vindo apenas dos secretários, mas também dos governadores, capitaneados por Ibaneis Rocha (MDB-DF), e pelos conselhos Nacionais dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares. “Com a junção da Segurança com o MJ, houve um retrocesso. Não é pela pessoa do ministro, mas se o presidente foi eleito com essa bandeira da segurança, foi uma incongruência extinguir esse ministério”, afirmou o presidente do Maurício Teles Barbosa, secretário na Bahia.

No caso dos governadores, a principal queixa foi sobre o contingenciamento de 1,1 bilhão de reais do Fundo Nacional de Segurança Pública, uma verba que deveria ser automaticamente repassada pela União para os Estados. Essa distribuição só ocorreu depois de uma decisão judicial no fim do ano passado.

A separação, entretanto, encontra resistência até entre bolsonaristas. Um deles é o deputado Capitão Augusto (PRB-SP), presidente da Frente Parlamentar da Segurança na Câmara, a chamada “bancada da bala”. Ele foi um dos mentores do ministério na gestão Temer. Agora, diz que a divisão nesse momento seria desfavorável ao próprio governo Bolsonaro. “Ao invés de se mandar a mensagem de apoio àquele que representa o combate à corrupção, o Moro, estaríamos valorizando os corruptos e a oposição”, avaliou.

Para Augusto, o Governo Bolsonaro e o próprio ministro sofreram duras derrotas no Congresso Nacional em 2019. Entre elas estão a desidratação do pacote anticrime de Moro, a aprovação da lei de abuso de autoridade, a transferência do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF) do Ministério da Justiça para o Banco Central, além da não votação do projeto de lei que determina a prisão de condenados após condenação em segunda instância.

Entre pesquisadores também há a análise de que o momento para a cisão é inapropriado. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo, entende que tecnicamente ter um ministério próprio é o melhor para a área, mas defende que criá-lo agora poderia fortalecer alguns discursos corporativos sem a garantia de que o substituto de Moro terá a força política que ele tem. “De um lado, temos um ministro forte, com capacidade de mobilizar o Judiciário e o Legislativo. De outro temos uma insegurança sobre o que seria feito caso ele deixasse o Governo”, ponderou o diretor-executivo do Fórum, Renato Sérgio de Lima.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro estuda recriar pasta e esvaziar funções de Moro no governo

Recriação do Ministério da Segurança seria mais uma derrota do ex-juiz da Lava Jato desde que chegou ao governo federal

Talita Fernandes, da Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro voltou a falar nesta quinta-feira (23) sobre a possibilidade de recriação do Ministério da Segurança Pública. Se isso ocorrer, segundo ele, o ministro Sergio Moro permanecerá à frente da pasta da Justiça e perderá a sua principal bandeira até aqui: a queda nas taxas de homicídios, tendência iniciada ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e acelerada agora.

"Se for criado, aí ele [Moro] fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança", afirmou Bolsonaro, ao deixar o Palácio da Alvorada pela manhã, antes de embarcar para uma viagem à Índia.

A declaração foi feita um dia depois de um o presidente ter dito em encontro com secretários de segurança pública que vai estudar reformular a estrutura ministerial.

"É comum receber demanda de toda a sociedade. E ontem [quarta-feira] eles [secretários] pediram para mim a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança. Isso é estudado. Estudado com o Moro. Lógico que o Moro deve ser contra, mas estudado com os demais ministros."

"O Rodrigo Maia [presidente da Câmara] é favorável à criação da Segurança. Acredito que a Comissão de Segurança Pública [da Câmara] trabalhou no passado, também seja favorável. Temos que ver como se comporta esse setor da sociedade para melhor decidir", disse.

Se o Ministério da Segurança for recriado, a pasta hoje comandada por Moro sofrerá novo esvaziamento. Desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2019, o ex-juiz da Lava Jato já viu seu poder ser reduzido quando perdeu o antigo Coaf, rebatizado de UIF e subordinado atualmente ao Banco Central.

Moro poderá perder ainda a Polícia Federal, que responde administrativamente à Justiça. No desenho anterior do Ministério da Segurança, na gestão Temer, o órgão passou a ser vinculado à pasta.

Então juiz da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, Moro foi convidado por Bolsonaro logo após sua vitória. Ele chegou ao governo com a promessa de que assumiria um "superministério" com a missão de reforçar o combate à corrupção.

Apesar do desgaste, segundo o Datafolha, Moro se consolidou como o ministro mais bem avaliado no primeiro ano do governo Bolsonaro, com apoio popular maior do que o do próprio presidente.

Entre os que dizem conhecê-lo, 53% avaliam sua gestão no ministério como ótima/boa. Outros 23% consideram regular, e 21%, ruim/péssima. Já Bolsonaro tem indicadores mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo.

Nos bastidores do Planalto o nome do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF) começou a ser cotado para assumir uma eventual pasta de Segurança. Com discurso pró-armas e ex-integrante da bancada da bala da Câmara, Fraga é amigo pessoal de Bolsonaro desde os tempos em que ambos eram parlamentares e com quem mantém estreita relação até hoje.

METAS DA SEGURANÇA

Após pouco mais de um ano no Palácio do Planalto, Bolsonaro ainda não tirou do papel mais da metade das promessas que fez para reduzir a violência e a criminalidade no país.

A segurança pública foi a grande aposta da campanha bolsonarista e é um de seus trunfos para alavancar uma reeleição em 2022. Até agora, no entanto, só foram cumpridas 4 das 18 metas para a área anunciadas por Bolsonaro. Outras três começam a ser postas em prática.

Continuam na gaveta propostas como acabar com as audiências de custódia (que garantem o encontro entre a pessoa presa e um juiz em até 24 horas); reduzir a maioridade penal para 16 anos; construir presídios; tipificar ações do MST como terrorismo; usar as Forças Armadas contra o crime organizado; e gravar no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília, o nome de policiais mortos.

Outras metas estão travadas no Congresso, como diminuir de 25 para 21 anos a idade mínima para obter acesso a armas. Por enquanto, os parlamentares só permitiram a aquisição de armamento mais cedo em área rural.

Outra pauta emperrada é a do excludente de ilicitude para policiais, que apareceu no pacote anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. O trecho que isentava policiais que matassem em serviço de responder à Justiça em caso de “medo ou violenta emoção” foi retirado pelos deputados antes de o projeto ser aprovado no Congresso sem as principais bandeiras bolsonaristas.

A atual gestão tem destacado a aceleração na tendência de queda no índice de homicídios nos primeiros oito meses do ano. Dados preliminares do governo indicam que a redução está na casa de 20%.

Se confirmados esses dados quando houver consolidação das ocorrências no ano, isso significa que deixaram de ser mortas 7.000 pessoas em comparação com 2018. Caíram também latrocínios, roubos de carga, veículos e a banco. Os índices têm sido comemorados por Moro como mérito da gestão bolsonarista.

Ainda nesta quinta-feira, Bolsonaro revogou um decreto de 2000, editado na gestão de Fernando Henrique Cardoso, que permitia que o ministro da Justiça pudesse decidir sobre a expulsão de estrangeiros do país. O ato tem validade imediata e também é assinado por Moro também.

A decisão de expulsar um estrangeiro do território brasileiro é de competência do presidente da República, mas desde 2000 essa prerrogativa havia sido estendida também para o chefe da Justiça.

Consultado, o Ministério da Justiça afirmou que trata-se apenas de “limpeza normativa” e que pela Lei de Migração, de 2017, a competência já era da Justiça. A pasta informou ainda que o decreto foi editado a pedido do ministro.

Em outubro do ano passado, após sofrer críticas, Moro recuou de uma portaria sobre regras de deportação de estrangeiros considerados perigosos pelo governo brasileiro.

A primeira portaria, editada em julho, previa a deportação sumária em até 48 horas. Já o texto de outubro amenizou a legislação e estendeu de dois para cinco dias o prazo de apresentação de defesa, ou seja, de deportação sumária.

A primeira portaria foi editada em julho em meio às divulgações do site The Intercept Brasil, que revelou, em trocas de mensagens privadas entre o ex-juiz da Lava Jato e procuradores da força tarefa, ingerência do atual ministro da Justiça sobre as investigações da operação.

O jornalista americano Glenn Greenwald, do Intercept Brasil, é cidadão dos Estados Unidos e mora no Rio de Janeiro. Ele é casado com um brasileiro, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), com quem tem dois filhos adotivos, também nascidos no país.

Mesmo sem ter sido investigado, Glenn foi alvo de uma denúncia do Ministério Público Federal nesta semana.

RECUOS E DERROTAS DO SUPERMINISTRO

Polícia Federal - Bolsonaro anunciou que Ricardo Saadi seria substituído por Alexandre Silva Saraiva na Superintendência da PF no RJ. A direção da PF, contudo, havia escolhido o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, da Superintendência de Pernambuco.

O anúncio de Bolsonaro foi malvisto pela corporação como uma interferência do presidente em assuntos internos. Desde então, Bolsonaro deu diversas declarações reforçando a intenção de intervir na Polícia Federal. Também alfinetou Moro ao afirmar que cabe a ele, e não ao ministro, fazer nomeações no órgão.

Mensagens da Lava Jato - Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas por diversos veículos, entre eles a Folha, revelam que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, aconselhou e colaborou com a Procuradoria. Segundo a lei, contudo, um magistrado deve se manter imparcial diante das partes de um processo.

Confiança de Bolsonaro - Após a divulgação das primeiras mensagens, em junho, Bolsonaro deu declarações de apoio ao ministro, mas também disse que não existe 100% de confiança.

Destruição de provas - Logo que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear autoridades e captar suas mensagens no aplicativo Telegram, Moro disse que o material apreendido seria destruído. Tanto a PF quanto Bolsonaro afirmaram que essa decisão não cabia ao ministro —essa competência é da Justiça.

STF - Bolsonaro havia afirmado que prometeu a Moro uma vaga no STF ao convidá-lo para assumir o ministério da Justiça. Depois, voltou atrás e afirmou que não houve combinado. O presidente também tem afirmado que pretende indicar alguém "terrivelmente evangélico" para uma das duas vagas que devem ser abertas até 2022 e deu a entender que pode nomear o atual ministro da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça.

Perda do Coaf - Criado em 1998, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas. Ao assumir a Presidência, Bolsonaro tirou o Coaf do Ministério da Economia (antiga Fazenda) e o colocou na pasta de Moro, a Justiça.

ex-juiz acabou derrotado depois que o Congresso devolveu o Coaf à Economia (sob Paulo Guedes) ao analisar a MP da reforma administrativa do governo federal.

Agora, o Coaf, que passa a se chamar UIF (Unidade de Inteligência Financeira), foi transferido para o Banco Central. O chefe do órgão e aliado de Moro, Roberto Leonel, foi substituído por Ricardo Liáo, funcionário de carreira do BC.

Decreto das armas - Seu primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve sua sugestão ignorada de limitar o registro por pessoa a duas armas —o decreto fixou o número em quatro.

Laranjas - No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se “houvesse necessidade” e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema.

Ilona Szabó - Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro. Até hoje, Moro não nomeou um substituto.


Folha de S. Paulo: Moro chama mensagens de bobageirada e pede para Gilmar assumir responsabilidades

Em entrevista, ex-juiz diz que caso Telegram é 'episódio menor' e afirma obedecer 'cadeia de comando'

O ministro da Justiça, Sergio Moro, disse nesta segunda-feira (20) considerar uma "bobageirada" a publicação de reportagens sobre conversas suas com procuradores da Lava Jato e criticou declaração do ministro do Supremo Gilmar Mendes a respeito da divulgação, pelo então juiz federal, de áudio de telefonema entre o ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff em 2016.

Desde junho passado, o site The Intercept Brasil e outros veículos, como a Folha, têm publicado uma série de reportagens com mensagens de autoridades da Lava Jato que mostram que havia colaboração entre Moro e o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol.

As conversas apontam, por exemplo, que o então juiz orientou a respeito da ordem de fases da operação, indicou uma prova para uma denúncia do Ministério Público e sugeriu uma testemunha.

Em entrevista ao Roda Viva nesta segunda, Moro disse que o tema é "um episódio menor" em seu primeiro ano no governo federal.

"Sinceramente nunca dei muita importância para isso. Acho que ali tem um monte de bobageirada, nunca entendi muito bem a importância [dada] para aquilo. Agora, foi usado politicamente para tentar, vamos dizer assim, soltar criminosos presos, pessoas que tinham sido condenadas por corrupção e, principalmente, tentar enfraquecer politicamente o Ministério da Justiça."

Moro foi questionado também sobre sua decisão, na época em que era o juiz responsável pela Lava Jato, de tirar o sigilo de conversas telefônicas entre Lula e Dilma em março de 2016, em uma iniciativa que acabou aumentando a pressão pelo impeachment da então presidente.

Após aquela medida de Moro, Gilmar Mendes concedeu uma liminar suspendendo a nomeação de Lula para a Casa Civil do governo, diante da suspeita de obstrução de Justiça.

Em entrevista no ano passado, também no Roda Viva, Gilmar afirmou que hoje tem "muitas dúvidas" sobre o assunto. "Muito mais dúvidas do que certeza e lamento muito esse tipo de manipulação."

Para a Lava Jato, o telefonema mostrava que a nomeação de Lula como ministro tinha como objetivo travar as investigações sobre ele, transferindo seu caso de Curitiba para o STF.

Mas registros inéditos obtidos pela Folha e analisados em conjunto com o site The Intercept Brasil indicam que outras ligações interceptadas pela polícia naquele dia, mantidas em sigilo pelos investigadores, punham em xeque a hipótese adotada na época por Moro, que deixou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL).

Nesta segunda-feira, Moro defendeu sua medida na ocasião, mas disse que é atribuída ao áudio uma importância que não existe.

"É muito facil [afirmar:] '2016, ah, não tenho culpa nenhuma, fui manipulado'. Não existe nada disso. Ele [Gilmar] tomou a decisão dele na época, ele assuma a responsabilidade pela decisão que ele tomou. Nada ali foi objeto de manipulação ou qualquer espécie de falsidade."

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas. Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petistas à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado neste ano.

Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".
Na entrevista, Moro falou sobre a possibilidade de ser nomeado para o Supremo por Bolsonaro, em vaga que será aberta neste ano. O presidente já defendeu que pretende indicar alguém "terrivelmente evangélico" para o cargo. Moro afirmou que a religião não é um fator fundamental para a escolha e disse ser católico.

O ministro da Justiça também foi questionado no programa a respeito de ataques do presidente Jair Bolsonaro a jornalistas. Disse que não falaria especificamente sobre o comportamento do presidente, mas afirmou que Bolsonaro "tem sido criticado e muitas vezes ele reage"

Em outros momentos da entrevista, que marcou a estreia da jornalista Vera Magalhães à frente do programa, disse respeitar uma "cadeia de comando" quando existem divergências com Bolsonaro.

Sobre a sanção pelo presidente do pacote anticrime, com diversos pontos sobre os quais Moro é crítico, disse que Bolsonaro entendeu que, se vetasse determinados trechos, acabaria sendo derrotado posteriormente na Câmara.

Para o ministro da Justiça, a implantação da figura juízes das garantias, magistrados que ficarão responsáveis apenas pelas investigações de casos na Justiça, só pode ser concretizada se for editada uma nova lei, com o texto atual sendo considerado inconstitucional. "Não é uma prioridade para a melhoria do nosso sistema judiciário."

Questionado sobre os motivos de não se manifestar acerca de assuntos como a defesa da ditadura militar por integrantes do governo ou o ataque à produtora do grupo Porta dos Fundos, no fim do ano passado, o ministro disse que não é um "comentarista sobre tudo".

Sobre a saída do secretário nacional da Cultura, Roberto Alvim, que foi demitido na sexta-feira (17) após discurso no qual parafraseou Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Moro chamou o caso de "episódio bizarro" e disse que não se pronunciou porque o presidente já havia decidido demitir o subordinado.

O ministro foi questionado sobre o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes. Antes defensor da federalização do caso, Moro afirmou ter mudado de posição após declarações da família da vítima.

"Quando eu externei publicamente essa decisão, de que achava conveniente essa federalização, familiares da vítima, da Marielle, falaram também publicamente que não queriam que fosse federalizado. E ainda levantaram —aqui, com todo o respeito, eu acho que de uma forma não muito justa— que a ideia de federalizar era para que aí o governo federal obstruísse as investigações", afirmou ele.

Em novembro o ministro disse ser favorável à medida após menção ao nome do presidente Bolsonaro no depoimento de um porteiro durante as investigações. "Vendo esse novo episódio, em que se busca politizar a investigação indevidamente, a minha avaliação é que o melhor caminho para que possamos ter uma investigação exitosa é a federalização", declarou o ministro na época.

Bolsonaro também já se declarou contra a medida, que, segundo ele, poderia ser interpretada como tentativa de blindá-lo.