modernização
Revista online | Ressentimento e reação conservadora: sobre eleição histórica
Mayra Goulart*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Toda eleição presidencial é histórica, todavia, não na mesma proporção, na medida em que algumas sobressaem como marcos de rupturas que permitem o início de novos ciclos. Foi o caso da eleição de 1989, a primeira depois da redemocratização. A eleição de 1994 também foi histórica ao encerrar um ciclo de instabilidades econômicas, com a consolidação do Plano Real, e políticas dando início a um novo padrão de organização das preferências e identidades partidárias no país.
Neste pleito, concorreram Fernando Henrique Cardoso (FHC), ex-ministro da Fazenda e renomado professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), e o líder sindical Luís Inácio Lula da Silva. FHC concorreu pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), representando um projeto social-liberal que priorizava a estabilidade econômica e a rentabilidade dos investimentos financeiros como estratégia para o desenvolvimento e para a modernização do país.
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Tal projeto, assim como o PSDB, representava identidades e interesses de eleitores que se identificavam com as camadas médias e altas, cujo ideal de sociedade se estruturava a partir dos princípios da meritocracia e da liberdade econômica. Lula concorreu pelo Partido dos Trabalhadores (PT), representando um projeto igualitário-democrático que envolvia, em termos prioritários, a redução da miséria e a inclusão das minorias demográficas e não demográficas.
Os pleitos de 1998, 2002, 2006 e 2010 se inserem nos marcos do ciclo iniciado em 1994 e foram organizados por esta polarização entre duas forças situadas em posições relativamente próximas ao centro do espectro ideológico. Em outros termos, o sistema político brasileiro de 1994 a 2010 se organizou em torno da polarização entre duas alternativas de centro: (a) uma mais à esquerda, cujos eleitores foram progressivamente assumindo uma feição popular, reunindo os espectros menos favorecidos da sociedade em termos econômicos e simbólicos, atraídos pelas iniciativas distribuição de renda / fortalecimento do salário mínimo e pelos programas de ação afirmativa voltados às minorias implementados ao longo dos governos petistas; e (b) outra mais à direita, que tinha em seu eleitorado as camadas médias e aquelas que se identificavam com as administrações tucanas, atraídos por um discurso de liberdade econômica com responsabilidade social o que envolvia o respeito às minorias e aos direitos civis.
PT e PSDB, portanto, representam projetos de modernização que de um jeito ou de outro passam pela dissolução dos grilhões que nos atrelam a um passado patriarcal, refratário à pluralidade e incompatível com a consolidação da institucionalidade democrático-liberal erguida pela Constituição de 1988, resultante do fechamento do ciclo autoritário civil-militar (1964-1985) que lhe precedera.
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Não obstante, durante esse ciclo, aqueles segmentos sociais que de alguma maneira não se identificavam com essa ideia de modernização, cujos conteúdos ético-morais feriam sensibilidades conservadoras, foram acumulando um conjunto de mágoas e ressentimentos em relação às transformações sociais em curso, posto que identificavam-se com um ideal de sociedade e de família patriarcal, nostálgico em relação ao modelo de ordem do autoritário.
Ainda que seja impossível operar uma datação precisa do processo, é possível sugerir que esse ressentimento, até então escondido na névoa de sentimentos contraditórios que perpassam os seres humanos, passou a ganhar o espaço público, conforme foi encontrando símbolos capazes de destacá-los. Um desses símbolos foi a discussão da criminalização da homofobia que, já em 2008, serviu de mote para ações organizadas do campo evangélico, que foi ganhando coesão política a partir da reação a este tipo de temática. Em paralelo, observa-se também o progressivo desconforto das camadas altas e médias com o processo de inclusão econômica e social que conferia maior visibilidade às classes populares.
Tal ressentimento, apresentado como um ódio à esquerda e ao PT, que não podia ser canalizado pelas lideranças do PSDB, demasiado identificadas com tais transformações, encontra em Jair Bolsonaro um porta-voz. Sua liderança foi gestada ao longo de sete mandatos consecutivos como deputado federal, ao longo dos quais manteve uma atuação parlamentar consistente voltada à defesa das Forças Armadas e demais segmentos identificados com o modelo de sociedade autoritário, elitista e patriarcal oriundo do passado.
A eleição de 2022 é, portanto, particularmente histórica na medida em que pode indicar a ruptura ou o aprofundamento deste ciclo reacionário, incompatível com os marcos constitucionais democrático-liberais e com a configuração de uma sociedade aberta ao pluralismo de afetos, identidades e cosmovisões. Oxalá ela seja suficiente para que o país consagre sua opção em prol da democracia através das urnas e que não seja preciso buscar outras formas de derrotar o autoritarismo que ameaça pegar em armas para se defender.
Sobre a autora
*Mayra Goulart é professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS/UFRRJ). É, ainda, coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto/2022 (46ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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*Título editado.
FAP lança edital para modernizar site e fortalecer comunicação com público
Propostas serão recebidas até as 10 horas do dia 28 de outubro, na sede da instituição, em Brasília
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) lançou edital de cotação de preços para receber propostas de empresas especializadas para atualização do seu site institucional, conforme exigências do certame, com o objetivo de fortalecer a comunicação da entidade junto ao público. Documentos serão recebidos, até as 10 horas do dia 28 de outubro, na sede da instituição, em Brasília, e a vencedora será definida também com base no menor preço e melhor técnica para execução do serviço.
As propostas deverão ser entregues, pessoalmente, pelo representante credenciado ou por correio, e obedecer às exigências do edital, como apresentar, de forma detalhada, tudo o que será oferecido no site, sem qualquer margem de dúvida sobre funcionalidade, acessibilidade e disposição do sítio institucional. O certame também define que a linguagem e os conceitos utilizados nas propostas devem ser de fácil entendimento, e possíveis termos técnicos deverão ser explicados para evitar qualquer dificuldade de interpretação.
De acordo com o edital, o site da FAP deverá ser entregue com alto padrão de qualidade, sendo fácil e intuitivo para os internautas, e, ao mesmo tempo, atraente e agradável, visualmente. Além disso, deve ser planejado e estruturado, pensando sempre em usabilidade, navegabilidade e acessibilidade dos usuários, através de padrões específicos, e customizável, para alterações e criação de novas páginas internas, publicação de novos banners, fotos, vídeos e links, por exemplo.
Além de ter acesso fácil, simples e rápido, o novo site da FAP deverá ser integrado às redes sociais, como Facebook, Instagram, Twitter, Youtube e Google+, e suportar conteúdo multimídia, com textos e galerias de vídeos e fotos. Além disso, deverá apresentar página principal de forma objetiva, curta e direta, fornecendo ligações (links) com o detalhamento dos conteúdos, e possibilitar que, em qualquer ponto do website, seja possível retornar à página principal e para o topo dela com apenas um clique.
No principal menu do site, a disposição de conteúdo deverá ser de pelo menos três níveis, contendo no primeiro deles os perfis de início, revista online, política hoje, eventos, publicações, jornadas e biblioteca. As especificações de cada uma dessas partes do site estão divulgadas no edital. Todo trabalho deverá ser concluído, com o site em pleno funcionamento na web, no prazo de 60 dias após a assinatura do contrato