modernidade

Projeto cultural de Lina e Pietro Bardi é referência no Brasil, diz Renato Anelli

Doutor em história da arquitetura discutirá assunto em webinar nesta quinta-feira, a partir das 17h

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Referências da cena cultural brasileira entre as décadas de 1950 e 1990, a arquiteta Achilina di Enrico Bo, conhecida como Lina Bo Bardi, e o historiador Pietro Maria Bardi continuam como grandes influências sobre a arquitetura, incorporação do desenho industrial e da arte moderna no Brasil. O projeto cultural modernista do casal será discutido, nesta quinta-feira (9/9), a partir das 17h, em evento online da Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.


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“Com visão de cultura popular, o casal tem grande influência na arquitetura, no desenho industrial e na arte moderna no Brasil, sem conflitar com a cultura erudita”, afirmou o doutor em história da arquitetura Renato Anelli, em entrevista ao portal da FAP, ressaltando a referência dos Bardi no país. O evento terá transmissão, em tempo real, no portal e redes sociais da FAP (Facebook e Youtube), assim como na página da biblioteca no Facebook.

Anelli vai discutir a importância do projeto cultural do casal Bardi no webinar, que também tem participação confirmada da doutora em história social da cultura Ana Luiza Nobre e do doutor em arquitetura, pesquisador e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Holanda.

Memorial do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da Universidade de São Paulo (USP) lembra que o casal Bardi marcou a cena cultural brasileira entre as décadas de 1950 e 1990. Dirigiu o Museu de Arte de São Paulo (Masp), participou da criação de outras instituições culturais, como o Sesc Pompéia e o Museu de Arte Moderna da, e atuou no debate sobre cultura, arte e arquitetura em periódicos diários ou especializados, como a revista Habitat.

Os dois se casaram em 1946, instalando-se em Roma, onde Pietro Maria Bardi mantinha o Studio d’Arte Palma e Lina Bo fundou a revista “A – Cultura della Vita” com Bruno Zevi. Ainda naquele ano, o casal visitou o Rio de Janeiro, onde conheceu a vanguarda das artes no Brasil.

Eles chegaram ao Rio de Janeiro, em 17 de outubro de 1946, conforme registra o memorial. Com as obras trazidas da Itália, organizaram a “Exposição de pintura italiana moderna”, em cujos salões encontram o empresário Assis Chateaubriand, que convida Pietro para auxiliá-lo na estruturação de um museu há muito tempo idealizado.

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No ano seguinte, o casal parte de Gênova definitivamente para o Brasil, trazendo uma significativa coleção de obras de arte e peças de artesanato que deverão ser apresentadas numa série de mostras. Transportaram também a enorme biblioteca do marchand, segundo o levantamento do IAU.

De 1947 a 1996, o historiador criou e comandou o Masp. Paralelamente, manteve sua atividade de ensaísta, crítico, pesquisador e galerista. Ele publicou, em 1992, seu 50º e último livro, chamado de “História do MASP”.

A arquiteta, formada em Roma, naturalizou-se brasileira em 1951 e, no mesmo ano, completou seu primeiro projeto arquitetônico realizado: a Casa de Vidro, que se tornou ponto de encontro importante para a cultura nacional.

Os dois criaram, em 1992, o Instituto Quadrante, atualmente Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, que mantém a Casa de Vidro e o acervo do casal, além de ter por missão dar continuidade à obra de seus criadores.

Lina morreu em março de 1992, e Pietro, em outubro de 1999, em São Paulo.

Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
16º evento online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Webinário sobre desdobramentos do romance de 30
Dia: 9/9/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira


Filme Baile Perfumado é marco da “retomada” do cinema brasileiro

Longa será debatido em webinar de pré-celebração do centenário da Semana de Arte Moderna

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas, o longa metragem Baile Perfumado (1996) é um marco da chamada “retomada” do cinema brasileiro, com uma estética que transita entre o conhecido cinema novo e os filmes de ação hollywoodianos. A obra cinematográfica será discutida, nesta quinta-feira (2/9), a partir das 17h, em evento online do ciclo de debates da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Biblioteca Salomão Malina, nas atividades de pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna.

O webinar terá participação do professor Ulisses de Freitas Xavier, pesquisador da história do cinema brasileiro, e do diretor-geral da FAP, o sociólogo Caetano Araújo. A transmissão será realizada pelo portal e redes sociais da entidade (Facebook e Youtube), assim como na página da biblioteca no Facebook.


Assista!




Todos os internautas interessados podem participar diretamente do debate, por meio da sala virtual do Zoom. Para isso, basta solicitar o acesso por meio do WhatsApp oficial da biblioteca (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).

A história de Baile Perfumado é baseada em fatos verídicos: o encontro entre o mascate libanês, Benjamin Abrahão (1890-1938), e Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), interpretados, respectivamente, por Duda Mamberti (1965) e Luis Carlos Vasconcelos (1954).

Narrado pelo personagem de Abrahão em libanês, o filme mescla imagens reais capturadas pelo mascate, em preto e branco, e outras ficcionais, coloridas. Com isso, cria um cenário no qual se alternam as décadas de 1930 e de 1990, o interior nordestino e a capital Recife.

A montagem constrói-se com focos entrecruzados. Por um lado, Abrahão decide documentar, em filmes e em fotos, Lampião e seu bando, para comercializar a história do cangaceiro. Por outro lado, apresenta os bailes organizados por Lampião - baile é palavra utilizada pelos cangaceiros para designar a guerra.

A narrativa desenvolve-se em cortes secos entre as cenas, com exacerbação da violência e alguns momentos de nítida estilização. O tom documental é fruto da incorporação dos registros fílmicos feitos por Abrahão e de seu real encontro com os cangaceiros.

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Embalado pela música pop do Recife, Baile Perfumado constrói uma colagem em que se alternam imagens com tomadas aéreas e ângulos não convencionais, nas quais se apresentam paisagens do sertão e closes dos personagens feitos de baixo para cima.

Lampião tem, ainda, vaidade numa lógica distinta: sua vaidade revela-se nos produtos de consumo da vida burguesa, como uísque e, como o próprio nome do filme sugere, perfumes. Esses produtos são adquiridos de uma rede de consumo, na qual se articulam cangaceiros e fazendeiros, num jogo de alianças obscuras.

Baile Perfumado levou cerca de 80 mil espectadores aos cinemas. Foi exibido em diversos festivais, como Cannes, Havana, Toronto, Líbano e São Francisco. Ganhou, entre outros, prêmios de melhor filme, melhor direção de arte e melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília e Prêmio da Unesco.

Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
15º evento online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Webinário sobre o filme Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas
Dia: 2/9/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira


'Golpe de 64 mergulhou o país em ditadura de 21 anos', lembra João Batista

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de março, cineasta e escritor faz uma visão saudosista do período antes da ditadura militar

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O cineasta e escritor João Batista faz um relato emocionante da migração do cinema para a literatura, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de março. A publicação mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

No início da década de 1960 do século 20, conforme ele conta, a cultura brasileira dava um salto para a modernidade. “O golpe de 1964 jogou por terra essa utopia, mergulhando o país em uma ditadura de 21 anos”, lembra ele.

“Para minha geração, o cinema encarnava uma utopia vigorosa”, afirma. “Vindo do interior mineiro, entrei na Poli (Escola Politécnica da USP) em 1960, já com 20 anos, muita imaginação, crise existencial profunda e pouco conhecimento cultural”, lembra.

“Rica formação”

Batista conta que as crises se sucediam, principalmente em meio à eleição de Jânio, renúncia com golpe explícito, militares tentavam impedir a posse de Jango, mas, segundo ele, Jango tomava posse gerando um governo popular seguindo a mesma crise que se aprofundava até o golpe de 1964. “De qualquer maneira, um período rico de formação”, diz.

“Em quatro anos passando da esperança, da luta à derrota para os militares, enquanto, bebendo do porre democrático do governo JK, a cultura brasileira dava um salto para a modernidade”, relata. “Bossa Nova, Teatro Novo, Cinema Novo. Minha geração finalmente tinha sua trilha traçada rumo ao futuro, distanciando-se de uma Brasil atrasado e pobre”, acrescenta.

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RPD || João Batista Andrade: Migração do cinema para a literatura

No início da década de 1960 do século XX a cultura brasileira dava um salto para a modernidade. O golpe de 1964 jogou por terra essa utopia, mergulhando o país em uma ditadura de 21 anos, lembra o cineasta e escritor João Batista de Andrade

Para minha geração, o cinema encarnava uma utopia vigorosa.  

Vindo do interior mineiro, entrei na Poli (Escola Politécnica da USP) em 1960, já com vinte anos, muita imaginação, crise existencial profunda e pouco conhecimento cultural.

As crises se sucediam, eleição de Jânio, renúncia com golpe explícito, militares tentavam impedir a posse de Jango, mas Jango tomava posse gerando um governo popular seguindo a mesma crise que se aprofundava até o golpe de 1964. De qualquer maneira, um período rico de formação.

Em quatro anos passando da esperança, da luta à derrota para os militares, enquanto, bebendo do porre democrático do governo JK, a cultura brasileira dava um salto para a modernidade. Bossa Nova, Teatro Novo, Cinema Novo. Minha geração finalmente tinha sua trilha traçada rumo ao futuro, distanciando-se de uma Brasil atrasado e pobre. 

O golpe de 1964 jogou por terra essa utopia, mergulhando o país e minha juventude no absurdo de uma ditadura de 21 anos.

Eu já filmava e escrevia. 

Hoje escrevo. 

MUDANÇA DE HÁBITOS

Poderia escrever: escritor, cineasta.
Ou cineasta, e basta?
Escritor, catador de latas, doutor
Ou nada, parte de uma casta?
Rico, remediado ou vivendo de favor?
Onde estará o bom, o certo, o novo?
No cinema, na literatura ou no viver?

O mundo gira e minha cabeça arde
Em busca de saídas, alguma solução
Mas o povo, o povo, onde está o povo?
Não quero filmar praças e ruas vazias
E morrer nas salas de cinema que me odeiam!

Quem vê o que filmo?
Quem lê o que escrevo?
Quem quer saber o que fiz de novo?
Quem toca no que desenho, esculpo
Senão aqueles que vivem sob tantas perguntas?
Nada me tira desse labirinto
Nem adianta dizer sou negro
Sou índio, sou analfabeto, pobre
Como se tudo não passasse de um capricho

Sou o que sou, sem passado nem futuro
Catando pedras brilhantes onde pobres catam lixo

Só não quero ainda morrer
Nem de vírus nem de tristeza
Sem filmar, prefiro escrever
Escapando ao meu pobre destino
E é o que sempre fiz e faço agora
Um tanto alegre, um tanto comovido

Como escritor, era quase clandestino
Já que cada imagem tem seu santo
E dizem que não se pode ser os dois
Coisa que na vida sempre quis ser três
Como escritor, político, cineasta

Clandestino nunca fui, na arte ou no saber
Mesmo na política, meu nome é JB
Tantas vezes alertado e proibido

Fotografado, filmado e perseguido
Sempre criei desafios aos donos do poder

Cinema Brasileiro morreu tantas vezes
E pateticamente soube reviver
E vive mais do estado do que do sucesso
Nada paga o que se filma, monta, copia
E exibe em salas tão estrangeiras

Há impostos criados para o cinema
Mas há também impostores no caminho
-Para onde vai agora essa famosa grana?
Destino incerto, olhos e bolsos ligeiros…

Tristes utopias dos cinemas nacionais
Com mercados tão facilmente tomados!
Mãos de ratos nos tomam os impostos pagos
Para usar em suas regalias mortais

O Cinema Brasileiro, de olhar perdido
Leva fama injusta, tão usada e infeliz
Quando na verdade somos tão pequenos
Diante das bocas gigantes que nos sugam

O mesmo Estado, sempre enlouquecido
Refém de mãos tão ávidas quanto sujas
Mata-nos como piolhos sob o pente
Com um simples rabisco de caneta bic

Sabemos, sempre soubemos e sofremos
Numa disfarçada ou descarada ditadura
Tudo começa com perseguições, mortes
E a destruição de nossa cultura!

Ao escrever, parece que deixo o ringue
Onde lutei a vida inteira pela utopia
Cineasta da miséria, da fome e do sangue
Estaria jogando a toalha, triste dia…
-Nada disso! Nada disso, senhores
Procuro o melhor lugar dessa guerra
E onde possa buscar o povo, meus leitores!

Escrever é revirar entulhos em busca de vida
É procurar no lixo o que nos chama e pulsa.
Por isso aguardem o novo livro de ficção:
1964- Uma bomba na Escuridão
Romance de ficção
Crise e sofrimento vivencial
Para ler, sentir, gostar
Textos escritos por mim, perdido
Durante e depois do golpe militar.

Em formato novo, buscando o leitor digital
Escapando do cerco das salas e livrarias
Fugindo das prateleiras tomadas por autoajudas
Longe desse vil comércio elitista e mortal
Falsas ciências e outras tantas porcarias!

Filho de índios e negros sem os conhecer
Afinal, quem sou?
Não, não quero, ainda não posso morrer
Mesmo que agora, mal saiba viver.

* Cineasta, escritor. 


Alberto Aggio: Cultura, modernidade e democracia

Cultura, modernidade e democracia: O embate no Prêmio Camões só impediu que se discutisse o que deve ser discutido 

As cenas de antidemocracia que ocorreram na entrega do Prêmio Camões a Raduan Nassar, promovidas por uma claque conhecida em determinados ambientes políticos, é mais um desserviço à cultura e à política democrática em nosso país. Os atos e especialmente sua repercussão nas redes e na opinião pública, negativos em si, retiram o foco do que seria essencial discutir, de forma mais produtiva, a respeito das relações entre cultura e política na contemporaneidade e no nosso país.

No passado havíamos muitas vezes provado que sabemos fazer essa reflexão, mas parece que precisamos reaprender, ultrapassando as inclinações instrumentais que, a partir de visões finalistas e autoritárias, querem anular a convivência entre diferentes. A natureza e os sentidos do debate cultural sempre foram muito vivos entre nós e precisam ser resgatados e expandidos para o conjunto da sociedade. Há que superar ideologismos rasteiros, posturas fechadas e diretrizes normativas preestabelecidas e ir ao encontro do pluralismo que marca nossas sociedades para se estabelecer uma relação fecunda entre cultura, modernidade e democracia.

As políticas públicas para a cultura são fruto do ambiente político em que vivemos, bem como da nossa presença nele. São objetivas e subjetivas, simultaneamente, e no caso brasileiro guardam um sentido preciso: a esperança de se construir um país mais democrático, com relações cada vez mais igualitárias, promotoras da alteridade e operadas a partir da plena liberdade de expressão e de manifestação. Seu objetivo principal é garantir a todos e a cada um o acesso amplo às manifestações culturais, bem como à possibilidade de produção simbólica, independentemente de sexo, etnia, credo religioso e origem.

Em termos culturais, um país democrático se constrói quando se pensa a partir de um princípio: o locus da produção cultural é e deve continuar sendo a sociedade civil. Uma política cultural de viés emancipador deve partir desse ponto, mobilizando a participação efetiva, independente e criadora dos produtores culturais. Enquadrar a política cultural a partir de uma lógica de grupos, partidos ou mesmo do Estado sempre criou mais problemas e disfunções do que o florescimento da cultura. Partidos políticos que se fundam nessa lógica não têm dado uma contribuição positiva à sociedade, muito ao contrário. Como afirmou Norberto Bobbio, “a política da cultura é uma posição de abertura máxima em direção a posições filosóficas, ideológicas e mentais diferentes, dado que é uma política relativa àquilo que é comum a todos os homens de cultura e não atinente ao que os divide”; é, no fundo, “uma política feita pelos homens de cultura para os próprios fins da cultura”.

Sabemos que a produção de cultura necessita do apoio do Estado para se tornar viável. O engajamento do poder público vem da consciência de que boa parte da produção cultural não é capaz de sobreviver a contento numa sociedade predominantemente mercantilizada. Por isso o impulso e o estímulo à criação artístico-cultural devem procurar combinar suas ações, sempre que possível, buscando um equilíbrio entre o Estado e as exigências do mercado.

Mas é importante compreender que a política cultural, ao incentivar, promover, proteger e difundir a cultura em todas as suas formas e expressões, visa também a aproximar cultura de cidadania, atribuindo às manifestações culturais o status de um direito. Um dos dados mais importante da conjuntura que vivemos é o fato de que o País assimilou a necessidade de se estabelecer uma conexão entre as instituições políticas da democracia e os desafios abertos com a atual “revolução cidadã” que a Nação vive desde as manifestações de 2013. Nada a estranhar: nossa cultura sempre foi mais criativa quando se abriu e realizou o embate político, sem receio e sem preconceitos, envolvendo, na criação e na crítica, intelectuais e artistas de diversos matizes.

Claro está, portanto, que uma política cultural supõe e exige comprometimento com a trajetória democrática do País, além de imparcialidade e incorporação de uma visão pluralista que brota da sociedade. Supõe também a recusa à famigerada barganha político-eleitoral que muitos governos – até os que se declaram de esquerda – acabaram por reproduzir, mesmo que embalada em maquiagens modernas, contribuindo com a reprodução de uma visão oligarquizada e patrimonialista do Estado, nefasta à democracia. Uma política cultural democrática deve ser aberta e projetada para servir à cultura e só a ela. Deve fazer jus à ideia de que a cultura é uma esfera social e humana que supre e, ao mesmo tempo, gera novas necessidades culturais.

Integrados ao mundo como sempre fomos, nós, brasileiros, invariavelmente nos inclinamos a promover uma perspectiva cultural de superação das fronteiras artificiais e reducionistas que opõem o caráter popular ao erudito, essa “muralha chinesa” mental que vem criando obstáculos à intersecção dessas duas dimensões culturais da nossa formação histórica. Algo que nunca fez muito sentido porque nossa cultura sempre expressou hibridismo e uma mescla étnica que impediram o estabelecimento de guetos culturais e populacionais, como em outras histórias nacionais.

Uma política cultural progressista se pauta, portanto, na máxima qualificação da produção cultural, seja ela de perfil popular ou não. O País precisa resgatar e dar um novo curso a essa visão. Trata-se de uma tarefa que depende – mas a supera – da esfera dos artistas e intelectuais e deve ser assumida por toda a sociedade.

O embate desastroso provocado na sessão do Prêmio Camões só contribuiu para impedir que se discuta com abertura, pertinência e profundidade o que deve ser discutido na área cultural. Foi, mais uma vez, a imposição de uma narrativa estapafúrdia que só faz consumir nossas melhores energias.

*Alberto Aggio é historiador, é professor titular da UNESP

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,cultura-modernidade-e-democracia,70001686453