Míriam Leitão

Míriam Leitão: No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado

Presidente da República cometeu crimes de responsabilidade em série e avisou de forma estridente que não vai parar seu golpe

Míriam Leitão / O Globo

A alguns interlocutores de sua confiança, o presidente Bolsonaro havia prometido usar dois tons nos discursos. Seria mais forte em Brasília e menos em São Paulo. Fez o oposto. Foi beligerante nos dois, mas muito mais em São Paulo. O radicalismo assustou até aqueles políticos que pensavam ser possível montar uma ponte entre o presidente e os outros poderes. Por isso o MDB falou em impeachment, o PSDB tenta superar suas divisões para defender o impedimento, o PSB, desde a véspera, já não descartava essa hipótese. Nos bastidores da política, PP, PL e Republicanos estão se queixando muito das atitudes do presidente. “E essas queixas são o primeiro passo” — afirmou uma fonte política. Uma fonte militar me disse: “O tom foi muito além do necessário, não se faz uma Nação avançar na anarquia.” No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado.

Uma autoridade definiu os eventos com uma expressão forte, que preciso compartilhar com os leitores. “Ele deu uma despirocada.” Se por um lado houve quem concluísse que “uma pessoa que coloca tanta gente na rua não pode ser menosprezada”, por outro, foi constante a crítica à histeria do presidente, como na parte em que disse que não cumprirá ordem do ministro Alexandre de Moraes. “Isso beira um perigo muito maior.” O delirante anúncio da reunião do Conselho da República provocou deboche. “Foi a reunião Porcina”, ironizou um membro do Conselho.

A área econômica esperava que a manifestação fosse grande, pacífica e permitisse o plano do dia 8: encontrar canais de diálogo para a pauta da economia. Agora tudo ficou emperrado. E na Faria Lima a elite econômica se afastou mais um pouco do presidente.

Bolsonaro pode fazer suas contas de perdas e ganhos, os políticos podem redefinir e os investidores sair das suas posições. O grande dilema é do país. Qual é o risco de o Brasil tolerar o que houve ontem? O que houve foi que o presidente da República cometeu crimes de responsabilidade em série e avisou de forma estridente que não vai parar seu golpe contra as bases da democracia brasileira.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/no-fim-do-dia-bolsonaro-estava-mais-isolado.html


Míriam Leitão: Bolsonaro foge para a sua bolha

PSD pode apoiar o impeachment de Bolsonaro se ele continuar a atual escalada golpista

Leitão / O Globo

O recado de Gilberto Kassab foi claro. Ele disse na entrevista que me concedeu ontem que o PSD pode apoiar o impeachment do presidente Bolsonaro, se ele continuar a atual escalada contra a democracia. O que leva o líder de um partido de centro a fazer tal ameaça a um presidente em momento em que ele enche as ruas de apoiadores? É que no evento que Bolsonaro convocou para hoje ele parecerá forte, porque a manifestação será grande, mas estará, na verdade, mais isolado. Bolsonaro fugiu para a sua bolha, porque a sua popularidade está em queda. “Ele não vencerá nas urnas porque está mal avaliado e está mal avaliado porque faz um mau governo”, resume Kassab.

— Não tenho o menor constrangimento de defender o impeachment, o presidente está chegando no limite com essas manifestações que atentam contra a democracia. Se ele subir mais alguns degraus, defenderei o impeachment e entendo que ele está subindo esses degraus —disse Kassab em entrevista no meu programa na Globonews.

Na semana passada, em longa conversa com um político do centro, ouvi o mesmo diagnóstico: Bolsonaro pode não chegar no segundo turno, pela má gestão da pandemia, pela crise econômica, pela queda da sua aprovação.

— Eu acho que ele não estará (no segundo turno). Comparando o resultado da eleição cidade por cidade, conversando com analistas, e eu mesmo analisando os dados, o que vejo é que ele cai a cada dia — afirmou Kassab.

Na opinião do presidente do PSD, o evento deste 7 de setembro, a maneira como foi organizado diretamente pelo presidente, decorre do seu declínio nas pesquisas. Bolsonaro radicaliza porque está acuado diante da possibilidade de perda nas urnas ou de enfrentar um processo de impeachment. O problema é que para se defender ele acabou ameaçando ainda mais a democracia. Hoje ele fará seu espetáculo, mas contraditoriamente vai se isolar um pouco mais. Até porque à mortandade na pandemia se soma agora a inflação e a crise hídrica. Ele tentará culpar governadores pelo preço da gasolina, culpará o STF pelo seu mau desempenho, procura culpado pela falta de chuvas, mas a inflação corrói renda, e o eleitor sempre conclui, com razão, que é culpa do governo. Já falei aqui do efeito bumerangue: sua histeria autoritária afeta a economia, o que agrava a crise, que tira popularidade do seu governo.

Bolsonaro ontem atacou diretamente o arcabouço legal do país ao baixar uma Medida Provisória que altera o Marco Civil da Internet, que levou sete anos sendo discutido. A MP limita o combate às fake news. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que foi relator do marco civil, disse em entrevista a Alvaro Gribel, no meu blog, que os advogados do partido já estavam preparando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para entrar no STF. A MP é inconstitucional. Outro caminho pode ser a devolução da MP por não atender aos critérios de relevância e urgência. O doutor em Direito Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, disse que “se as redes não puderem tirar do ar spam, discurso de ódio, assédio, bullying, desinformação, elas serão só ruído e não espaço de liberdade”. Para proteger seus seguidores, fortalecer sua máquina de mentiras e estimular atos contra a democracia, Bolsonaro fez uma MP inconstitucional e arbitrária. Fechou-se mais em sua bolha.

— É lamentável. O Brasil é o único país do mundo em que o governo não dá importância aos temas mais relevantes, a pandemia e a crise econômica. O presidente só se preocupa com motociatas. Gasta energia, a equipe de governo e o custo de transporte para isso. Nas últimas semanas, concentrou-se na organização e na mobilização para esse verdadeiro comício. A democracia pressupõe manifestação, mas não é isso que ele quer. O que está por trás é uma mobilização com outros interesses, ele está ameaçando as eleições. Nunca pensei que eu estaria em 2021 discutindo a sobrevivência da democracia, por conta de uma postura totalmente equivocada de um governo. Ele questiona esta eleição porque sabe que corre sério risco — disse Kassab.

Será um triste 7 de setembro. Em vez de data nacional a ser celebrada por todos, será o dia em que Bolsonaro tentará amedrontar o país convocando os seus radicais para as ruas e usando o aparato do Estado brasileiro, inclusive policiais militares. Isso para parecer forte, quando sabe que está cada vez mais fraco.

Fonte: O Globo
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Míriam Leitão: O governo Bolsonaro é incompetente

Presidente briga, ofende, ameaça, exatamente por isso. Tenta esconder o desempenho desastroso do seu governo

Míriam Leitão / O Globo

A inflação beira os dois dígitos, o desemprego e o desalento deixam de fora do mercado de trabalho 20 milhões de brasileiros, a miséria está aumentando, a educação foi entregue a três ministros sem os atributos mínimos para estar no cargo, a Saúde elevou o número de mortes na pandemia pela mistura perigosa de negacionismo e picaretagem, a crise hídrica se agravou por falta de planejamento e o preço da energia está explodindo. O presidente briga, ofende, ameaça, exatamente por isso. Tenta esconder o desempenho desastroso do seu governo.

Se fosse só incompetente, o governo Bolsonaro já seria um enorme problema, mas ele ainda provoca crises e quer tocar o terror, como o estímulo a que pessoas tenham fuzil. É importante entender que há uma conexão entre uma coisa e outra. Seu governo vai mal em inúmeras áreas, o país perdeu prestígio internacional, desperdiçou oportunidades, aumentou o desmatamento, aprofundou o fosso social, deixará um terrível legado. O presidente atormenta o país para que a discussão seja sobre os seus absurdos e não um debate de mérito sobre o seu governo.

Um erro primário do Ministério da Economia tem sido a incapacidade de ver as tendências. O ministro subestima a inflação, e ela está num patamar perigoso. Desde o começo da pandemia, o Ministério errou nas previsões. Guedes achava que o Brasil seria pouco atingido e depois apostou que a pandemia terminaria no fim do ano passado. Com erros grosseiros de avaliação o governo agiu atrasado e elevou o custo da crise. Na economia, é fundamental fazer previsões, do contrário, o gestor sempre achará que está sendo bombardeado por meteoros.

Guedes passou a ser o Bolsonaro da economia. Uma autoridade que faz declarações preconceituosas, polêmicas e falsas. Discute-se a última de Paulo Guedes da mesma forma que se debate a última de Bolsonaro. De substância, o que há é uma sucessão de fracassos. O projeto liberal nunca existiu. O improviso é a marca da sua gestão. Agora, Guedes está comemorando uma suposta melhora fiscal, quando a verdade é que está surfando na inflação, que produziu efeitos estatísticos em indicadores como dívida/PIB.

O Ministério da Economia é péssimo formulador. A proposta da reforma do Imposto de Renda tinha uma quantidade de erros tão chocante que nem ele, Paulo Guedes, foi capaz de defender o projeto que entregou. A solução encontrada para os precatórios foi uma clara tentativa de burlar as regras fiscais do país.

Na pandemia, os problemas da educação ficaram agudos. Os três ministros do governo Bolsonaro foram desastrosos. Eles mataram o Ministério do ponto de vista administrativo e atacaram avanços educacionais com decisões e falas cheias de preconceito.

O tamanho do desastre na energia se vê no risco do apagão. Faltou o mais básico planejamento, a mais elementar capacidade de ação. O ministro Bento Albuquerque subestimou e negou a crise hídrica que está tendo enorme impacto na inflação e coloca o país sob o risco extremo de colapso de abastecimento.

A área ambiental é uma terra arrasada. Literalmente. O desmatamento cresceu. Biomas estão pegando fogo. O governo saiu do debate global. O Brasil é uma potência ambiental, mas, no melhor momento de aproveitar esse patrimônio natural, o país é neutralizado pela incompetência do governo.

O presidente é incompetente para gerir a coalizão política. Preferiu comprar o centrão com cargos e fatias do orçamento distribuídas sem transparência. Projeto do governo que entra no Congresso vira pasto dos lobbies. Um exemplo é o da privatização da Eletrobras. Foi uma falha coletiva. Erraram os ministérios da Economia, da Energia, e os da articulação política.

A CPI tem mostrado as tramoias que ocorreram no Ministério da Saúde. O governo sabotou medidas sanitárias, destratou fornecedores sérios de vacinas, e em negócios obscuros atraiu todo o tipo de estelionatário. Enquanto isso, os brasileiros morreram aos milhares. Ainda morrem. O que se vê na saúde é crime de epidemia com o agravante da corrupção.

O espaço é curto para a lista dos fracassos deste governo. Por ser muito incompetente, o presidente Bolsonaro agride o país, as instituições, os valores da civilização. Com o surreal ele tenta esconder o real de um governo absolutamente incapaz.

Fonte: O Globo
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Míriam Leitão: Crise se agrava no setor elétrico brasileiro

Governo está atrasado porque é negacionista também no assunto e tem medo da queda da popularidade de Bolsonaro

Míriam Leitão / O Globo

A crise no setor de energia se agravou nos últimos dois meses, mas os especialistas já haviam alertado que isso iria acontecer. Ontem o governo convocou a imprensa para anunciar que haverá três programas para redução de consumo. Um para as grandes empresas, um para os consumidores residenciais e outro para os órgãos federais. A coletiva foi marcada pelo improviso e pela falta de informações sobre o funcionamento e os custos dessas medidas. O ministro Bento Albuquerque continua errando na comunicação, ao afirmar que não trabalha com a hipótese de racionamento. Na prática, isso já começa a acontecer para os órgãos federais. O governo está atrasado porque é negacionista também nesse assunto e tem medo da queda da popularidade do presidente Bolsonaro.

Os programas de redução de consumo só foram apresentados agora, no oitavo mês do ano. As empresas dizem que levará tempo até que haja confiança para uma adesão expressiva. Os órgãos federais que descumprirem as metas não serão punidos. E o consumidor residencial não sabe quem pagará pelo seu bônus. O risco é que seja ele mesmo, com aumento de bandeira tarifária. Ganha-se um desconto de um lado, paga-se mais via encargos de outro. Os especialistas são unânimes em afirmar que não há uma campanha de comunicação que mostre a gravidade desta crise elétrica.

O nível de água dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste está em 22,7%, o menor patamar para agosto dos últimos 20 anos, superando inclusive 2001. Essas duas regiões representam 70% da capacidade de armazenagem do sistema. A situação é crítica. Circula a informação no setor de que o presidente Bolsonaro vetou um pronunciamento que seria feito pelo ministro Albuquerque em rede nacional na última segunda-feira. Bolsonaro não quer notícia ruim às vésperas das manifestações do 7 de Setembro. Trocou-se isso por uma coletiva transmitida pelo canal oficial do ministério nas redes sociais.

As grandes indústrias dizem que é cedo para avaliar a eficácia do programa de racionamento voluntário. O consumidor cativo pagará os custos da medida sob a forma de Encargo de Serviços do Sistema. Esse é o mesmo encargo que contabiliza os gastos com as termelétricas, que continuarão operando em carga máxima. Ou seja, um custo irá se somar ao outro. As indústrias temem que o voluntário vire compulsório.

— Como o governo é pouco confiável, se você entrar nisso ele pode te obrigar depois. É o risco de o governo forçar a mão caso a situação se agrave. Ainda não houve uma postura de real conversa com a sociedade, com abertura dos dados para todos os agentes sobre esta crise. Como confiar? — diz o representante de um setor industrial.

O ex-diretor-geral da ANP David Zylbersztajn, especialista em setor elétrico, afirma que o risco de faltar energia em horários de pico no final do ano tem aumentado. No passado, houve governantes que contaram com a sorte e a chuva os salvou, mas não se deve apostar nisso.

— Bolsonaro precisa entender que há um risco de 30% de faltar energia. É um percentual muito alto. Ele está apostando nos 70%. O Lula fez isso em 2008 e deu certo. A Dilma fez isso em 2014 e empurrou a crise para 2015. Mas é papel do governo pensar no pior cenário. Se ele acontecer, será dramático para a economia — afirmou.

O consultor Luiz Augusto Barroso, da PSR, diz que o cenário piorou muito em relação às suas análises anteriores e as previsões de chuvas para o mês de setembro não estão boas. Com o baixo nível de água, o sistema elétrico já está operando no limite, o que aumenta o risco de falhas nos sistemas de geração e transmissão. Ele acha que algumas medidas do governo têm dado certo, como a flexibilização dos limites de armazenamento e vazão de água das hidrelétricas e o aumento de importação de energia de países vizinhos. Sobre o programa de redução de consumo das residências, diz que é fundamental, mas ainda faltam detalhes.

— Disseram que o dinheiro não virá do Tesouro, mas da tarifa. Ainda está pouco claro sobre como isso vai funcionar — afirmou.

Itaipu está hoje gerando 39% da sua capacidade. Se não fosse a energia dos ventos e do sol, que não havia na crise de 2001, o Brasil já poderia estar em colapso. A eólica em agosto gerou 166% mais energia do que Itaipu no Brasil, e o sol chegou a 10 GW de potência instalada.

A crise hídrica impacta a economia dramaticamente e já está afetando as famílias pela inflação da energia. O governo ao atuar do lado da oferta — e só agora ter medidas para conter a demanda — está contratando aumentos futuros e elevando os riscos do país.

Fonte: O Globo
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Míriam Leitão: General, muitos não estão aqui

Míriam Leitão / O Globo

O general Braga Netto mentiu sobre a História do país, ao dizer que não houve ditadura no Brasil. Ontem foi a vez de o general Ramos ofender os fatos. O ministro da Defesa disse que se tivesse havido ditadura “muitos não estariam aqui”. Ele está querendo dizer que as mortes foram poucas, e isso é odioso. Mas está também usando o mesmo método identificado pela Polícia Federal nos disseminadores de fake news, que é o de dissolver a fronteira entre a mentira e a verdade. Essa técnica de Steve Banon serve para o assalto ao poder, mas tem tido também como consequência trágica a morte de centenas de milhares de brasileiros pela Covid.

Muitos não estão aqui porque foram assassinados pela ditadura que o general Braga Netto nega ter existido. Para o general Ramos, segundo disse ontem, tudo é apenas uma questão semântica. Nesse raciocínio, basta usar algum eufemismo que o problema desaparece. Generais, muitos brasileiros foram assassinados dentro de quartéis militares e por ordem de seus comandantes. Por isso não estão aqui. A técnica da negação faz vítimas ainda hoje. Milhares de vítimas desta pandemia poderiam estar aqui. Teriam sido protegidos da morte se mentiras sobre a Covid-19 e sobre as medidas de proteção, o uso de máscara, a cloroquina e as vacinas, não tivessem sido divulgadas com tanta insistência pelo presidente da República e pelos bolsonaristas.

A mentira do general Braga Netto tenta matar os fatos de ontem. As mentiras do presidente Bolsonaro e de seus apoiadores matam pessoas no presente. A mentira colocada em documento oficial pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo é uma colaboração à morte de brasileiros e um flagrante de desvio de função. Em vez de proteger a sociedade, a Procuradoria-Geral da República (PGR) nega a ciência, rasga o princípio da precaução e desmoraliza a máscara.

Lindôra Araújo tenta desmentir o que a ciência já provou. Disse que não “é possível realizar testes rigorosos” sobre a eficácia da máscara. Segundo ela, os estudos que existem são “somente observacionais e epidemiológicos”. E ela continua com seu insulto à ciência afirmando que o presidente não foi notificado de que deveria usar máscaras em eventos públicos e chega ao cúmulo de afirmar que na ocasião dos fatos Bolsonaro “não estava doente, nem apresentava sintomas de Covid-19”, como se só os pacientes devessem usar a medida de proteção. O presidente fora questionado em ação pelo seu comportamento delinquente de promover aglomerações, em geral com recursos públicos, e nelas não usar máscaras, e ainda ter tirado a proteção de duas crianças. Lindôra acha que “inexistem elementos mínimos” para uma ação contra o presidente.

A mentira é terrível. A mentira histórica dos generais, a da subprocuradora, e a dos influenciadores bolsonaristas. E é terrível porque atinge a vida e a democracia.

Quando procuram se esconder na semântica ou na falsificação histórica, os generais Braga Netto e Ramos mostram que essa geração militar é cúmplice dos que naquele tempo fecharam o Congresso, aposentaram ministros do Supremo, censuraram, torturaram e mataram. Braga Netto parecia querer se referir até aos próprios parlamentares. A fala dele na Câmara foi assim: “Se houvesse ditadura, talvez muitos dos… muitas pessoas não estariam aqui.”

Muitos não estão aqui, general Braga Netto. Stuart Angel não está aqui. Tinha 25 anos quando foi assassinado, seu corpo jamais foi entregue à família, teria hoje 75 anos. Sua mãe Zuzu também foi morta. Vladimir Herzog não viu os filhos crescerem, morreu aos 38. Rubens Paiva não esteve com a mulher Eunice na criação dos filhos. O que o general quis dizer? Que aquele horror precisava ter matado mais para que fosse chamado de ditadura? O ministro da Defesa pode gostar da ditadura, mas negar que ela existiu é mentir.

A técnica dos sites bolsonaristas é mentir também. A Polícia Federal explicou ao TSE que eles tentam “diminuir a fronteira entre o que é verdade e o que é mentira”. Usaram isso nas postagens sobre as urnas eletrônicas, nas divulgações falsas sobre a pandemia, nos ataques ao Judiciário e ao Congresso. Eles usam fragmentos de verdade para construir suas mentiras. Os bolsonaristas tentam enfraquecer a democracia e, nas fake news sobre a pandemia, atentam contra a vida humana.

Fonte: O Globo
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Míriam Leitão: A construção e o desmonte da democracia brasileira

Míriam Leitão / O Globo

A democracia brasileira foi construída no solo. Foi o resultado de uma vasta resistência nacional travada, incansável e dolorosamente, em planos diversos. Temos mortos como testemunhas. Não foi o resultado automático do fim da Guerra Fria, nem mesmo a concessão de generais da “abertura”. Foi conquista nossa. Países de instituições definidas como “maduras” também sofrem nestes tempos de governantes que chegam ao poder pelo voto e conspiram contra o edifício democrático. O 6 de janeiro em Washington serve para nos lembrar que não há nação a salvo de um presidente deletério.

Cada semana tem trazido uma coleção de horrores perpetrados por Bolsonaro e seus apoiadores. Mas a última foi excessiva. O ridículo desfile militar na Esplanada exigido pelo presidente foi revelador da falta de espinha dorsal dos comandantes militares. Eles fazem qualquer papel imposto a eles, aceitam todas as humilhações e, depois, vão entregar a alguns ouvidos garantias de que não respaldarão um golpe. Ora, já o estão respaldando.

A prisão de Roberto Jefferson não surpreende e ele deve ter até gostado, porque fez tudo o que podia para chamar atenção em postagens radicais e grotescas. Mas é o tal negócio, as instituições não podem se dar ao luxo de fingir que não estão vendo o doido. Se ele pratica crime à luz do dia, precisa responder por isso, e o ministro Alexandre de Moraes agiu bem. Mas foi esse sujeito caricato, figurinha repetida de todos os escândalos, que esteve dias atrás no Palácio do Planalto para um encontro com o presidente e o sempre servil general Eduardo Ramos.

Na economia, também foi lenta e difícil a construção de instituições que garantiram a estabilidade da moeda. E elas estão sob ameaça. Para atingir o objetivo de fortalecer as chances de Jair Bolsonaro permanecer no poder estão sendo desrespeitadas as balizas fiscais do país. As dívidas judiciais serão parceladas e passarão a constar de uma contabilidade paralela, despesas foram excluídas do teto de gastos, a regra de ouro foi revogada na prática, uma reforma do Imposto de Renda pode ser votada na correria para financiar um aumento demagógico do gasto social, a execução do Orçamento perdeu transparência.

Alguns economistas que estão no governo podem não ter essa noção, mas o panorama é inegável. O Ministério da Economia está a serviço do projeto de poder autoritário de Bolsonaro. É impossível não ver o desmonte fiscal promovido pelos muitos “jeitinhos” dados a cada vez que o ministro Paulo Guedes cede ao presidente. Que economista sério acha que faz sentido, a esta altura, aprovar uma renúncia fiscal em favor do consumo do diesel ou incentivar um programa para o uso do carvão? Isso é absurdo fiscal, energético, econômico e ambiental.

A política social também foi resultado de construção minuciosa. Na democracia, especialistas em transferência de renda construíram as bases para as novas políticas, distantes do velho assistencialismo, e que foram do Bolsa Escola ao Bolsa Família, ao Brasil sem Miséria. Não se improvisa nisso. É preciso ter conhecimento, sensibilidade, capacidade de formulação. O ministro Paulo Guedes está fazendo o que prometeu naquela reunião ministerial de 22 de abril de 2020. “Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente.” Com o objetivo de usar os pobres está sendo feito o projeto mal desenhado do Auxílio Brasil. Um governo realmente preocupado com a promoção social iria, por exemplo, cumprir a lei que manda fornecer internet para alunos e professores nas escolas públicas. O governo Bolsonaro vetou a lei, o veto foi derrubado, e Bolsonaro então baixou MP para não cumprir seu dever.

O fim da ditadura foi o começo de várias conquistas. A estabilização da economia, a política social eficiente, regras de responsabilidade fiscal, independência do Ministério Público, respeito aos órgãos como Polícia Federal, Coaf, Receita Federal, Ibama, ICMBio, Inpe, IBGE. O governo Bolsonaro tem atacado cada parte do edifício democrático. Não é um golpe. São vários golpes. Contudo, como nos anos 1970, a resistência está em ação através de inúmeras pessoas. Entender a natureza do processo que nos garantiu a democracia é parte da resistência à sua demolição.

Fonte: O Globo
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Míriam Leitão: Confusões de uma agenda eleitoreira

Míriam Leitão / O Globo

A reforma do Imposto de Renda teve três versões em 30 dias e nenhuma delas passou por comissões ou foi debatida antes de ser pautada para plenário. Só não foi votada ontem porque foi atropelada pelo projeto da reforma eleitoral. A PEC dos precatórios é uma pedalada, cria uma contabilidade paralela fora do Orçamento e muda a regra de ouro. O Bolsa Família pode virar um programa no qual vários outros são pendurados, perder o foco e parte do mérito que o tornou um programa simples e eficiente. A reforma do IR, a PEC dos precatórios e a mudança do Bolsa Família têm algumas coisas em comum: foram mal formulados, fazem parte de uma agenda hiperativa que traz mais distorção do que solução.

Está sendo difícil acompanhar as mudanças frequentes em projetos que tramitam de afogadilho na Câmara, sob a gestão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ontem, o último texto da reforma do Imposto de Renda foi apresentado de madrugada pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA) para ser votado em menos de 24 horas sob regime de urgência, dispensando os debates em cinco comissões. E uma das novidades foi a redução da Contribuição Social sobre Lucro Líquido para compensar a queda menor do IRPJ. Ao fim, a votação foi adiada, atropelada por outro projeto, também sem pé nem cabeça, das regras eleitorais do país.

A proposta de Paulo Guedes foi extemporânea e tão mal feita que o ministro ao divulgar já admitiu mudar tudo. Para o trabalho de consertar o projeto foi escalado o deputado Celso Sabino. Só que ele vive tutelado pelo ministro e improvisa a cada momento que chega uma reclamação. A pressa em colocar na mesa esse projeto era para corrigir a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, em tempo de ser usado como bandeira eleitoral do presidente Jair Bolsonaro em 2022. Como a medida abre um buraco no Orçamento, os lucros e dividendos das empresas passaram a ser tributados em 20%. E para atenuar o aumento de carga sobre as empresas, cortou-se alíquotas de IRPJ. Só que isso tira dinheiro dos estados e municípios. O IRPJ financia os fundos de participação dos estados e municípios. A queda do imposto produz perdas bilionárias para os fundos, que são importante para reduzir as desigualdades regionais.

O que chama atenção nesse assunto é que o país passou três anos discutindo uma reforma tributária ampla dos impostos indiretos, com dois grandes projetos em tramitação nas duas Casas. O governo ignorou o esforço, prometeu mandar uma reforma em quatro fases. Até agora, enviou uma unificação do PIS/Cofins, que ninguém mais ouve falar e que aumenta a carga, e esse PL do Imposto de Renda. Ontem, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, avisou que vai retomar a tramitação do projeto que está no Senado, a PEC 110, que unifica impostos indiretos. Avisou que essa é a agenda que o setor produtivo quer.

A PEC dos precatórios provoca dois abalos na credibilidade fiscal do país. Dá uma pedalada nas despesas do governo — ou seja, posterga dívidas para financiar outro gasto — e cria um orçamento paralelo, com passivos não contabilizados nas principais estatísticas da dívida pública. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), se a PEC estivesse em vigor desde 2016 o governo teria tirado R$ 91 bilhões de gastos no Orçamento. Esse valor de precatórios teria sido parcelado ou pago por fora do teto de gastos. Toda essa confusão está sendo feita por motivos eleitoreiros. O governo quer mais dinheiro para gastar e reformular o Bolsa Família.

As pedaladas fiscais foram a razão alegada para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Desta vez, a equipe econômica diz que se trata de uma “modernização” da regra dos precatórios e que tudo será feito pelo Congresso. Será uma pedalada institucionalizada, como definiu o próprio TCU. Um dos grandes avanços fiscais do país foi unificar os orçamentos — o Brasil tinha três —e retirar os esqueletos do armário. O risco agora é de retrocesso.

Uma das virtudes do Bolsa Família era ter foco e ser simples. O governo, para se apropriar do programa que criticava, vai pendurar sete outros programas nele apenas para mudar de nome. Um deles é o voucher-creche, que já foi derrubado pelo Congresso. O Bolsa Família transformado em Auxílio Brasil pode perder foco e eficiência.

O Ministério da Economia está fazendo toda essa confusão, quebrando regras fiscais, para seguir a agenda política de reeleição de Bolsonaro.


Fonte: O Globo
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A escalada de juros em cenário confuso

Míriam Leitão / O Globo

Os juros subiram em um ponto percentual, vão continuar subindo, chegando ao fim do ano em 7%. E mesmo assim a inflação vai estourar o teto da meta este ano. Por isso, no ano que vem as taxas permanecerão altas. Esse foi o recado do Banco Central. Há vários complicadores no cenário. A inflação persistente, a variante Delta ameaçando as economias e as contas públicas. Para a situação fiscal o Banco Central recomenda o de sempre: as reformas. O que há são projetos muito discutíveis. A reforma do IR vai ser votada em regime de urgência. É um erro fazer uma reforma dessas de afogadilho. Isso não garante ajuste fiscal, nem aumento da eficiência econômica.

A questão fiscal é mais complexa. Há alguns números positivos iludindo os analistas no meio de uma verdadeira escalada de medidas prejudiciais. O governo quer adiar despesa para gastar mais, e aumenta o número de itens dependurados em cima do teto de gastos. O projeto de populismo autoritário necessariamente significa mais gasto. O espaço que o governo pensou que teria no teto de gastos tem ficado menor. A inflação de 8,4% até junho reajustou o teto de gastos, e isso significa R$ 124 bilhões a mais. Com a inflação prevista tempos atrás, para o ano fechado, haveria um valor extra de R$ 30 bi a R$ 40 bi. Agora os cálculos são de que ele ficará abaixo de R$ 20 bi. O governo ainda trabalha com um INPC de 6,2%. E ele deve superar 7%. Quanto menor for a diferença entre a inflação em 12 meses de junho e o índice fechado do ano menor é o espaço para gastar.

—O que a área política do governo quer não é ter R$ 20 bilhões a mais para gastar, mais sim R$ 60 bi. A queda de braço da área econômica contra a área política, para não quebrar o teto, vai continuar —prevê um especialista em contas públicas.

Os juros subindo elevam o gasto nominal com o serviço da dívida, mas, ao mesmo tempo, as taxas permanecem negativas porque a inflação está maior do que a Selic, mesmo com o reajuste de hoje.

Há ainda uma melhora em relação ao que estava previsto no crescimento da dívida pública, mas por razões circunstanciais. Subiu o PIB nominal, em grande parte por causa da alta forte das commodities exportadas pelo Brasil. Isso aconteceu uma vez no começo do governo Lula. Mas naquele tempo o ciclo de commodities foi longo, o de agora será curto.

— Os números vão melhorar e a gente não pode desperdiçar isso, mas o incentivo para desperdiçar será grande porque os políticos vão olhar e pensar: por que eu vou fazer tanto esforço, se eu poderia gastar mais? Há cinco meses a projeção do governo era déficit primário do setor público de R$ 285 bilhões, os números da semana passada mostravam um déficit primário do governo central de R$ 155 bilhões, um superávit dos estados e municípios de R$ 29 bilhões e um déficit das estatais de R$ 2,5 bilhões. Junta tudo dá R$ 128,5 bilhões de déficit. A melhora é resultado da recuperação da arrecadação e do boom de commodities — explica esse especialista.

O projeto de reforma do Imposto de Renda foi apresentado sem que o assunto estivesse maduro. A proposta foi radicalmente alterada no Congresso e muda a cada dia, ao sabor das pressões e dos lobbies. Já era um projeto mal feito e intempestivo. Mexer com a estrutura dos impostos no meio de uma crise política, com o governo enfraquecido e refém do centrão, é um risco sem tamanho. E tramitará em regime de urgência.

A cada nova ideia que sai do Ministério da Economia ou da área política do governo — seja o adiamento do pagamento dos precatórios ou o Bolsa Família de R$ 400 — os ativos tremem no mercado financeiro. O que eles mais têm medo é da queda do teto de gastos. Curiosos os operadores do mercado financeiro: a casa caiu, mas eles estão preocupados é com o teto.

Quando digo que a casa caiu é porque o ministro da Economia, Paulo Guedes, está totalmente engajado na campanha eleitoral do presidente. Muito mais agora com a queda da popularidade. O compromisso não é com os fundamentos da economia, mas com as ideias políticas extremadas do presidente.

Quando digo que a casa caiu é porque a equipe econômica é caudatária de um projeto autoritário, no qual não há espaço para transparência, órgãos de controle, nem ajuste fiscal. É da natureza do populismo autoritário gastar muito e gastar mal.


Fonte: O Globo
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O terrível cenário revelado pela CPI

Míriam Leitão / O Globo

A CPI encontrou rastros de movimentação financeira atípica no montante de R$ 50 milhões ao analisar os documentos resultantes das quebras de sigilo. São, segundo o senador Alessandro Vieira, transações entre empresas do empresário Francisco Maximiano, da Precisa, e com pessoas físicas. Segundo o senador, são “movimentações sem lastro na realidade, compatíveis com processos de lavagem de dinheiro”.

Vieira acha que não há como fugir da convocação do ministro Braga Netto. “Ele fazia parte da cadeia de comando”. O relatório final da Comissão pode ser enviado ao Tribunal Penal Internacional.

Eu entrevistei o senador Alessandro Vieira, membro suplente da CPI, e que está em vários grupos temáticos que têm trabalhado durante o recesso. A entrevista foi ao ar na Globonews, no meu programa de segunda, às 23h30. perguntei a ele sobre Airton Cascavel, o personagem cuja história foi contada no programa Conexão Globonews.

Airton Cascavel é uma figura meio estranha. Negociava com governadores de estado a compra de equipamento, liberava dinheiro público do combate à Covid, reuniu-se com parlamentares, trabalhou durante dois meses sendo apresentado como o principal assessor pelo próprio ministro Pazuello e nunca fez parte dos quadros do Ministério da Saúde. O senador admite que a CPI tem limitações e precisa evitar perder-se no cipoal que sempre se forma nos casos de corrupção.

— É um risco. A CPI não pode fazer busca e apreensão, interceptação telefônica ou negociar delação premiada. Isso tudo dificulta investigação de maior complexidade. Por outro lado, o foco da comissão é investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia. Os erros e as protelações na compra de vacinas e insumos, e a falta de uma campanha de comunicação provocaram centenas de milhares de mortes e isso está provado e documentado. Quando a gente investiga a corrupção é para saber as motivações para os erros. Dois grupos, um de militares da reserva e outro vinculado ao centrão, brigaram nas entranhas do Ministério da Saúde buscando vantagens financeiras. É nessa etapa que a CPI se encontra, mas ela não pode perder o foco, que são as vidas que nós perdemos.

A CPI formou um grupo de juristas que vai preparar um estudo para “dar um encaixe dos fatos e a tipificação penal”, segundo o senador. O professor Miguel Reali chefia o grupo de juristas. Perguntei ao senador o que será feito com o relatório quando ficar pronto:

— Os crimes de responsabilidade devem ser encaminhados à Câmara, os crimes comuns à Procuradoria Geral da República e, eventualmente, os fatos podem ser levados ao Tribunal Penal Internacional, para avaliar o cometimento de crime contra a humanidade. É muito grave o que aconteceu no Brasil e o que ainda acontece, nessa gestão totalmente descolada daquilo que a Constituição exige, que é o respeito à vida.

O senador lembrou que existe uma cadeia de comando clara, que vai do ex-secretário executivo do Ministério da Saúde coronel Élcio Franco, o general Pazuello, e ministros Braga Netto e Ramos e o próprio presidente da República.

— Não dá para fugir (na hora da responsabilização) da cadeia de comando. Alguns temem fazer a convocação do ministro Braga Netto por conta da posição que ele ocupa agora como ministro da Defesa. Mas ele fazia parte da coordenação da resposta brasileira à pandemia e o resultado foi desastroso. A gente precisa ouvir essas pessoas e, se for o caso, responsabilizá-las sem nenhum tipo de preocupação com a questão de farda. No Brasil, ainda se tem muito medo dos generais, mas quando ele ocupa um cargo civil eu não posso dar um tratamento diferenciado.

Sobre o presidente, o senador disse que ele “testa os limites da democracia”, e o país não pode esperar “até outubro de 2022 para saber se vai ter golpe ou não”. Por isso ele entrou com uma interpelação judicial de Bolsonaro junto ao Supremo para que ele diga que provas tem de fraude eleitoral.

— O ataque diário é preparação para um auto golpe. Ele mente com foco, com organização. Usa a mentira como método. E tem objetivos. O principal é atacar a democracia. Não dá para tolerar dois anos de mentiras e ataques ao sistema de eleição.

Segundo Alessandro Vieira, a CPI revelou que no Ministério da Saúde atuavam o centrão e o “centrão de fardas”.


A democracia morre no fim deste enredo

Míriam Leitão / O Globo
Foto: Marcos Corrêa/PR

O agressor da democracia não vai parar. É como o agressor da mulher que, após perdoado, volta a atacar e muitas vezes o fim é a morte da vítima. Quem me fez esse raciocínio foi uma autoridade da República. Todos os dias a democracia apanha do presidente Jair Bolsonaro. Os generais e os civis que o cercam reforçam suas atitudes ou tentam justificá-lo. Essa violência só vai parar no fim deste governo, mas deixará cicatrizes. Quando as instituições estão funcionando, ninguém precisa dizer em notas e declarações.

— O presidente fala uma coisa e na hora que aperta ele recua, igualzinho ao homem que agride mulher. O agressor recua, garante que a ama, algumas pessoas asseguram que ele vai mudar e a violência cresce. Um dia ele chegará com um revólver e vai matar a mulher. É dessa certeza que surgiu a Lei Maria da Penha — explicou a pessoa com quem eu conversei sobre as crescentes ameaças do presidente e dos generais que o seguem, da reserva ou da ativa, nessa mesma lógica de agredir e negar que agrediu, prenunciando outro ato que seja ainda mais forte.

Nesse último episódio, revelado pelo “Estadão”, o ministro da Defesa, Braga Netto, enviou um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, com o seguinte teor: “a quem interessar, se não tiver eleição auditável não terá eleição.” Foi dentro de uma escalada de agressões. Tudo se passou entre os dias 7 e 8 de julho. A nota do ministro da Defesa e dos comandantes militares tentando coagir a CPI do Senado foi no dia 7. No dia 8, Bolsonaro afirmou que ou vai ter o voto impresso ou não vai ter eleição, o general Braga Netto mandou o mesmo recado golpista, e o comandante da Força Aérea deu uma entrevista ao GLOBO elevando o tom da ameaça contida na nota, sendo em seguida apoiado pelo comandante da Marinha. O atentado foi combinado. Eram instituições funcionando. Com o objetivo de destruir a democracia.

O roteiro que se seguiu era previsível. Vieram os desmentidos com palavras ambíguas, as afirmações de que a democracia vai bem, e novo ataque do presidente. A nota de Braga Netto repetiu a ingerência em assuntos sobre os quais as Forças Armadas não têm que se pronunciar, ao defender o voto impresso que eles apelidaram de “auditável”. A quem disse que o ministro da Defesa estava invadindo a esfera política, Bolsonaro respondeu. “Quando vejo algumas autoridades tuitarem que isso é uma questão política, que certas pessoas não devem se meter nisso, quero dizer a vocês que isso é uma questão de segurança nacional. Eleições são uma questão de segurança nacional”, disse o presidente fechando aquele dia de debate sobre o recado do general. Isso autoriza as intervenções militares no tema que o presidente elegeu como pretexto. Todo golpe autoritário inventa seu pretexto. Esse é o de Bolsonaro. O de Donald Trump foram as acusações mentirosas de fraude. Ao fim, os trumpistas invadiram o Capitólio.

O agressor da democracia brasileira instalou cúmplices em postos estratégicos. Braga Netto é da reserva, mas a carreira militar é usada para ele sempre falar escudado nas Forças Armadas. Os atuais comandantes assumiram com o mandato de mostrar que os militares defendem o projeto político de Bolsonaro. Foram escolhidos para apoiar o agressor. O general Luiz Eduardo Ramos quando foi para o governo era da ativa e estava no comando do II Exército. Ele fez parte do canal dessa bolsonarização dos militares. O Almirante Flavio Rocha, da SAE, está ainda na ativa. O projeto é deixar sempre a impressão de que as Forças Armadas vão agir para proteger Bolsonaro.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, e seus auxiliares diretos agiram várias vezes de forma contrária ao papel constitucional da PGR. O ministro André Mendonça teve atitudes e defendeu teses que feriam a Constituição. A Polícia Federal colocou seus documentos sob sigilo quando a publicidade tem que ser a regra numa República. Aras foi reconduzido, Mendonça foi indicado para a corte constitucional, um delegado da Polícia Federal é o ministro da Justiça. As agressões à democracia deixam cicatrizes. Algumas delas podem ser permanentes.

A democracia está sendo agredida. O agressor é o presidente da República. Ele tem ajudantes militares e civis. O maior risco é não ver o perigo, porque, como nos casos de violência contra a mulher, o fim pode ser a morte.


Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/democracia-morre-no-fim-deste-enredo.html


Míriam Leitão: A perda prematura do prefeito nascido em berço da boa política

Neste tempo das dores sem fim, o jovem político Bruno Covas perde a luta para o câncer. Das cenas do começo da pandemia, que ficarão na memória, uma delas é a do prefeito de São Paulo morando na prefeitura para trabalhar e, ao mesmo tempo, respeitar o confinamento. A imagem da cama colocada abaixo do quadro do Pátio do Colégio, lugar onde a cidade começou, era forte demais. Simbolizava a união entre a capital e seu prefeito.

Neste tempo em que o país precisa tanto de políticos dedicados à causa pública, o que São Paulo e o Brasil viram foi uma dessas pessoas em combate pela saúde da cidade enquanto travava a sua própria luta. Bruno Covas nasceu em berço da boa política e governou a mesma cidade que seu avô, Mário, governou. E com igual senso de dever. Foi abatido pela mesma doença.

Durante a campanha eleitoral, neste tempo dos conflitos extremados e polarizados, São Paulo viu alguns debates entre Bruno Covas e o candidato Guilherme Boulos, em que as divergências eram colocadas com elegância e respeito. Parecia lembrar ao Brasil o que o Brasil pode ser. É inevitável pensar, neste momento, no futuro que ainda aguardaria o jovem político que administrava a maior cidade do país.

 

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/perda-prematura-do-prefeito-nascido-em-berco-da-boa-politica.html


Míriam Leitão: Revelações das falas e do silêncio

Duas semanas de CPI e o Brasil já sabe: um general da ativa quer esconder a verdade do país, o presidente governa com uma estrutura clandestina, o ministro da Economia não percebeu um fato que mudou totalmente o cenário econômico, o ex-secretário de comunicação do Planalto desconhece o impacto da fala do presidente, o governo desprezou vacinas que poderiam ter salvado vidas de milhares de brasileiros. O que se confirmou, e que sabíamos antes, é que o governo é parte fundamental da tragédia que infelicita o Brasil.

A CPI provou que esta era a hora de a CPI funcionar. Houve quem dissesse que neste momento não se deveria abrir a investigação. Errado. É exatamente quando se pode influenciar na realidade, e tentar mudá-la, que faz sentido ter uma Comissão Parlamentar. Depois que tudo for apenas passado, o que se poderá fazer a não ser a arqueologia das nossas dores? O Senado em boa hora está investigando, interrogando, procurando as informações que podem mudar o presente. É tenso? Claro que é, mas este é o momento. Não poderia tardar mais.

As informações trazidas à tona foram valiosas porque descortinaram a cena brasileira. O governo ignorou a oferta das vacinas. Agora se sabe que um milhão e meio poderiam ter chegado em dezembro e três milhões no primeiro trimestre. Apenas da Pfizer. Viveremos com a dor do “quem sabe”, como diria o deputado Alencar Furtado. Quem sabe as vidas que poderíamos ter salvado, se a imunização tivesse começado em dezembro? E não tardou mais graças ao governo de São Paulo. A primeira vacina a chegar no braço da brasileira Monica Calazans foi a coronavac, produzida no Butantan por insistência do governo paulista. O presidente Jair Bolsonaro era contra. Tentou disseminar mentiras sobre o imunizante, revogou o contrato assinado pelo submisso general Pazuello, brigou com a China.

Os militares e os economistas do governo saem mal desta pandemia e desta CPI. Por dever de ofício, nas duas profissões é necessário ter visão estratégica. Não tiveram. A elite militar fez uma aposta de alto risco na simbiose com o governo Bolsonaro. Agora, um general da ativa tem medo de ir à CPI e ser preso por falar mentira. E recorreu ao STF para esconder o que sabe, o mesmo Supremo que os filhos e seguidores do presidente gostariam de fechar. Treinados em cursos de estratégia, os generais não perceberam o óbvio. Era fácil ver. A missão das Forças Armadas é manter o país unido. Bolsonaro sempre apostou no conflito e na divisão.

O Ministério da Economia não viu a dimensão do evento que alterava rigorosamente tudo no cenário econômico por dois anos. O primeiro erro foi, no início da pandemia, não levar a sério as projeções de casos e de mortes, como revelou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Houve quem na área econômica fizesse projeções coincidentes com as do Ministério da Saúde daquela época. Contudo, a avaliação que prevaleceu, até pela posição do ministro Paulo Guedes, foi a que subestimava a duração e a profundidade da pandemia. Com o cenário errado, foram tomadas decisões erradas. Uma delas foi ignorar por meses a carta da Pfizer, dirigida também a Paulo Guedes. No final do ano, os cenaristas da Economia olhavam o indicador de distanciamento social caindo e achavam que isso levaria ao retorno da atividade econômica. Na verdade, a queda das medidas protetivas produziu um aumento do contágio. Mesmo quando os números de casos e mortes voltaram a subir os economistas do governo insistiam nas previsões equivocadas.

A CPI também mostrou que Bolsonaro governa com um gabinete clandestino no qual se misturam filhos, amigos dos filhos, pessoas estranhas ao serviço público. É completamente irregular do ponto de vista institucional que uma autoridade municipal, no caso o vereador Carlos Bolsonaro, tenha poderes na administração federal. Um governo nas sombras não é auditável e não está sob a supervisão de órgãos de controle. O que foi dito até agora trouxe muitas informações, mas o silêncio do general também será revelador. Pazuello não pode contar o que sabe sem se incriminar. Que espanto.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/revelacoes-das-falas-e-do-silencio.html