Ministério do Meio Ambiente

Quase R$ 300 mi em multas ambientais podem prescrever em 2022

Luiz Fernando Toledo*, BBC News Brasil

Até o fim de 2022, pelo menos 2.297 multas ambientais podem prescrever e o Estado brasileiro deixar de arrecadar cerca de R$ 298 milhões, segundo estimativa interna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), feita em junho e obtida pela BBC News Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Esse número mostra apenas uma parte do problema, pois o órgão admite que mais de 90 mil multas ainda estão na fila para serem processadas e seus prazos de prescrição são desconhecidos.

As cifras também podem variar de acordo com o tipo de análise, já que há vários tipos de prescrição previstos em lei, que variam entre três a cinco anos. A reportagem considerou dados enviados pelo próprio Ibama, que cita como base lei de 1999 que estabelece prazo de prescrição da ação punitiva do Estado.

A BBC News Brasil conversou com mais de 20 ex-funcionários e especialistas do Ibama para esta reportagem. Também analisou documentos internos do órgão e dados oficiais.

A realidade que se desenha é que infratores não temem as punições pois contam com a prescrição para livrar-se dos malfeitos.

Consequentemente, vêm mantendo práticas ilegais por anos, contribuindo para aumentar o desmatamento e a grilagem de terras, enquanto mantêm negócios com a venda e exportação de produtos, como carne e madeira.

Quatro etapas são necessárias para que a infração ambiental seja punida: identificar o ilícito ambiental, autuar, julgar e cobrar a multa. Se o Estado demorar cinco anos ou mais para realizar qualquer uma dessas etapas ou ficar três anos sem "mover" o processo, a multa prescreve e nenhum dinheiro pode ser recolhido, embora a empresa ainda possa ter de restaurar a área degradada, se assim determinado pela Justiça. Também há possível punição na esfera criminal.

Mais de 10 mil multas ambientais são aplicadas anualmente no Brasil. Mas, segundo diagnóstico do próprio Ibama, a atual equipe que analisa e julga não consegue dar conta desse volume de trabalho, então a papelada se acumula e é repassada para o ano seguinte, situação que se repete até o vencimento das multas. Uma estimativa interna do instituto diz que quase 40 mil multas podem prescrever até 2024.

Falta de pessoal e mudanças frequentes na legislação são os motivos do problema, segundo avaliação interna do Ibama e as fontes ouvidas.

"As pessoas têm a impressão de que o Estado é incapaz de punir", diz Felipe Nunes, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores de um estudo que mostra que menos multas ambientais estão sendo aplicadas e julgadas por atual administração do Ibama.

Especialistas apontam que uma das razões que ajudaram a aumentar o risco de prescrições é a chamada audiência de conciliação, uma nova etapa antes do julgamento da multa em que o Ibama oferece ao infrator a possibilidade de chegar a um acordo com a empresa em vez de caminhar por um julgamento.

Criado em 2019, o procedimento acabou retardando o processamento de multas nos primeiros meses. Dados da agência ambiental apontam que houve o menor número de julgamentos de infrações ambientais ao menos desde 2013 no órgão.

O Ibama reconheceu essas audiências como um desafio em uma avaliação interna, mencionando-as em seu memorando interno em uma seção sobre "ameaças ao processo sancionatório".

"A audiência de conciliação foi uma política que veio de cima pra baixo, sem ouvir os servidores. Gastou-se muita energia. Se tivessem priorizado o trabalho para melhorar julgamento e instrução das multas, não teríamos tantas prescrições de multas de valores altíssimos", diz o geógrafo e analista ambiental Govinda Terra, um dos diretores da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do MMA (Ministério do Meio Ambiente) e do Ibama (Asibama-DF).

O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) já se mostrou crítico às multas ambientais por diversas vezes. Ele próprio foi multado por pescar em área protegida em janeiro de 2012 e vem dizendo, desde que foi eleito, que quer acabar com a "indústria da multa" no Brasil. Sua própria multa prescreveu em 2019 e o agente que a escreveu foi removido de seu cargo no mesmo ano.

Multas prescritas não são um problema novo e atualmente há até mais mecanismos para evitá-las do que há alguns anos, como a digitalização de documentos nos órgãos públicos, que ajuda na tramitação da papelada e evita a perda de arquivos.

Mas a perda de arrecadação com as prescrições está aumentando. Registros obtidos por meio da LAI mostram que pelo menos 649 multas ambientais prescreveram no ano passado, a maior perda financeira reconhecida da agência desde 2017, após correção pela inflação, de R$ 144 milhões.

Uma das preocupações mais graves dos servidores é com multas milionárias, cujo trabalho de autuação pode levar meses de preparação, mas que têm se perdido com prescrições.

"As grandes empresas preferem gastar com advogado e estender o processo administrativo ao máximo — muitas enrolam mesmo — e, quando não dá certo, vão brigar na Justiça", diz a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, que ocupou o cargo no governo Temer e hoje trabalha como especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. O Ibama publicou em julho uma portaria que tenta "organizar" essa fila do passivo, priorizando aqueles com valores mais altos.

Registros internos mostram que o Ibama reconhece o problema oficialmente. "Deficiências administrativas comprometem a apuração e mobilização das fiscalizações, não gerando o efeito dissuasório que a multa deveria ter", diz um documento produzido no ano passado.

Página de documento escrito digitalmente
Documento interno do Ibama reconhece problemas que levam à prescrição das multas

Quando uma multa prescreve, o instituto precisa abrir uma apuração para identificar o responsável. Mas nem sempre isso é possível. Em alguns casos, o instituto não consegue nem sequer encontrar o agente responsável pelo julgamento da empresa. Por causa da demora, há servidores envolvidos nos processos que até já se aposentaram.

Autoridades do Ibama disseram, em um plano interno, que o órgão precisa contratar 300 pessoas para preencher cargos administrativos e iniciar uma "força-tarefa" para evitar mais prescrições.

Raoni Rajão, professor de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que as mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro agravam a falta de pessoal no Ibama e geram um obstáculo artificial à fiscalização. "O processo não anda e, com isso, mais multas serão vencidas".

"Seria muito importante que o tratamento das multas fosse feito de maneira estratégica. Isso garantiria que grandes e reincidentes infratores fossem objeto de sistemas de inteligência compartilhados, por meio de uma governança entre órgãos administrativos e penais, de modo que fossem investigados de maneira apropriada e prioritária", disse Andreia Bonzo Araujo Azevedo, que é Diretora Adjunta do Programa de Clima e Segurança do Instituto Igarapé.

O Ibama não respondeu aos pedidos de entrevista após duas semanas.

Brigadista durante incêndio
Sem estrutura suficiente para aplicar multas, infrações ambientais podem ficar impunes

"É um prejuízo impossível de mensurar. É como se zerasse o efeito de tudo que foi feito", diz o servidor.

A alta no valor prescrito em 2021 foi puxada por um caso emblemático. Em 2009, o Estado brasileiro multou uma empresa agrícola por impedir a regeneração florestal em uma área de mais de 6 mil hectares, no Estado do Pará.

Em vez de permitir que a floresta voltasse a crescer em uma área que tinha sido desmatada, a empresa Agropecuária Santa Bárbara do Xinguara criou gado. Por causa do tamanho da fazenda, a multa estabelecida atingiu o teto previsto em lei, de R$ 50 milhões.

A operação, que envolveu diversas fazendas da empresa, fazia parte de um trabalho do Ibama em diversas regiões do Pará para comprovar a situação do desmatamento em áreas de atividade agropecuária na Amazônia. Os fiscais afirmaram que a empresa vinha comprando áreas já desmatadas para criar gado. Segundo a própria agropecuária, havia 20 mil cabeças no local da autuação.

Servidores da Superintendência do Ibama no Pará que acompanharam a operação em 2009 disseram à reportagem que esta autuação tinha um peso histórico.

"Era a primeira multa dessa empresa, na época a maior agropecuária do Brasil", disse um servidor, que pediu anonimato por não ter autorização para dar entrevistas. "Descobrimos que estavam usando normalmente áreas que já tinham sido desmatadas e estavam embargadas (ou seja, que não tinham autorização para nenhum tipo de atividade produtiva, como a criação de gado)."

Formulário preenchido à mão
Autuação de fazenda em 2009 no Pará tinha 'peso histórico', segundo um servidor, mas acabou prescrita

Mas o desfecho "histórico" não favoreceu os cofres públicos: a multa nunca foi paga e teve a prescrição reconhecida pelo Estado no ano passado. Isto significa, na prática, que, por causa da demora em agir, o Ibama perdeu definitivamente o direito de cobrar a agropecuária pela infração.

"Temos a sensação de enxugar gelo. Não é só o valor da multa que é perdido. É o trabalho de quem fez a fiscalização, do que se gastou com helicópteros, com pessoal, com tempo de trabalho. É um prejuízo impossível de mensurar. É como se zerasse o efeito de tudo que foi feito", diz Terra, do Asibama-DF.

A multa foi uma das infrações mais altas a prescrever nos últimos 20 anos, segundo dados obtidos pela reportagem e atualizados em março deste ano. Desde 2000, ao menos R$ 1,3 bilhão em multas ambientais já prescreveu.

Print de prescrição de multa
Ibama tem dificuldade para responsabilizar quem permitiu que a multa prescrevesse; neste caso, por exemplo, o servidor que atuou no caso e poderia falar sobre o que aconteceu já tinha se aposentado

Além do lado administrativo, casos como esse também podem ser analisados na Justiça, no âmbito civil e criminal. Em junho de 2018, o juiz federal Heitor Moura Gomes, da subseção Judiciária de Marabá do Tribunal Regional Federal da Primeira Região condenou a agropecuária a recuperar a área desmatada, mas a empresa recorreu e, desde então, aguarda decisão definitiva da corte.

Na decisão, o juiz absolveu a empresa do pagamento por danos materiais justamente por causa do alto valor da multa que seria aplicada contra a empresa - e que agora, sabe-se, prescreveu.

Bruno Valente, procurador federal do Pará, diz que é comum casos como esse durarem uma década ou mais na Justiça. "A consequência é ruim, pois não desencoraja os infratores".

A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara se apresenta como uma das maiores do setor na América Latina. Em 2019, o jornal britânico The Guardian informou que eles estavam fornecendo à JBS, a maior empresa frigorífica do mundo, que vende carne bovina para praticamente o mundo todo. O Pará, onde está localizada a fazenda, é o Estado da Amazônia com a maior taxa de desmatamento.

A AgroSB, atual nome da empresa, reconheceu por e-mail que houve dano ambiental na área, mas que o desmatamento tinha acontecido antes da compra da fazenda, e que ela estava invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no momento da autuação.

"O melhor para a AgroSB (e Estado) seria o Ibama ter analisado rapidamente este fato e ter declarado no mérito a nulidade da multa, evitando-se, assim, o arrasto do deslinde do feito por mais de uma década até ser fulminado pela prescrição", disse a empresa à reportagem.

O instituto ainda tentava descobrir, em junho deste ano, quem foi o responsável por ter deixado a multa prescrever, de acordo com um memorando interno obtido pela reportagem.

Um funcionário do Ibama que trabalhou no julgamento administrativo de multas e conhece o caso da AgroSB disse que a estratégia da empresa é comum.

"É modus operandi entrar no processo administrativo e esperar o vencimento da multa. Desde o momento em que a empresa foi multada até agora, ela já lucrou muito mais. Esse é um caso emblemático de falta de punição, que gera mais injustiça."

Multa prescrita no passado, investigação no presente

Em março de 2009, o Ibama multou a empresa Tradelink Madeiras em R$ 161 mil (hoje equivalentes a R$ 355 mil, em valores corrigidos pela inflação) por ter adquirido 4.500 metros cúbicos de madeira serrada de ipê (um dos tipos mais valorizados do Brasil) e outros por meio de uma empresa de fachada, situação parecida com a da atual investigação.

A madeira comprada à época foi apreendida e, segundo o relatório do órgão, ficou guardada por quase uma década em um galpão, a ponto de ficar "com aspecto envelhecido, de cor acinzentada", até que o órgão governamental aplicasse a multa, de fato, em 2018. Por conta do lapso temporal, a punição prescreveu e a empresa não precisou pagar a sanção.

Em uma nota técnica enviada à reportagem por meio da LAI, o Ibama justificou a prescrição por "atrasos na análise quanto à lavratura, possivelmente devido à complexidade da operação".

A Tradelink voltou a ser destaque no ano passado depois que uma operação da Polícia Federal investigar se o ministro Ricardo Salles e o atual presidente do Ibama, Eduardo Bim, faziam parte de um suposto esquema para facilitar o contrabando de madeira para os Estados Unidos.

Destituído do cargo por 90 dias, Bim voltou ao trabalho e, no relatório anual de 2021 do Ibama, escreveu que o instituto está "firme no combate ao desmatamento ilegal em terras indígenas e nos diversos biomas brasileiros."

Área da floresta Amazônica em que houve desmatamento
Especialistas acreditam que irregularidades ambientais poderiam ser evitadas se o Ibama garantisse as sanções, freando possíveis reincidentes

Procurada, a Tradelink negou irregularidades, diz que não houve exportação ilegal e que "a documentação comprobatória da exportação desses contêineres foi apresentada ao Ibama e à Receita Federal do Brasil, antes do embarque".

Disse ainda que "nunca comprou madeira de empresas que foram fechadas" e que a ação de março de 2009 "está sendo apreciada pelo sistema judicial brasileiro".

Também afirmou que os autos não tiveram relação com desmatamento, mas com "formalidades administrativas vinculadas com divergências no preenchimento específico da documentação".

Especialistas acreditam que irregularidades ambientais poderiam ser evitadas se o Ibama garantisse as sanções, freando possíveis reincidentes.

"A prescrição desses mais de 2 mil autos de infração ambientais [da planilha obtida pela reportagem] é uma forma de chancelar as condutas ambientais criminosas. Se muitos infratores ambientais já viam nas falhas sistêmicas uma via para cometer ilegalidades, sabendo da predisposição de que, se pegos, suas autuações acabarão sendo alcançadas pela prescrição, serão ainda mais estimulados a continuar a expandir o desmatamento ilegal", disse Daniele Galvão, analista jurídica do Center for Climate Crime Analysis (CCCA), uma organização sem fins lucrativos.

"O CCCA tem se deparado em suas análises com diversos casos em que o desmatamento associado à extração ilegal de madeira, muitas vezes destinada à exportação para o mercado europeu ou norte-americano, poderia ser evitado se o Ibama (e também os órgãos ambientais estaduais) atuasse de forma mais efetiva em campo".

Petrobras: mesmo com alertas de subordinados, multas de R$ 10 milhões prescreveram

Uma investigação aberta pelo Ibama em 2018, a que a reportagem teve acesso, mostra que um agente do órgão teria se "esquecido" de tratar de pelo menos quatro multas emitidas contra a Petrobras, deixando R$ 10 milhões em infrações prescreverem entre 2017 e 2018, apesar de ter sido avisado por seus subordinados. O caso contra o servidor foi arquivado por falta de provas, mas as multas foram perdidas.

A Petrobras é a empresa que mais recebeu multas ambientais no país, com mais de 2 mil sanções desde 2009, de acordo com dados do Ibama, que somam mais de R$ 1 bilhão, mas a maioria ainda não resultou em pagamento. A empresa foi constantemente mencionada nas entrevistas para esta reportagem como um exemplo da dificuldade da agência ambiental em garantir o pagamento de multas.

De acordo com a investigação, um coordenador de exploração de petróleo do Ibama no Rio de Janeiro "reteve deliberadamente" vários autos de infração contra a petroleira estatal.

O documento apontou que um agente da unidade do Rio apresentou mensagens remetidas ao coordenador que pediam a ele para trabalhar na multa, o que indicaria "que não houve negligência, mas sim a intenção de manter a situação como está".

Os servidores que investigaram o caso também constataram vários problemas administrativos naquela unidade do Ibama, como "falta de controle documental do processo" na unidade e falta de controle dos horários dos funcionários.

O caso também foi denunciado ao Ministério Público Federal, que abriu um inquérito. O servidor deixou o cargo comissionado que ocupava na mesma época da denúncia, em 2018, mas segue atuando no Ibama. O caso foi arquivado em 2021, segundo o MPF, por "ausência de indícios de falha funcional por parte dos coordenadores."

A Petrobras informou, em nota, que "atua com responsabilidade social e ambiental, além de transparência e respeito a normas e regras vigentes em sua missão de transformar recursos brasileiros em riquezas."

A reportagem procurou o Ibama, mas não obteve nenhuma resposta após duas semanas.

*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil. Título editado.


Bernardo Mello Franco: A mutação dos bolsonaristas

A CPI da Covid produziu uma mutação nos bolsonaristas. Diante dos senadores e das câmeras de TV, os defensores do capitão perdem subitamente a valentia. Passam a falar baixo, renegam suas bravatas e fingem esquecer o que já disseram.

Na semana passada, o fenômeno ocorreu com Fabio Wajngarten. Conhecido pela agressividade nas redes sociais, o publicitário afinou ao usar o microfone. Adotou um tom humilde, quase servil, para tentar escapar ileso do depoimento.

O ex-secretário de Comunicação se disse vítima de “boatos maldosos” sobre a intermediação da compra de vacinas. No entanto, perdeu a memória ao ser questionado sobre um termo usado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. “Não sei nem o que significa pixulé”, desconversou. “Melhor assim, não é?”, ironizou o senador Renan Calheiros.

Ontem a foi a vez de Ernesto Araújo sofrer um surto de amnésia. Pivô de múltiplas crises com a China, o ex-chanceler jurou que nunca criou atritos com Pequim. Renegou até o artigo em que se referiu ao coronavírus como “comunavírus”, endossando a teoria conspiratória de que os chineses teriam lucrado com a pandemia. “Vossa excelência renega o que escreveu. Aí, não dá!”, protestou o senador Omar Aziz.

Em outro momento, Ernesto disse que o ideólogo Olavo de Carvalho não era o guru da sua política externa delirante. “O senhor de fato é um homem muito ousado, muito corajoso”, debochou a senadora Kátia Abreu, antes de chamar o ex-ministro de “negacionista compulsivo”.

Apesar dos recuos e das gaguejadas, Wajngarten e Ernesto não conseguiram blindar o chefe. O publicitário admitiu que Jair Bolsonaro ignorou ofertas de vacinas da Pfizer. E o ex-chanceler confirmou que o presidente deu ordens para negociar a importação de cloroquina.

Ernesto deixou claro que sua gestão estava mais empenhada em travar lutas ideológicas do que em salvar vidas. Por discordar do governo da Venezuela, o ministro se negou a colaborar com o transporte de cilindros de oxigênio de Caracas para Manaus. Depois que a doação chegou, ele se recusou a dar um mísero telefonema para agradecer.

PF laçou a boiada de Ricardo Salles

A Polícia Federal laçou a boiada de Ricardo Salles. O ministro do Meio Ambiente foi o principal alvo da operação deflagrada nesta manhã. A polícia investiga sua participação num esquema de exportação ilegal de madeira.

A ação apura crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Salles. Ele também afastou o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

O governo de Jair Bolsonaro subverteu a razão de ser do Ministério do Meio Ambiente. Desde a posse do capitão, a pasta foi capturada por interesses econômicos ligados à exploração predatória dos recursos naturais.

Em vez de proteger as florestas, a gestão de Salles estimulou a ação de desmatadores, grileiros e garimpeiros. Na reunião ministerial de abril de 2020, ele escancarou sua estratégia: aproveitar a pandemia para ir “passando a boiada”. Era uma referência ao desmonte da legislação e dos órgãos ambientais no Brasil.

Em tempos normais, a operação da PF levaria à demissão imediata do ministro do Meio Ambiente. Como estamos no governo Bolsonaro, é preciso esperar para ver. A política antiambiental de Salles não é uma obra de um homem só. Estava sempre deixou claro que cumpre ordens do presidente.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/mutacao-dos-bolsonaristas.html


O Globo: Operação da Polícia Federal foi ‘exagerada’ e ‘desnecessária’, diz Salles

Daniel Gullino, O Globo

BRASÍLIA — O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a operação da Polícia Federal (PF) da qual foi alvo foi “exagerada” e “desnecessária”. Salles disse que ele e todos os funcionários do ministério sempre estiveram a disposição para prestar esclarecimentos.

— Fazendo aqui uma manifestação de surpresa com essa operação que eu entendo exagerada, desnecessária. Até porque todos, não só o ministro, como todos os demais que foram citados e incluídos nessa investigação, estiveram sempre à disposição para esclarecer quaisquer questões — disse o ministro, na saída de um evento em Brasília.

Relatório do Coaf:  PF apontou participação de Salles em ‘esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais’

De acordo com Salles, o relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, foi induzido ao erro pela PF. A corporação descreveu a “existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais” envolvendo Salles e servidores públicos do ministério e do Ibama.

— Entendemos que esse inquérito, o pouco que sabemos, não tive acesso ainda, ele foi instruído de uma forma que acabou induzindo o ministro relator a erro, induzindo justamente  dar impressão que houve ou teria havido possivelmente uma ação concatenada de agentes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente para favorecer ou para fazer o destravamento indevido do que quer que seja. Essas ações jamais, repito, jamais, aconteceram.

O ministro, que esteve no Palácio do Planalto na manhã desta quarta, disse que afirmou ao presidente Jair Bolsonaro que “não há substância nenhuma” nos fatos investigados:

— Expliquei ao presidente do que se trata. Expliquei que, na minha opinião, não há substância nenhuma das acusações. Embora eu não conheça os autos já sei qual é o assunto que se trata e me parece que esse é um assunto que vai ser esclarecido, ou que pode ser esclarecido com muita rapidez.

Segundo informações apresentadas pela PF nos autos, a investigação começou a partir de documentos produzidos pela embaixada americana no Brasil, especialmente pelo adido do órgão equivalente ao Ibama nos EUA, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem, Bryan Landry. Os documentos informavam a apreensão, no Porto de Savannah, no estado da Geórgia, nos EUA, de três cargas de produtos florestais sem a respectiva documentação.

De acordo com Salles, o Ibama considerou na época que a norme que a regra que teria sido desrespeitada já deveria ter sido alterada:

— Essa questão dos Estados Unidos foi uma carga, aparentemente, até onde eu sei, foi uma carga que foi exportada e quando chegou nos Estados Unidos, eles pediram documentos que não constavam. A presidência do Ibama entendeu, analisando o caso concreto, que a regra estava sendo invocada, era uma regra que já deveria, naquela altura, ter sido alterada e dessa forma técnica, aparentemente, agiu.

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/meio-ambiente/operacao-da-policia-federal-foi-exagerada-desnecessaria-diz-salles-25024601

 


Metrópoles: Presidente do Ibama esvaziou órgão e perseguiu servidores, aponta PF

Tácio Lorran, Metrópoles

O presidente afastado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato Bim, é suspeito de ter esvaziado setores de fiscalização do órgão e promovido uma política de perseguição contra servidores.

Bim é alvo da Operação Akuanduba, deflagrada nesta quarta-feira (19/5) pela Polícia Federal (PF) para apurar participação de agentes públicos em um suposto esquema criminoso de exportações ilegais de madeira.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou o afastamento de nove agentes públicos do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama – entre eles, o presidente do órgão, Eduardo Bim. O ministro de Estado Ricardo Salles é alvo de mandados de busca.

Moraes narra, ao autorizar a operação, que “a autoridade policial aduziu que os depoimentos colhidos demonstraram, em tese, uma gestão [de Bim] voltada ao esvaziamento do órgão sob seu comando (especialmente dos setores incumbidos da fiscalização) e uma franca política de perseguição contra os servidores que a ela se oponham, em verdadeiro descompasso com o seu cargo”.

Mais sobre o assunto

O presidente do instituto também participou de uma reunião com representantes da Confloresta e Aimex, além de um diretor da Tradelink Madeiras e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em fevereiro de 2020.

Essas empresas foram alvos de apreensões de produtos florestais exportados ilegalmente aos Estados Unidos. Logo após o encontro, houve “o atendimento integral da demanda formulada pelas duas entidades, […] legalizando, inclusive com efeito retroativos, milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”.

Metrópoles apurou que parte dos servidores do Ibama se mostrou contrário à decisão tomada pelo órgão, para facilitar a exportação ilegal de madeiras.

A PF também narra que o ministro Ricardo Salles desfavoreceu esses servidores.

“Na sequência da aprovação desse documento e revogação da norma, servidores que atuaram em prol das exportadoras foram beneficiados pelo ministro com nomeações para cargos mais altos, ao passo que servidores que se mantiveram firmes em suas posições técnicas, foram exonerados por ele”.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/distrito-federal/meio-ambiente/presidente-do-ibama-esvaziou-orgao-e-perseguiu-servidores-aponta-pf


O Estado de S. Paulo: Entenda como Salles e Ibama afrouxaram as regras para exportação de madeira

André Borges, O Estado de S. Paulo

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante coletiva sobre operações de combate ao desmatamento Florestas Nacionais do Jacundá e Vila Samuel. Foto: Dida Sampaio / Estadão

Operação Akuanduba da Polícia Federal investiga, entre outras irregularidades, as ações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, que afrouxaram as regras de controle para exportação de madeira. Essa sempre foi uma demanda dos madeireiros e associações do setor, a qual foi atendida no ano passado.

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Entre o fim de 2019 e início de 2020, o Ibama recebeu uma série de demandas para facilitar a exportação e mexer nas regras de fiscalização. O pleito foi levado ao órgão por instituições como a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará (Aimex) e Centro das Indústrias do Pará (CIP), que representa os madeireiros do Estado. A mobilização das associações ocorreu após apreensões de produtos florestais exportados sem a devida documentação pelas empresas Ebata Produtos Florestais Ltda e Tradelink Madeiras Ltda, para os Estados Unidos.

O pedido foi atendido. No dia 25 de fevereiro de 2020, Bim editou um “despacho interpretativo” para atender aos pedidos dos madeireiros. Esse despacho é citado em diversos trechos da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que embasa os pedidos de investigação e afastamento da cúpula do Meio Ambiente.

O ato do presidente do Ibama suspendeu os efeitos de uma instrução normativa de 2011 (15/2011) do próprio Ibama, que tratava do assunto. Essa instrução normativa previa uma autorização específica para que madeiras pudessem deixar o país. Com o despacho, porém, os produtos florestais passaram a ser acompanhados apenas do chamado Documento de Origem Florestal (DOF).

Em junho do ano passado, organizações ambientais como o Instituto Socioambiental (ISA) e Greenpeace, além da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, protocolaram uma ação civil pública na Justiça Federal, contra as mudanças.

Esse DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, apenas para que a madeira seja levada até o porto, ou seja, é uma licença de transporte e armazenamento, enquanto a instrução até então vigente exigia uma autorização específica para exportação, um processo que incluía, por exemplo, inspeções por amostragem e outros controles para a exportação que o DOF não exige.

Naquela ocasião, uma análise técnica do próprio Ibama alertou que o Código Florestal distinguia a licença de transporte e armazenamento (DOF) da autorização de exportação. Essa avaliação, porém, foi descartada pelo presidente do Ibama. Bim acatou um argumento dos madeireiros, sob alegação de que a exigência daquela autorização específica teria “caducado”, porque teria sido revogada pela existência de outro recurso, o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que começou a ser implantado em 2014.

Em seu despacho, o presidente do Ibama declarou que o Sinaflor teria alterado as regras de exportação, “sendo suficiente para exportar o DOF exportação ou a Guia Florestal expedida pelos Estados-membros”. Na prática, com a mudança, uma guia de transporte emitida pelos órgãos nos Estados passou a valer no lugar de uma autorização de exportação do Ibama.

“Equivocado entender que o DOF exportação não possibilita a fiscalização da carga, quando não apenas isso é possível, pelo dever geral de proteção ambiental, como expressamente previsto”, declarou Bim, em despacho de 25 de fevereiro do ano passado. “A fiscalização ambiental não é prejudicada.”

A decisão foi festejada. Em carta de 28 de fevereiro de 2020, o Centro das Indústrias do Pará afirmou que o presidente do Ibama “colocou em ordem as exportações de madeira”.

Como funciona o crime no Brasil

Antes de uma chapa de ipê ou mogno chegar ao porto de Santos ou qualquer outra porta de saída do território nacional, ela percorre uma cadeia no País que, invariavelmente, é marcada pela corrupção. O crime se baseia, basicamente, em uma indústria de papeis falsos. Por meio de agentes públicos que atuam de forma criminosa, documentos, como o DOF, são emitidos para “esquentar” a madeira roubada de terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo.

O governo tem digitalizado há anos esse tipo de informação, por meio do Ibama, com o propósito de concentrar no órgão federal todos documentos de origem de madeira do País e, a partir disso, confrontar esses papeis com o inventário legal de madeira de corte. Esse cruzamento de dados, porém, ainda não está consolidado nacionalmente, além de conter brechas para manipulações de dados por seus gestores.

Na prática, portanto, um país que importa madeira do Brasil pode até achar que está adquirindo um produto 100% legal, quando, na realidade, sua origem pode ser fruto de um esquema fraudulento, que costuma inviabilizar o preço do mercado entre aqueles poucos madeireiros que desejam atuar de forma 100% legal.

Nos últimos anos, o Ibama tem procurado aperfeiçoar o sistema de registro, transporte e exportação de madeira, com a eliminação de papeis e a centralização de dados no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que é administrado pelo órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Ocorre que a inserção dos dados no sistema, como os tipos de madeira e quantidade que foram produzidas por determinadas empresa, possui fragilidades. Como se trata de dados repassados pelos Estados, sem um controle rígido de informações, há brechas para fraudes, com pedidos de autorizações e registros que não correspondem à realidade do que, efetivamente, foi retirado da floresta.

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Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/entenda-como-salles-e-ibama-afrouxaram-as-regras-para-exportacao-de-madeira/


O Globo: PGR diz que não foi consultada sobre operação da PF contra Ricardo Salles

Aguirre Talento e Jussara Soares, O Globo

BRASÍLIA – A operação da Polícia Federal contra o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, deflagrada nesta quarta-feira, foi realizada sem uma consulta prévia ao procurador-geral da República Augusto Aras, como é a praxe nos procedimentos do tipo. Em seu despacho que autorizou a operação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fosse informada do caso apenas após o cumprimento das diligências.

Após operação da PF:   Salles vai ao Planalto se reunir com Bolsonaro

Nos bastidores, fontes ligadas à investigação apontam que a PGR não foi informada previamente por receio de que Aras vazasse informações da operação para o Palácio do Planalto. Os investigadores também viam riscos de que o procurador-geral atuasse contra a realização da operação.

A decisão de não enviar previamente o caso para análise da PGR foi do ministro Alexandre de Moraes. “Após o cumprimento das diligências, dê-se, imediata ciência à Procuradoria-Geral da República”, escreveu Moraes, no despacho proferido no último dia 13 de maio.

Após tomar conhecimento da operação pela imprensa, a equipe de Aras divulgou uma nota com críticas ao procedimento adotado, sem citar nominalmente o ministro de Moraes. A PGR afirmou que “não foi instada a se manifestar sobre a medida, o que, em princípio, pode violar o sistema constitucional acusatório”.

Nos bastidores, o ministro Alexandre de Moraes minimizou as cobranças da PGR e vai responder nos autos caso Aras apresente alguma objeção.

Meio Ambiente: PF faz operação contra Ricardo Salles e presidente do Ibama é afastado do cargo

Geralmente, quando a PF solicita uma medida ao Supremo, o ministro pede um parecer da PGR a respeito do pedido policial. Só depois desse parecer do Ministério Público é que a operação costuma ser realizada. A mudança desse procedimento causou estranheza em integrantes da equipe de Aras.

Considerado um aliado por Bolsonaro, Aras analisa desde o final de abril um pedido de investigação contra Salles, protocolado no STF pelo ex-superintendente da PF do Amazonas, mas pediu explicações ao ministro antes de decidir se solicitaria a abertura de inquérito. A lentidão do PGR neste caso provocou desconforto entre investigadores da Polícia Federal

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Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/pgr-diz-que-nao-foi-consultada-sobre-operacao-da-pf-contra-ricardo-salles-25024405

 


Eliane Cantanhêde: Um ri, os outros choram

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma espetacular jogada de marketing ao aderir à tese de quebra de patentes das vacinas em meio à pandemia de covid-19, o que não só consolida a imagem de Biden como marca a volta dos EUA à liderança mundial das grandes causas, como meio ambiente e combate ao vírus.

O mundo desenvolvido e civilizado aplaude e se move na mesma direção, chacoalhando a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e, com elas, o multilateralismo, tão achincalhado na era Donald Trump. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas, do marketing a resultados, da intenção à ação, é que são elas.

Não é simples, nem rápido, uma guinada dessa magnitude, muito menos com o mundo em frangalhos pelo efeito do coronavírus nas pessoas, nos sistemas de saúde, nos países, nas empresas, nos empregos. É uma emergência, mas a teia de interesses é imensa – e poderosa. Quebra de patentes pode demorar anos, e a pandemia exige resultados já.

As questões humanitárias, financeiras e políticas dividem o mundo entre os poucos países que detêm as patentes e a grande maioria que demanda desesperadamente as vacinas. E essas questões unem – contra – os grandes laboratórios, que despendem recursos e recrutam os melhores cérebros do planeta para obter sucesso – no caso da covid, em tempo recorde.

A reação da União Europeia foi de apoio a Biden, mas, nos bastidores, a posição de boa parte dos países está mais próxima da manifestada pela Alemanha, já seguida pela França, contra a quebra de patentes. Não será surpresa se, um a um, outros forem na mesma linha, lembrando que os EUA nunca exportaram uma mísera dose e doam as estocadas a conta-gotas.

Assim, segundo diplomatas e experts em negociação, do Brasil e do exterior, a quebra de patentes a jato é improvável e o razoável são soluções alternativas, ou uma “terceira via”: cessão de excedentes de vacina dos países ricos para médios e pobres, transferência de tecnologia e redução de medidas protecionistas para os insumos de vacinas.

No mundo real, para além da geopolítica, só a quebra de patentes não vai multiplicar as doses e proteger as bilhões de vidas do planeta, porque não basta querer, é preciso poder fabricar as vacinas. Isso vale para o Brasil, que tem Butantan, Fiocruz e capacidade de produção de vacinas, mas não o suficiente para a demanda nacional, com ou sem quebra de patentes.

O efeito da fala de Biden por estas bandas também é político e diplomático, depois de o governo jogar para o alto o troféu do Brasil de capitão da quebra de patentes no combate à Aids, uma vitória que marca a biografia do ex-ministro José Serra (PSDB-SP). Para se alinhar a Trump, Bolsonaro virou as costas para Índia e África do Sul, parceiros dos BRICS, e ficou contra a quebra de patentes na era da Covid.

Sem Trump e com Biden, sem Ernesto Araújo e com Carlos França, a questão das patentes vem bem a calhar para a correção de uma política externa até aqui desastrosa. Mas, enquanto quatro ministros dizem em nota que o governo recebeu “com satisfação” as propostas dos EUA, três deles são obrigados a implorar, de novo, o perdão da China. Por quê? Porque Bolsonaro continua atrapalhando.

Ao insinuar que a China criou o vírus em laboratório para gerar uma “guerra química”, ele, aliás, deixa uma suspeita: a de que quer, deliberadamente, prejudicar a entrega de insumos para a “vacina chinesa do Doria” – que, na prática, é a que garante a imunização no Brasil. Para piorar, a OMS aprovou a vacina da Sinopharm, também chinesa, antes da Coronavac. Isso aumenta a ansiedade e, como efeito colateral, brasileiros nem poderão ir à Europa. Bolsonaro ri, o Brasil chora.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,um-ri-os-outros-choram,70003708766


Merval Pereira: Paradoxos da regressão

O formidável Tim Maia eternizou uma máxima brasileira que demonstra como, entre nós, o paradoxal acaba sendo normalizado, às vezes em decorrência de uma afabilidade presumida. “Prostituta tem orgasmo, traficante cheira e cafetão se apaixona”, repetia às gargalhadas. Eram tempos outros, em que ainda se acreditava que o país era abençoado por Deus. Bonito por natureza continua sendo, mas com um governo que não sossega enquanto não torná-lo feio, degradado, desesperançado.

André Trigueiro, meu colega da Globonews especialista em meio-ambiente, cunhou uma dessas frases que refletem o estado das coisas, com a amargura que a frase de Tim Maia não tinha. “Funai intimida indígenas. Fundação Palmares rechaça movimento negro. Ministério do Meio Ambiente intimida fiscais do Ibama”. É um retrato do país hoje, quando se distorce a função na medida dos interesses regressivos de setores da sociedade que não querem se enquadrar nos códigos modernizantes que regem o mundo ocidental.

No caso do desmatamento, o país, que já teve voz importante na questão, hoje é tido como vilão contra o meio-ambiente, a ponto de as exportações brasileiras estarem em xeque. Delegado da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, que apreendeu toneladas de troncos arrancados ilegalmente, acabou sendo afastado da função, e a carga liberada.

Teve que recorrer ao Supremo Tribunal Federal com uma notícia-crime contra o ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, e presidente do Ibama Eduardo Bim, e o senador de Roraima Telmário Mota que, juntamente com outros deputados e senadores da região, pressionaram o ministério do Meio-Ambiente a favor dos madeireiros.

Já o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, um negro racista, desde que assumiu o cargo, vem dando declarações contra os movimentos negros, que seriam “uma escória maldita”, e classificou Zumbi como “um filho da puta que escravizava negros”. Tomou decisões polêmicas, como mandar retirar da lista de “personalidades negras” da Fundação nomes como Marina Silva, Benedita da Silva, Gilberto Gil, Madame Satã, Martinho da Vila, Milton Nascimento, Elza Soares.

Sérgio Camargo foi considerado “inapto” para a função pela ONU, que enviou uma carta ao governo brasileiro questionando ações da Fundação, como a redução das áreas quilombolas. Já a Funai tem na sua origem o Serviço de Proteção ao Índio, criado pelo Marechal Rondon mas, no governo Bolsonaro, começou a ser desmontada.

Um dos primeiros atos do novo governo foi passar a demarcação de terras indígenas e de quilombolas para o ministério da Agricultura, o que não aconteceu porque o Congresso mudou a medida provisória para manter o controle no ministério da Justiça. A ação da Funai, porém, vem sendo muito criticada, inclusive nessa pandemia, por não ter lutado para que os indígenas e quilombolas tivessem prioridade para a vacinação.

Para completar, a própria Funai pediu à Polícia Federal que abrisse um inquérito contra a líder indígena Sônia Guajajara, que foi intimada a prestar depoimento sobre as críticas feitas contra o Governo federal em um documentário da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que ela coordena.

O documentário “Maracá” retrata, em episódios, a maneira como os índios estão sendo tratados nessa pandemia, e foi considerado pela Funai uma ação de “calúnia e difamação”, e não um protesto daqueles que deveria proteger. O juiz Frederico Botelho, de Brasília, mandou arquivar o inquérito e disse que houve uma tentativa de usar a Lei de Segurança Nacional contra a líder indígena.

Esses paradoxos regressivos têm provocado até mesmo problemas familiares. O pai de Sérgio Camargo é um tradicional e importante líder negro e, embora não o critique, diz que tem uma “distância de ideias, um valor bastante fundo”. A filha de Regina Duarte, a também atriz Gabriela Duarte, deixa claro que não compartilha as mesmas bandeiras ideológicas da mãe. E o embaixador aposentado Luiz Felipe Seixas Correa considerava que, à política externa que seu genro Ernesto Araújo comandava, faltava clareza.

Essa distorção dos organismos institucionais existentes tem provocado uma regressão cultural marcante nesses dois anos e meio de governo Bolsonaro, fazendo com que o país perca o papel de destaque que já teve nessas e em outras áreas, como a da cultura, cujo secretário, Mario Frias, diz que o governo não tem obrigação de “bancar marmanjo”, referindo-se à Lei Rouanet.

Fonte:


Míriam Leitão: Com a palavra, os embaixadores

Os embaixadores da Noruega e da Alemanha em Brasília alertam que o Brasil deve tomar muito cuidado nos próximos três meses na Amazônia. São os de maior risco de desmatamento no ano florestal que termina em julho. Nils Gunneng, da Noruega, e Heiko Thoms, da Alemanha, afirmam que há meio bilhão de reais sendo usados do Fundo Amazônia e lembram que os recursos, quase R$ 3 bilhões, que estão congelados precisam apenas que o Brasil restaure o conselho do Fundo. “O Brasil não está sozinho no combate ao desmatamento”, diz o alemão Thoms. “Tem um mercado enorme para um país que tem florestas e queira mantê-las em pé”, completa o norueguês Gunneng.

Noruega e Alemanha são os financiadores do Fundo Amazônia, um bem-sucedido mecanismo em que os dois países doaram recursos para apoiar programas de proteção ambiental. Ele funcionava perfeitamente. Em junho de 2019, o ministro Ricardo Salles dissolveu o conselho que reunia representantes do governo federal, dos estados amazônicos, da sociedade e dos empresários. Sem essa estrutura, o Fundo Amazônia não pode liberar novos recursos. “Não há base legal para as decisões”, explica o embaixador da Noruega.

Eu entrevistei os dois diplomatas durante uma hora na sexta-feira, por uma chamada de vídeo. Eles demonstram conhecimento sobre o Brasil, admitem as culpas de seus próprios países nas emissões de gases de efeito estufa, comemoram a cúpula do clima, pela volta dos Estados Unidos aos esforços globais de combate às mudanças climáticas. Ambos disseram ter gostado da carta do presidente Bolsonaro ao presidente Biden e do discurso do brasileiro na reunião do clima. Mas alertam que é preciso ir além. “Queremos ver em breve os resultados dessas palavras nas taxas de desmatamento”, disse Nils Gunneng. “Estamos ansiosos para ver a tradução desse compromisso no plano concreto”, diz Heiko Thoms.

Os dois têm tido conversas com vários setores da sociedade brasileira, e, nos dias anteriores ao encontro convocado por Joe Biden, eles e outros embaixadores fizeram reuniões com políticos de diversos partidos, com empresários e ONGs. Perguntei o que eles têm ouvido. Segundo o embaixador alemão, todas as partes entendem que problemas ambientais têm um efeito negativo na reputação do país. “Os povos indígenas compreendem isso, os bancos compreendem isso”, diz Thoms.

O representante da Alemanha afirma que seu país é parceiro tradicional do Brasil na luta ambiental desde 1992, que a cooperação bilateral tem 70 anos e há um portfólio de investimento de US$ 9 bilhões. O representante norueguês conta que o Fundo Soberano tem investimentos de US$ 8 bilhões em ativos brasileiros. O grande nó das relações entre os dois e o Brasil atualmente é o Fundo Amazônia. Perguntei a Gunneng o que ele tinha a dizer sobre a afirmação de Salles de que o Fundo parou por decisão da Noruega. “É importante dizer que o Fundo foi congelado porque o governo brasileiro dissolveu a estrutura de governança unilateralmente sem o acordo da Noruega ou da Alemanha”, respondeu.

O embaixador da Alemanha acha que o “Brasil está bem posicionado” para se beneficiar da transição para a economia de baixo carbono. “Tem a tecnologia necessária, tem uma legislação sólida e produtores sérios.” Gunneng concorda e diz que o Brasil já mostrou ser capaz de produzir sem aumentar o desmatamento. “Nós queremos ver mais países pagarem por isso”. O embaixador alemão disse que “no mundo inteiro os consumidores querem saber de onde vem o bife que está no seu prato e como o seu smartphone foi produzido. Os investidores procuram opções verdes de investimento. Quem produz de forma sustentável tem vantagem competitiva”.

Perguntei a Gunneng o que a Noruega fará com sua economia tão dependente do petróleo, e a Thoms, sobre as emissões históricas da Alemanha. “Nós somos parte do problema”, admitiu o norueguês. “A Alemanha tem grandes desafios como o do carvão”, admitiu o alemão. Os dois, contudo, dizem que seus países estão determinados a fazer a necessária transição para uma economia de baixo carbono. Perguntei se era fácil explicar para os contribuintes os gastos com o Fundo Amazônia. “Sim e não. É fácil quando o desmatamento cai, é difícil quando ele sobe”, diz Nils Gunneng, da Noruega. No momento, então, está difícil explicar.


Afonso Benites: Ricardo Salles aposta na gestão Arthur Lira na Câmara para avançar mineração na Amazônia

Sob pressão com mudança de poder nos EUA, titular do Meio Ambiente afirma que não está preocupado com possível reforma ministerial sinalizada por Bolsonaro

Ricardo Salles tem oscilado entre altos e baixos no Governo Jair Bolsonaro. Apontado por ambientalistas como um representante de ruralistas no Ministériodo Meio Ambiente e visto por alguns diplomatas como um extremista, Salles tenta buscar uma sobrevida para sua permanência na pasta. Para isso, tenta se apoiar no novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para emplacar projetos caros ao bolsonarismo, que têm potencial para dizimar regiões florestais e que podem prejudicar a sobrevivência de populações tradicionais. Entre essas propostas estão a regularização fundiária de regiões florestais e a que autoriza a mineração em terras indígenas. Ambas têm tudo para avançar sob a gestão Lira.

A primeira sinalização que o ministro fez para a base de apoio bolsonarista foi a de reclamar que, durante a gestão Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrada no início deste mês, pautas governamentais pouco avançaram. Agora, ele diz estar confiante de que a situação será mais favorável ao Governo. “O que nós vimos ao longo desse período que acabou é que nem sequer as discussões podiam ser feitas. Você mandava um projeto de lei ou até uma medida provisória que caducaram no Congresso, e as discussões não aconteciam”, disse Salles em entrevista ao programa Poder em Foco, do SBT, da qual o EL PAÍS participou como convidado.

Sobre seu apoio ao polêmico projeto de mineração em terras indígenas, o ministro diz que gostaria que houvesse regras claras sobre o tema. “A mineração na Amazônia, seja em terra indígena ou fora da terra indígena, qual é a regra que vai ser imposta? Nós estamos desde a Constituição de 1988 aguardando a solução de uma norma que já previa uma regulamentação e esse assunto vai sendo jogado pra baixo do tapete ano após ano. Então é preciso discutir e encontrar um caminho, a solução não é não ter solução”.

Nesta montanha-russa da política, Salles esteve fortalecido com o presidente mesmo após seguidas altas dos índices de desmatamento e de queimadas na floresta amazônica e no Pantanal ao longo de 2019 e 2020. O prestígio decaiu depois que, em março do ano passado, foi filmado em reunião ministerial dizendo que o Governo deveria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” no afrouxamento de regras ambientais. Ficou um tempo fora das manchetes jornalísticas depois desse episódio. Mais recentemente, voltou a ter seu nome em destaque quando Joe Biden venceu Donald Trump na disputa presidencial dos Estados Unidos e vários analistas apostaram que ele seria demitido.

Manteve-se no cargo porque Bolsonaro estava irritado com seu vice, Hamilton Mourão, que comanda o agora esvaziado Conselho Nacional da Amazônia. O presidente queria ter alguém para se contrapor ao general. Mourão é visto por alguns bolsonaristas como uma ameaça a Bolsonaro, que já acumula mais de 60 pedidos de impeachment. Essa queda de braço tem sido vencida pelo ministro, por enquanto, já que os militares subordinados indiretamente ao conselho deixarão de atuar na fiscalização da região amazônica nos próximos dois meses.

O curioso é que o mesmo Centrão que pode dar sobrevida a Salles com o prestígio junto a Lira é o grupo que pode derrubá-lo, em busca de nacos de poder na Esplanada dos Ministério. O nome de Salles juntamente com o do chanceler Ernesto Araújo, volta a ser apontado como um dos próximos a ser demitido numa iminente reforma ministerial realizada para acomodar políticos do fisiológico Centrão. “O cargo é do presidente (...) Eu não estou preocupado se vai ter reforma, se não vai ter reforma”, disse no programa do SBT.

Primeira reunião com representante de Biden

Ao mesmo tempo em que tenta, mais uma vez, se equilibrar no cargo, Salles busca demonstrar institucionalidade e proatividade. No último dia 18, Salles e Ernesto Araújo se reuniram pela primeira vez, por videoconferência, com o secretário de Estado americano, John Kerry. Na ocasião, levaram uma proposta ao homem forte da área ambiental de Biden na qual pediam mais dinheiro para a proteção ambiental. Segundo interlocutores, o Governo americano não discordou da proposta. Apenas sinalizou que alguma compensação financeira poderia ser apresentada nos próximos meses. A proximidade entre Bolsonaro e Trump, e as declarações de apoio feitas pelo brasileiro antigo presidente americano por ora, tem criado barreiras entre a cúpula dos dois Governos.

A busca de Salles por mais recursos tem várias razões. Uma delas: em 2021, o Ministério do Meio Ambiente se deparará com um de seus menores Orçamentos das últimas décadas. O resultado prático disso será a redução de fiscalização, que está cada vez menor, e o enxugamento administrativo. Ainda assim, mesmo com menos recursos, desde que Bolsonaro chegou ao poder o país abriu mão de receber doações da Noruega e da Alemanha por meio do Fundo Amazônia. Atualmente, há 40 projetos de proteção ambiental com 1,4 bilhão de reais parados nas contas porque Bolsonaro e Salles decidiram alterar as regras de gestão desses recursos. A razão é ideológica. “Ao invés de mandar o dinheiro para projetos e ideias que não necessariamente o governo concorde, dissemos que queríamos ter maior participação nisso e os doadores, Noruega e Alemanha, não concordaram”, justificou-se o ministro.

Como alternativa para suprir esses recursos, Salles disse que o Brasil busca convencer os países ricos a doarem mais para a proteção ambiental. A contrapartida brasileira seria antecipar de 2060 para 2050 o prazo em que se zeraria as emissões de gás carbônico no país. A conta sairia cara para os países ricos, entre eles, os Estados Unidos: 10 bilhões de dólares por ano (algo em torno 53 bilhões de reais). “Pedimos cem Fundos Amazônia por ano”, afirmou na entrevista, gravada no último dia 10.


El País: Bolsonaro busca patrocinadores para 63 milhões de hectares da Amazônia

Governo quer que empresas e pessoas físicas do Brasil e do exterior doem dinheiro para preservar reservas naturais. Ambientalistas consideram a iniciativa como meramente propagandística

Naiara Galarrafa Gortázar, El País

Governo brasileiro quer que empresas, fundos de investimento e pessoas físicas, tanto do Brasil como dos outros países, contribuam com dinheiro para preservar a Amazônia. Para isso, lançou na terça-feira uma iniciativa em busca de patrocinadores para as 120 reservas naturais criadas nas últimas décadas, abrangendo 15% da superfície da maior floresta tropical do mundo em território brasileiro. São 63 milhões de hectares. O programa Adote um Parque ―nome que subestima a exuberância, a extensão e o valor ecológico dessas áreas, que somadas têm o tamanho da França— foi apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro em Brasília. Os ambientalistas o consideram uma iniciativa meramente propagandística.

O Brasil sente cada vez mais a pressão política e comercial pela política de seu Governo para a Amazônia, pressão à qual os EUA de Joe Biden devem somar-se agora. A iniciativa está aberta a patrocinadores estrangeiros, embora, para Bolsonaro e boa parte dos brasileiros, o interesse externo no território amazônico esconda ameaças à sua soberania. O preço difere. Os brasileiros podem adotar uma reserva ecológica por 50 reais (8 euros, 9 dólares) por hectare; os estrangeiros, por 10 euros (65 reais).

Por enquanto, a primeira, e única empresa que aceitou participar é a rede francesa de supermercados Carrefour. O presidente francês, Emmanuel Macron, é precisamente o mandatário que criticou mais duramente nos últimos dois anos o Governo de Bolsonaro por seu desinteresse em preservar a Amazônia, pelo crescimento do desmatamento a níveis recordes e pelo aumento das queimadas. O ultradireitista, que em campanha criminalizou as ONGs e prometeu priorizar o desenvolvimento econômico da Amazônia sobre sua preservação, referiu-se à coincidência: “O que podemos falar para aqueles que nos criticam é o seguinte: ‘Olha, não temos condições, por questões econômicas, de atender nessa área. Venham nos ajudar. E uma empresa francesa foi a primeira que apareceu”.

O Carrefour precisa melhorar sua reputação no Brasil depois que, em novembro, dois de seus seguranças, brancos, espancaram até a morte um cliente negro às portas de um de seus supermercados. A multinacional planeja, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, formalizar a adoção da reserva de Lago do Cuniã, de 75.000 hectares, localizada em Rondônia, na fronteira com a Bolívia. Esse território, do tamanho de Caracas, tem um estatuto legal que permite a extração controlada de madeira ou a agricultura de subsistência. Outras cinco empresas negociam patrocínios, disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à agência Bloomberg.

A gestão das reservas ―denominadas unidades de conservação― continuará nas mãos de organismos ambientais governamentais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Instituto Chico Mendes (ICMBio, concentrado em preservar a biodiversidade). As ONGs e os ativistas ambientais sustentam que seria muito mais eficaz parar de erodir sistematicamente a capacidade dessas instituições. Em um comunicado, o Greenpeace acusou o Governo Bolsonaro de promover “uma nova ação midiática para limpar sua imagem” enquanto “continua destruindo os instrumentos que protegem as unidades de conservação, desmantelando o ICMBio, militarizando suas estruturas e impondo significativos cortes orçamentários”.

Ao Carrefour e a outras empresas que possam estar interessadas, a gestora florestal e ativista Cristiane Mazzeti pediu em um tuíte que parem de usar o meio ambiente para limpar sua reputação e “se apressem em cumprir suas promessas de desmatamento zero”.

As tensões internas no Gabinete de Bolsonaro ficaram expostas também na apresentação do Adote um Parque. O principal interlocutor de diplomatas e fundos de investimento preocupados com a política ambiental do Governo é, desde a crise das queimadas de 2019, o vice-presidente Hamilton Mourão, que não participou da cerimônia, à qual compareceu o ministro Salles. O titular do Meio Ambiente disse abertamente em uma reunião de ministros que iria aproveitar que a pandemia estava atraindo toda a atenção da mídia para aprovar leis que enfraquecessem a fiscalização ambiental e trouxessem facilidades para o agronegócio.

O Governo Bolsonaro verbalizou pela primeira vez a ideia de buscar patrocinadores para a preservação da Amazônia em plena discussão pública com o ator americano Leonardo DiCaprio em 2019, quando as queimadas devoraram milhares de hectares na Amazônia.