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Folha de S. Paulo: Veja como chefes no Congresso lidaram com presidentes da República

Histórico é marcado por impeachments e reformas aprovadas pelos parlamentares

Desde a redemocratização, a relação entre os chefes do Congresso e o presidente da República tem sido marcada por tensão, fossem os comandantes do Legislativo governistas ou oposicionistas.

Prestes a deixar o posto, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, subiu o tom contra Jair Bolsonaro (sem partido), chamando o chefe do Executivo de covarde e irresponsável por atitudes tomadas na gestão da pandemia.

Ainda na Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi um dos principais responsáveis pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Veja, abaixo, como foi a relação entre os Poderes nos últimos 30 anos.

CÂMARA



Ulysses Guimarães (SP) MDB
1985-1987/1987-1989

O “senhor Diretas” tinha sua imagem vinculada à de José Sarney. Com a posse do presidente, em 1985, Ulysses participou ativamente da composição do governo, até mais do que o chefe do Executivo. Em discurso em 2012 em homenagem a Ulysses, Sarney, então presidente do Senado, afirmou: “Era um exímio costurador e alinhavava com extrema perfeição a conspiração da boa causa”. A proximidade com Sarney, cujo governo foi marcado pela hiperinflação, acabou prejudicando a campanha de Ulysses à Presidência em 1989. Ele terminou em sétimo lugar, com apenas 4,4% dos votos.

Paes de Andrade (CE) MDB 
1989-1991

Durante 1989, assumiu 12 vezes a Presidência da República. Nessas ocasiões, foi alvo de críticas por não seguir determinações de Sarney e quase demitir um ministro interino, Paulo César Ximenes, da Fazenda. Ao voltar para a Câmara, após passagem pelo Executivo, manteve o arquivamento de denúncias contra Sarney apresentadas pela CPI que investigou irregularidades na administração. A decisão havia sido tomada por Inocêncio de Oliveira, seu substituto no comando da Casa.

Ibsen Pinheiro (RS) MDB
1991-1993

Comandou a Casa durante o processo de impeachment de Fernando Collor.

Inocêncio de Oliveira (PE) PFL (atual DEM) 
1993-1995

Votou a favor da abertura do processo de impeachment contra Collor. Já com Itamar Franco no Executivo, foi defensor do Plano Real, principal medida do presidente.

Luís Eduardo Magalhães (BA) PFL (atual DEM)
1995-1997

Próximo de Fernando Henrique Cardoso, atuou para que o PFL apoiasse a candidatura do tucano à Presidência. O partido acabou assumindo a vice, com Marco Maciel. Teve o apoio de FHC na campanha para o comando à Câmara. Morreu em 1998, quando era líder do governo na Casa.

Michel Temer (SP) MDB 
1997-1999/1999-2001

Sua candidatura ao comando da Casa teve apoio do Planalto, que contava com o MDB para a aprovação da emenda da reeleição —a medida acabou passando. Em 1999, foi reeleito para o posto, sendo o único candidato na corrida. Barrou iniciativa da oposição que pedia abertura de processo de impeachment contra FHC.

Aécio Neves (MG) PSDB 
2001-2002

Eleito em primeiro turno, derrotou o candidato do PFL, Inocêncio de Oliveira. Ao assumir o posto, disse que a relação com o Planalto seria “serena e sóbria, mas altiva”. “É possível ser presidente da Câmara, filiado ao partido do presidente e dar dignidade a esta Casa”.

Efraim de A. Morais (PB) PFL (atual DEM) 
2002-2003

Assumiu o posto após Aécio Neves, eleito governador de Minas Gerais, renunciar.

João Paulo Cunha (SP) PT 
2003-2005

Candidato único, foi eleito com 434 votos. Liderou propostas de reforma lançadas por Lula.

João Severino Cavalcanti (PE) PPB (atual PP) 
2005

O “rei do baixo clero”, como ficou conhecido em 2005, aproveitou-se de um racha na base do PT e venceu a disputa contra o candidato oficial do governo Lula, Luiz Eduardo Greenhalgh. Passou apenas sete meses no cargo. Nesse período, barrou pedidos de abertura de impeachment contra Lula.

Aldo Rebelo (SP) PC do B
2005-2007

Antes de ser eleito, foi ministro de Lula. Identificado com os petistas, teve apoio do Planalto na corrida para o cargo

Arlindo Chinaglia (SP) PT 
2007-2009

A eleição, vencida no segundo turno contra Rebelo, gerou um racha na base aliada do governo Lula. O bloco de apoio de Chinaglia, que contava com partido como MDB e PP, foi alvo de críticas por aliados do presidente.

Michel Temer (SP) MDB 
2009-2010

A terceira passagem de Temer pela presidência da Câmara gerou preocupação do Planalto logo na eleição. O emedebista venceu Rebelo e Ciro Nogueira (PP-PI), de partidos aliados do governo. Na época, José Múcio Monteiro, ministro de Relações Institucionais, admitiu que a disputa deixaria sequelas na base governista.

Marco Maia (RS) PT
2010-2012

O petista foi eleito com 375 votos, contra 106 de Sandro Mabel (PR-GO, hoje PL), 16 de Chico Alencar (PSOL-RJ) e apenas 9 do então deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). A eleição fez parte de um acordo costurado com o MDB. Maia foi escolhido o candidato oficial do Planalto, e sua vitória significou, portanto, uma vitória do governo.

Henrique Eduardo Alves (RN) MDB 
2013-2014

O emedebista foi eleito amparado em um acordo entre PT e MDB que havia sido fechado seis anos antes. As siglas haviam acertado os termos de um rodízio no comando nos anos seguintes —embrião da indicação de Temer para a vice de Dilma. O pacto surgiu em meio ao racha da base de Lula na eleição para a presidência da Câmara em 2007. Mesmo assim, Eduardo Alves foi eleito com um discurso incômodo ao Planalto.

Eduardo Cunha (RJ) MDB
2015-2016

A vitória em primeiro turno do emedebista marcou uma derrota histórica para o governo Dilma. Considerado um aliado pouco confiável, já que liderou rebelião no Legislativo contra Dilma em 2014, Cunha, cassado e hoje em prisão domiciliar, bateu o petista Arlindo Chinaglia (SP), nome bancado pelo Planalto, por 267 votos contra 136. A previsão se concretizou, e ele rompeu oficialmente com o governo, levando a votação diversos projetos que criaram gastos extras, agravando a crise econômica enfrentada pelo país. No fim de 2015, em retaliação ao PT e ao Planalto, que não asseguraram votos para enterrar seu processo de cassação, o deputado acatou pedido de impeachment contra Dilma, que cairia depois de oito meses.

Rodrigo Maia (RJ) DEM 
2016-2021

Reeleito em 2019, o demista era um dos principais defensores da agenda econômica do governo. Maia assumiu o protagonismo de costurar acordos para aprovar a reforma da Previdência. Em julho de 2019, pouco antes de anunciar o resultado da votação da medida em plenário, aprovada com placar elástico, fez uma crítica velada a Bolsonaro, dizendo que os problemas do país seriam resolvidos a partir do Congresso. No ano passado, o deputado foi um dos grande críticos da condução da crise pelo governo federal. No começo deste ano, subiu o tom, chamando o presidente de covarde e irresponsável. Maia disse ainda que a discussão sobre o impeachment será “inevitável” no futuro.


SENADO



José Fragelli (MS) MDB 
1985-1987

Participou das articulações em torno da candidatura de Tancredo Neves, em 1983. Dois anos depois, deu posse ao então vice, José Sarney, diante do quadro de saúde de Tancredo.

Humberto Lucena (PB) MDB 
1987-1989

Durante a elaboração da Constituição, apresentou emenda que mantinha o presidencialismo. Era a favor de dar prioridade à Constituinte, mas também defendeu que o Congresso seguisse votando legislação ordinária.

Nelson Carneiro (RJ) MDB 
1989-1991

Presidiu a sessão do Congresso que empossou Fernando Collor.

Mauro Benevides (CE) MDB 
1991-1993

Presidiu a Casa na época de instalação da CPI voltada a apurar denúncias contra Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Collor. Rebateu crítica do presidente, que havia classificado a oposição a seu governo como “sindicato do golpe”. Votou a favor do afastamento do chefe do Executivo.

Humberto Lucena (PB) MDB 
1993-1995

Em seu segundo mandato, travou disputa com a Câmara pela direção dos trabalhos de revisão da Constituição. Na época, em entrevista à Folha, disse que “não [ficava] bem para a opinião pública uma disputa dessa natureza (...), porque [dava] a impressão de um conflito de natureza institucional”. As duas Casas acabaram chegando a um acordo, e a presidência da comissão ficou com o Senado.

José Sarney (MA) MDB 
1995-1997

A segunda passagem de Sarney no comando da Casa foi marcada por atritos com o Executivo, principalmente em torno de medidas provisórias. Para o grupo do senador, o governo FHC vinha abusando do instrumento e desacelerou a tramitação dessas iniciativas.

Antônio Carlos Magalhães (BA) PFL (atual DEM) 
1997-1999/1999-2001

Ao tomar posse, declarou que iria cooperar o máximo com o governo, “mas isso não significa que o Executivo vai fazer o que quiser aqui dentro”. Sua promessa era acelerar as reformas constitucionais, incluindo a emenda que permitiria a reeleição —a medida acabou passando. Também levou a votação medidas de ajuste econômico que interessavam ao governo. Na sua gestão, os senadores aprovaram a lei que criou o contrato temporário de trabalho, por exemplo. Mas também usou o poder de pautar projetos para retardar a votação de medidas provisórias e acelerar a derrubada de vetos do Planalto.

Jader Barbalho (PA) MDB 
2001-2001

O maior atrito do emedebista durante seu mandato foi com outro senador, Antônio Carlos Magalhães. ACM se recusou a cumprimentar Barbalho na transmissão do cargo. Os desentendimentos começaram ainda em 1999, na gestão do parlamentar baiano. Na época, a discussão girava em torno da criação de CPIs. ACM era a favor de criar uma para investigar o Judiciário. Já Barbalho era a favor da instalação de uma comissão com foco nos bancos.

Edison Lobão (MA) PFL (atual DEM) 
2001-2001

Assumiu o cargo interinamente após Barbalho, alvo de acusações de corrupção, se licenciar.

Ramez Tebet (MS) MDB 
2001-2003

Então ministro da Integração Nacional, teve sua candidatura patrocinada pelo Planalto. A vitória na disputa ocorreu na esteira do conflito entre MDB e PFL, alimentada pela troca de acusações entre ACM e Barbalho.

José Sarney (MA) MDB 
2003-2005

Atuou para inviabilizar duas CPIs incômodas ao governo. Uma delas visava investigar denúncias de lavagem de dinheiro por meio de bingos e caça-níqueis. A outra tinha como objetivo apurar as supostas relações entre o assassinato do petista Celso Daniel, prefeito de Santo André (SP) na época, e um esquema de corrupção na administração local.

Renan Calheiros (AL) MDB
2005-2007/2007-2007

Eleito com apoio de Lula, atuou em consonância com o Executivo. Ainda assim, disse ser “presidente do Congresso, não líder do governo”. Na época da instalação das CPIs dos bingos, dos Correios e do mensalão, defendeu que, “se houver algum culpado, que seja punido”. Em 2005, atuou junto à bancada do MDB para conquistar votos para Aldo Rebelo, candidato de Lula para o comando da Câmara. Em 2006, articulou o apoio de seu partido à campanha de reeleição de Lula. Em seu segundo mandato à frente do Senado, foi alvo de diversas denúncias, incluindo o pagamento de despesas pessoais por um lobista ligado à construtora Mendes Júnior. Acabou renunciando ao posto.

Tião Vianna (AC) PT
2007-2007

Ocupou o posto interinamente após a saída de Calheiros.

Garibaldi Alves Filho (RN) MDB
2007-2009

Candidato único, foi eleito com 68 votos. Durante seu período à frente da Casa, criticou o “número excessivo” de medidas provisórias encaminhadas pelo Executivo, que tirariam o tempo dos senadores para discutir outros projetos. Mais tarde, foi nomeado por Dilma para o Ministério da Previdência Social.

José Sarney (MA) MDB
2009-2011/2011-2013

O emedebista enfrentou diversas acusações durante seu terceiro mandato. Uma delas envolvia a nomeação, por ato secreto, de um de seus netos para o cargo de secretário parlamentar de um senador. Lula saiu em defesa do emedebista, dizendo que Sarney não poderia ser tratado “como se fosse uma pessoa comum”. Reeleito para a posição, fortaleceu seu posto de aliado do governo.

Renan Calheiros (AL) MDB
2013-2015/2015-2017

Eleito com apoio do Planalto, pediu “serenidade” na época em que o então presidente Michel Termer foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva no caso JBS. Defendeu, na mesma época, uma pauta própria para o Congresso.

Davi Alcolumbre (AP) DEM
2019-2021

A eleição do demista foi uma vitória para o governo. A candidatura de Alcolumbre foi bancada pelo então ministro da Casa Civil, Onys Lorenzoni (DEM). Entre os senadores, é visto tanto como “pacificador” quanto como “office boy de luxo” de Bolsonaro. Conseguiu o apoio do presidente para o seu candidato à sucessão no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).


Folha de S. Paulo: Alcolumbre divide opiniões ao deixar comando do Senado

Senador deixa o posto após dois anos visto como habilidoso ao construir pontes com oposição e situação

Renato Machado, Folha de S. Paulo

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), encerra nesta semana seu período de comando da Casa, quando passou de um parlamentar relativamente desconhecido a um político poderoso, que se mostrou bom articulador e ganhou respeito de governo e oposição.

Por outro lado, é criticado por não encarnar a "renovação" que sua candidatura instigou, há dois anos. E também teve uma posição em relação ao Palácio do Planalto que dividiu opiniões: para alguns se mostrou um "pacificador", enquanto senadores mais críticos preferem expressões como "office boy de luxo" de Jair Bolsonaro (sem partido).

Alcolumbre foi eleito em fevereiro de 2019, revertendo o favoritismo de Renan Calheiros (MDB-AL), que queria se tornar presidente pela quinta vez. A eleição para a presidência do Senado tornou-se então um embate entre a nova e a velha política.

Os dois anos da presidência de Alcolumbre coincidem com o início da gestão Bolsonaro, período de turbulência institucional e da pandemia do novo coronavírus.

Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se tornou um crítico frequente do presidente, Alcolumbre foi mais reservado.

As poucas manifestações que bateram de frente com o Planalto se deram no início da pandemia, quando considerou "grave" o pronunciamento de Bolsonaro em que atacou as medidas de isolamento social. Também divulgou nota afirmando ser "inconsequente" promover aglomerações, após a participação do presidente em manifestação.

"Se ele fosse ficar com um balde de gasolina, iria acabar incendiando tudo. Então ele foi um pacificador", afirmou Otto Alencar (PSD-BA), líder da bancada no Senado.

Crítico mais feroz do presidente da Casa, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), por sua vez, disse que a posição de Alcolumbre frente ao Palácio do Planalto foi de submissão, comprometendo a independência do Senado.

"Ele [Alcolumbre] foi aceitando tudo. A relação dele com o presidente era só falar 'sim', era um office boy de luxo", afirmou Kajuru.

Alcolumbre defende sua atuação, afirmando que respeita as críticas, embora ressalte que trabalhou com "altivez, respeito, independência e equilíbrio entre os Poderes da República", segundo nota de sua assessoria de imprensa.

Se a relação com o Planalto divide opiniões, Alcolumbre conseguiu construir reputação dentro do Senado, construindo alianças com situação e oposição.

Prova disso é a articulação para a candidatura de seu apadrinhado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que reuniu no mesmo bloco dez bancadas, colocando no mesmo lado o presidente Bolsonaro e o PT.

Senadores próximos ressaltam sua habilidade política para "construir pontes".

"O presidente atendeu pautas de interesse do governo e da oposição. Para nós, foi positiva a possibilidade de ter pautas de interesse dos trabalhadores", afirmou o líder do PT, senador Rogério Carvalho (PT-SE), apontado como próximo a Alcolumbre.

Carvalho citou como exemplos as medidas provisórias que tramitaram durante a pandemia, como a que resultou na redução da jornada de trabalho e cancelamento de contratos, para evitar demissões.

Outros senadores, por outro lado, afirmam que a popularidade de Alcoumbre se deve ao aumento de privilégios.

"Ele conseguiu aumentar ainda mais os privilégios dessa capitania, aumentou os gastos, as contratações", afirmou Kajuru.

Lasier Martins (Podemos-RS) também citou a distribuição de emendas de relator, usada para ampliar o seu leque de alianças e rachar algumas bancadas oposicionistas. O parlamentar destacou emendas obtidas para estados e municípios, que não foram divididas com todos os senadores.

"Houve uma seleção discriminatória. E dessa forma ele estava pavimentando o caminho para a sua recondução, se não fosse o STF [Supremo Tribunal Federal]", afirmou.

O senador se referiu à decisão do Supremo, em dezembro, que barrou a reeleição dos presidentes das Casas Legislativas em uma mesma legislatura. Alcolumbre considerava como certa a possibilidade de disputar a reeleição.

Lasier Martins é integrante do grupo Muda Senado, que se mostrou fundamental para a eleição do senador amapaense, mas depois afirmou ter sido traído.

O grupo defende pautas anticorrupção, como a condenação em segunda instância, a instauração de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) e a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF.

O grupo afirmou que perdeu espaço no diálogo com a presidência do Senado, vendo sua pauta ser preterida. Alcolumbre também não abriu nenhuma CPI e, no último mês de sua gestão, arquivou 38 petições para impeachment de autoridades do Judiciário, a maior parte delas de ministros do STF.

Em outra crítica, o presidente é acusado de blindar Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no caso das "rachadinhas". O Conselho de Ética não abriu processo contra o filho 01 de Bolsonaro, assim como não o fez contra Chico Rodrigues (DEM-RR), então vice-líder do governo no Senado, flagrado com dinheiro em sua cueca.

Alcolumbre, por outro lado, é exaltado por dar procedimento aos trabalhos legislativos durante a pandemia do novo coronavírus, adotando o sistema remoto de sessões.

Os aliados lembram a aprovação rápida de medidas de enfrentamento à pandemia ou para estimular a economia, como o orçamento de guerra, auxílio emergencial aos trabalhadores informais e a liberação de recursos para vacinas contra a Covid-19.

Por outro lado, não houve o funcionamento das comissões e portanto Alcolumbre ganhou "superpoderes", levando matérias direto para a votação em plenário, escolhendo os relatores de sua preferência.

De saída da presidência do Senado, Alcolumbre vinha afirmando que queria ser vice-presidente da Casa, mas as articulações para atrair o MDB envolvem esse posto.

Se continuar na Casa, deve ficar então com a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Outra possibilidade é se tornar ministro do governo, no Desenvolvimento Regional ou na Secretaria de Governo.


Paulo Gontijo: Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade

Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo, voltar a tomar as ruas

O início da vacinação é o primeiro passo para o País sair da pior crise enfrentada por esta geração. Em momentos de grandes dificuldades, nossa espécie anseia por grandes líderes apontando caminhos de superação. Infelizmente, no Brasil, nós nos deparamos hoje é com o gigantismo da estupidez guiando a desordem e provocando instabilidades.

Não há ação técnica coordenada entre União e Estados. Onde precisamos de um governo para preservar a vida dos brasileiros, há apenas um comitê eleitoral. No lugar de distribuir vacinas, distribuem-se palavrões em churrascarias e cenas grotescas lambuzadas de leite condensado. O preço é alto e permanecerá sendo pago em largas prestações.

Após meses de negacionismo, Jair Bolsonaro ensaiou falar o óbvio: a vacina é essencial para a retomada econômica. Mas antes que sentíssemos qualquer alívio, o presidente retomou a sua narrativa insana, defendendo a ideia de que basta ao povo coragem para voltar à normalidade e enfrentar o vírus que já vitimou mais de 220 mil brasileiros.

Há, porém, algo pior do que seus discursos irresponsáveis: o boicote à vacinação. Fruto de uma combinação entre aloprados ideológicos, generais incompetentes e a pura omissão, seja na diplomacia ou na falta de implantação de um sistema de gestão do programa de imunização. E assim seguimos patinando, com consequências graves para a vida de todos os brasileiros e também para a economia.

As piores repercussões humanitárias ainda estão a caminho. Há risco de reedições da catástrofe de Manaus. Segundo projeções do economista Daniel Duque, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da doença a extrema pobreza pode atingir até 20 milhões de brasileiros e a pobreza, que antes da pandemia era a condição de menos de 25% da população, pode chegar a mais de 30%. Quando aplicadas no ano passado, políticas de transferência de renda foram consenso. Agora voltam ao centro das atenções. Interrompido sem uma transição minimamente estruturada, o auxílio emergencial acabou significando um custo fiscal muito maior em razão da desorganização, da falta de planejamento e do caos político do governo Bolsonaro.

Criar uma ampla rede de proteção com transferências diretas para os mais pobres e vulneráveis é uma política herdeira do pensamento de liberais como Thomas Paine, Stuart Mill, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Indiscutível do ponto de vista social, essa necessidade ilumina um problema crônico e estrutural do Estado brasileiro: apesar de consumir 40% da riqueza nacional todos os anos com um orçamento trilionário, nosso poder público, engessado em despesas obrigatórias, não foi capaz de construir uma proteção minimamente robusta para os mais vulneráveis. Mudar essa realidade deveria ser o centro das preocupações políticas.

Neste momento, cabe às vozes liberais o cuidado com os mais frágeis no presente, sem lhes sacrificar o futuro. Nosso esforço de guerra contra a covid-19 não pode perder de vista o pós-guerra. A reconstrução da economia e do mundo que herdaremos será mais ágil, ampla e inclusiva na medida em que tivermos a capacidade de implementar políticas públicas que sejam fruto da urgência, mas não se contaminem pelo desespero. Não apenas é possível, como necessário, aliar sensibilidade social à responsabilidade fiscal, a reformas que aumentem a eficiência do Estado brasileiro, à proposta da Lei de Responsabilidade Social – elaborada pelo Centro de Debate de Políticas Públicas após debate surgido no movimento Livres –, que remaneja programas sociais já existentes em busca de mais efetividade.

Em direção oposta a esse esforço, porém, o que assistimos é a proposições para ampliar poderes de forma abusiva, diminuir a transparência ou simplesmente promover líderes do Executivo. São exemplos o alargamento de prazos das medidas provisórias e da Lei de Acesso à Informação, a injustificável menção a decreto de estado de defesa pelo procurador-geral da República e a ameaça aberta de insurreição antidemocrática em 2022 pelo próprio presidente, inspirado na invasão dos trumpistas ao Capitólio. Com isso, antes de avançar, é preciso assegurar que não vamos retroceder.

O alerta liberal contra excessos do poder estatal está mais pertinente do que nunca. Não à toa, nós, do Livres, ingressamos com ação civil pública para convocar Jair Bolsonaro a apresentar em juízo as provas que ele reiteradamente alega possuir sobre a suposta fraude eleitoral em 2018. Não há espaço para omissão. A credibilidade do sistema eleitoral é pilar da legitimidade da democracia liberal. Utilizar o prestígio da Presidência da República para minar as bases da democracia é um atentado à Constituição. Em meio a uma pandemia, faltam até palavras para classificar. Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo. Em ambos os casos, a vacina será o passaporte para que possamos voltar a sair de nossa casa, tomar as ruas e desfrutar, juntos, o prazer da liberdade. E, sobretudo, encarar a responsabilidade de defendê-la.

*Analista político, especialista pela universidade de Georgetown (Washington, D.C), é Diretor Executivo do Movimento Liberal Livres.


O Globo: 'O governo não vai aprovar tudo o que quiser’, diz o sociólogo Carlos Melo

Para professor do Insper, efeito da pandemia na popularidade de Jair Bolsonaro testará fidelidade dos deputados do centrão ao Palácio do Planalto

Eduardo Salgado / O Globo

SÃO PAULO — Para o professor sênior de Sociologia e Política do Insper Carlos Melo, a possível vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara deve sacramentar uma aliança cujo principal objetivo é a “blindagem para evitar um eventual processo de impeachment”. Leia a entrevista com o sociólogo:

Qual é o tamanho do favoritismo de Arthur Lira, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, em relação a Baleia Rossi (MDB-SP), do grupo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)?

As promessas do governo de liberação de recursos e reforma ministerial indicam uma vitória de Lira. Mas é claro que existem movimentações de última hora. Como é uma votação secreta, pode haver traições.

Na campanha de 2018, Bolsonaro prometia não fazer o que ele chamava de “velha política”. O apoio do presidente a Arthur Lira, expoente do centrão, configura uma quebra de promessa de campanha?

Certamente. Bolsonaro está mordendo a língua. É um estelionato eleitoral. O apoio mostra a inconsistência daquele discurso demagógico. E, em virtude disso, a aliança com o centrão aumenta o desalento em relação aos políticos e ao sistema político. O fisiologismo, desprovido de programa, não tem freio. Quando ouço promessas de acesso a recursos e ministérios, pergunto: a troco de quê? Em troca de blindagem para evitar um eventual processo de impeachment e para proteger os filhos. No máximo, um projeto de poder exclusivamente eleitoral. Não se discute como superar essa crise econômica, social, política e sanitária.

A agenda do governo, inclusive a ideológica, ganha fôlego no caso da vitória de Lira?

O governo não vai aprovar tudo o que quiser. Quando a prática é fisiológica, cada nova votação exige nova negociação e concessão de recursos. Não há fidelidade. Há interesses cruzados. O centrão não devota essa fidelidade a ninguém. Cada parlamentar do centrão é fiel a si mesmo. O desgaste popular do presidente e do sistema tende a continuar. O ex-presidente Tancredo Neves tinha uma frase ótima: “O político vai com o outro até a sepultura, mas não se joga”.

Como essa união entre o governo e o grupo que apoia Lira deve impactar a base de apoio do presidente?

Vamos considerar que o apoio a Bolsonaro seja de um terço do eleitorado. Dentro desse grupo, há uma parcela de extrema direita, que sempre existiu no Brasil. Algo em torno de 15% do eleitorado, talvez. Esse grupo Bolsonaro não perde. Outro setor que ainda está com o presidente são os ultraliberais, que se frustram e se descolam à medida que as respostas para a economia não vêm. Há também um grupo que apoia o presidente por causa do auxílio emergencial, cuja tendência natural é diminuir. Por fim, há os antipetistas. A corrosão do apoio pode, sim, chegar num ponto em que acabe a blindagem popular. Isso aconteceu com Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Quais serão os fatores de definirão a longevidade do casamento entre o governo e o centrão?

Enquanto houver uma expectativa de um projeto de poder, o centrão estará com o presidente. O objetivo é ter acesso continuado a recursos públicos. A meta é a reeleição de Bolsonaro e de cada parlamentar do grupo. A eventual eleição de Lira sela o abraço institucional de Bolsonaro no centrão. Agora, se a popularidade do presidente cair e a possibilidade de poder se dissipar, o centrão vai abandonar o navio. Se o país quiser sair dessa crise, vai precisar de uma agenda que exige três quintos dos parlamentares nas duas casas do Congresso, além do apoio da sociedade. Essa maioria é necessária para fazer reformas, criar impostos e reeditar o auxílio emergencial, o que me parece inevitável. Conseguir 257 deputados para eleger o Lira é uma coisa. Chegar a 308 votos na Câmara e 49 no Senado para mudar a Constituição é completamente diferente.

O senhor acredita no apoio voluntário dessa base que sustenta a candidatura de Arthur Lira às reformas?

O que interessa para eles é a dependência de Bolsonaro. Temos um presidente corporativista e sem habilidade política, que amaldiçoa a política, com uma base que demoniza o centrão. Se, lá na frente, Bolsonaro recuperar o apoio popular e plenas condições de governabilidade, quem garante que ele não abandonará seus novos amigos?

Em que medida o sucesso no enfrentamento da pandemia afeta a relação entre o presidente o Congresso?

A pandemia está sem controle. A chance de estancá-la a médio prazo é pequena. O desemprego e o desalento estão elevados e, com o fim do auxílio emergencial, devem aumentar. A pressão por medidas imediatas será muito forte. Já no Congresso, o processo de negociação do fisiologismo é lento porque os recursos são escassos. Uma das possibilidades é que o presidente venha a ter novos abalos na popularidade. Quando o apoio popular cai, a governabilidade mingua. Um influencia o outro. Quanto menos apoio popular Bolsonaro tiver, maior o poder de barganha do centrão. Isso se mantém até que exista oxigênio para combustão. Se acabar o oxigênio, é possível que um processo de impeachment seja votado ou que o Centrão decida não entrar no barco da reeleição de Bolsonaro.

E se Baleia reverter as previsões e ganhar a disputa na Câmara?

Com o Baleia, há um elevado grau de fisiologismo também, mas não da mesma ordem do de Lira. Não tenho ilusão. Baleia não é um estadista. Também não creio que iria facilmente para o impeachment. Mas é verdade que Maia construiu uma agenda, e Baleia poderia ser sua continuidade. Uma agenda de defesa da autonomia do Congresso e da permanência de um núcleo reformista. Maia surpreendeu no período em que esteve no comando da Câmara, salvando Bolsonaro do desastre que o próprio presidente construía. A reforma da Previdência era necessária e foi feita por Maia, a despeito de Bolsonaro. O auxílio emergencial também saiu do Congresso. Com Baleia, a agenda de costumes do presidente não teria chance e haveria algum ambiente para reformas.


Fernando Gabeira: A política que mata

Há muito tempo que gostaria de escrever sobre outra coisa: a dimensão do realismo fantástico num país em que o presidente acha que vacina nos transforma em jacaré, oferece hidroxicloroquina para a ema do palácio e manda os jornalistas enfiarem uma lata de leite condensado no rabo.

Mas a urgência do drama proíbe digressão. Não absorvemos bem o que aconteceu em Manaus. Não quero dizer apenas que era necessário avaliar os estoques de oxigênio, planejar, em termos estratégicos, a produção e o consumo desse elemento vital.

Pazuello foi a Manaus defender a cloroquina e não percebeu a gravidade da falta de oxigênio. Quando percebeu a gravidade da falta de oxigênio, tarde demais, não percebeu outro fato decisivo: a presença de uma nova variante do coronavírus.

Desde quando os japoneses sequenciaram o mapa dessa variante em turistas que chegaram da Amazônia, era preciso acionar o alarme.

A variante brasileira tem características, ao que parece, semelhantes às mutações encontradas na Inglaterra e na África do Sul.

Todos se adaptaram de tal forma que podem se propagar com mais facilidade. Boris Johnson imediatamente decretou um lockdown para conter a nova onda que estava a caminho.

No Brasil, confirmada a existência da variante, não houve um debate nacional sobre o que fazer diante desse novo perigo. Na verdade, a variante brasileira é mais destacada nos jornais estrangeiros do que nos nossos.

Parece que, no Brasil de Bolsonaro, adotamos aquele velho lema: desgraça pouca é bobagem. Pazuello decidiu transferir os doentes de Manaus sem cuidados especiais de segurança. O aeroporto de Manaus durante algum tempo foi muito usado pelas UTIs aéreas que saíam do estado com os doentes mais ricos.

Somente Roraima e Pará, dois estados limítrofes, tentaram erguer uma tímida barreira sanitária. A variante já apareceu em São Paulo e no Rio Grande do Sul, sem contar seus voos mais longos: Estados Unidos e Alemanha.

Os voos do Brasil para Portugal foram suspensos. Biden manteve as restrições à entrada de brasileiros.

Muitos já notaram que Pazuello errou ao receitar hidroxicloroquina. Está sendo questionado por isso. Errou ao ignorar o avanço da crise de oxigênio, algo que não acontece de um momento para outro.

Mas não estamos cobrando do governo um projeto para conter a variante amazônica no norte do país. Na verdade, nem se toca no assunto, como se o vírus mutante fosse brasileiro e já tivesse o direito de circular livremente pelo nosso território.

Muito menos nos espantamos com o fato de os japoneses terem sequenciado e anunciado a variante. Na Fundação Oswaldo Cruz em Manaus, já era conhecida. Mas a verdade é que rastreamos pouco, sequenciamos pouco, por falta de recursos.

O negacionismo da política de Bolsonaro não se limita a tiradas verbais. Ele tem uma tosca base teórica. Prefere gastar com remédios a gastar com vacina e não se preocupa com testes. Milhares deles foram abandonados num galpão de São Paulo. O que adianta conhecer e monitorar? O que adianta sequenciar mutações de vírus?

Pelo que li, o governo já sabe que uma nova onda virá, dobrando o número de mortos. Diz que vai correr atrás da vacina. Para milhares de vidas, será tarde demais.

Quando Bolsonaro pagará por isso? Quem quiser pesquisar desde o início as frases, decisões, atitudes, omissões vai recolher um acervo, mais amplo ainda do que o enviado ao Tribunal Internacional.

Quando vejo Pazuello respondendo ao TCU pela compra da cloroquina, à PF pela omissão em Manaus, a sensação que tenho é de que tudo é um único e indivisivel processo: a história da negação e as mortes que ela produz diariamente no Brasil.E ele é apenas o homem que obedece.


Ruy Castro: À espera do curió

O canto de um passarinho pode ser o último alento antes da dissolução final

Em novembro último, escrevi duas colunas (5/11 e 9/11) a respeito de um curió cujo assobio me entrava pela janela toda manhã e me ajudava a saltar da cama e encarar o Brasil daquele dia —para se ter uma ideia da beleza do seu canto. O bichinho, segundo meu atento porteiro João, pertencia a um colega dele, porteiro do prédio em frente, e não era um curió qualquer. Tinha registro no Ibama e era um dos curiós mais populares do Leblon —transeuntes paravam sob sua gaiola na árvore para ouvi-lo cantar.

À distância, por causa da quarentena, juntei-me aos seus admiradores. A única restrição que lhe fazia era a relativa limitação de seu repertório, composto de um único tema —fiu-firiu fiu-firiu, fiu-fiu, fiu-fiu, fiu-fiu, tendo como coda mais um fiu breve e individual. Um ornitólogo me escreveu para dizer que não era uma limitação, mas o resultado de um longo trabalho do curió para chegar à perfeição daquela frase melódica. E que, provavelmente, o último fiu lhe tomara meses de ensaio.

Tudo isso é para dizer que, desde dezembro, deixei de ouvir o concerto matinal do curió. Hipóteses terríveis me assaltaram. Famoso como era, ele teria sido sequestrado e seu dono não podia pagar o resgate. Ou seu passe fora comprado por um milionário chinês que o levara embora. Ou, revoltado com os rumos do país, ele teria entrado em depressão e se recusava a cantar.

Dei alguns dias, voltei a João e lhe pedi notícias. Ele me tranquilizou: o dono do curió fora ao Norte ver a família e o deixara aos cuidados de um colega em Jacarepaguá. Logo estarão de volta ao Leblon.

Vou aguardar. O Brasil não está para que seus cidadãos pulem da cama e encarem o dia. O país, entregue a canalhas e omissos, à paisana ou fardados, está se dissolvendo sanitariamente, moralmente, institucionalmente. O canto de um passarinho pode ser o último alento antes da dissolução final.


Celso Rocha de Barros: O Congresso se vende nesta segunda-feira?

Se a eleição de Arthur Lira se confirmar, Bolsonaro terá três vitórias

Hoje acontece a eleição para presidente da Câmara dos Deputados. De um lado, concorre Baleia Rossi (MDB-SP), representando uma frente ampla com forças de esquerda e de direita. Do outro lado, Arthur Lira (PP-AL), representando o direito de Jair Bolsonaro pisar no tubo de oxigênio de 220 mil brasileiros que morreram asfixiados durante a pandemia. Lira é favorito.

Se a vitória de Lira se confirmar, Bolsonaro terá três vitórias.

A vitória menor será a eleição de Arthur Lira. Com um aliado seu na presidência da Câmara, Bolsonaro terá mais chances de colocar em votação suas pautas autoritárias. Se entregar cargos conversíveis em dinheiro for suficiente para eleger Lira, talvez também seja suficiente para aprová-las.

Com todas as suas imperfeições, Rodrigo Maia foi um limite para o autoritarismo de Bolsonaro. Lira parece ter menos disposição para sê-lo.

Até outro dia, diziam que o centrão de Lira havia moderado Bolsonaro. Da próxima vez, sugiro que a democracia brasileira não se defenda com um exército mercenário. O leilão do mercenário está sempre em aberto.

Mas, até por isso, mesmo, a vitória de Lira pode não ser uma vitória tão grande para Bolsonaro.

Se a maré virar contra o presidente, como parece estar virando, essa turma toda vai embora em cinco minutos, carregando até o material de escritório da Esplanada. E a munição usada para eleger Lira já está gasta; não haverá mais tantos cargos nem tantas verbas para distribuir na próxima disputa.

Mesmo assim, faz diferença. Em uma disputa apertada pelo impeachment, um presidente da Câmara que vacile por, digamos, dois meses a mais para ouvir a insatisfação popular pode ser decisivo. A mobilização pode arrefecer nesse período, a próxima eleição pode começar a ficar perto demais.

É bom lembrar que o presidente mais impopular de todos os tempos, Michel Temer, escapou do impeachment de manobra em manobra. Todas foram do tipo que Bolsonaro está fazendo agora.

Mas a vitória de Lira daria a Bolsonaro outras duas vitórias, talvez mais importantes.

A primeira é um novo salto na desmoralização do Congresso. Se, depois dos 220 mil mortos e da tentativa de autogolpe de 2020, o Congresso se vender para quem até outro dia queria fechá-lo, haverá menos gente para defendê-lo na próxima ameaça autoritária.

Tem gente no centrão que diz que parou o golpismo de Bolsonaro em 2020 sozinho, mas é mentira: havia uma resistência ao autoritarismo na opinião pública e o centrão entrou como mediador.

Se Lira vencer e fizer o que o bolsonarismo quiser, o centrão não será mais mediador de nada. Terá lado na disputa e mãos manchadas de sangue.

Além disso, se Lira vencer, a frente ampla terá fracassado de novo, depois da vez em que ela mais importava —o segundo turno de 2018— e daquela movimentação tímida de 2020.

Nesse caso, da próxima vez que a direita disser “nós votamos Bolsonaro porque do outro lado era o PT” bastará responder “meu amigo, vocês votaram no Bolsonaro quando do outro lado era o Baleia Rossi”.

Enfim, é hora do Congresso decidir o quanto os democratas brasileiros podem contar com ele. Gostaria de ter argumentos que convencessem os eleitores de Arthur Lira a mudar de ideia. Mas acho que acabaria gastando-os para comprar o Messi para o Flamengo.


Catarina Rochamonte: Eleições e cooptação do Congresso

Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso para viabilizar um projeto autocrático

O presidente da República não tem disfarçado o indecoroso empenho em favor dos seus candidatos a presidente da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco), chegando até a invocar o nome de Deus para ajudá-lo na flagrante indecência de eleger, à custa de liberação de verbas bilionárias, quem esteja disposto a se subordinar. Nas eleições desta segunda-feira ver-se-á até onde o Congresso está disposto a ir na cumplicidade com um projeto autoritário.

Na Câmara, apesar de todas as negociatas que sustentam o favoritismo do candidato de Bolsonaro, que é réu por corrupção, há chance de a disputa ir para o segundo turno. No Senado, o quadro é mais difícil; desolador. Lá, de forma oportunista e desavergonhada, quase toda a esquerda —PT, PDT, Rede— uniu-se a Bolsonaro em favor do candidato chapa-branca, e o MDB, que havia lançado a candidatura de Simone Tebet, acovardou-se e resolveu rifá-la.

Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso não apenas para barrar um processo de impeachment, mas também para viabilizar um projeto autocrático, aprofundando a erosão democrática já iniciada com as interferências indevidas na PF, na Receita, no Coaf...; e ainda a utilização para fins privados de órgãos como a Abin.

Na Procuradoria Geral da República, ele já colocou um cavalo de Troia. O atual PGR, lembremos, vem combatendo quem combate a corrupção, tendo como prioridade a destruição da força-tarefa da Lava Jato. No STF, Bolsonaro conseguiu emplacar alguém de notório não saber jurídico —plagiário de dissertação e falsificador de títulos— mas com a virtude da gratidão e o dom de adivinhar as intenções de quem o indicou.

As candidaturas governistas no Congresso são parte da estratégia de cooptação e aparelhamento das instituições que avança sob o olhar reticente dos que advogam a tese de que um novo impeachment debilitaria a democracia. Ao contrário, o impeachment é precisamente o instrumento democrático para frear o uso leviano do poder.

*Catarina Rochamonte é doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).