Matheus Leitão

Matheus Leitão: Como Bolsonaro está usando o seu, o meu, o nosso dinheiro

O Presidente usa recursos financeiros, humanos e físicos do governo para viabilizar sua reeleição. TSE e TCU estão com a palavra 

Matheus Leitão / Revista Veja 

Defensor de ditaduras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta há alguns anos se confundir com o Estado brasileiro. A última moda dele é gastar (muito) dinheiro público para autopromoção, numa campanha eleitoral ilegal que se vale também da estrutura física e de recursos humanos do governo federal.

A repórter Ana Luiza Albuquerque, da Folha de S.Paulo, levantou que o contribuinte já gastou, pelo menos, R$ 2,8 milhões com as motociatas organizadas pelo presidente pelo país ao lado de seus apoiadores mais extremistas –aqueles que negam a existência da pandemia e defendem a generalização da posse e porte de armas, por exemplo.

A repórter Mariana Carneiro, de O Globo, revelou um documento em posse do Tribunal de Contas da União (TCU) que calculou em R$ 1,062 milhão o custo para o erário de apenas três motociatas (ocorridas no Rio, São Paulo e Chapecó).

O gasto público é muito maior porque Bolsonaro também envolve nos eventos de sua campanha eleitoral fora de época recursos do governo federal, como aeronaves, e também os próprios servidores públicos, como ministros e assessores, que são remunerados com o seu e o meu dinheiro, caro leitor, querida leitora.

Além disso, os eventos eleitorais do presidente demandam esforços e horas de trabalho de policiais militares e outros servidores públicos dos governos estaduais.

O presidente ainda tenta dar uma de malandro, evitando confirmar sua participação na eleição presidencial de 2022. Ele sempre diz que talvez possa ser candidato, inclusive nesses eventos. Bolsonaro chegou a dizer “se porventura eu for candidato”. Isso é um truque. Ele fala na condicional porque se confirmar a candidatura estará ainda mais claramente configurado o crime eleitoral.

Até porque, todo mundo já sabe que ele tentará a reeleição. Os vídeos, fotos e textos sobre suas motociatas também comprovam a irregularidade eleitoral.

Desde a campanha de 2018, Bolsonaro tenta se confundir com o Estado brasileiro. Um de seus primeiros movimentos nesse sentido foi o sequestro da bandeira nacional, que ele e seus asseclas decretaram que só pode ser empunhada por quem concorda com eles. Outro o sequestro da marca “Brasil”, que o governo inclui em todos os programas como agora no Auxílio Brasil com o qual ele tenta substituir o Bolsa Família. Isso quando não usa o verde e amarelo, como no Casa Verde e Amarelo que ele usou para tentar apagar a marca Minha Casa, Minha Vida.

Certa vez o presidente disse que ele mesmo é a Constituição do país, inadvertidamente remetendo a uma frase atribuída a Luís XIV, rei da França no início do século 18. Sobre os eventos eleitorais antecipados, o país precisa se preservar disso de alguma forma. Inclusive, proteger o dinheiro do contribuinte. O Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal de Contas da União estão com a palavra.

Fonte: Veja
https://veja.abril.com.br/blog/matheus-leitao/como-bolsonaro-esta-usando-o-seu-o-meu-o-nosso-dinheiro/


Matheus Leitão: Ameaça de Bolsonaro de “crise institucional” gera mais desconforto no STF

Declaração do presidente é o fato político do dia, avalia ministro. Fala pode confundir, mas não tirará os olhos da corte das denúncias feitas por Moro

Apesar de aconselhado por assessores a não aumentar o fosso cada vez maior entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro amanheceu o dia atacando diretamente o ministro Alexandre de Moraes. E revelou que, nesta quarta-feira (29), o país esteve perto de uma crise institucional. “Por pouco não teve uma crise institucional ontem, por muito pouco”, disse ao sair do Palácio da Alvorada.

A “crise institucional” a que se refere Bolsonaro é uma reação dele à acertada decisão de Moraes de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem como novo diretor-geral da Polícia Federal, após as graves denúncias de possível interferência política na corporação feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Na entrevista, raivosa como o usual, Bolsonaro chegou a falar na eventualidade de vir a nomear Ramagem apesar da ordem judicial. E essa é a crise que quase houve.

O país parece já estar acostumado com impropérios matinais do presidente. Mas a tentativa de Bolsonaro de esticar a corda com o STF, após seus incentivos às manifestações populares contra a corte, ampliou ainda mais o desconforto no Supremo. “Essa frase é o fato político do dia”, avaliou um ministro à coluna, mostrando que ela não deve ficar no vazio. Não fosse a pandemia, a resposta seria dada por desagravos no plenário pelos ministros ao colega de toga.

Além dessa frase de que “quase houve uma crise institucional”, o presidente fez os ataques diretos ao ministro Alexandre de Moraes, exigindo rapidez em decisões e afirmando que ele só foi escolhido ministro pela amizade com o ex-presidente Michel Temer. Criticar Alexandre de Moraes, como Bolsonaro fez, acaba por ferir todos os outros ministros da corte por tabela.

Como se sabe, o papel de guarda constitucional do Supremo tem ficado cada vez mais urgente diante dos ataques de Bolsonaro às instituições democráticas, seja por declarações agressivas, seja por participações em manifestações que pedem intervenção militar ou até o absurdo da volta do AI-5, Ato Institucional que suspendeu habeas corpus, os direitos e garantias individuais, além de dar poderes para o fechamento do Congresso.

Como já mostrou este espaço, esses arroubos têm levado o Supremo a viver uma rara união justamente para conter essa sanha pela defesa de posições antidemocráticas que nem mesmo os militares da alta cúpula do governo gostam de lembrar, como a censura prévia à imprensa, para apenas dar mais um exemplo dos graves erros do regime.

Bolsonaro agora tenta (mais uma vez) confundir o debate. Na avaliação de um interlocutor de um ministro do STF, parece blefe. A “crise institucional” poderia vir de que forma? Uma eventual desobediência à decisão de Alexandre de Moraes levaria ao caos, mesmo que o presidente, o mandatário maior, não consiga “engolir a decisão”. É do STF. Ou seja, cumpra-se – uma das bases do regime democrático.

Enquanto Bolsonaro assume um papel que não convém a um presidente da República, as investigações da própria PF, que está no epicentro da crise, avançam. O inquérito que trata do esquema criminoso de fake news, por exemplo, aponta para a participação de Carlos Bolsonaro.

O fato é que não há confusão criada pelo presidente, ou crise política do dia, que atenue, na opinião de ministros do Supremo, o peso de uma das principais questões levantadas pelo ex-ministro Sergio Moro ao deixar o governo Bolsonaro: “não é tanto a questão de quem colocar, mas de por que trocar” o diretor-geral da PF.