Marcus Pestana

Marcus Pestana: Maioria e minoria na dinâmica democrática

Desde que o mundo é mundo, a sociedade busca a melhor forma de conduzir seus destinos. Para que a vida compartilhada por pessoas e segmentos sociais diferentes seja possível é inevitável a construção de um conjunto de regras, instituições, práticas, ritos, consensos e pactos. Da Eclésia grega até a configuração das democracias contemporâneas, experimentamos as mais variadas formas de dirigir os assuntos e os negócios de Estado.

A grande ideia vitoriosa no século XXI é a da liberdade. A concepção de que a democracia é um valor permanente e universal consolidou-se como amplamente hegemônica.

A democracia, como invenção humana, é, por definição, imperfeita. Mas carrega uma dinâmica autocorretiva através de um contínuo processo de tentativa, erro, síntese e avanços.

Isto pressupõe um acordo onde múltiplos atores aceitam e legitimam a diversidade de visões e erguem um pacto de respeito mútuo e observância das regras do jogo. Portanto, democracia não é o governo da maioria eventual para seu exercício absoluto e ilimitado. É o governo da maioria que respeita e reconhece a minoria. Não pode existir espaço para que o jogo se assemelhe à ironia fina de Millôr Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”.

Dentro da dinâmica democrática assumem centralidade a independência dos poderes, a Constituição como lei maior, a alternância no poder e a liberdade como valor permanente, ela sim absoluta. E é no Congresso que pluralidade e diversidade se manifestam. Lá é a casa onde maioria e minoria se encontram, dialogam, digladiam, polemizam, debatem e deliberam. Nenhum governo eleito pode tudo. Há limites constitucionais, legais e institucionais. E há limites políticos que demandam a formação de maioria parlamentar para as coisas avançarem.

No processo de formação da maioria necessária vários caminhos se combinam: capacidade de liderança, clareza do rumo, persuasão, convencimento, cooptação, negociação, autoridade, habilidade, sensibilização e mobilização da opinião pública. Não há presidente da República ou primeiro-ministro que possa, na democracia, governar solitária e unilateralmente. No mais longo período democrático de nossa história (1985/2019) já ocorreram dois impeachments por falta de apoio parlamentar: Collor (1992) e Dilma (2016).

Ainda assim, a democracia brasileira se demonstra sólida e consolidada, exatamente em função da alternância no poder e do respeito e convivência entre os diferentes. Já tivemos a esquerda no poder (Lula e Dilma), em outros momentos governos de centro (FHC, Sarney, Itamar e Temer), e agora um governo assumidamente de direita. E o país, mal ou bem, continua funcionando, as instituições estão fortalecidas e a Constituição é a baliza. Como disse o Ministro Raul Jungmann certa vez: “dentro da Constituição, tudo, fora dela, nada”.

Volto ao assunto na próxima semana. O jogo começou. O Presidente Jair Bolsonaro tomou posse. Sua equipe começa a esboçar as primeiras propostas. Rodrigo Maia se elegeu, por larga maioria, presidente da Câmara dos Deputados. David Alcolumbre, em tumultuado processo, foi alçado à presidência do Senado Federal.

O sucesso ou o fracasso do projeto governamental dependerá de sua capacidade de formar maioria. E essa não é tarefa trivial e simples. Assunto para o próximo sábado.


Marcus Pestana: Sobre ferro e lágrimas

Que ferro seja sinônimo de Minas, emprego, renda e desenvolvimento sustentável. E não de lágrimas, como disse o poeta

Mais uma tragédia se abateu sobre Minas. Não há palavras que consolem as famílias dos mortos e dos que tudo perderam. A linda região dos distritos de Brumadinho se travestiu em verdadeiro mar de lama. Nosso poeta maior tantas vezes descreveu a alma mineira impregnada de ferro: “Minas não é palavra montanhosa. É palavra abissal... As montanhas escondem o que é Minas. No alto mais celeste, subterrânea, é galeria vertical varando ferro para chegar ninguém sabe onde...”. Minas, o único Estado que carrega a vocação minerária no próprio nome, marca inconfundível de nossa história desde o ouro de Vila Rica e os garimpos de Diamantina.

Nestes dias, após a nova tragédia ocorrida em terras mineiras, outro poema drummondiano, publicado no “Cometa Itabirano” em 1984, viralizou nas redes sociais: “O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Aí, antes fosse mais leve a carga... Quantas toneladas exportamos de ferro? Quantas lágrimas disfarçamos sem berro?”.

As contradições entre crescimento e proteção ao meio ambiente numa perspectiva de desenvolvimento sustentável não é assunto novo. Mas a atitude predatória em relação à natureza não era tema central na agenda do mundo moderno. Nem à direita, nem à esquerda. A Guerra Fria, liderada por Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), focava o crescimento econômico numa perspectiva comum, produtivista.

Aconteceu em 1972, em Estocolmo, a 1ª Conferência Mundial sobre Meio Ambiente. Em 1992, tivemos a RIO–92, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A questão ambiental ganhou espaço, inundando a agenda de governos, empresas e organizações da sociedade civil.

Como secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, em 2002, aprendi muito com o ministro José Carlos Carvalho e sua equipe e presenciei o esforço para a modernização da legislação e do processo de licenciamento ambiental. Como relator da medida provisória que alterava a cobrança da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), aumentei a alíquota de 2% para 3,5% e alterei a base de cálculo da receita líquida para a receita bruta. Não só aumentei e muito os recursos para municípios e Estados mineradores e impactados financiarem seu desenvolvimento sustentável, como destinei 7% para a nova Agência Brasileira de Mineração, 2,8% para a pesquisa científica e tecnológica no setor e 0,2% para o Ibama, o que é suficiente para financiar o segmento de controle e licenciamento ambiental do órgão.

A estrutura herdada do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é ridícula. É bom que aqueles que defendem o “Estado mínimo” aprendam com a vida sobre a necessidade de um Estado forte e ágil, ainda que enxuto e eficiente, para regular com sabedoria as lacunas deixadas pelo mercado. Em Minas, por exemplo, para 220 barragens e 140 mil processos, temos apenas 35 técnicos, dos quais quatro para fiscalização de barragens, quatro caminhonetes e dois veículos pequenos velhos. Só diante de desastres ambientais, como os de Mariana e Brumadinho, é que a sociedade e os governos acordam e choram o leite derramado.

Esperamos todos uma rigorosa apuração, a implacável punição dos culpados e a correção de rumos para o futuro.

Esperamos que a trágica e dramática experiência de Brumadinho seja um degrau de aprendizado para que ferro seja sinônimo de Minas, emprego, renda e desenvolvimento sustentável. E não de lágrimas, como disse o poeta.


Marcus Pestana: A gente se acostuma, mas não devia, com as manobras ilegais

A escolha entre pagar os servidores ou pagar as prefeituras

Certa vez, Marina Colasanti teceu uma bela crônica que dizia: “A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora, a tomar café correndo porque está atrasado... A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que de tanto se acostumar, se perde por si mesma. A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”.

Ocorreu-me esta crônica diante do noticiário sobre as relações do governo de Minas Gerais com os municípios mineiros. Aquilo que é absurdo virou rotina, e perdemos a dimensão da gravidade do que está ocorrendo.

O Brasil é o quinto maior país do mundo em território, com seus mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Os 208 milhões de brasileiros se espalham por 5.570 municípios, 853 em Minas Gerais. A nossa diversidade é fantástica. Nossa Federação é original, os municípios têm autonomia política e administrativa. Diante disso, como pensar em democracia forte e políticas públicas efetivas sem o fortalecimento dos municípios?

Amanheci no dia 19 de janeiro com a manchete do “Valor Econômico”: “Déficit conjunto de seis Estados atinge 74 bi”. E o pior era o gráfico logo abaixo, mostrando que a mais grave situação é a de Minas Gerais. Ocupamos hoje o triste primeiro lugar no ranking nacional da irresponsabilidade fiscal, com um déficit financeiro projetado, para 2019, de nada mais, nada menos, do que R$ 30 bilhões.

E não me venham dizer que é fruto da crise nacional. Espírito Santo e São Paulo, entre outros, estão com suas contas em dia e com as finanças estaduais saudáveis. Aqui sobrou “criatividade” na gestão irresponsável do Tesouro estadual (apropriação do consignado dos servidores, atraso com fornecedores, sequestro dos depósitos judiciais, não pagamento do 13º salário e a escandalosa e única no país burla dos direitos constitucionais dos municípios).

É inacreditável aonde chegamos. O governo estadual, em vez de ser um parceiro, como em tempos passados, se tornou um estorvo, um entrave, inviabilizando setores essenciais como educação e saúde.
O atual governo tem apenas um mês de trabalho. Recebeu uma herança perversa. Não há soluções simples para problemas complexos. A crise mineira é tão grave que exige de todos ponderação e diálogo. Mas o governo estadual tem que entender o desespero e o drama dos municípios. A Associação Mineira de Municípios (AMM) tem liderado há meses uma luta heroica. É preciso construir sólidos canais de diálogo, e não barreiras policiais. Mas impeachment também não é solução.

É preciso dar um voto de confiança ao novo governo, que sinaliza a intenção de fazer o ajuste fiscal. Mas é preciso também sensibilidade dos atuais governantes. Dois erros foram cometidos, a meu ver. Primeiro, mobilizar a Polícia Militar para barrar os prefeitos, como se fossem arruaceiros ou criminosos. Isso mina o ambiente de confiança recíproca e traumatiza a interlocução. Segundo, a afirmação de que é uma escolha entre pagar os servidores ou pagar as prefeituras. Alto lá! A César o que é de César. Senão, vamos acabar nos acostumando, e não devemos, com a ideia de que essa é uma manobra legítima, legal e razoável na gestão do caixa estadual. Nada disso! Esse recurso não pertence ao Estado. Isso só ocorre em Minas. É apropriação indébita e crime de responsabilidade. Deem aos municípios o que a eles pertence.

Minas é maior que esta crise!


Marcus Pestana: Previdência, demagogia e populismo

Na última semana, realcei que a reforma da Previdência Social é central, inevitável e inadiável. Sem isso não haverá equilíbrio fiscal, inflação e juros baixos, volta dos investimentos e crescimento econômico. E que nosso sistema previdenciário não é justo nem sustentável.

Na Secretaria de Estado do Planejamento (Seplan-MG), em 1997, contratamos a Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, para um cálculo atuarial e um diagnóstico prospectivo sobre o sistema previdenciário estadual. Já na época, escrevia sobre a “crônica da morte anunciada”, a marcha da insensatez rumo ao abismo. Neste mandato de deputado federal, prossegui a inglória luta como vice-presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência.

Talvez a reforma previdenciária seja a questão mais difícil do ponto de vista político. Ninguém quer perder “direitos”. O ambiente em torno do tema é um mar de demagogia, populismo, retórica manipulatória e covardia política. Muitos me diziam: “Não fale essas coisas, porque vai perder votos”. É impressionante a alienação das lideranças da sociedade diante de assunto tão grave e vital. É como aquela pessoa que salta do 25º andar e, quando passa pelo oitavo, comenta com alguém na janela: “Até aqui, tudo bem”.

No mundo inteiro, a reforma é inevitável por razões demográficas. Para se ter uma ideia, hoje no Brasil temos 9,2%, ou seja, 19,2 milhões de brasileiros com 65 anos ou mais. Em 2060, serão 25,5%, num total de 58 milhões de idosos. A taxa de natalidade em 1950 era de 44 nascidos para cada mil habitantes; em 2015, foi de 14,16 por mil habitantes. Ou seja, cada vez mais gente usufruindo e cada vez menos gente contribuindo.

E por que digo que o sistema é insustentável? O rombo nas contas federais foi de R$ 292,2 bilhões. Sem falar no déficit total dos Estados, que somou R$ 98 bilhões. Hoje, Previdência e benefícios sociais representam 54% dos gastos primários; se nada for feito, em dez anos, chegaremos a 82%. Ou seja, sobrarão apenas 12% para educação, saúde, segurança, relações exteriores, meio ambiente, ciência e tecnologia, Forças Armadas etc. É isso que queremos? É sustentável?

Por outro lado, o aspecto essencial. Como disse no artigo anterior, o objetivo central dos sistemas previdenciários era ser instrumento de combate às desigualdades. Os milhões de brasileiros que se aposentam pelo INSS têm benefício médio de R$ 1.300. Já a média do benefício do funcionalismo público federal é de R$ 7.000; nas Forças Armadas, é de R$ 9.000; no Ministério Público, é de R$ 18,5 mil; no Judiciário, é de R$ 25 mil; e o dos servidores do Congresso Nacional é de R$ 28 mil. Isso é justo? Este é o retrato da sociedade que queremos? A lógica previdenciária transformada em um Robin Hood às avessas? Fora as aposentadorias precoces do “andar de cima”, em contraste com os mais pobres.

Voltarei ao assunto ao longo do semestre. Esta é uma questão de vida ou morte para o Brasil voltar aos trilhos do desenvolvimento sustentado e sustentável.


Marcus Pestana: Mãos à obra: a reforma inevitável

Os espetáculos pirotécnicos que encantam multidões já se apagaram nos céus; a troca de mensagens de esperança e fé entre as pessoas já produziu seu efeito propulsor de novas energias; os discursos de posse já foram dissecados e registrados para a posteridade. Agora é hora de arquivar a retórica e o ambiente festivo, arregaçar as mangas, encarar a crise e colocar a mão na massa em busca de soluções. A gravidade da situação é tão grande, que não podemos perder um minuto. O país tem pressa.

No conjunto de desafios e gargalos nacionais a serem enfrentados, um é absolutamente central: a reforma da Previdência. O maior obstáculo à retomada do desenvolvimento econômico e social no Brasil é o profundo desequilíbrio nas finanças públicas. E o aspecto-chave é encontrar uma equação adequada para o nosso deficitário sistema previdenciário.

A Previdência Social foi o elemento central na configuração do Estado do bem-estar social, que marcou o nascimento da social-democracia no mundo. A luta dos trabalhadores e a evolução da consciência social impunham a humanização do chamado “capitalismo selvagem”. Tarefas que eram supridas pelas famílias e organizações filantrópicas começaram a ser absorvidas pelo Estado. O avanço civilizatório determinava que se conferisse dignidade à velhice, à doença e à pobreza extrema.

Leis esparsas surgiram na Inglaterra e na Áustria. Mas foi a Lei do Seguro Social, introduzida por Bismark, em 1883, na Alemanha, que progressivamente previu o seguro- doença, o seguro contra acidentes de trabalho, a cobertura para a invalidez e para os idosos. Depois, vieram Dinamarca, Suécia, Argentina, Uruguai, Chile, EUA. O México foi o primeiro a constitucionalizar a questão, em 1917.

O espírito essencial era proteger o trabalhador pobre quando perdesse sua capacidade laborativa. O pressuposto é que os setores de maior renda acumulam poupança e patrimônio ao longo da vida e a Previdência deveria garantir uma renda mínima para idosos, inválidos e miseráveis.

Mais recentemente, com as mudanças demográficas no mundo contemporâneo – onde, graças aos avanços tecnológicos e à melhoria geral da qualidade de vida, estamos vivendo muito mais, e, por outro lado, à tendência universal da queda da taxa de natalidade –, os sistemas previdenciários começaram a entrar em crise, exigindo mudanças em todo o mundo.

Essa é uma realidade em todos os países, mas no Brasil é agravada por distorções acumuladas por décadas. Todo sistema previdenciário tem que atender duas características: ser justo e sustentável. O nosso sistema não é justo nem sustentável. É impressionante que, num país tão desigual como o Brasil, um instrumento criado para promover justiça social seja produtor de privilégios e desigualdades.

Na próxima semana procurarei demonstrar a iniquidade e a insustentabilidade de nosso sistema, discutir seus efeitos e as saídas para tão grave dilema.


O Estado de S. Paulo: Secretário-geral do PSDB propõe fusão com outras siglas

Iniciativa será apresentada pelo deputado federal Marcus Pestana (MG) à direção executiva da legenda; ideia, segundo ele, é que em maio os tucanos renovem o comando partidário e em seguida iniciem o processo

Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo

Após registrar em 2018 o pior desempenho eleitoral de sua história em uma eleição presidencial e perder 20 cadeiras na Câmara, o PSDB vai avaliar uma proposta de fusão com outras siglas para disputar as próximas eleições.

A iniciativa será apresentada pelo deputado federal Marcus Pestana (MG), secretário-geral do PSDB, à direção executiva da sigla. A ideia, segundo ele, é que em maio os tucanos renovem o comando partidário e em seguida iniciem o processo.

“O PSDB tem que se reinventar depois de organizar a bagunça. É insustentável essa quadro partidário pulverizado. Defendo que, após a renovação da direção, abra-se uma interlocução para um processo criativo de fusão”, disse Pestana ao Estado.

O deputado cita quatro siglas para a potencial fusão: PPS, PSD, PV e DEM. Segundo Pestana, ainda é cedo para dizer qual seria o modelo de fusão e a autonomia que cada partido dentro da nova legenda.

O combustível que alimenta esse debate é a proibição de coligação proporcional a partir das eleições municipais de 2020.

Outra ideia colocada na mesa do PSDB é formar uma federação de partidos para aturarem em conjunto no Congresso e até nas próximas eleições municipais.

O presidente do DEM, ACM Neto, descarta a possibilidade de fusão com o PSDB. “Isso não está na pauta. Isso não passa nem perto de nossa perspectiva. Eu não cogitaria nenhuma hipótese de fusão com o PSDB neste momento”, disse.

Dirigentes de outros partidos também evitam, por ora, falar em fusão. Avaliam que tudo vai depender do cenário em 2019 e da relação das siglas com o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Em caráter reservado, porém, reconhecem que a proibição de coligações deve empurrar muitos partidos para esse caminho.

Posição. Outro debate que permeia o PSDB é a posição em relação ao governo Bolsonaro. Enquanto parte da legenda, com Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso à frente, adotou uma postura crítica e é contrária ao alinhamento, o grupo do governador eleito João Doria defende o apoio ao presidente eleito.

Veja abaixo a íntegra do documento - Marcus Pestana: Autocrítica, refundação e reposicionamento do PSDB

Marcus Pestana: Autocrítica, refundação e reposicionamento do PSDB

Introdução
O Brasil experimentou a maior crise das últimas décadas. Combinação explosiva entre recessão aguda, estrangulamento fiscal profundo, desemprego alto, confiança e credibilidade abaladas, feridas abertas pelo impeachment, conflito na convivência entre os Poderes republicanos, insatisfação social represada, intolerância crescente e o maior escândalo de corrupção desvendado pela Lava Jato e operações congêneres.

É evidente que a herança deste quadro transformou o cenário de 2018 em um terreno movediço povoado de incertezas, enigmas e interrogações.

O PSDB não é um partido qualquer. Tem história, tem quadros, é responsável por transformações históricas na vida nacional, tem consistência programática. Colheu uma bela vitória nas eleições municipais de 2016 com um crescimento de 25% de seu eleitorado em relação a 2012, enquanto seu principal adversário despencou 61%. Governamos, no plano municipal, um quarto da população brasileira. Fomos protagonistas das eleições presidenciais desde 1994, com um expressivo resultado em 2014.

É evidente que a democracia representativa viveu uma crise silenciosa que veio à tona nas urnas em 2018. Quem achou que tinha o pulso completo da realidade, segundo antigos paradigmas, se surpreendeu. Quem achou que o modelo clássico de fazer política e campanhas funcionaria, se frustrou. A distância crônica entre a sociedade brasileira, sua representação política e o quadro partidário se aprofundou de forma radical nos últimos anos. Esse sentimento explodiu nas urnas em 2018. A vitória de Bolsonaro, um “outsider” com 29 anos de uma vida pública opaca e sem relevância, mas que conseguiu se identificar com o sentimento do “cidadão comum” em torno da defesa dos valores da família, da tradição, da propriedade, da tolerância zero com a corrupção e a violência e do sentimento majoritário anti-PT, sem tempo de TV, sem muito dinheiro e sem presença nos debates, mas com um vigoroso apoio voluntário nas redes sociais e nas ruas, representa uma monumental derrota do que ficou conhecido como “a velha política”, o “establishment”.

O PSDB foi sem sombra de dúvidas um partido diferenciado no quadro brasileiro. Mas não restam dúvidas que também foi radicalmente contaminado pelo ambiente geral. Ficou evidente que o Brasil mudou e é outro. E o PSDB não soube mudar junto e se reinventar, se renovar, mudar para continuar liderando as reformas e transformações necessárias.

Também o cenário internacional está povoado de sinais sobre o descolamento da sociedade contemporânea das formas clássicas de representação e organização política. Em todo o mundo, a democracia moderna, em seu formato clássico, encontra dificuldades de canalizar as expectativas dos mais variados segmentos de uma sociedade extremamente fragmentada e de vocalizar a diversidade presente no tecido social contemporâneo.

A vitória de Trump nos EUA é a demonstração mais vigorosa disto. Foram derrotados não apenas Hillary, Obama e o Partido Democrata. Também o establishment do Partido Republicano o foi. A vitória do Brexit no Reino Unido derrotou de uma só vez o primeiro-ministro conservador e o partido trabalhista; a derrota da reforma constitucional italiana defendida pelos principais partidos, exceto o populista “Cinco Estrelas” e o crescimento da extrema-direita na Europa; demonstram que há uma nova realidade a ser decifrada.

A eleição de Bolsonaro e de diversos outsiders como governadores (MG, RJ, SC, AM, RR, etc.) determinaram o fim do ciclo histórico da redemocratização e da Nova República. Algumas elites tradicionais conseguiram manter sua hegemonia política regional (PA e AL). O PT e as esquerdas mantiveram a liderança no Nordeste brasileiro. Mas a marca dominante das eleições de 2018, onde as exceções confirmam a regra, foi a vitória da chamada “nova política” – seja lá o que isso signifique – sobre a “velha política”. Mesmo as vitórias tucanas de João Dória em São Paulo e Eduardo Leite no Rio Grande do Sul têm interface e traços comuns com este novo universo da política nacional.

Fato é que o PSDB experimentou sua maior derrota. Na votação nas eleições presidenciais nossa votação caiu expressivamente. Diminuímos significativamente nossa presença no Congresso Nacional, nas duas casas. Importantes lideranças emblemáticas do PSDB foram derrotadas.

Em 2014 e 2016, tivemos centralidade na dinâmica política nacional. Em 2018, fomos gravemente derrotados junto com outros atores da “velha política” (MDB, DEM, PT). O ciclo da Nova República está encerrado. Temos finalmente a presença de uma direita organizada e expressiva. Plínio Salgado com seus integralistas tentou. Carlos Lacerda infernizou a vida de Getúlio e JK, mas nunca construiu uma alternativa competitiva em escala nacional. Pretendia testar a aposta em 1966. O golpe abortou as eleições. Agora Bolsonaro e diversos outsiders no Congresso e nos Governos Estaduais, vocalizam vigorosamente princípios e diretrizes de uma direita que nunca teve presença relevante no cenário político. Tudo o que era importante até 2016 (alianças, tempo de TV, financiamento forte, debates) não tem mais lugar preponderante absoluto na disputa política. Emergiu uma nova forma de fazer política e campanhas. O império das redes sociais coloca novos desafios. O PSDB precisa se transformar para sobreviver. O nível de mobilização e engajamento de nossas campanhas era infinitamente inferior ao de Bolsonaro e das esquerdas. Ou nos enraizamos solidamente na sociedade, construindo um partido orgânico com vida intensa, ou seremos dizimados dentro do mapa político brasileiro.

Perdemos e é hora de repensar o futuro. A derrota nos impõe uma severa e profunda autocrítica. Diagnóstico crítico, realinhamento, reinvenção, refundação. O PSDB ainda terá um papel importante como canal do necessário e inadiável diálogo nacional. Temos que nos reorganizar até mesmo para prepararmos passos futuros na direção da reforma do quadro partidário brasileiro, a partir de um processo criativo, inovador e democrático de fusões e reaglutinação de forças. É preciso para além do PSDB, reinventar o campo do “centro democrático”.

O processo de autocrítica e refundação deve passar pelo Congresso Nacional Partidário e pela renovação da Direção Nacional. Mas, este esforço coletivo só faz sentido se for feito em ambiente de respeito mútuo, companheirismo, compromisso com o resultado, respeito a maiorias e minorias. Se for para desencadear um processo autofágico e fratricida, melhor não fazer.

Momentos como esse foram vividos por grandes partidos nas democracias ocidentais: pelo Partido Democrata pré-Clinton, pelo Partido Trabalhista inglês pré-Tony Blair, pelo PSOE pós-Felipe Gonzáles, ou na trajetória de aggiornamento do PCI italiano rumo ao atual PD.

Perdemos uma eleição. Mas ainda há um importante papel reservado de agora em diante para o PSDB. Quem contar a história da redemocratização e da Nova República, que agora encontra seu fim, sem dar centralidade ao protagonismo histórico do PSDB, estará mentindo ou desinformado. Temos história, temos ideias, temos quadros qualificados. O mundo e o Brasil mudaram, temos que mudar junto se quisermos sobreviver. As derrotas quase sempre ensinam mais do que as vitórias. Mas é preciso estar com a alma, a cabeça e o espírito abertos para o aprendizado. Vamos com Fernando Sabino no seu Encontro marcado:

“Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro!”

O Congresso Nacional Partidário: o realinhamento ideológico e programático
O nosso forte presidencialismo e a nossa tradição populista fazem a política brasileira orbitar mais em torno de nomes e pessoas de que de ideias e instituições. Geralmente primeiro se discute candidaturas e depois, de forma apressada e superficial, se constrói um programa de governo. A maioria dos partidos brasileiros têm natureza cartorial, nenhuma consistência ideológica e um único princípio programático: estar sempre no governo, seja qual for ele. O PSDB sempre foi diferenciado neste sentido, com forte identidade ideológica e política, derivada em geral de nossa consistência coletiva, e, em particular, do pensamento de nossa maior referência, o ex-presidente FHC. Mas, é preciso reconhecer que a dinâmica de formulação sempre se deu de cima para baixo. Nunca fomos um partido de massas, com profundas raízes nos movimentos sociais e vida orgânica ativa. Sempre fomos caracterizados, e a imagem não é falsa, como um partido de quadros. Para inovar e mobilizar a estrutura partidária, a militância e a própria sociedade deveríamos realizar, em abril, maio e junho de 2019, um Congresso Nacional, com etapas municipal, estadual e nacional, para o realinhamento participativo ideológico e político do partido e para a reforma do Programa e do Estatuto.

Qual a agenda brasileira na era Bolsonaro? Qual a inserção do Brasil no mundo diante de uma globalização em xeque? Como construir uma nova política e reinventar a democracia brasileira na era da internet e das redes sociais? Como redimensionar as relações Estado/sociedade no Brasil do Século XXI? São algumas das questões que poderíamos propor ao conjunto de filiados e à sociedade num processo intenso de debate, utilizando as ferramentas virtuais disponíveis, o que poderia levar o PSDB a atrair novos líderes, novos militantes. E envolver na discussão e mobilização nossos milhares de vereadores, centenas de prefeitos, dirigentes municipais, intelectuais e técnicos com ação nos plano municipal e regional, que no formato tradicional desempenham sempre papel passivo nas discussões nacionais, não gerando ambiente de pertencimento e compromisso, o que propicia o baixo nível de fidelidade das lideranças regionais e locais aos nossos candidatos. O PSDB estaria ancorado na melhor tradição dos partidos socialdemocratas que fazem de seus Congressos Nacionais o ponto alto da vida partidária.

A Direção Nacional deveria aprovar o calendário e o Regimento Interno do Congresso Nacional, com as “regras do jogo”: sistema de delegação para as etapas superiores, critérios para apresentação de emendas (aditivas, supressivas ou modificativas), dinâmica de mobilização, responsabilidades na condução do processo, etc. Esta proposta, no meu ponto de vista, deveria surgir a partir de um grupo de trabalho presidido pelo Presidente do ITV, Senador Tasso Jereissati, composto pelos três governadores eleitos, pelos novos líderes eleitos na Câmara e no Senado, um prefeito de capital e um vereador.

A Direção Nacional deveria aprovar e baixar o Documento Político para a Discussão, em dezembro de 2018, com o formato original proposto para a apreciação coletiva do partido. O Texto Guia deveria ser redigido por uma comissão com o suporte do Instituto Teotônio Vilela. O Documento Político deveria ficar em consulta pública na internet, com a construção nas redes sociais de uma Tribuna Livre Virtual de debates, organizada por segmentos temáticos para facilitar a interação de pessoas com interesses setoriais. O ITV deveria contratar equipe específica para acompanhar e organizar a sistematização de todo o material e acervo de ideias. Nas Etapas Municipal e Estadual haveria a eleição de delegados às etapas subsequentes e a votação de emendas ao Documento Político inicial. Deveriam ser organizados debates nacionais nas redes sociais para motivar e subsidiar a discussão do Documento. Os diretórios municipais e estaduais deveriam ser orientados a levar as discussões para além das fronteiras partidárias, envolvendo lideranças e técnicos não filiados ou mesmo de outros partidos com afinidades com o PSDB.

Ao final do processo teríamos realizado uma ampla mobilização partidária e social, o que daria uma densidade e uma legitimidade muito maior ao novo documento de orientação política e ideológica do PSDB. Vale ressaltar, o processo é tão ou mais importante que o produto final.

Feita a revisão, a consolidação e a impressão do texto, a partir da etapa nacional do Congresso, ele deveria ser lançado em grande estilo num evento nacional a ser realizado em Junho de 2019, às portas da Convenção Nacional que renovará a direção partidária, transmitido pelas redes sociais.

O PSDB daria uma demonstração clara e concreta de seu compromisso com uma nova política e com a reinvenção da democracia brasileira. E faria a inversão da dinâmica tradicional e improvisada candidato-programa, dispondo de um documento programático legitimado política e socialmente, por um processo inovador. Com um diagnóstico prospectivo claro e um conjunto de ideias e diretrizes sobre o futuro do país, poderíamos partir para as eleições municipais a partir de um novo patamar de vida partidária.

CRONOGRAMA PROPOSTO:
NOVEMBRO 18 – constituição da comissão organizadora
DEZEMBRO 18 – publicação do Documento Político, referência para o Congresso Partidário Nacional
JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 19 – processo virtual e presencial de discussão do documento
ABRIL 19 – congresso e convenções – etapa municipal
MAIO 19 – congresso e convenções – etapa estadual
JUNHO 19 – congresso e convenção – etapa nacional


Marcus Pestana: O Brasil que queremos

Estamos a três meses e meio das eleições de 2018. Depois de um período turbulento, estaremos frente a frente com a mais decisiva e misteriosa eleição das últimas décadas. Vivemos de tudo um pouco nos últimos anos: recessão, Lava Jato, crise fiscal, impeachment, denúncias contra o presidente, desalento social, desarranjo institucional. O bom na democracia é que, de quando em quando, o poder político se reencontra com sua fonte original: a soberania popular.

Há uma curiosa e instigante contradição na relação entre representantes e representados. Ninguém chega a Brasília ou Belo Horizonte por decreto. A representação política e a correlação de forças nascem da vontade expressa do eleitorado. São espelho da vontade da sociedade. Mas, em momentos como os que vivemos, a população olha no espelho e não gosta do que vê.

Surge, assim, uma legítima aspiração por mudança e renovação. Oxigenar o sistema político é sempre positivo. Mas a experiência acumulada também é central. O novo pelo novo não diz muita coisa, mas velhas práticas precisam ser mudadas radicalmente.

O principal canal da TV brasileira tem colhido gravações de cidadãos dos quatro cantos do país sobre o Brasil que queremos. Os depoimentos traduzem, sem surpresas, o universo da ampla maioria da população. Um povo simples, alegre, trabalhador, que só quer o império da honestidade, educação de qualidade para seus filhos, acesso a um sistema de saúde que resolva suas necessidades, combate à miséria, segurança pública eficaz, emprego digno e renda suficiente, infraestrutura que sirva de base para o desenvolvimento.

A eleição de outubro pode ser uma ponte para o futuro. Depende das escolhas que faremos. Quem optar por não votar ou votar nulo e em branco estará delegando a escolha para os outros.

Há alternativas nas eleições presidenciais que são verdadeiras crônicas da crise anunciada. Nos governos estaduais, o estrangulamento fiscal inibirá a demagogia excessiva.

Para a Câmara Federal ainda teremos o irracional voto pessoal sem territorialização. Se nosso sistema fosse como os de Inglaterra, França ou EUA – o distrital puro –, o candidato a deputado federal mineiro disputaria o voto num território delimitado, tendo como população-alvo 300 mil eleitores, e não 16 milhões de votos num espaço aberto do tamanho da Espanha. As escolhas perdem qualidade, as campanhas ficam caríssimas, os laços com a sociedade nascem frágeis, e a discussão fica rala e superficial. Enfim, paciência, são as regras do jogo.

Que façamos boas escolhas e que o Brasil retome a rota do desenvolvimento sustentável. Que cada um cumpra seu papel.

Há sete anos, ocupo este espaço em O TEMPO. Por força da legislação eleitoral, terei que me afastar nos próximos meses. Agradeço à direção e ao corpo editorial do jornal pelo prestígio e confiança. Obrigado, leitores, pela companhia. Volto em novembro. Abraço fraterno.

* Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: A mão visível do intervencionismo

Nunca a frase “não existe almoço grátis” teve tamanha atualidade no Brasil. Ela nasceu nas ruas e foi celebrizada pelo economista liberal norte-americano Milton Friedman, que a adotou como título de um de seus livros.

Independentemente de ter me associado a vertentes de pensamento que diagnosticavam as imperfeições no funcionamento dos mercados, as distorções produzidas por elas e a relevância da ação compensatória do Estado, paulatinamente fui percebendo a extrema fragilidade daqueles que imaginavam a possibilidade de uma economia de decisões centralizadas e planificadas como remédio contra crises e desequilíbrios, em substituição ao sistema de decisões descentralizadas do mercado, onde milhões de atores interagem em busca da maximização de seus ganhos e da defesa de seus interesses individuais, corporativos ou setoriais.

É inevitável admitir que a queda do Muro de Berlim, a dissolução da URSS, a atual crise venezuelana com inflação, recessão e desabastecimento e o próprio estrangulamento fiscal do Estado de bem-estar social evidenciaram os limites e as consequências nefastas do excessivo intervencionismo estatal. O mercado, essa invenção histórica humana, com suas imperfeições e eventuais distorções, revelou sua superioridade como centro de comando na alocação dos recursos disponíveis.

No Congresso Nacional, há oito anos, assisto ao exercício permanente de visões que misturam ingenuidade, demagogia, falta de conhecimento e, às vezes, má-fé, como se houvesse “almoço grátis”. Nesse paraíso de ilusões, querem simultaneamente aumentar despesas (educação, saúde, segurança, obras, salários, benefícios), diminuir impostos e aumentar subsídios e renúncias fiscais. Diante das contradições inevitáveis que a realidade coloca, nascem duas palavrinhas mágicas: “vontade política”, como se o desejo abstrato e subjetivo pudesse criar riquezas. Nessa equação, a soma das partes é sempre maior que o todo.

A greve dos transportes e seus desdobramentos têm sido uma experiência pedagógica para a sociedade brasileira. Embora a maioria da população tenha apoiado o movimento, começamos, pouco a pouco, a descobrir que tudo tem custo, que retrocessos estão ocorrendo e que, se alguns ganham, outros perdem.

O intervencionismo atabalhoado de Dilma nos levou à maior recessão das últimas décadas. É uma pena que o aprendizado não tenha sido consolidado. Será que é uma escolha social correta subsidiar combustível fóssil, realocando recursos escassos tão necessários nas políticas sociais e na infraestrutura? Será que as experiências passadas não nos ensinaram que controle de preços, tabelamento de fretes, interferência externa na lógica empresarial de estatais que têm ações em Bolsa, subsídios não explícitos não produzirão desenvolvimento, justiça social e prosperidade?

Não é nada fácil, nestes trópicos, a luta do iluminismo racional contra as trevas do populismo, da demagogia, do voluntarismo estéril e do intervencionismo desorganizador.

* Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: A barbárie e a ordem democrática

Democracia não se confunde com baderna ou anarquia. Liberdade é um conceito complexo. Centenas de autores e filósofos consumiram litros e litros de tinta para discutir as relações entre liberdade individual e convivência social. O senso comum já propagandeou com sabedoria: “Minha liberdade termina onde começa a do outro”. As regras ficam consignadas nas leis, nos valores éticos, nos princípios filosóficos e religiosos vigentes e nos costumes.

A democracia nasceu para limitar o poder absoluto do rei. Na Constituição e nas leis estão traduzidos os direitos e deveres dos cidadãos, o papel do Estado e as regras do jogo. Representam o pacto de convivência e o contrato social que vão arbitrar as relações entre as múltiplas liberdades individuais e coletivas que coabitam em um ambiente comunitário.

Digo isso tudo em função do turbulento momento brasileiro, em que somos tomados por certa perplexidade e por um gosto amargo preventivo de que as coisas estão fugindo do controle.

Os caminhoneiros e o setor de transporte têm todo o direito de reivindicar seus legítimos direitos. Mas certamente não podem de bloquear estradas ou tornar a sociedade refém pela ameaça de uma crise de abastecimento. Os policiais civis e militares de Minas e os agentes penitenciários têm absoluta razão em se mobilizar em nome de seus salários. Mas, como agentes da lei e da ordem, devem circunscrever seus movimentos às diretrizes constitucionais, evitando, por exemplo, até mesmo simbolicamente, a quebra do ícone do poder democrático em Minas, que é o Palácio da Liberdade, que não é de um ou outro governador, mas de toda a sociedade, fonte original de todo poder.

Na verdade, caminhoneiros, empresários, policiais e agentes penitenciários, líderes políticos de todos os partidos e toda a sociedade devemos urgentemente erguer um amplo diálogo nacional para, a partir das legítimas divergências, atacar os graves problemas do país e os verdadeiros inimigos da democracia e da sociedade.

A barbárie se instalou em várias cidades brasileiras por dias seguidos. Nossas divergências e disputas se dão na órbita da vida democrática e sob a égide das instituições republicanas. O crime organizado, não. Vive à margem da ordem constitucional e com regras próprias. Sente-se no direito de desestabilizar a convivência social e levar pânico às pessoas. Foram mais de 30 cidades afetadas, mais de 60 ônibus incendiados.

Nosso compromisso primeiro deve ser com pessoas como as moradoras de Uberlândia e Passos, que nas páginas de O TEMPO expressaram suas angústias: “Entro no ônibus já olhando para quem vai sentar do meu lado”, “Misericórdia! Estamos apavorados, com medo até de sair de casa”.

Ao lado de nossas divergências políticas, ideológicas, corporativas ou setoriais, precisamos estar unidos contra aqueles que agridem a ordem constitucional democrática e querem instalar a barbárie e o caos entre nós.


FAP Entrevista: Marcus Pestana

Um dos autores do Manifesto por um polo democrático e reformista, que será lançado nesta terça-feira (05/06) em Brasília, Pestana diz que a iniciativa surgiu da necessidade de se encontrar um caminho entre o “desastre e a catástrofe política”, citando frase do senador Cristovam Buarque

Por Germano Martiniano

Em um ano em que milhões de brasileiros irão eleger um novo presidente da República, a esperança de propostas políticas progressistas e que girem em torno de um ambiente reformista e democrático ainda está assentada no centro democrático, que no atual momento se encontra bastante fragmentado. De Marina Silva ao governador Geraldo Alckmin, nenhum candidato conseguiu emplacar candidaturas fortes. Por quê? E quais propostas devem estruturar e unir o centro democrático para fazer frente ao radicalismo que tem imperado em nossa política? São essas respostas que o “Manifesto por um polo democrático e reformista” busca dar à população brasileira. Sob a iniciativa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), do ministro Aloysio Nunes Ferreira e do deputado federal Marcus Pestana (PSDB-MG), o Manifesto será lançado nesta terça-feira (05/06), em Brasília, às 16h, no Café do Salão Verde da Câmara dos Deputados.

A série FAP Entrevista desta semana é com o deputado federal Marcus Pestana, um dos autores do Manifesto e ex-presidente do PSDB de Minas Gerais. Ele lembra como surgiu a ideia de se criar o Manifesto: “A iniciativa de criar o Manifesto surgiu de uma conversa minha com o Senador Cristovam Buarque", disse. "Decidimos nos movimentar frente à fragmentação das forças democráticas”, concluiu Pestana, citando uma frase do senador pelo PPS-DF para sintetizar a situação: “Precisamos encontrar um caminho entre o desastre a catástrofe, por isso tivemos essa ideia que contou com o apoio entusiasta de FHC, Aloisio Nunes e mais trinta signatários.”

Formado em economia, Marcus Pestana iniciou sua vida política como vereador de Juiz de Fora (MG) em 1983. Em 2006, foi eleito deputado estadual, porém se afastou do cargo em 2007, quando se tornou secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais. Em 2010 foi eleito deputado federal, reeleito em 2014. Nesta função votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff e também da Reforma Trabalhista. Em 2013 foi avaliado pela revista Veja como o segundo melhor deputado federal do país naquele ano. A entrevista integra uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista - Como surgiu e de quem foi a ideia de realizar o Manifesto “Por um polo democrático e reformista”?
Marcus Pestana - Inicialmente partiu de uma conversa minha com o Senador Cristovam Buarque. Decidimos nos movimentar diante da perspectiva de fragmentação das forças democráticas e reformistas e de um segundo turno nas presidenciais, como disse o Cristovam, entre o desastre e a catástrofe. Esboçamos o Manifesto, como ponto aglutinador, e submetemos ao FHC e ao Aloisio Nunes Ferreira que apoiaram com entusiasmo. A partir daí, consolidamos a lista inicial de 30 signatários para o lançamento no próximo dia 5/6, próxima terça.

O país encontra-se, atualmente, polarizado entre o populismo autoritário de direita e o de esquerda. Onde foi que o centro democrático errou e por que chegamos a tal polarização?
Não conseguimos enraizar a perspectiva democrática no seio da sociedade. Seguimos um modelo de organização partidária tradicional e deixamos brechas pra sobrevivência dos populismos autoritários. A Lava-Jato, ao revelar o submundo do sistema, jogou todos na vala comum. Há um abismo separando a sociedade e sistema político. Neste espaço os populismos nadam de braçada, oferecendo saídas simples, fáceis, boas de serem ouvidas, mas equivocadas para problemas complexos. O quadro político tradicional frustrou a sociedade e aí surgem os aventureiros.

Como será o trabalho do Manifesto após seu lançamento e como fazer com que o mesmo alcance a sociedade?
Vamos procurar todos os pré-candidatos e direções partidárias identificadas com esse campo de ideias, dos liberais aos socialdemocratas e socialistas democráticos. Dialogar para ver como produzir a urgente e essencial unidade política e eleitoral.

O Manifesto visa uma ampla unidade política contrária à disseminação de discursos radicais. Como unir candidatos presidenciais por uma mesma bandeira?
A união pode se dar já nas convenções, com a convergência em torno de um candidato que represente o polo democrático. Pode se dar também ao longo do processo do primeiro turno, com candidatos pior posicionados retirando seus nomes e apoiando quem estiver melhor se o apocalipse se anunciar a 20 ou 15 dias da eleição. Ou a unidade pode se materializar no segundo turno. O problema é se o campo democrático estiver ausente, hipótese que não pode ser afastada, ao contrário, hoje seria a mais provável.

A greve dos caminhoneiros expôs a crise financeira pela qual o Estado brasileiro passa. Para o senhor, quais as mudanças prioritárias para economia brasileira?
Sem equilíbrio fiscal não haverá a manutenção de baixas taxas de inflação e juros. Portanto, sem responsabilidade fiscal não haverá crescimento, investimentos e geração de emprego e renda. A Petrobras é uma empresa de capital aberto, com acionistas minoritários e regras de mercado. Quando se quer subsidiar algo deve ser por meio de subsídio explícito, no orçamento, com custo definido e decisão transparente e democrática. Sem as reformas tributária, fiscal, previdenciária e política, o Brasil não irá longe.

Como o senhor avalia uma possível aliança do governador Geraldo Alckmin com o MDB para disputar a presidência? Não seria continuar com mais do mesmo?
O ex-governador Alckmin tem experiência, competência comprovada, serenidade e capacidade de diálogo. Tem o perfil que o Brasil precisa. Mas isto é uma construção política. O fundamental são as ideias e a unidade do campo democrático. O BLOCO DEMOCRÁTICO é suprapartidário e tem compromisso com uma visão de futuro e não com nomes. O MDB tem uma lógica própria, está no poder e legitimamente quer defender o legado de Michel Temer.

Alckmin poderia ser o nome adequado para realizar as mudanças apontadas no Manifesto?
O perfil é perfeito para liderar o processo de reformas e mudanças. Mas temos que agregar o campo democrático e ganhar as eleições. O Brasil vive tempos sombrios e instáveis. É uma loteria a eleição de 2018.

Existe um clamor na sociedade brasileira por renovação política, por mudanças que o próprio Manifesto apontou. Contudo, muitas das mudanças necessárias ao país esbarram nos interesses dos grandes partidos como PT, PSDB e MDB. A reforma eleitoral e a distribuição desigual dos repasses financeiros é um exemplo. Como quebrar essas velhas estruturas de poder, que desejam deixar tudo como está?
Renovar por renovar não faz sentido. Oxigenar o sistema é ótimo. Mas para os desafios complexos que temos pela frente, experiência é fundamental. Mesclar renovação com experiência é o caminho. O futuro está na mão do cidadão. Não há saída sem democracia. A ameaça autoritária tanto na matriz bolivariana quanto na proto-fascista tem de ser derrotada. O mistério é descobrirmos o caminho da vitória do polo democrático e reformista.