Marcus Pestana

Marcus Pestana: O falso dilema entre saúde e economia

Nenhum de nós poderia imaginar que o Brasil chegaria a mais de 345 mil mortes. Passamos os EUA em mortes diárias. A razão é simples: a diferença de ritmo na imunização. O SUS resiste heroicamente. A Saúde Suplementar dá respostas aos seus 47 milhões de usuários. Mas o horizonte de vacinação ainda é incerto.

Não havia registro de mortes por desassistência hospitalar. Agora, dada a velocidade de propagação das novas variantes do vírus, formaram-se filas para acesso às UTIs e muitos estão indo à óbito sem conseguir acesso a tratamentos intensivos. Sem falar na ameaça de desabastecimento de medicamentos essenciais como sedativos, anestésicos e anticoagulantes.

Paralelamente, estabeleceu-se a polêmica sobre a compra privada de vacinas, o que quebraria o sentido democrático e epidemiológico de organização das prioridades na fila de imunização.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, erramos ao estabelecer um falso dilema entre saúde e economia. Cada um de nós só estará salvo, quando todos estiverem livres do vírus. Inclusive a economia. É natural a dificuldade de governadores e prefeitos para imporem medidas restritivas. Mais uma vez, faltou coordenação e sincronia. A decretação de lockdowns e assemelhados é necessária enquanto não superarmos o atraso na vacinação. Mas, as medidas de distanciamento social têm que ser acompanhadas de apoios compensatórios aos mais pobres e às empresas.

Temos boas notícias no front econômico para a retomada pós-pandemia. Votações importantes ocorreram no Congresso com a aprovação dos novos marcos legais do saneamento e do gás e das novas leis de falência e de licitações. Também o leilão das concessões de 22 aeroportos, agrupados em três lotes (Norte, Centro e Sul), com um ágio de 3.822% e investimentos da ordem de 6 bilhões de reais em trinta anos, foi um sucesso.

Mas nem tudo são flores e céu de brigadeiro na política e na economia. Felizmente a crise militar foi debelada e como disse o ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann: “todos prestaram continência à Constituição”. Mas se há notícias boas, há também problemas. Primeiro, a discussão do OGU/2021 virou uma confusão generalizada e demonstrou a Torre de Babel que impera, às vezes, na interlocução entre o Governo e o Parlamento. Por outro lado, o Congresso entrou em abril com diversas propostas legislativas com sinalização equivocada, como por exemplo, o congelamento de preços de medicamentos e planos de saúde.

Ora, a economia de mercado pressupõe competição, sistema de preços relativos orquestrando a alocação de recursos, custos, sustentabilidade, liberdade econômica e regulação seletiva e eficaz. O Brasil para a retomada precisa enfrentar dois problemas fundamentais: o estrangulamento fiscal e a criação de um ambiente de negócios atrativo. Congelamentos geram disfunções como falências, desabastecimento e “mercado negro” e espantam investimentos. A Petrobrás praticou aumentos de 54% na gasolina e 22,7% no gás de cozinha. O óleo de soja aumentou 84,22% e o arroz, 69,01%. Temos que enfrentar corajosamente essa questão cultural, política e ideológica: queremos uma moderna economia de mercado ou vamos sempre cultivar a utopia de um Estado intervencionista e onipresente operando uma economia centralizada? A experiência histórica ensina qual é o melhor caminho.    

*Marcus Pestana, ex-deputado, federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Lula e o PT - Caminhos e descaminhos (I)

Aproximadamente 290 mil vidas perdidas no Brasil para o coronavírus. Sistema hospitalar em colapso, desabastecimento de medicamentos e tristes recordes diários de mortes. A maioria da população está preocupada com a lentidão da vacinação, com o emprego, o auxílio emergencial, a manutenção de suas empresas. E o mundo da política, acentuando característica histórica – a dissintonia com a sociedade, mergulha num debate inoportuno, fora de hora e insensível sobre a possível polarização entre Lula e Bolsonaro em 2022. Só haverá próximo ano novo se superarmos os enormes desafios imediatos de 2021.

Lula tem uma história pessoal admirável. Nascido pobre em Caetés, Pernambuco, migrou para São Paulo, onde se formou no SENAI no curso de torneiro mecânico e se tornou metalúrgico no ABC paulista. Daí, começou na vida sindical, sendo assessor e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos. Nunca quis entrar no Partido Comunista Brasileiro de seu irmão Frei Chico. Cresceu sob as asas de Paulo Vidal, então presidente do sindicato, que o fez seu sucessor, sendo formado dentro da cultura do “sindicalismo de resultados” treinado pela escola americana. Liderou as grandes greves no ABC em 1978, 1979 e 1980 e se tornou um líder nacional. Seu carisma e liderança amadureceram nas grandes e históricas assembleias no Estádio Vila Euclides. Lembro que no movimento estudantil fazíamos coleta de doações para o fundo de greve do ABC.

Incialmente, tinha posição classista e economicista antipolítica. Foi preso em 1980. E recebeu a solidariedade dos democratas de todo o Brasil. Tempos depois, liderou a fundação do PT, se tornou deputado constituinte, teve três derrotas em eleições presidenciais, até que em 2002 se torna o primeiro operário a chegar à Presidência da República. Ninguém faz uma trajetória pessoal dessas por acaso. Maquiavel dizia que o “Príncipe” para ter êxito precisaria de virtude e sorte. Lula demonstrou inegavelmente possuir esses dois elementos essenciais.

Durante todo o regime militar imperou o bipartidarismo, com a Arena, sustentando o governo, e o MDB, representando as oposições. Após a anistia; o fim do AI-5 e da censura; a crise econômica no governo Figueiredo, que combinava inflação, recessão e estrangulamento externo; o desgaste dos militares pela longa permanência no poder; os resultados expressivos do MDB nas eleições de 1974 e 1978; o “intelectual orgânico” do governo militar, General Golbery do Couto e Silva, engendrou a estratégia de dividir as oposições para as eleições de 1982, com a reforma partidária e o fim do bipartidarismo.

Em 20 de dezembro de 1979, o Congresso Nacional aprova a Lei 6.767, extinguindo a Arena e o MDB, e flexibilizando a criação de novos partidos. Aí nasceu o PT. Foram criados o PDS, sucedâneo da Arena; o PDT de Leonel Brizola; o PTB de Ivete Vargas; o PMDB, tendo a frente Ulysses Guimarães e o PP, como partido de centro moderado, unindo os rivais eleitorais de 1962 em Minas, Magalhães Pinto e Tancredo Neves. O roteiro imaginado por Golbery seria completamente realizado se não fosse um tropeço: o estabelecimento do voto vinculado. Com isso, percebendo as artimanhas do “bruxo do Planalto”, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães promoveram a fusão de PMDB e PP, e o PMDB reassumiu a feição de grande e ampla frente democrática.

Voltaremos ao tema na próxima semana.     

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Nada é tão ruim que não possa piorar

A democracia moderna nasceu nos escombros do feudalismo para dar vazão ao nascente capitalismo. A monarquia absolutista, as barreiras comerciais, a fragmentação territorial eram obstáculos à expansão da livre iniciativa que demandava liberdade para que empresários, trabalhadores e consumidores se movimentassem livres e descentralizadamente no mercado. Na Inglaterra, na França e nos EUA moldou-se a democracia, com o Estado laico e liberal, eleições livres, separação dos poderes e partidos políticos como instrumentos de disputa política. Ao sistema político caberia arbitrar os conflitos e apontar os rumos.

No Brasil, temos uma democracia consolidada, mas jovem. Períodos democráticos são raros: apenas o interregno de 1945 a 1964 e a Nova República, de 1985 a 2021, podem ser caracterizados como ciclos democráticos. O Estado sempre foi forte e a sociedade frágil. O populismo, o caudilhismo, o autoritarismo, o personalismo tiveram presença central na história política brasileira.

Agora, em plena crise que se abateu sobre nós – sanitária, econômica, política e social, bastou o Ministro Edson Fachin devolver a elegibilidade ao ex-presidente Lula, para fervilhar no mundo político uma absurda antecipação da sucessão presidencial, dentro da camisa de força maniqueísta da polarização dos extremos. À sociedade não interessa, neste momento, a candidatura de ninguém. As pessoas estão preocupadas com vacina, emprego, sobrevivência e auxílio emergencial.

Descobri cedo a distância entre modelos ideais e a política real. Se dependesse de mim e das minhas convicções, já teríamos um sistema parlamentarista baseado no voto distrital misto proporcional e um quadro partidário consistente e racional. Nada mais distante de nossa realidade.

O presidencialismo americano se organiza em torno de dois grandes partidos – democratas e republicanos. Na Assembleia Nacional Francesa, há a presença de 15 partidos políticos, mas o “A República em Marcha”, do Presidente Emmanuel Macron, ocupa 303 das 577 cadeiras, garantindo estabilidade e governabilidade. O Congresso espanhol tem 16 partidos, mas a dinâmica política gira em torno de 4 grandes partidos (PSOE, PP, Vox, Podemos). Na Itália, a mesma coisa, as colunas vertebrais são o Movimento 5 Estrelas, Liga Norte, PD e Força Itália. Não é diferente em Portugal, com o PS e o PSD dominando a cena.

Aqui no Brasil, a situação é sui generis. São 24 partidos representados no Congresso, sendo que o próprio Presidente da República está sem partido e a fragmentação é total. Os dois maiores partidos na Câmara dos Deputados, PSL e PT, têm pouco mais de 50 cadeiras num total de 513. Qualquer governo terá imensa dificuldade de formar maioria sólida e estável.

Mas, nada é tão ruim que não possa piorar. O parlamentarismo já levou duas lavadas nos plebiscitos de 1962 e 1993. Fui o autor da PEC do voto distrital misto na reforma de 2015, que precisava de 307 votos e só teve 99. Salvamos dois avanços: a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais, o que a longo prazo, esperamos racionalizar o quadro partidário brasileiro e sua representação.

Não é que o “Centrão” começou a se movimentar para acabar com esses dois pequenos avanços já em 2022 e retrocedermos à situação anterior. Como disse Tom Jobim, definitivamente “O Brasil não é para principiantes”.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)          


Marcus Pestana: O agravamento da pandemia e a emergência

“Onde há vida há esperanças” (Miguel de Cervantes).

Não é fácil acalentar a esperança quando encaramos manchetes como “País tem recorde de mortes”, “No maior salto da pandemia, país perde 1.726 em 24 horas”. Mas a esperança é o motor da vida. Um misto de pessimismo, pânico e decepção tende a tomar conta de corações e mentes num momento tão trágico. O inimigo oculto é traiçoeiro e mutante. Quando muitos achavam que a pandemia estava em seu finalzinho, o coronavírus dobrou a aposta e apareceu com carga maior de transmissibilidade e elevou o número de mortes.

A realidade está a exigir não um esforço isolado de um cavaleiro errante como Dom Quixote e sua luta contra moinhos de vento, mas uma agressiva ação unificada de governos e sociedade. Infelizmente, o Brasil lidou mal com a crise sanitária da COVID-19. Subestimamos a gravidade da pandemia, apostamos em terapias de eficácia desmentida pela ciência, assistimos a predominância do conflito nas relações políticas, emitimos sinais equivocados na mobilização da população para o comportamento social e individual preventivo. Perdemos o bonde da história na compra de vacinas. Precisamos de liderança, competência e exemplos.

Não adianta chorar o leite derramado. A situação é dramática e de emergência nacional. É hora de aprender com os erros. O roteiro da esperança é claro e conhecido, mas uma névoa de polêmicas inúteis obscurece o debate.

O lema tem que ser “vacinar, vacinar e vacinar”. Comprar todas as vacinas disponíveis num mercado global superaquecido. Poderia ser pior se não fosse a corajosa aposta do Governo de São Paulo na produção da “Coronavac”.

É inadiável aprofundar o trabalho de orientação à população, diante da ocorrência de novas cepas do vírus e do atraso na imunização, acerca do distanciamento social necessário e dos hábitos coletivos e individuais de prevenção, e recuperar a cooperação interfederativa.

Por outro lado, não podemos negar apoio a milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza, reestabelecendo imediatamente o auxílio emergencial viabilizado pela votação da PEC Emergencial, evitando a fome e a extrema exclusão social.

Fundamental também é perceber que os gestores públicos precisam de ferramentas e instrumentos para enfrentar a emergência nacional, rompendo temporariamente com regras feitas para tempos de normalidade. Isto, a PEC Emergencial também oferece. Inútil discutir quem está financiando o que. As transferências constitucionais são obrigatórias. Os gastos extraordinários com a pandemia estão sendo bancados por endividamento público, ou seja, pelas gerações futuras.

Precisamos integrar a saúde pública e privada neste esforço. O vírus e as mortes atingem indiscriminadamente a todos. E ter maior compreensão com prefeitos e governadores, que certamente não gostariam de fazê-lo, quando decretam paralização de atividades como medida extrema para fazer frente à calamidade sanitária. As lágrimas do governador da Bahia foram eloquentes. É falso o conflito entre vida e emprego. Não haverá recuperação econômica consistente enquanto não derrotarmos a COVID-19.

Em suma, um pouco de bom senso nesta hora não faria mal. Somado à esperança, à coragem de corrigir erros e à clareza de diminuir tensões políticas, poderemos nos concentrar no essencial: defender a vida dos brasileiros.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Controles, corrupção e eficiência

Para cumprir seus objetivos, os governos erguem uma estrutura burocrática, leis e normas, processos, instrumentos de gestão. Projetos e programas são implantados combinando recursos humanos, orçamentários, físicos, tecnológicos e parcerias.

É um grave equívoco comparar linearmente a gestão privada e a pública. Na esfera de mercado, os recursos envolvidos são privados, e o empresário pode escolher livremente a aplicação de seus fundos financeiros, e, em caso de ineficiência, ser punido pela falta de competitividade, podendo ser excluído do mercado através de concordata e falência. No setor público é diferente. Os recursos orçamentários são de toda a sociedade que os prove através do pagamento de tributos. O gestor público enfrenta uma série de restrições e limites para que os recursos sejam bem aplicados. Daí a necessidade de concursos públicos, licitações, transparência e controles internos e externos.

A corrupção existe desde que o primeiro balcão público foi montado na Grécia Antiga ou no Império Romano. No Brasil, chegou a limite insuportável como demonstraram recentes acontecimentos. Isso impõe a necessidade de boas práticas administrativas, de transparência total e acompanhamento dos órgãos de controle internos e externos. Devemos ter tolerância zero com a corrupção. Mas hoje, estou convicto, a administração pública brasileira está sufocada na sua criatividade, capacidade inovadora e eficiência pelo excesso de controles exercido pelos tribunais de contas, controladorias e ministério público. Os servidores públicos tendem a ficar inertes, não ousar, não produzir, com receio de no futuro responder a processos com repercussões financeiras e pessoais muito além de sua capacidade de resposta. O conceito de improbidade ficou elástico. Há estudos que indicam que 95% dos processos nos tribunais de contas não envolvem dolo, prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito.

Vamos à vida como ela é. Fui por 16 anos gestor público. Em 05/01/2020 paguei uma multa de quase três mil reais aplicada pelo TCE/MG por emissão do ato de nomeação das comissões de inventário fora do prazo, falhas na gestão do patrimônio da secretaria de saúde e ausência de formalização dos procedimentos no gerenciamento de almoxarifados. Não fui ouvido e recebi o boleto para pagamento da multa. Paguei, já que contratar um advogado ficaria mais caro. Imagina um secretário de saúde que lidera milhares de servidores em centenas de estruturas setoriais, conseguir “abraçar o mundo com as pernas” e cuidar do detalhe do detalhe. Só se for um super-homem.

Recentemente, recebi outro comunicado do TCE/MG sobre um novo processo relativo a convênio com um consórcio intermunicipal do norte de Minas dentro do reconhecido e premiado programa de Transporte Sanitário, cuja prestação de contas não foi feita, embora a secretaria tenha cobrado e aberto tomada de contas especial. Valor histórico, R$ 250 mil, isto 13 anos atrás. Eram milhares de convênios e parcerias, ao secretário estadual de saúde caberia conferir recibos e notas fiscais de cada parceria empreendida para melhorar a saúde da população?

A auditoria do Ministério da Saúde também nos notificou para devolvermos 8 milhões de reais de um convênio de 2005 para fornecimento de equipamentos a vários hospitais de Minas Gerais, por, principalmente, não localizarem os equipamentos. Isto, dez ou doze anos depois dos fatos. Ao verificarmos o item de maior valor (R$ 1.298.000,00), um tomógrafo para o Hospital São João de Deus, de Divinópolis, obtivemos toda a documentação de que o aparelho foi entregue em 28/04/2010 e prestou excelentes serviços ao SUS no centro-oeste mineiro.

São apenas três em dezenas de casos. Orgulho-me da equipe que liderei e que construiu uma das mais admiradas experiências de gestão regional do SUS. Hoje ninguém mais, honesto e movido pelo interesse público, quer aceitar cargos. Os salários são baixos e os riscos enormes. Se não acharmos um novo ponto de equilíbrio vamos matar a administração pública. Tenho ex-assessores honestos, dedicados, excelentes servidores, modestos, que tiveram suas vidas arrasadas, sua imagem comprometida, problemas financeiros inacreditáveis e também de saúde, pelos múltiplos processos que enfrentaram. A eles dedico este artigo como pequena forma de homenagem. 

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Regulação, privatizações e crescimento

Além da universalização da imunização para superarmos a pandemia, há um desafio central que é a retomada do crescimento econômico visando a geração de renda e emprego. Quem pode desencadear a retomada são os investimentos. E como sabemos, o setor público brasileiro encontra-se mergulhado em grave fiscal. Ou seja, a resposta virá majoritariamente dos investimentos privados. E não basta para atrair investimentos possuir bons fundamentos macroeconômicos. É preciso um ambiente de confiança e credibilidade ancorado em previsibilidade, bons marcos legais e regulatórios, estabilidade de regras e respeito aos contratos.

Ao longo dos séculos XIX e XX, o papel do Estado esteve no centro das discussões sobre modelos de intervenção e desenvolvimento. Há uma dimensão ideológica que coloca liberalismo versus estatismo, mas há também a questão da eficiência global da economia e sua produtividade e dos impactos no orçamento público e suas prioridades.

As tarefas necessárias para o funcionamento da sociedade e da economia podem ser supridas pela ação direta do Estado, pelo terceiro setor, como hospitais filantrópicos e as APAES, por exemplo, ou pela iniciativa privada. O desfaio é conseguir o melhor e mais eficiente mix que potencialize a efetividade das ações e a produtividade dos recursos.

Na atual crise fiscal e diante da evolução da economia, o papel do Estado no Brasil deve ser muito mais de regulador, coordenador e estimulador. Não faria o menor sentido em pleno século XXI ter uma VALE estatal produzindo minérios ou uma EMBRAER produzindo aviões. Quando o serviço é público ou há monopólio natural e se delega à iniciativa privada, devem existir agências regulatórias robustas, fortalecidas e eficientes para defender os usuários e a estabilidade contratual, oferecendo segurança tanto à sociedade, quanto aos investidores.

O Governo Federal almeja privatizar a Eletrobrás e os Correios. O Governo de Minas pretende vender a CODEMIG e o do Rio, a CEDAE, entre tantas outras propostas de privatização.

Na última semana, foram tomadas atitudes contraditórias. Por um lado, aprovou-se a autonomia do Banco Central, medida positiva para blindar o agente que defende a nossa moeda de intervenções políticas voluntaristas e desastrosas. Por outro lado, a ofensiva política contra a autonomia da ANVISA na questão das vacinas, abala o prestígio de nossas agências regulatórias como um todo. Para a privatização da Eletrobrás ou dos Correios, que apoio, precisamos de uma ANEEL e de uma ANATEL transformada em ANACOM, fortes, autônomas, profissionalizadas e prestigiadas. A população não quer saber se o fornecimento de energia ou o abastecimento de água é feito por uma empresa estatal ou privada. Quer, na verdade, eficiência, qualidade e preço justo.

Quanto à CODEMIG, tenho minhas dúvidas. Ela gera soluções, não problemas. Tem uma estrutura levíssima para administrar os direitos minerários da exploração do nióbio, minério do futuro, que será cada vez mais valorizado. É uma das poucas fontes de financiamento de investimentos públicos em Minas. Ainda mais que se dará o famoso caso de “vender a geladeira para pagar comida”.

A parceria entre Estado e iniciativa privada pode ser, se bem construída, uma importante alavanca para a retomada do crescimento no Brasil pós-pandemia.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)   


Marcus Pestana: Vacina, estupidez e desenvolvimento

As redes sociais vieram para ficar. Todos nós, ou quase todos, somos usuários ou até mesmo escravos do Facebook, do Instagram, do Youtube, do WhatsApp, do Tik Tok e do Google. Nas redes sociais, é possível assistir belíssimos shows, interessantes debates, a fantástica entrevista de Muhammad Ali sobre racismo ou rememorar jogadas geniais de Pelé, Zico ou Ronaldinho Gaúcho. Por outro lado, é possível também ser vítima da mais radical estupidez e da mais profunda ignorância.

Confesso que não sou especialista nas tramas e nos segredos da internet. E que também não tenho paciência para responder, um a um, cada comentário provocado. Mas as tempestades de sandices, como a da última semana, sobre a posse de Joe Biden, o livro de Chico Buarque, “Essa Gente”, e a vacina do Butantã, me fazem publicar, vez ou outra, frases de pensadores de várias épocas, que traduzem meu espírito diante de afirmações assertivas de que Biden é comunista, que a vacina de Dória é ineficaz, só marketing e uma trama diabólica da China, e que Chico é terrorista e deveria estar preso, além de centenas de postagens impublicáveis.     Claro que as reações violentas e mal educadas em muito partem dos conhecidos robôs e algoritmos dos “engenheiros do caos”. Mas, muitos dos fanáticos ideológicos são de carne e osso, alguns até amigos próximos ou ex-eleitores decepcionados. A eles dedico algumas citações que postei ao longo dos últimos dois anos: “As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis” (Umberto Eco), “A estupidez é infinitamente mais fascinante do que a inteligência. A inteligência tem seus limites, a estupidez não” (Claude Chabrol), “A ignorância é a maior multinacional do mundo” (Paulo Francis), “O ignorante afirma, o sábio duvida e reflete” (Aristóteles). Pode parecer arrogante, e de certa forma, é. Mas do jeito que as coisas vão, estamos caminhando celeremente para o império da ignorância e suas “verdades” instantâneas, incultas e alternativas. Minha geração foi criada na boa literatura. E, feliz ou infelizmente, crescemos para ter mais dúvidas do que certezas e, por consequência, sermos mais tolerantes e abertos.

Fato é que “Essa Gente” do Chico é uma boa leitura, embora prefira do autor “Budapeste”; o esforço gerencial hercúleo de João Dória e do Governo de São Paulo frutificou na única vacina disponível para a imunização da população brasileira; e, o experiente, moderado e conciliador Joe Biden tomou posse para pacificar os espíritos nos EUA e retomar a cooperação global, inicialmente retornando a OMS e ao Acordo de Paris.       

De tudo, ficam lições. É preciso a eterna vigilância para garantir a liberdade. Nossa política externa terá que tomar novos rumos. Teremos que repensar nossa inserção no mundo globalizado, visto que ficou evidenciada a nossa total dependência para obtenção de medicamentos, equipamentos médicos, insumos farmacêuticos, vacinas. Teremos que fortalecer o SUS e o desenvolvimento científico e tecnológico. Não poderemos nos contentar passivamente em sermos apenas produtores de commodities (soja, café, proteína animal, minério de ferro).

Eu bem sei que não é fácil ser um “iluminista” na era das redes sociais, com suas “verdades” superficiais e lacradoras. Mas as trevas não são uma boa opção para o Brasil. As trevas passam. Trump, sua arrogância e intolerância, passaram.  

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Os EUA entre a loucura e o fascismo

A democracia é valor universal inegociável para aqueles que acreditam na liberdade como ambiente desejável para a construção do futuro da sociedade. A democracia moderna tem raízes na Inglaterra da Revolução Puritana, no século XVII, liderada por Cromwell, primeiro levante contra o absolutismo; na França, que em 1789, com sua revolução, derrubou a monarquia absolutista; e na consolidação da democracia norte-americana a partir da Guerra da Independência, da Revolução de 1776 e da Guerra de Secessão.

Em 1835, o maior intérprete da democracia americana, o jurista francês Alexis de Tocqueville, publicou o clássico “A Democracia na América”. A escravidão se concentrava no sul do país. E a valorização do indivíduo e da livre iniciativa empreendedora tomava conta do norte e do centro-oeste.

Tocqueville afirmou então: “Eu confesso que na América, eu vi mais do que a América; eu vi a imagem da democracia mesmo, com suas inclinações, seu caráter, seus preceitos, e suas paixões, o suficiente para aprender o que devemos temer ou o que devemos esperar de seu progresso”. 

Chamou sua atenção a adoção do voto universal, a construção das instituições, a burocracia mais leve, a valorização dos direitos individuais, a descentralização federativa. Embora a democracia americana excluísse as populações negras e indígenas e as mulheres só tenham conquistado o direito a voto em 1920, Tocqueville enxergava na sociedade de “homens quase iguais” o freio contra radicalismos e violências. Estaria antevendo precocemente a ascensão e queda de Donald Trump?

Dentro da vasta literatura sobre a crise da democracia representativa e o crescimento do nacional-populismo autoritário, vemos em Manuel Castels em seu livro “Ruptura – a crise da democracia liberal” (2017), o mesmo presságio: “Como foi possível? Como pode ter sido eleito para a Presidência mais poderosa do mundo um bilionário tosco e vulgar, especulador imobiliário envolvido em negócios sujos, ignorante da política internacional, depreciativo da conservação do planeta, nacionalista radical, abertamente sexista, homofóbico e racista?". E responde: pela soma da ira dos excluídos do mundo globalizado, da América profunda do interior, da população branca conservadora que não se via representada pelos múltiplos movimentos identitários, e de uma campanha radicalizada, repleta de fakenews e manipuladora das redes sociais.

Também Steven Levistky e Daniel Ziblatt, em “Como as democracias morrem” (2018), processam análise perturbadora sobre o colapso das democracias tradicionais associando a eleição de Trump com rupturas democráticas emblemáticas como nos casos de Orban na Hungria, de Erdogan na Turquia, de Hugo Chávez na Venezuela, de Fujimori no Peru, e até mesmo de Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha. Democracias corroídas por dentro, com a crescente quebra das regras constitucionais, o enfraquecimento das instituições e a mobilização de parcela importante da população em apoio à ruptura. Os autores chamam atenção para as regras não escritas da política norte-americana: a contenção no uso do poder e o reconhecimento da legitimidade dos adversários. Princípios jogados na lata do lixo por Donald Trump.

Ainda estamos perplexos e assombrados com os últimos acontecimentos nos EUA. Loucura ou fascismo? Na próxima semana, voltarei ao assunto. 

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)          


Marcus Pestana: O Gambito da Rainha

As séries veiculadas pelas plataformas de streaming viraram verdadeira febre. Entre tantas opções de sucesso como “A Casa de Papel” ou “The Crown”, uma recentemente se destacou: “O Gambito da Rainha”. Já se tornou a série mais assistida da história da Netflix. Ao mergulhar no milenar e complexo universo do xadrez, através da trajetória de Elizabeth Harmon, a jovem órfã e brilhante enxadrista, evoca a arte de traçar estratégias, ativar manobras, montar artimanhas para vencer o adversário. Às vezes entregando uma de suas próprias peças.  

Sempre associei a política ao xadrez. A verdadeira política deve ter a sutileza, a astúcia e a inteligência do xadrez. Infelizmente, ela tem se assemelhado mais a uma luta de UFC ou a uma partida de rúgbi.

Entramos em 2021 com a política brasileira dividida entre quatro grandes campos: o bolsonarista, o do “centrão”, o polo democrático e a esquerda.

O bolsonarismo galvanizou nas últimas eleições presidenciais a rejeição à chamada “velha política” tradicional. Cacifado pelo voto popular, abriu mão do “presidencialismo de coalização” e tentou governar sem maioria parlamentar e através de uma política de confrontação com o Congresso e o STF. Agora, tendo jogado o lavajatismo ao mar, e preocupado com a instabilidade política excessiva, o bolsonarismo tenta dar um freio de arrumação tecendo aliança política com o que há de mais representativo da mesma “velha política” tão condenada em 2018. O gambito da rainha de Bolsonaro seria sacrificar o discurso renovador para derrotar a oposição democrática e de esquerda.

O “centrão” é formado por um conjunto de partidos que têm historicamente postura pragmática, patrimonialista e não ideológica. Funcionam como um pêndulo de governabilidade. Podem servir a governos díspares como os de Sarney, FHC, Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro, desde de que tenham acesso a verbas, cargos e espaços políticos. Aproveitam a fragilidade do governo Bolsonaro para recuperar espaços perdidos.

O polo democrático formado pelo DEM, PSDB, MDB, Cidadania, entre outros, defende a agenda econômica modernizante, mas não se alinha aos arroubos autoritários do governo e defende radicalmente a democracia, suas instituições, o combate às desigualdades e políticas alternativas nas relações exteriores, no meio ambiente, na educação, segurança e saúde. Liderado por Rodrigo Maia, tem sido o grande pilar da defesa da ordem constitucional e das reformas necessários. O seu gambito da rainha é a abertura de diálogo com a esquerda, sacrificando parte de sua base social, para manter a autonomia e o protagonismo do Congresso e seu papel de freio e contrapeso às tentativas “iliberais” de retrocesso.

A esquerda, em rota descendente desde 2015, reaparece no vácuo deixado pelo governo. Tenta se reposicionar e ampliar seu campo de diálogo. O gambito da rainha das esquerdas é sacrificar um pouco de sua identidade e da narrativa do “golpe” de 2016 para reconstruir pontes e quem sabe angariar o apoio do centro democrático num possível segundo turno de 2022.

Como os enxadristas sabem o gambito pode ser aceito ou recusado e os cenários de jogo são imprevisíveis. Que o desfecho do xadrez político, que terá seu próximo lance nas eleições das Mesas da Câmara e do Senado, reafirme a vitória dos valores da liberdade, da democracia e do desenvolvimento social.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Sobre conservadores, liberais, progressistas e reacionários

Apesar dos efeitos paralisantes ocasionados pela pandemia da Covid-19, fatos importantes marcaram o cenário internacional em 2020, oferecendo pistas sobre o futuro e as ideias que o presidirão. O mais importante foi a vitória do democrata Joe Biden nos EUA e a derrota de Donald Trump. Parece uma sinalização clara de esvaziamento da onda de crescimento do populismo autoritário. O sentimento anti-globalista, xenófobo, racista, iliberal, antidemocrático, anti-humanista, vai dando lugar novamente a um mundo mais integrado, solidário e comprometido com a liberdade e a tolerância. Também os tropeços da concretização do Brexit, numa complexa negociação entre a Inglaterra e a União Europeia, indicam que a escolha da população inglesa talvez não tenha sido a melhor.

A China continua sua longa marcha rumo à hegemonia econômica, e mesmo servindo de espantalho ideológico para a guerra cultural dos reacionários, nunca esteve tão distante, com seu capitalismo de Estado ou seu socialismo de mercado, da matriz de pensamento marxista-leninista-maoísta. O resíduo que existe de socialismo real agoniza nas experiências de Cuba, Venezuela, Nicarágua e na exótica presença da Coreia do Norte no cenário mundial. Líderes do centro democrático, como Ângela Merkel e Macron, procuram manter posição de equilíbrio, diálogo e defesa da democracia.  A esquerda moderna e democrática procura respostas para o futuro no reposicionamento permanente do PD italiano, do PS português, do PSOE espanhol, dos socialdemocratas alemães em crise e do enfraquecido PS francês.Diante deste quadro assistimos a um embaralhamento desqualificado de conceitos e valores, onde há uma confusão enorme entre conservadorismo, liberalismo, progressismo e reacionarismo. Na polarização ideológica global os reacionários procuram usar o escudo do liberalismo e do conservadorismo contra uma caricatural e inexistente ameaça comunista.

Quando se desce do patamar do debate intelectual para a guerrilha das redes sociais, aí que a confusão se aprofunda e o besteirol ideológico impera. Vejo, no Brasil, um amplo espaço para a necessária convergência entre os verdadeiros conservadores, liberais e progressistas, em torno de uma agenda que articule a defesa da liberdade política, econômica e individual, a eficiência do Estado, o fortalecimento da sociedade civil e o combate às desigualdades. Por isto, é importante separar o joio do trigo.

Dou aqui algumas dicas para aqueles que de boa fé querem travar um debate qualificado sobre as ideias que devem governar nosso futuro. Quem quiser conhecer o verdadeiro pensamento conservador sugiro a leitura do livro “Edmund Burke, redescobrindo um gênio” de seu discípulo Russel Kirk. Para quem quiser ser introduzido no pensamento liberal uma boa dica é “O chamado da tribo, grandes pensadores para nosso tempo” de Mário Vargas Llosa. Os que quiserem se aprofundar numa visão progressista de mundo recomendo os artigos e livros do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, quem quiser contrastar tudo isso com a visão atrasada e regressiva dos reacionários leia os livros de Olavo de Carvalho e os escritos de nosso chanceler Ernesto Araújo.

A teoria sem prática é estéril. A prática sem boa teoria é cega. Se queremos outro Brasil, o primeiro passo talvez seja colocar as ideias em ordem.         

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Bússola, anestesia e imobilismo

Já são 180 mil vidas perdidas para a COVID-19 em terras brasileiras. 2020, o ano que quase não existiu, aproxima-se do final. A genial divisão gregoriana do calendário tem o condão de industrializar a esperança, como decifrou Drummond. Miramos o futuro, enxergamos um novo ano: certamente será melhor. A esperança é o motor do desenvolvimento humano. Mas sabemos que o destino não é roteiro de teatro previamente estabelecido. As circunstâncias históricas impõem limites, mas não somos seres passivos, escravos dos desígnios do inevitável. O futuro depende de nossas escolhas, da bússola que nos orienta, da capacidade de agir e transformar a realidade.

No Brasil, vivemos a segunda onda da pandemia. O número de casos e mortes voltou a crescer. A sólida articulação interfederativa, ponto forte do SUS, foi perdida. O Ministério da Saúde renunciou à coordenação nacional do sistema. O embate com estados e municípios virou uma constante. Até hoje não temos um protocolo clínico nacional. O plano nacional de imunização não veio à tona. A polêmica sobre as vacinas seria cômica se não fosse trágica. E, ao invés de agilizar a importação de seringas, refrigeradores de alta potência e vacinas, o governo zera a alíquota do imposto de importação de pistolas e revólveres.

Além do desafio sanitário, resta o nebuloso cenário social e econômico para 2021. O desemprego bateu acima dos 14% envolvendo 13,5 milhões de brasileiros. Sem falar nos milhões de desalentados. A retomada não será fácil dados o recuo do cenário internacional derivado da segunda onda da pandemia, a fragilidade fiscal brasileira e a volta da ameaça inflacionária.

Também neste front, parece que estamos sem rumo e bússola. A ação da política econômica é errática. Nunca o Ministro Paulo Guedes esteve tão distante do Congresso. O Palácio do Planalto não compra a agenda de mudanças, reformas e ajustes necessários. O Congresso tem produzido importantes mudanças microeconômicas como as votações recentes dos novos marcos regulatórios dos setores de saneamento, gás e petróleo, navegação de cabotagem e da independência do Banco Central. Mas, do ponto de vista das reformas estruturais macroeconômicas estamos devagar quase parando. As reformas tributária, administrativa e a PEC emergencial foram empurradas para 2021, com viés de baixa no grau de mobilização em seu favor. As privatizações descansam em berço esplêndido, paradas. Sequer o Orçamento Geral da União, mais do que nunca necessário para dar transparência no tocante à responsabilidade fiscal, será votado. Estamos qual um pescador tranquilo, otimista e alienado, deitado dormindo em sua jangada em meio a um maremoto.

Boa parte do imobilismo presente se deve ao efeito anestésico do pacote de ampliação de gastos excepcionais para combater os efeitos da pandemia. Ninguém duvida que era necessário. O mundo inteiro fez. Foi hora de todo liberal neoclássico vestir o jaleco keynesiano. Mas a bolha de consumo gerada em 2020 e o aumento de despesas públicas são insustentáveis. Foram bancados com um extraordinário aumento da dívida. Bilhões de reais de despesas presentes a serem pagas pelas gerações futuras.

Tudo o que não precisamos é de uma bússola quebrada, uma anestesia alienante e um imobilismo paquidérmico. Precisamos de clareza, rumo, liderança e ação.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: As necessárias, mas difíceis fusões partidárias

As eleições municipais cumpriram seu papel de oxigenação do sistema político. Na democracia é assim, cada eleição é mais uma etapa de aprendizagem e amadurecimento. A sociedade brasileira deu mostras que está cansada da radicalização excessiva e com o estresse permanente daí derivado.

Problema ainda longe de ser resolvido é a pulverização partidária e suas repercussões negativas no ambiente de governabilidade. Avançamos é verdade. Em 2016, apenas metade dos municípios brasileiros (2.787) ficaram com até seis partidos nas câmaras de vereadores. Em 2020, este número cresceu para 4.506, ou seja, em 81,62% das cidades teremos uma representação política mais racional e menos pulverizada. Isto facilitará o trabalho dos prefeitos e a formação de maiorias e minoritárias estáveis e nítidas. Parece que isto tem correlação direta com o fim de coligações proporcionais.

No plano nacional, o fenômeno poderá se repetir. E haverá ainda a incidência da cláusula de desempenho de 2% dos votos nacionais. É possível que haja reversão da situação presente aonde 24 partidos políticos têm representação no Congresso Nacional, tornando tarefa impossível a formação de uma base sólida de apoio ao governo e, portanto, a implantação do plano de governo eleito. O fim das coligações parece ter atingido seu objetivo racionalizador, mas provocou uma pulverização inédita de candidaturas majoritárias. Talvez uma mudança simples: o candidato majoritário apoiado por coligação ganharia um número diferente de seu partido para não privilegiar a sua chapa de deputados, desestimulando o lançamento de candidaturas não competitivas, apenas com o papel partidário de puxador de votos proporcionais.

A cláusula de desempenho também poderia ser aprimorada melhorando sua eficácia. O ideal é que fosse efetivamente uma cláusula de barreira como na Alemanha ou no texto aprovado no Brasil pelo Congresso Nacional em 1995 para entrar em vigor em 2006, mas derrubado como inconstitucional pelo STF em final de 2006. A atual cláusula de desempenho apenas pune o partido que não alcança-la com a perda do acesso ao Fundo Partidário e do direito ao Horário Partidário da TV, que foi extinto, diminuindo a eficácia da medida.

Diante de tudo isto, seria necessário e desejável um processo de fusões partidárias preparando o terreno para 2022. O atual quadro partidário é, via de regra, inorgânico e sem nitidez política e ideológica. Seria possível imaginar uma fusão entre partidos como PP, Republicanos, PL, PTB que hoje formam o chamado “Centrão” para fundar um partido de índole conservadora e de sustentação a Bolsonaro. Por outro lado, o polo democrático, liberal e progressista formado por DEM, PSDB, MDB, Cidadania, PSD poderia construir um forte partido no centro do sistema político. Também à esquerda poderiam se reaglutinar PSB, PDT, Rede e PV, o que poderia ocorrer também com PT, PCdoB e PSOL, embora as diferenças sejam muitas.

O que impede o Brasil de ter um quadro partidário semelhante aos EUA e à Europa? Primeiro, os fundos financeiros (Partidário e Eleitoral) que são manipulados pelas cúpulas dos partidos menos orgânicos para se perpetuar em seu comando. Segundo, divergências locais e regionais acumuladas ao longo do tempo. Mas não há problema que não tenha solução quando a realidade exige a mudança.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)