malu gaspar

Malu Gaspar: Então fica combinado assim. Está liberado mentir na CPI

Então fica combinado assim: de agora em diante, está liberado mentir em sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito. Também não tem problema chamar o colega parlamentar de “vagabundo” para melar um depoimento. E tudo bem escancarar ao distinto público a constatação de que, afinal, a apuração das responsabilidades pelo descaso no combate à pandemia da Covid-19 só não é mais importante que uma ampla gama de conveniências políticas.

Qualquer brasileiro medianamente informado sabe que o destino mais provável de uma CPI é terminar em pizza. Mas as cenas exibidas ao vivo e em cores durante o depoimento do ex-secretário de Comunicação do governo federal Fabio Wajngarten, na CPI da Covid, elevaram a expressão popular a um novo patamar.

Primeiro por causa da insistência do ex-secretário em desdizer tudo o que havia afirmado à revista “Veja” em abril, numa entrevista cheia de recados subliminares ao presidente da República e ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Em seis horas de exposição, Wajngarten recusou-se a repetir que o governo poderia ter comprado vacinas meses antes do que de fato ocorreu, negou ter afirmado que houve “dolo, incompetência ou as duas coisas” na ação do ex-ministro da Saúde e, mais de uma vez, tentou sepultar a versão de que Bolsonaro o havia autorizado a negociar a aquisição dos imunizantes, passando por cima do colega de Esplanada Pazuello.

Recorrendo à desculpa de que estava doente, negou também ter aprovado a campanha publicitária que se opunha ao isolamento social, mesmo depois que vídeos daqueles dias o mostraram dizendo que continuava trabalhando normalmente, de casa.

Mas o recuo mais importante talvez tenha sido o menos notado pelos senadores: depois de afirmar à “Veja” ter guardado e-mails, registros telefônicos e até cópias de minutas contratuais para comprovar que trabalhou pela compra das vacinas da Pfizer, Wajngarten sustentou na CPI que não dissera nada daquilo e que não tinha nada.

Não é possível garantir que a nova postura tenha a ver com as mensagens que o ex-secretário recebeu nos últimos dias de emissários de Bolsonaro, mas é altamente provável que tenha sido essa última declaração a senha que acionou o resgate providenciado pelo filho Zero Um do presidente.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) chegou a tempo de ver o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), recusar-se a prender Wajngarten, delegando ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL), a iniciativa de fazê-lo. Renan, que até então insistia na prisão, recuou de repente com um “não vou fazer, em respeito a Vossa Excelência”. Assim, abriu o flanco para Flávio chamá-lo de “vagabundo” e dar a deixa para Aziz decretar o final da sessão.

Findo o espetáculo, não faltou quem justificasse a atitude de Aziz como um movimento estratégico para não desmoralizar a CPI e deixar aberta a possibilidade de prender Pazuello mais adiante.

Considerando que a Advocacia-Geral da União está trabalhando para conseguir um habeas corpus que garanta ao ex-ministro da Saúde o direito de ficar calado — expediente bastante comum em CPIs —, dificilmente Pazuello terá chance de mentir como fez Wajngarten.

É claro que a investigação continua, a política é um jogo de estratégia, e a realidade brasileira não autoriza ninguém a alimentar ilusões quanto à pureza d’alma dos nossos parlamentares. Seria ingênuo imaginar que os veteranos da CPI não se guiem por uma teia de interesses que extrapolam a preocupação com a saúde dos brasileiros. Entram no cálculo desde a compra de tratores com dinheiro do Orçamento até o posicionamento mais conveniente aos diferentes partidos na disputa presidencial de 2022.

Mas a política também é feita de símbolos, e, nesse particular, a mensagem de ontem é inequívoca. Desde que tenha uma tropa de choque a seu favor, qualquer futuro depoente da CPI da Covid pode ficar à vontade para mentir quanto quiser sem ser incomodado.

Fica difícil imaginar desmoralização maior para uma Comissão Parlamentar de Inquérito que se propõe a apurar responsabilidades e a revelar a verdade, mas se acovarda diante de transgressões tão toscas e evidentes.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/entao-fica-combinado-assim-esta-liberado-mentir-na-cpi.html

 


O Globo: Agendas indicam que governo priorizou vacina indiana sem autorização à da Pfizer com registro

Malu Gaspar, O Globo

Nenhuma outra empresa se reuniu mais com representantes do Ministério da Saúde para tentar vender ao Brasil uma vacina contra o coronavírus do que a multinacional americana Pfizer. Mas nenhuma outra obteve resultados tão eficientes quanto a Bharat Biotech, representada no Brasil pela importadora paulista Precisa Medicamentos. É o que mostram os dados da agenda do Ministério da Saúde, obtidos via LAI e por pesquisa nos registros públicos da pasta.

Enquanto a Pfizer, que obteve registro definitivo para sua vacina em fevereiro, esperou sete meses, participou de dez reuniões e teve que recorrer a muita gente no governo para conseguir fechar um contrato – incluindo o ex-secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, que depõe hoje à CPI da Covid –, a Precisa fez apenas seis reuniões e liquidou a fatura em menos de quatro meses.

Os registros do Ministério da Saúde só estão disponíveis para os meses de setembro em diante. A agenda dos meses anteriores desapareceu depois que um hacker alegadamente invadiu o site do Ministério da Saúde.

Quando a negociação com os representantes da Bharat começou, em novembro, a Covaxin ainda era uma vacina em estágio inicial de desenvolvimento. Ainda assim, em fevereiro o ministério fechou um contrato de R$ 1,6 bilhão para o fornecimento de 20 milhões de doses da vacina indiana para o Brasil. O valor já foi empenhado, ou seja, reservado pela pasta, mas só poderá ser repassado de fato aos fornecedores após a eventual aprovação emergencial ou o registro definitivo do imunizante pela Anvisa.

O contrato com a Pfizer foi fechado em março. A primeira remessa de doses da vacina, com um milhão de unidades, chegou ao país no último dia 29. O ministério assinou ontem o segundo contrato, para o fornecimento de mais 100 milhões de doses. Neste segundo lote, no entanto, as entregas devem ocorrer apenas a partir de outubro.

Já a fórmula indiana até hoje não chegou ao Brasil.  O desembarque dos primeiros lotes estava previsto para março. Pouco antes do vencimento do prazo de entrega, a diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, disse em audiência o Senado Federal que o governo da Índia priorizaria o Brasil na entrega de doses. Posteriormente, o prazo foi revisto para abril, e a promessa novamente não foi cumprida.

Leia maisCPI da Covid revela homens ainda menores do que pensávamos

No fim de março, a Anvisa negou a certificação de boas práticas de fabricação ao seu desenvolvedor, o laboratório Bharat Biotech, por conta de riscos sanitários e ausência de controle de qualidade após visitar suas instalações.

A certificação da fábrica é uma das etapas necessárias para a Anvisa conceder a autorização de uso emergencial, mas não é a única. É preciso também demonstrar a eficácia e a segurança da vacina por meio de dados de estudos clínicos.

O Ministério da Saúde pediu à Anvisa a autorização do uso emergencial da Covaxin um mês após adquirir as doses do imunizante, mas a agência anunciou que os dados estavam incompletos e, até agora, não há previsão para uma conclusão definitiva. Em depoimento à CPI da Covid na última terça-feira, o diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres, disse que a reguladora não recebeu informações suficientes para liberar o uso da fórmula.

Além da indefinição na situação da vacina, outro fator pesa contra a Precisa. O dono da empresa, Francisco Maximiano, é o mesmo da Global Gestão em Saúde, alvo de uma investigação do Ministério Público Federal em Brasília por suspeita de improbidade administrativa na gestão do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR), hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara. A apuração do MP busca verificar por que a empresa recebeu R$ 19,9 milhões de reais para fornecer medicamentos de alto custo para doenças raras que nunca chegaram ao SUS.

Segundo os registros compilados pela coluna, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não participou de nenhuma reunião nem com o representante da Pfizer e nem com os da Precisa. Nos dois casos, a discussão dos contratos de vacinas ficava sempre a cargo do então secretário-executivo Élcio Franco e do secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros.

A Malu tá ON‘Nós apanhamos de todos os lados’, diz Gustavo Mendes, da Anvisa

O que fica claro pelas agendas e pela ata de uma das reuniões da Precisa com o ministério da Saúde é que, enquanto a Pfizer recebia negativas e questionamentos da gestão de Eduardo Pazuello, o governo federal abriu as portas para a Bharat. 

No contrato assinado em 25 de fevereiro, o Ministério da Saúde se compromete a pagar R$ 80 por dose da Covaxin – R$ 24 a mais do que o preço da dose oferecido pela Pfizer na cotação do dólar à época da assinatura.

A conflituosa negociação entre o Ministério da Saúde e o laboratório americano, que se arrastou por meses e adiou o início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, é o principal tema do depoimento que o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten dará à CPI da Covid nesta quarta-feira.

O imunizante da Pfizer já havia completado a última fase de testes quando o governo federal iniciou as tratativas com a Bharat, em novembro. Naquele momento, ofícios enviados pela multinacional americana prometiam 70 milhões de doses, com a pronta entrega das primeiras unidades em dezembro de 2020. 

Segundo arquivos do governo, o primeiro contato com a Bharat ocorreu em novembro do ano passado. A empresa indiana foi representada por dois integrantes da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades e Túlio Silveira, em um encontro com o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, e o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis, Lauricio Monteiro, entre outro quadros do Ministério da Saúde. Segundo a ata da reunião, Medeiros manifestou o interesse do governo na Covaxin e solicitou “maiores detalhes sobre a capacidade produtiva, bem como qual é a estrutura logística, preço da dose”, além de outros dados técnicos.

Àquela altura, a Covaxin sequer havia chegado à fase 3 dos ensaios clínicos, quando a eficácia do imunizante é testada em grandes grupos de voluntários.

Covid-19: Antes de estudo pró-proxalutamida, pesquisadores militaram a favor da cloroquina

No início de dezembro, a Pfizer divulgou na prestigiada revista New England Journal of Medicine que sua vacina era 95% eficaz contra a Covid-19, um patamar de proteção que surpreendeu a comunidade científica. Mas isso não foi suficiente para deslanchar as propostas oferecidas pelo laboratório ao Brasil.

No início do mês, pressionado pelo anúncio do governo paulista de que o Butantan aplicaria as primeiras doses da CoronaVac em janeiro,  Pazuello anunciou que estava prestes a assinar o contrato com a Pfizer. E prometeu começar a campanha de vacinação também em janeiro caso a empresa fornecesse doses já naquele mês – à época, a pasta previa o início da imunização em março.

Apesar da promessa, as conversas com a Pfizer não avançaram. Mas com a Bharat as tratativas foram rápidas. Depois de uma primeira reunião com a equipe de Pazuello, em novembro de 2020, o processo deslanchou em janeiro de 2021, e aí tudo se resolveu em 40 dias. O contrato final foi fechado em 25 de fevereiro. 

Além da insuficiência de dados clínicos, a aquisição da Covaxin chamou ainda mais atenção porque o imunizante da Pfizer havia recebido o registro definitivo da Anvisa poucos dias antes. Foi a primeira vacina contra a Covid a receber o registro, que sinaliza que a eficácia e segurança de um fármaco são irrefutáveis.

O Ministério da Saúde só adquiriu as primeiras doses da vacina americana em março deste ano, sete meses após a primeira oferta, e por um preço consideravelmente menor, US$ 10 por dose (R$ 56 na cotação da época), do que a Covaxin (vendida a US$ 15, ou R$ 80 na celebração do contrato).

No período da ascensão meteórica da Covaxin dentro do ministério, outras negociações que já estavam em curso antes do diálogo com a Precisa Medicamentos foram desconsideradas: a da Janssen (adquirida junto com a Pfizer) e a da Sputnik V, comprada no mesmo mês. A Moderna tem tratativas encaminhadas com a pasta, mas a assinatura do contrato ainda não ocorreu.

A compra da Covaxin só foi possível porque a própria Anvisa revisou suas regras no início de fevereiro e passou a avaliar pedidos de uso emergencial de imunizantes sem ensaios clínicos conduzidos no país. Mas, mesmo com essa flexibilização da regra, a vacina indiana representava uma opção mais arriscada. Primeiro porque o processo certamente seria mais demorado do que o da Pfizer, que já tinha registro definitivo na Anvisa. E depois porque o Brasil vivia um contexto de escassez de imunizantes, quando já se anunciava a segunda onda da Covid.

A Índia, que enfrenta uma segunda onda violenta e a emergência de uma nova variante do coronavírus, tem represado doses e insumos de vacinas para priorizar a imunização da própria população. Além disso, a Bharat Biotech, que fechou contratos com diversos estados indianos, enfrenta dificuldades para manter o ritmo de produção.

Procurado para justificar a opção pela Covaxin e o atraso na entrega dos lotes adquiridos pelo Brasil, o Ministério da Saúde informou que “avançou nas tratativas da contratação do imunizante para garantir mais doses” , mas não respondeu por que a vacina foi priorizada ainda na fase de estudos quando já havia um imunizante com registro definitivo. A respeito dos prazos, a pasta reforçou que o pagamento só será feito mediante autorização da Anvisa. Nesse cenário, ainda segundo o ministério, um novo cronograma de entregas será elaborato pela Bharat.

A Precisa Medicamentos informou que trabalha para cumprir integralmente “requisitos adicionais” da Anvisa, sem especificar o prazo em que a Bharat pretende se adequar aos critérios brasileiros

A representante da Bharat também foi indagada sobre os dados de fase 3 da Covaxin, que ainda não foram publicados, mas não respondeu. A coluna também questionou ao Ministério das Relações Exteriores se há tratativas com o governo indiano, mas ainda não recebeu retorno.

Podcast‘Nenhum chefe de Estado ficou tão contra a vacina’, diz Renan Calheiros

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/agendas-indicam-que-governo-priorizou-vacina-indiana-sem-autorizacao-da-pfizer-com-registro.html

 


Malu Gaspar: CPI da Covid revela homens ainda menores do que pensávamos

‘Um homem pequeno para estar onde está’ foi a expressão usada por Luiz Henrique Mandetta no depoimento à CPI da Covid. O ex-ministro da Saúde se referia ao ex-colega da Economia, Paulo Guedes, que o acusou de “pegar R$ 5 bilhões” e não comprar vacinas quando elas ainda nem existiam. Mandetta falou só de Guedes, mas bem poderia ter usado o aposto para outros personagens.

No momento em que Mandetta se apresentava à CPI, homens de confiança do presidente da República trabalhavam nos bastidores para ajudar outro ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a escapar do próprio depoimento. Estavam alarmados com o que viram no treinamento aplicado a ele no final de semana. O general que, no poder, se acostumou a dar entrevistas coletivas em que só falava o que queria e não respondia a pergunta nenhuma tremeu diante da simulação de um pelotão agressivo de senadores ávidos por um embate.

Acuado, o mesmo Pazuello que dias antes circulava sem máscara num shopping center de Manaus, despreocupado com a pandemia, escondeu-se atrás do Exército. Coube a um general assinar um ofício avisando à CPI que ele não compareceria, por ter tido contato com coronéis contaminados com o coronavírus.

O ex-ministro da Saúde não apresentou atestado médico, nem lhe ocorreu fazer um teste para eliminar a hipótese de contaminação e se liberar para prestar esclarecimentos à CPI o mais rapidamente possível. Mas ganhou duas semanas para tomar coragem e responder às perguntas dos senadores.

No dia seguinte, diante de plateia amiga no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro adotou postura combativa. Disse que estava pronto para garantir por decreto “o direito de ir e vir”, contra medidas de isolamento social determinadas por governadores. Em mais uma de tantas indiretas contra o Supremo Tribunal Federal, disse que, se baixar o tal decreto, “não será contestado por nenhum tribunal, porque ele será cumprido”.

No mesmo tom ameaçador de sempre, chamou de canalha “aquele que é contra o tratamento precoce e não apresenta alternativa” e criticou o pedido da CPI para que informasse onde esteve nos finais de semana em que circulou pelos arredores de Brasília sem máscara e sem tomar cuidados preventivos contra a disseminação do coronavírus. “Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI, estive no meio do povo, tenho que dar exemplo”, afirmou o presidente, exaltado. “Vou continuar andando em comunidades em Brasília.”

Não parecia o mesmo Bolsonaro que, há duas semanas, telefonou ao governador de Alagoas, Renan Filho, pedindo para ajudá-lo no diálogo com seu pai, o relator da CPI, Renan Calheiros. Ou que, em visita fora da agenda, perguntou ao antecessor José Sarney: “O Renan é mesmo muito amigo do Lula?”. Embora se tratasse de uma pergunta inútil — ou alguém acredita que Sarney responderia que “sim, são muito amigos, falam sempre ao telefone, tocam de ouvido”? —, foi uma indagação reveladora dos contornos que o espírito combativo do capitão assume nos bastidores.

Na CPI, em público, o que se viu foram senadores recitando perguntas já enviadas prontas pelo governo ou por médicos pró-cloroquina, enquanto os ex-ministros Mandetta e Nelson Teich demonstravam claramente que houve, sim, uma concertação do Palácio do Planalto contra o isolamento social, pela adoção do tratamento precoce como política pública e de confronto às recomendações preconizadas pela ciência.

“A verdade, ela vai triunfar!”, proclamou em defesa do tratamento precoce o senador Eduardo Girão, que é empresário e ex-presidente de clube de futebol, mas fala como se entendesse de assuntos médicos. E que se proclama independente, mas atua como integrante da tropa de choque de Bolsonaro.

Sim, todos queremos que a verdade triunfe. É muito cedo, porém, para dizer que é isso o que acontecerá. Difícil, também, prever se a CPI da Covid resultará mesmo em punição aos responsáveis pelos fracassos e desídias que custaram milhares de vidas nesta pandemia. Mais arriscado ainda seria antever se haverá vontade política para produzir um impeachment.

Mas já é possível adaptar ao momento atual um velho ditado popular — aquele que diz que é quando a maré baixa que se vê quem está sem roupa. A CPI da Covid ainda está começando, mas uma coisa ela já conseguiu. Agora que a maré baixou bastante, a gente constata que os homens pequenos são ainda menores do que conseguíamos ver.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/cpi-da-covid-revela-homens-ainda-menores-do-que-pensavamos.html


Malu Gaspar: Exército trabalha para descolar imagem de Pazuello de militares na CPI da Covid Visualizações: 34

O Exército vem trabalhando nos últimos dias para impedir que o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid prejudique  a reputação da força. O comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, conversou sobre o assunto na segunda-feira à noite com o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz.

Nos últimos dias, também fez chegar a Pazuello recados para que o ex-ministro não associasse sua atuação no ministério aos papéis que desempenhou no Exército. Temia-se, inclusive, que Pazuello pudesse comparecer de farda à CPI – o que foi desencorajado nas mensagens enviadas ao ex-ministro.

Pazuello tranquilizou os interlocutores e prometeu ir ao Senado à paisana. Mas o comportamento do ex-ministro nos treinamentos prévios à CPI, no final de semana, deixou os militares preocupados.

Num dos momentos de maior tensão, o ex-ministro se exasperou e começou a dizer que não iria admitir ser abandonado, por que estava cumprindo uma missão como oficial da ativa.

A expressão acendeu um alerta no Exército, preocupado com a forma como Pazuello pudesse descrever sua atuação no ministério. Foi por isso que, além de reforçar a ordem para que Pazuello não ostentasse seu vínculo com a força no depoimento, o comandante Paulo Sérgio decidiu também procurar o senador Omar Aziz.

Na conversa, na segunda-feira à noite, Aziz garantiu que a CPI ouviria Pazuello como ministro e não como general ou militar – a pessoa física e não a pessoa jurídica, como ele mesmo disse na conversa, segundo fontes próximas a Aziz.

O presidente da CPI e o comandante do Exército se conhecem há muitos anos. O senador foi governador do Amazonas quando o general era comandante da 12ª Região Militar, com sede em Manaus. O general Paulo Sérgio passou dez anos na Amazônia em diferentes funções.

Na conversa com Omar Aziz, o comandante também informou em primeira mão ao presidente da CPI que Pazuello talvez não pudesse prestar ao depoimento porque dois coronéis com quem ele tinha estado no final de semana estavam com suspeita de Covid.

Um desses coronéis é Elcio Franco, ex-secretário-executivo de Pazuello, que também acompanhou o treinamento do ex-ministro no Palácio do Planalto, no final de semana. A suspeita de Covid foi depois confirmada, e Pazuello conseguiu adiar o depoimento para o dia 19 de maio.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/comandante-do-exercito-trabalha-para-descolar-imagem-de-pazuello-de-militares-na-cpi-da-covid.html

 


Malu Gaspar: Namorada de Wassef é a autora de requerimentos feitos no Planalto para a CPI da Covid

A assessora do Palácio do Planalto que redigiu os requerimentos apresentados por aliados de Bolsonaro na CPI da Covid, Thais Amaral Moura, é namorada de Fred Wassef, advogado da família Bolsonaro. Thais e Wassef têm sido vistos juntos em público desde fevereiro, em jantares e eventos do governo, e não escondem o relacionamento.

Ela é assessora especial da Secretaria de Assuntos Parlamentares da Presidência da República desde janeiro deste ano, quando foi transferida do Ministério do Turismo para a secretaria de Governo.

Segundo o portal da Transparência, Thais detém um DAS.5, segundo mais alto nível para os cargos comissionados, atrás apenas do DAS 6, remuneração normalmente reservada a secretários e ministros.  Sua última remuneração líquida foi de R$ 16.240,60.

O GLOBO revelou na quarta-feira que foi Thais quem redigiu sete dos requerimentos apresentados à CPI pelos senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Jorginho Melo (PL-SC). A identificação de autoria  aparece nos metadados dos documentos, registro que indica data e hora em que o arquivo foi criado, quem o criou e quantas modificações foram feitas.

Leia também: CPI da Covid recebe arsenal contra Mandetta

Os requerimentos escritos por Thais pediam a convocação de médicos defensores do uso de cloroquina no tratamento da Covid-19 para depor na CPI, além do prefeito de Chapecó, João Rodrigues, entusiasta do tratamento precoce. Com os depoimentos, o governo pretendia mostrar que o discurso de Bolsonaro a favor da  coloroquina e da ivermectina se baseia na opinião de especialistas. Esses requerimentos específicos ainda não foram avaliados pela CPI.

Procurada ontem, por telefone, Thais disse que não comentaria nem os requerimentos e nem o relacionamento com Wassef. Afirmou apenas  que, como servidora, não pode falar sobre assuntos internos do governo. Além de já ter defendido Jair Bolsonaro, Wassef advoga para dois dos cinco filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro e  Jair Renan.

Depois de um período de ostracismo forçado, quando se descobriu que  Fabrício Queiroz se escondia em seu sítio em Atibaia,  Wassef voltou a ser visto com frequência em Brasília mais recentemente.

Leia também: Com governo acuado, redes bolsonaristas atacam presidente e relator da CPI da Covid no Senado

Ele é visita frequente no Palácio do Alvorada e gosta de se mostrar influente junto ao clã Bolsonaro. “Nada mudou na minha relação com a família. Toda a imprensa sabe que sou advogado do Flávio e família e me tratam como tal”,  declarou à revista Época em março passado.

Já Thais, formada em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, chegou a Brasília no início do governo Bolsonaro para trabalhar como chefe de parcerias e projetos na Embratur. Depois, foi diretora substituta no Departamento de Políticas e Ações Integradas e assessora especial do Ministro do Turismo.

Ela já estava na assessora na secretaria de governo quando a nova ministra, Flávia Arruda, assumiu o comando da pasta. No Palácio do Planalto, sua indicação para o cargo é atribuída ao senador Flávio Bolsonaro.

Com Mariana Carneiro

Leia mais: O circo da CPI começou, mas o impeachment ainda está longe

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/namorada-de-wassef-e-autora-de-requerimentos-feitos-no-planalto-para-cpi-da-covid.html


Malu Gaspar: O circo da CPI começou, mas o impeachment ainda está longe

O senador Renan Calheiros abriu o espetáculo e foi ao ataque logo na primeira sessão da CPI da Covid:

— Não foi acaso ou flagelo divino que nos trouxe a este quadro. Há responsáveis, evidentemente. Há culpados por ação, omissão, desídia ou incompetência. E eles, em se comprovando, serão responsabilizados.

Citando os ditadores sanguinários Slobodan Milosevic e Augusto Pinochet, Renan disse que “os crimes contra a Humanidade não prescrevem jamais”. Não chegou a chamar Jair Bolsonaro de genocida, mas lançou mão de um “vidas negras importam” inédito em sua retórica. Com os holofotes do picadeiro voltados para ele, falou com a segurança de quem tem a maioria na comissão — apoio de 7 dos 11 titulares — e colheu os esperados louros, especialmente na opinião pública.

Mas quem espera que esteja aberto o caminho para o impeachment deve ter em mente que o desempenho de Renan obedece a uma agenda bem clara, ao mesmo tempo pessoal e política. Do lado pessoal, vai saborear a revanche contra Bolsonaro, Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco, que há dois anos o tiraram do comando do Senado.

Na agenda política, é fazer sangrar o governo sem necessariamente chegar ao impeachment — seguindo o roteiro que interessa ao seu maior aliado, o ex-presidente Lula. Para o petista, o melhor dos mundos é polarizar a eleição de 2022 com um Bolsonaro enfraquecido, mas não com uma candidatura de centro-direita — que tende a ganhar espaço se Bolsonaro estiver fora do páreo.

Não parece, hoje, uma missão difícil. A CPI começa prometendo um palco iluminado a oposicionistas e independentes. Além de terem formado um bloco coeso, enfrentam um governo desarticulado politicamente e consumido por disputas internas. Um exemplo: o vazamento, nesta semana, da relação de 23 pontos fracos do governo na CPI elaborada na Casa Civil, vista como espécie de roteiro para o trabalho da oposição. No Palácio do Planalto, dá-se como certo que foi obra de fogo amigo, disparado por rivais do ministro da Casa Civil, o general Luiz Eduardo Ramos — o mesmo que foi pilhado dizendo ter tomado a vacina contra a Covid-19 escondido, por orientação da chefia.

O périplo que Lula fará em Brasília, na semana que vem, tem tudo para exacerbar o sentimento que anda rondando os profissionais da política: que Bolsonaro chegará nanico em 2022, sem apoio popular, sem um partido forte e sem conseguir usar a máquina no modo tradicional para se reeleger. Não porque não queira, mas por não ter competência para fazê-lo. “Bolsonaro hoje não consegue tapar nem um buraco de rua”, me disse outro dia um ativo integrante do Centrão.

Claro que esse tipo de previsão, a 18 meses das eleições, não quer dizer grande coisa. Mas serve para mostrar que a emergência de Lula como candidato com perspectiva real de poder mexe com os instintos mais primitivos do Centrão. O primeiro sinal é visível em Ciro Nogueira (PP-PI). Ex-lulista convertido ao bolsonarismo, nem mesmo ele se apresenta na CPI com o empenho e a verve necessários para defender o governo.

Mas Bolsonaro não está morto. Ao repisado axioma de que nunca se sabe como as CPIs terminam, agregue-se a constatação de que CPIs são maratonas, e não corridas de 100 metros rasos. Se durar todo o prazo permitido, a atual só termina em outubro deste ano. Até lá, muita coisa pode acontecer.

Bolsonaro pode ser politicamente inábil aos olhos dos decanos da CPI, mas não chegou aonde chegou na base da inocência. Ele tem consciência de que a faixa presidencial protege até mesmo quem não sabe usá-la bem. Não dispõe de muita folga orçamentária e pode não ter competência para “tapar buraco de rua”, mas cederá o que for necessário para evitar o impeachment. E, se não tem maioria na CPI, ainda comanda a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, que neste momento têm, espalhadas pelo país, dezenas de investigações contra prefeitos e governadores sobre desvios de recursos do combate à Covid-19.

Na segunda-feira, véspera da instalação da CPI, a PGR denunciou o governador do Amazonas, Wilson Lima, seu vice e outros 16 componentes de sua gestão por formação de organização criminosa e desvio de dinheiro público durante a pandemia. Se as operações se multiplicarem nos próximos meses, produzindo prisões em série, denúncias e delações premiadas, Bolsonaro terá uma ferramenta de pressão sobre a CPI e uma narrativa nas eleições. Para alguém acostumado a botar fogo no circo, pode ser o suficiente para chegar vivo a 2022.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/o-circo-da-cpi-comecou-mas-o-impeachment-ainda-esta-longe.html


Malu Gaspar: Toffoli manda Bolsonaro, Pacheco e Lira se explicarem sobre emendas "cheque em branco"

O ministro do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli deu 10 dias a Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, para enviar explicações sobre a ampliação de uma nova modalidade de desembolso das emendas parlamentares, as chamadas transferências especiais.

Os três foram notificados na última sexta-feira, como consequência de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Novo e que foi distribuída para Toffoli. O Novo é crítico do instrumento de repasse. Jair Bolsonaro não era citado inicialmente na ação, mas Toffoli decidiu incluí-lo.

As transferências especiais foram criadas em 2019 pelo Congresso. São chamadas de "cheque em branco" porque, ao contrário do que acontece com os recursos enviados para estados e municípios por meio de emendas regulares, no caso delas não é preciso dizer em quê os recursos serão aplicados nem prestar contas aos órgãos federais de controle de seu uso.

 Basta o parlamentar indicar o nome da cidade que deve receber o dinheiro, e os recursos caem direto na conta da prefeitura, que também não precisa dizer o que fará com ele.

Criadas no final de 2019 com o propósito de facilitar o repasse da verba federal, em geral lento e burocrático, as transferências na prática criaram uma exceção à regra, adotada em toda a administração pública, pela qual o dinheiro para obras ou programas custeados com dinheiro da União é repassado a estados e prefeituras pelos ministérios ligados à aplicação das verbas e seu uso é fiscalizado pela Caixa.

 Elas foram estabelecidas por uma emenda constitucional que permitiu aos parlamentares repassar até metade de sua cota de emendas individuais por depósito direto. Em 2021, isso representará cerca de R$ 8 milhões por parlamentar. 

Conforme mostrou a coluna, essa verba ajudou a irrigar prefeituras comandadas por parentes de deputados no ano passado e contribuiu para a sua reeleição. Dos cinco municípios que mais receberam transferências especiais em 2020, em três o dinheiro foi repassado por um parlamentar que é parente do gestor local. Todos foram reeleitos.

Embora o mecanismo tenha sido criticado desde o início por órgãos de controle federais, por reduzir a possibilidade de fiscalização, no Orçamento de 2021, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Irajá Abreu (PSD-TO) decidiu estender, por conta própria, o uso do "cheque em branco" para as emendas coletivas de bancada, envolvendo uma fatia bem maior dos repasses federais: R$ 7,3 bilhões neste ano.

Pela regra, as emendas de bancada servem para custear projetos  maiores e são decididas de maneira coletiva entre os parlamentares de cada unidade federativa. Ao aplicar a elas o mesmo tratamento das emendas individuais, corre-se o risco de ampliar o uso de verba para atender a interesses paroquiais dos parlamentares em seus redutos eleitorais e deixar à míngua projetos mais relevantes. 

O texto de Irajá Abreu foi vetado por Jair Bolsonaro, mas o veto foi derrubado pelos congressistas no meio da votação do Orçamento de 2021, em 17 de março.

Para não atrasar ainda mais o Orçamento, que só acabou sendo votado no fim daquele mês, os líderes do governo no Congresso firmaram um acordo com parlamentares para que deixassem a conversão das emendas de bancada em transferências especiais para depois da sanção do texto orçamentário, o que ocorreu na semana passada.

Na ação impetrada no Supremo, o Partido Novo pede a revogação do "cheque em branco". O partido alega que a ampliação do uso das transferências promovida por Irajá Abreu é inconstitucional pois trata as emendas individuais e as de bancada, diferenciadas na lei, de maneira uniforme.

Os advogados do partido pedem ainda que a decisão seja proferida liminarmente, ou seja, rapidamente, uma vez que a aplicação das transferências especiais nas emendas de bancada está valendo e pode ser feita a qualquer momento. Somando-se o valor já autorizado a ser desembolsado neste ano em transferências especiais ao volume que desejam os parlamentares, o valor total do "cheque em branco" pode chegar a R$ 9,3 bilhões neste ano.

“Trata-se, portanto, de caso de extrema urgência, a fim de evitar a reorientação das emendas parlamentares de bancada rumo a um tipo de execução que não tem base constitucional”, afirma o Novo, em sua petição.

Após o prazo de 10 dias para esclarecimentos, Toffoli quer ouvir também a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da União antes de proferir sua decisão.


Malu Gaspar: Cortes no Orçamento podem render a Bolsonaro nova briga com o Congresso

tesourada que o Ministério da Economia deu no Orçamento de 2021 não encerra o impasse com o Congresso. Pelo contrário, deve criar novos focos de conflito. Ao cortar da peça orçamentária os R$ 29,8 bilhões necessários para reequilibrar os gastos do governo, Guedes mexeu num vespeiro.

Ao invés de tirar da previsão de gastos do governo apenas as despesas que haviam sido acrescentadas pelo relator, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), a equipe do ministro Paulo Guedes mexeu em outras dotações orçamentárias que, até agora, não estavam em discussão. 

Do total de cortes, apenas um terço eram de Bittar. O resto foi retirado de outras verbas, dos quais R$ 3,2 bilhões de reais em outros tipos de emendas parlamentares. 

Desse total, R$ 1,8 bilhão ia atender às emendas de bancadas estaduais, definidas em conjunto por deputados e senadores. Os estados que mais sofreram reduções foram o Amazonas (R$ 216 milhões), Piauí (R$170 milhões) e Goiás (R$ 159 milhões), segundo levantamento do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop) a pedido da coluna. 

Outro R$ 1,4 bilhão era destinado às emendas de comissão, que são escolhidas por 16 parlamentares encarregados de distribuir os gastos de acordo com a área de atuação de cada ministério, como as da educação, da segurança pública e da saúde. Entre o envio do Orçamento para o Congresso e a versão sancionada pelo presidente, os recursos para essas emendas simplesmente desapareceram. 

Delas, um terço tinha sido reservado para despesas do Ministério de Desenvolvimento Regional, o mais afetado pela tesoura de Guedes e comandado por seu ri val Rogério Marinho. Outros cortes aconteceram no Ministério da Saúde (R$ 216 milhões), Educação (R$ 325 milhões) e o da Defesa (R$ 153 milhões). 

Com esse movimento, o ministério da Economia, que estava em atrito sobre os cortes com os chamados ministros políticos do governo, com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e com o relator Márcio Bittar,  agora comprou briga com dezenas de parlamentares - todos envolvidos na elaboração dessas emendas. 

“Parece que Guedes foi buscar novos adversários”, afirma Renato Melo, diretor do Inop. “O governo jogou no lixo 16 relatórios setoriais do Orçamento, feitos a partir de acordos no Legislativo. E cometeu o absurdo de cortar emendas que não eram objeto de insatisfação do Ministério da Economia. Assim, o ministro arrumou novos inimigos, que não tinham nada a ver com a manobra do relator e foram punidos mesmo assim”. 

A justificativa do Ministério da Economia para o corte de emendas que seriam destinadas à Covid-19, por exemplo, é a de que elas serão substituídas por gastos do próprio governo, distribuídos ao longo do ano e sem as travas do teto de gastos porque, na semana passada, o governo conseguiu aprovar outro projeto de lei excepcionalizando as despesas com a pandemia das regras fiscais. 

Melo diz, porém, que não são gastos equivalentes. As emendas seguem a lógica política, visam a atender aliados de deputados e senadores nos estados, enquanto os gastos do governo seguirão as regras e as prioridades do Ministério da Saúde. 

Por isso, desde sexta-feira, vários parlamentares estão analisando se derrubam ou não parte dos cortes, feitos por meio de vetos do presidente Jair Bolsonaro. Conforme o tamanho e a agressividade da reação, a estratégia de Guedes pode estar arruinada. 

Não apenas por causa dos 3,2 bilhões – parte até pequena perto dos 29,8 bilhões cortados do Orçamento –, mas porque o governo também precisa do apoio dos Congressistas para concluir a segunda parte da manobra programada pelo Ministério da Economia para consertar o "orçamento inexequível" que o governo recebeu do Congresso. 

Na primeira parte, a dos vetos, o governo diz onde vai cortar despesas. Na segunda, que tem de ser feita por projeto de lei, o governo indica como vai remanejar as emendas. Esse projeto foi enviado ao Congresso na última quinta-feira, junto com os vetos, e tem de ser aprovado por maioria simples para passar a vigorar. Para isso, o governo vai precisar dos líderes partidários que viram suas verbas cortadas sem aviso ou negociação.

Essa etapa do "conserto" do Orçamento é crucial para o presidente da República. Sem o remanejamento de verbas, o presidente continuará sob o risco de vir a responder a um processo por crime de responsabilidade. 

Isso porque o impasse começou quando Bittar, o relator, incluiu R$ 29 bilhões em emendas sob sua responsabilidade, que atendiam aos caciques partidários, mas para isso cortou despesas obrigatórias com a Previdência Social. Ao receber o texto, Bolsonaro tinha duas opções: ou vetava tudo, provocando o Congresso, ou mantinha como estava, correndo o risco de sofrer um processo de impeachment por crime de responsabilidade.  

risco de impeachment passou a ser o principal argumento de Paulo Guedes para convencer Bolsonaro a vetar o Orçamento. O movimento provocou uma batalha dentro do governo: de um lado, Guedes querendo cortar tudo. De outro, líderes do Congresso e os chamados "ministros políticos", defendendo a manutenção das emendas. 

Esses últimos diziam que as despesas foram incluídas no texto em razão de um acordo feito com o próprio Guedes, no início de março, mas o ministro da Economia argumentava que ele tinha concordado em acomodar emendas de R$ 16 bilhões e não os quase R$ 30 bilhões. 

Com a sanção do Orçamento já recortado, ficou evidente que Paulo Guedes preferiu distribuir os danos em outras pastas, como a da Educação, e grupos políticos, como o baixo clero do Congresso.  Dessa forma, ele pode até ter conseguido adiar o enfrentamento com os líderes partidários. Mas não conseguirá evitar uma batalha com o Congresso logo mais.


Malu Gaspar: Meta que Bolsonaro prometeu melhorar na Cúpula do Clima não existia

Em seu discurso na Cúpula do Clima, Jair Bolsonaro improvisou a redução de uma meta ambiental que, na prática, nunca chegou a existir

Até ontem, o Brasil nunca havia se comprometido a neutralizar suas emissões de carbono em 2060, como o presidente sugeriu em seu discurso. Na mais recente manifestação formal sobre o tema, protocolada na Organização das Nações Unidas em dezembro, o país apenas dá um “indicativo de longo prazo” de que poderia chegar lá.

A data de 2060 foi mencionada em um documento oficial de compromisso, conhecido como NDC, protocolado 22 dias antes da data final para cada país entregar à ONU sua lista quinquenal de compromissos contra o aquecimento global.

Nele, a diplomacia brasileira fixou metas numéricas para a redução da emissão de carbono até 2030 e indicou que, a continuar nesse ritmo, o país poderia chegar à neutralidade em 2060. A neutralização das emissões acontece quando o país emite apenas o volume de gases que provocam o efeito estufa equivalente ao que consegue retirar da atmosfera.

Na ocasião, porém, os diplomatas fizeram um alerta que já antecipava o discurso de Bolsonaro nesta Cúpula: “A definição final de qualquer estratégia de longo prazo para o país, em particular o ano em que a neutralidade climática pode ser alcançada, vai depender no entanto do bom funcionamento dos mecanismos previstos no Acordo de Paris”. Traduzindo: pode ser ainda mais ousado no futuro se o dinheiro prometido pelos países ricos chegar.

O documento de dezembro também havia eliminado uma das metas mais relevantes assumidas pelo Brasil em 2015, que Bolsonaro ontem resolveu ressuscitar: zerar o desmatamento ilegal até 2030.

O novo tom no discurso de Bolsonaro acontece num momento em que seu governo está sob intensa pressão internacional para mudar a política ambiental. Vários fatores pesam contra o Brasil.

Nos dois anos de governo de Bolsonaro, o desmatamento cresceu e alcançou, em 2020, a maior devastação em 12 anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sofre críticas e protestos de fiscais do Ibama e do ICMBio, ONGs, lideranças indígenas e, mais recentemente, até da Polícia Federal.

Também afetou a credibilidade do Brasil o malogro do Fundo Amazônia, que tem R$ 2,9 bilhões doados pela Alemanha e pela Noruega travados no BNDES por falta de consenso com o governo brasileiro sobre a forma de gerir e aplicar os recursos.

O ministro do meio ambiente fazia questão de vetar o acesso de entidades da sociedade civil, estados e municípios aos recursos, e não aceitava as regras de governança impostas pelos financiadores.

Além disso, o presidente brasileiro perdeu seu principal aliado no cenário mundial com a derrota, nos Estados Unidos, de Donald Trump para Joe Biden -- que fez questão de deixar a reunião minutos antes de Bolsonaro falar.

Nesta quinta, EUA, Reino Unido e Noruega anunciaram a criação de um novo fundo de US$ 1 bilhão para o combate ao desmatamento de florestas tropicais. É o mesmo valor que Salles pretendia obter nesta cúpula em doações para o Brasil.

Mas, diferentemente do que foi feito na criação do Fundo Amazônia, o dinheiro desta vez só virá como compensação para resultados. Com seguidos recordes nas taxas de desmatamento, o país não terá acesso a esses recursos tão cedo.

Apesar do discurso, na prática ainda vigora no cenário internacional a desconfiança expressada pelo secretário de estado americano, John Kerry, quanto à nova meta de Bolsonaro: "Isso funciona para nós. A questão é se eles farão o que têm que fazer". Ou pelo próprio vice-presidente Hamilton Mourão: "Em 2060, estaremos todos mortos. Tem é que reduzir o desmatamento agora".


Malu Gaspar: Anular processos não apaga a história

É dos anos 90 uma das mais bem-sucedidas operações-abafa de um escândalo de corrupção na história brasileira. Numa quinta-feira de 1993, agentes da Polícia Federal descobriram no banheiro da casa de um diretor da Odebrecht em Brasília pilhas de documentos incriminadores. Havia de tudo nas 18 caixas e centenas de disquetes levadas pelos policiais: relatórios sobre negociações subterrâneas, contabilidade de doações não declaradas para campanhas eleitorais, listas de obras com os nomes de políticos, acompanhados de porcentagens e valores, até pedidos de liberação de verbas com assinaturas de prefeitos e governadores, já prontos para ser apresentados pelas próprias empresas à Caixa Econômica Federal.

Vivia-se o auge da CPI do Orçamento. A papelada deu origem a um relatório bombástico, lido em plenário pelo senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul. Bisol, porém, cometeu um erro primário ao propagar que um documento com o organograma formal da empreiteira era, na verdade, um mapa de organização criminosa. 

Em sua reação, Emílio Odebrecht explorou o deslize ao máximo. Numa entrevista coletiva tão performática quanto a leitura de Bisol, acusou o senador de perseguição, ignorância e má-fé. O argumento colou na imprensa da época e mobilizou mais de 300 deputados e senadores para enterrar a CPI. Conseguiram. A única consequência prática do escândalo foi a popularização da expressão “trezentos picaretas”, cunhada pelo então oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva para designar os parlamentares.

Dezesseis anos e um mensalão depois, em 2009, os alvos da Polícia Federal foram executivos e dirigentes de outra empreiteira, a Camargo Corrêa. A operação, batizada Castelo de Areia, pilhou um esquema de pagamento de propinas e desvios de recursos de obras como a Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras. Segundo a investigação, o dinheiro desviado era remetido ao exterior por doleiros, usando empresas de fachada e contas offshore em paraísos fiscais. Mas a investigação acabou anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A corte considerou que as provas coletadas não eram válidas porque a apuração começara a partir de uma denúncia anônima.

Em 2014, o esquema voltou à tona. Descobriu-se, de novo, que as empreiteiras patrocinavam campanhas eleitorais e interesses particulares de políticos de todos os calibres e partidos com o dinheiro desviado de estatais como Petrobras, Eletrobras e Transpetro. Batizado petrolão, o escândalo deu impulso à Operação Lava-Jato.

Dessa vez, as investigações foram mais longe. Renderam 295 prisões, 140 delações premiadas, a devolução de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos e impulsionaram um processo de impeachment. Mas, como nos outros casos, o dia da desforra chegou. A revelação dos desvios indicados nas mensagens de celular trocadas por procuradores — e captadas ilegalmente por um hacker — criou um clima favorável à anulação de condenações e denúncias.

Sob o argumento de que o foro em que tramitavam não era o correto, foram anuladas as condenações dos ex-presidentes Lula e Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco. O mesmo argumento levou à suspensão de ações contra o atual presidente da Câmara, Arthur Lira. Questões processuais já tinham enviado para a gaveta o processo contra o senador José Serra.

Todas essas decisões, comemoradas efusivamente por uns, discretamente por outros, têm enorme serventia político-eleitoral, ajudam a construir narrativas. Mas, embora a morte dos processos por inanição seja bastante provável, ainda é cedo para dizer que a Justiça tenha decretado a inocência de quem quer que seja. Fernando Collor de Mello, afastado da Presidência da República em 1992, só foi declarado inocente pelo Supremo — por falta de provas —em 2014.

Por ora, tais desfechos só provam mesmo duas coisas. 

A primeira é que, no Brasil, quando o assunto é corrupção, a história se repete. Escândalos abalam a política, as investigações apontam culpados e, mais cedo ou mais tarde, os processos são sepultados por decisões judiciais que raramente entram no mérito das acusações. 

A segunda, e mais importante, é que a história não se anula, muito menos a canetadas. Por mais que se queira esquecê-la ou distorcê-la, de tempos em tempos ela volta a nos assombrar. Quando isso acontece, acumulam-se os prejuízos, aumenta a insegurança jurídica e se reforçam narrativas políticas cada vez mais simplistas e muitas vezes irresponsáveis.

A história cobra um preço alto quando se ignoram suas lições. Quem paga somos todos nós. E não só com dinheiro, mas com um pedaço do nosso futuro.


Malu Gaspar: Nas redes bolsonaristas, suposto complô para matar o presidente vira denúncia bombástica

O vídeo em que a jornalista Leda Nagle repercute a postagem de um perfil falso do diretor-geral da Polícia Federal sobre uma suposta conspiração do STF e de Lula no atentado contra Jair Bolsonaro em 2018 incendiou as redes bolsonaristas nesta segunda-feira. 

O vídeo de pouco mais de 2 minutos surgiu nas redes logo pela manhã, quando Leda leu os tuítes da conta falsa de Paulo Maiurino, já suspensa pelo Twitter, em uma live privada. 

"Minha Nossa Senhora do perpétuo socorro (…) Eu não sei o que fazer, fico tão assustada com isso tudo! Porque isso não é política, né? Isso é tudo, menos política", disse a jornalista, depois de ler toda a postagem falsa em nome de Mairuino. 

Imediatamente, foram disparadas mensagens em massa reproduzindo a fake news, e apontando Leda Nagle como a responsável pela suposta apuração.

“A ordem para matar Bolsonaro partiu do STF e Lula! Diretor da Policia Federal Paulo Maiurino fez declaração que pode provocar uma intervenção no país, assistam! Fonte: Jornalista Leda Nagle”, diz um texto replicado em vários grupos.

No início da tarde, Polícia Federal informou que o perfil do diretor, Paulo Maiurino, havia sido falsificado. Leda Nagle chegou a se desculpar publicamente por ter divulgado a informação falsa, mas era tarde.  

A narrativa da conspiração foi multiplicada ao longo de todo dia, acompanhada de memes e reproduções de mensagens com apelos por uma ruptura institucional e ataques críticas ao STF e ao PT.

Numa delas, Adélio Bispo, preso pela facada que deu em Bolsonaro durante a campanha de 2018, aparecia dizendo "eram 11, mas só um deu a ordem". 

“Estamos neste momento em guerra. Conforme o chefe da Polícia Federal, foi o STF quem mandou matar Bolsonaro. Exigimos o fechamento e a prisão de todos os membros do STF que estão por trás desse crime”, escreveu um bolsonarista em caixa alta. 

“As suspeitas de envolvimento do STF na tentativa de assassinato do presidente, se confirmadas, poderão levar a uma reviravolta completa na atual organização política do Estado Brasileiro. E muitas, muitas prisões serão efetuadas”, apostou outro apoiador do presidente, com mais de 10 mil seguidores no Twitter, em publicação replicada em vários grupos do WhatsApp.

No Telegram, um áudio apócrifo contava sobre um suposto relato do senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e de um integrante “barra pesada” do Gabinete de Segurança Institucional que "revelava" outros mandantes da falsa conspiração: Jean Wyllys, José Dirceu e Fernando Henrique Cardoso.  

À noite, quando diversas reportagens denunciando as fake news já haviam sido publicadas, o teor das postagens se inverteu.

Aí, o link mais compartilhado era o de uma postagem em um site bolsonarista acusando "gabinete de ódio" da esquerda de “linchar” Leda Nagle e promover fake news a respeito dela.

Em outro vídeo bem popular, o jornalista Alexandre Garcia, também ligado a Bolsonaro, defende a colega. "A ironia disso é que muita gente que está caindo de pau sobre ela inventa notícia todos os dias. Não tem moral para gozar alguém que foi enganada."

Junto com as postagens, uma mensagem bastante reproduzida dizia: "Leda Nagle, o Brasil te Ama". 


Malu Gaspar: Povo, Bolsonaro? Que povo?

‘O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria, o desemprego estão aí, pô. Só não vê quem não quer’, afirmou o presidente Jair Bolsonaro, na manhã da quarta-feira, à sua claque de plantão na porta do Palácio da Alvorada. “Esse pessoal, amigos do Supremo Tribunal Federal… Daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui”, continuou. “Parece que é um barril de pólvora que está aí. E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar.”

Tudo o que Bolsonaro disse ali, ele já falou com outras palavras, em outras ocasiões. O golpismo continua, mas há algo diferente. O tom beligerante de um ano atrás deu lugar à desorientação e ao cansaço, e até o apelo ao povo sai sem muita convicção.

Embora o discurso para as redes bolsonaristas ainda seja triunfante e desafiador, o presidente no fundo sabe que não há nada de tão explosivo para acontecer, afora a tragédia sanitária da Covid-19, que já fez mais de 360 mil vítimas fatais. O capitão percebe, também, que seu “povo” não lhe dará nenhuma mostra de apoio mais enfática do que as já prestadas em manifestações de rua e buzinaços.

Não que elas tenham sido desprezíveis. O “mito” não deixou de ter seu público cativo. Até agora, porém, esse contingente não foi capaz de evitar a crise em que Bolsonaro se afundou.

O que o presidente da República mais precisa agora é de uma solução para o impasse em torno do Orçamento para 2021, que veio do Congresso com previsão de gastos acima do teto legal permitido, a maior parte com emendas parlamentares. Se não cortar despesas, Bolsonaro corre o risco de ser processado por crime de responsabilidade e de sofrer impeachment. Mas, se cortá-las, entra em colisão com o Congresso, que acaba de abrir uma CPI para apurar responsabilidades pelos erros na condução do governo na pandemia.

Na guerra feroz dos bastidores, líderes do Parlamento e ministros palacianos não aceitam cortes além de certo limite, considerado o mínimo necessário para deputados e senadores gastarem no “Orçamento da reeleição”. A equipe econômica defende os cortes, mas tem em Paulo Guedes um chefe politicamente cambaleante, que sofre ataques e humilhações de todos os lados, mas justifica o apego ao cargo com variações do “ruim comigo, pior sem mim”.

Embora já tenha enfrentado outras crises, Guedes nunca pareceu tão vulnerável. E não só aos olhos dos colegas de Esplanada, mas também aos dos operadores do mercado, que já especulam quem pode vir a substituí-lo. Isso diz muito não só sobre o ministro, mas também sobre o próprio presidente. Se Bolsonaro manteve o “posto Ipiranga” até hoje, foi por acreditar que abrir mão dele seria admitir uma derrota política de que talvez não pudesse se recuperar. Ele sabe que o Centrão está à espreita, esperando a vaga abrir para ocupá-la.

Nesse contexto, a fala de Fernando Collor de Mello contra a CPI da Covid, na sessão do Senado que a instalou, na última terça-feira, ganha contornos especialmente simbólicos. “Temos que ter consciência do momento que vivemos. Falo isso como alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional”, disse o ex-presidente, afastado depois que uma CPI desnudou as relações espúrias de seu operador, PC Farias, com a elite empresarial da época.

Há muitas diferenças entre a situação de Bolsonaro e a de Collor pré-impeachment, até porque, em 1992, a ameaça à sobrevivência dos brasileiros era “só” a inflação alta. Escândalos de corrupção abalavam o país, mas não havia centenas de milhares de mortes assombrando o Planalto. 

Mas há também semelhanças. A primeira é um governo em frangalhos, com os ministros que realmente importam se unindo em torno do presidente por poder e dinheiro. A segunda é uma CPI com maioria de membros da oposição, prestes a dar o bote.

Por fim, há um presidente acuado, que convoca o povo para ir às ruas apoiá-lo usando verde e amarelo. “Vamos mostrar a essa minoria que intranquiliza diariamente o país que já é hora de dar um basta a tudo isso”, disse Collor em agosto de 1992. “A sociedade quer tranquilidade para poder trabalhar.” Em resposta, o povo foi às ruas de preto, e Collor saiu do Planalto pelos fundos semanas depois.

Não há, por ora, sinais de que o destino de Bolsonaro será o mesmo. Mas já está claro que esse povo de quem o presidente espera sinais pouco pode fazer para salvá-lo. A esta altura, o único “povo” que pode tirar o presidente do corner é justamente essa gente que está de paletó e gravata, cercando seu gabinete em Brasília. Resta saber se ela o fará.