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Eliane Cantanhêde: E se não?

Macri e PIB ameaçam a crença de que há dois governos: um do Bolsonaro, outro da economia

A crença, certeza ou argumento de que a economia salva o governo Jair Bolsonarorecebeu duas pancadas doídas. Uma, de fora: a derrota do liberal Maurício Macri para o kirchnerismo nas prévias da Argentina. Outra, doméstica: o risco de nova recessão.

Macri é aliado fundamental para consolidar tanto a debacle do chavismo na América do Sul quanto o acordo do Mercosul com a União Europeia, tão festejado, mas tão ameaçado. Mas é improvável que ele consiga tirar 15 pontos de diferença para a chapa populista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner até outubro. Sem Macri na Argentina e com Mario Abdo Benitez em risco no Paraguai, o acordo evapora. Para piorar, Bolsonaro apostou todas as fichas na chapa errada do país vizinho.

E o que dizer da prévia do Banco Central para o PIB do segundo trimestre no Brasil? Desde a eleição de Bolsonaro, a previsão de crescimento vem minguando. Agora, 0,2% de queda no primeiro trimestre e 0,13% no segundo apontam para recessão técnica. É grave para a economia, é gravíssimo para o discurso político do governo.

Bolsonaro vai mal, mas as expectativas econômicas iam bem. O presidente fala uma barbaridade atrás da outra, mas os ministros, por obrigação, e os aliados, por falta de alternativa, têm a mesma resposta na ponta da língua: deixa o homem falar, o importante é Paulo Guedes salvar a economia e recuperar o crescimento. E se não?

Juros e inflação baixos, reformas caminhando, acordo com UE, negociações com os EUA e liberação do FGTS são um alívio para bolsonaristas desencantados, mas apegados às promessas e sonhos da economia. Esquecem-se de que o Estado está engessado pelo déficit crônico, o setor privado continua assustado, as famílias mantêm-se endividadas, a ociosidade do comércio e da indústria persiste, os empregos não aparecem.

A recuperação deve vir, mas vai ser lenta, demorada.

Enquanto Bolsonaro faz das suas, mas a crença na economia resiste, tudo bem. Mas desilusão com ele e com a economia ao mesmo tempo pode ser explosiva.

Bolsonaro cria atritos desnecessários e “relativiza” tortura, impessoalidade, armas, radares, cadeirinhas, dados científicos, desmatamento, reservas indígenas. Mas “ele é assim mesmo”. Enquanto isso, o ministro da Economia tem uma boa equipe, o da Infraestrutura aprofunda o plano de privatizações de Temer, a da Agricultura trabalha com pragmatismo, o de Minas e Energia avança. E o Congresso faz sua parte, aprovando a reforma da Previdência sem desidratá-la.

O problema é se Bolsonaro insistir em falar e fazer o que vem na sua cachola, chocando o País e o mundo, e a economia continuar patinando até passar a andar de marcha a ré. A confluência gera pessimismo e preocupação.

Para tornar esse cenário ainda mais turvo, Bolsonaro passou meses provocando a China e ameaçando históricas relações amigáveis com o mundo árabe. Quando se imaginou que recolhia as baterias viu-se que apenas desviava o alvo para Alemanha, França, Noruega, Suécia, deixando o Brasil numa situação desconfortável. Eles têm o discurso do “bem”, o Brasil assume a posição do “mal” justamente no meio ambiente. E é isso que fica na imprensa internacional.

Bolsonaro afugenta quem votou nele “só contra o PT”, reabre feridas da ditadura militar, escanteia o Coaf em favor da própria família e abre flancos na área externa – Europa, Ásia e Oriente Médio. Assim, ele se apega a dois fatores para manter o poder: sucesso na economia e inexistência de um opositor real.

Pelo andar da carruagem, só falta surgir o opositor, o antibolsonaro. Não da esquerda, mas da centro-direita. João Doria é mais afoito, mas não é o único. Quanto mais Bolsonaro balançar, mais Dorias vão surgir.


Luiz Carlos Azedo: Quem acha vive se perdendo

“O presidente Jair Bolsonaro está dando mais importância ao próprio achismo do que ao planejamento estratégico com base em estudos e pesquisas científicas”

O trocadilho de Noel Rosa em Feitio de Oração — “Quem acha vive se perdendo/ Por isso agora eu vou me defendendo/ Da dor tão cruel desta saudade/ Que por infelicidade/ Meu pobre peito invade” —, como diria o colega Heraldo Pereira, ajuda a encaixar os fatos da conjuntura. O samba não se aprende no colégio, explica a canção antológica: “O samba na realidade não vem do morro/ Nem lá da cidade/ E quem suportar uma paixão/ Sentirá que o samba então/ Nasce do coração”. Entretanto, governar não é só paixão. Também se aprende no colégio.

O Brasil tem excelentes escolas de administração pública e uma alta burocracia muito bem qualificada, a quem cabe zelar pela legitimidade e consistência técnica das decisões. O achismo na gestão pública é uma perdição, ainda mais num país de dimensões continentais como o Brasil. A escritora norte-americana Bárbara Tuchman (1912-1989) escreveu um livro que trata do achismo e mostra a cegueira dos governantes em momentos decisivos da história: “Os seres humanos, especialmente as autoridades, costumam ser acometidos de um estranho paradoxo: tomar atitudes totalmente contrárias aos interesses da coletividade e, em última análise, a si mesmos, ainda que elas possam parecer o contrário”. Chamou o fenômeno de “a marcha da insensatez”, expressão que intitula seu livro.

A história está cheia de exemplos de decisões desastradas de governantes. A soberba dos papas da Renascença levou a Igreja Católica ao grande cisma protestante. O rei inglês Jorge III, ao tomar medidas extremamente impopulares em suas colônias americanas, impeliu-as a declarar a independência e a fundar os Estados Unidos. A ocupação de Moscou fez Napoleão perder a guerra na Rússia. As coletivizações forçadas de Stálin provocaram uma escassez crônica de alimentos na antiga União Soviética. O Grande Salto Pra Frente de Mao Zedong matou de fome milhões de chineses. A intervenção norte-americana no Vietnã levou os Estados Unidos ao seu maior desastre militar. Aqui no Brasil, recentemente, a “nova matriz econômica” da ex-presidente Dilma Rousseff jogou o Brasil na sua maior recessão e provocou seu impeachment.

O presidente Jair Bolsonaro está dando mais importância ao próprio achismo do que ao planejamento estratégico com base em estudos e pesquisas científicas, realizados para elaborar políticas públicas mais eficientes. As mudanças nas leis de trânsito, por exemplo, são eloquentes quanto a isso. A confrontação da legislação com seus resultados, em termos históricos e estatísticos, mostra que a política estava na direção correta ao desestimular o uso do automóvel e retirar das ruas os motoristas infratores contumazes. Não apenas devido aos indicadores de mortes violentas, mas também por causa do impacto físico e econômico dos acidentes de trânsito no sistema de saúde pública.

Erros estratégicos
O mesmo raciocínio vale para a questão da liberação de venda, posse e porte de armas. O fato de o banditismo ter aumentado devido ao tráfico de drogas não justifica uma política que, em última instância, vai armar os mais violentos. O indivíduo que deseja ter uma arma em casa para se proteger numa situação específica é uma coisa: moradores de zonas rurais, por exemplo; outra, bem diferente, é o sujeito ter uma arma e portá-la nas ruas, simplesmente porque gosta de atirar e pretende fazê-lo se tiver motivação e oportunidade. A maioria dos especialistas em segurança pública é a favor do desarmamento da população. A política correta é desarmar os bandidos (como o nosso Exército fez no Haiti, por exemplo), não é armar quem gostaria de fazer justiça pelas próprias mãos. Além disso, a quebra do monopólio do uso da violência pelo Estado é um risco para a democracia, porque possibilita o surgimento de uma militância política armada, como no fascismo.

Há inúmeros exemplos de achismos desastrosos na condução de áreas específicas do atual governo. É o caso do meio ambiente, onde o desmantelamento da política de proteção ambiental já produziu índices alarmantes de desmatamento na Amazônia, além de reações internacionais à compra de produtos agrícolas brasileiros, por causa da liberação quase que indiscriminada da venda de agrotóxicos. A maior vítima do achismo, porém, é o Censo de 2020, cujo questionário foi enxugado pela nova orientação dada ao IBGE. A alteração da série histórica com relação a diversos indicadores de qualidade de vida da população é uma maneira de varrer para debaixo do tapete nossas desigualdades e iniquidades sociais e pode levar a erros estratégicos graves, com consequências colossais. Cinco dirigentes do corpo técnico do órgão já pediram demissão por causa disso.

As opiniões de pé de ouvido da “bancada da bala”, dos ruralistas e dos caminhoneiros têm mais peso no Palácio do Planalto do que décadas de estudos e pesquisas de cientistas e órgãos especializados, mesmo de estudos de estado-maior das Forças Armadas sobre temas estratégicos para a coesão nacional e o desenvolvimento do país. A última pérola do achismo é o “Peso Real”, a nova moeda que o presidente Bolsonaro anunciou que pretende criar em parceria com o presidente argentino Maurício Macri, que os técnicos do Banco Central (BC), de gozação, já estão chamado de “Sul Real”.

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Bernardo Mello Franco: Apoio de Bolsonaro pode virar presente de grego para Macri

Em dois dias, Bolsonaro opinou três vezes sobre a eleição argentina. Seu apoio pode atrapalhar o presidente Macri, avalia o professor Matias Spektor

Na noite em que Jair Bolsonaro comemorou sua vitória, uma repórter do “Clarín” questionou Paulo Guedes sobre a relação do presidente eleito com a Casa Rosada. A resposta veio em tom ríspido: “A Argentina não é uma prioridade. O Mercosul também não é prioridade. Era isso que a senhora queria ouvir?”.

Meses depois, o governo parece mais interessado no vizinho do sul. É o que sugerem as falas constantes de Jair Bolsonaro sobre a eleição argentina. Nos últimos dois dias, ele tratou três vezes do tema. Elogiou o presidente Mauricio Macri, que tentará a reeleição, e atacou sua antecessora Cristina Kirchner, que deseja voltar ao poder.

“Mais importante que fazer um gol, é evitar outro. E esse gol contra viria da Argentina voltando para as mãos da Kirchner”, disse, na terça-feira. Ontem ele chamou Macri de “meu amigo” e insistiu que a vitória de Cristina criaria uma “nova Venezuela no Cone Sul”.

O professor Matias Spektor, da Escola de Relações Internacionais da FGV, diz que as declarações de Bolsonaro são “surpreendentes”. “Não é comum um presidente dar pitacos sobre eleições de outros países”, afirma. Ele não vê bases concretas para a comparação com a Venezuela. “O que ocorreu em Caracas foi a quebra da ordem constitucional. Não há sinais de que a Argentina também esteja na rota de uma ditadura”, avalia.

O país vizinho é o terceira maior parceiro comercial do Brasil. Só aparece atrás de China e EUA. Brasília e Buenos Aires exercem influência sobre toda a América do Sul. “Um bom entendimento é essencial para a democracia e a estabilidade da região”, diz Spektor.

Apesar das acusações de corrupção, Cristina lidera as pesquisas para a eleição de outubro. O aumento da pobreza e os pedidos de socorro ao FMI derrubaram a popularidade do liberal Macri, que apelou ao congelamento de preços para tentar conter a inflação.

Com tantos problemas domésticos, o presidente argentino agora terá que lidar com um presente de grego. “O apoio de Bolsonaro vai gerar constrangimento na campanha, porque a imagem dele na Argentina é muito negativa. Lá não há tolerância para quem defenda a tortura e a ditadura militar”, lembra Spektor.


Luiz Carlos Azedo: Meia-volta, volver!

“A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos, mas é principal parceiro para a nossa indústria”

O encontro do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Argentina, Mauricio Macri, serviu para reposicionar o novo governo em relação ao Mercosul. Foi uma espécie de “meia-volta, volver!”, depois das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, logo após as eleições, de que as relações comerciais do Brasil com os vizinhos do Cone Sul não eram uma prioridade. Guedes chegou a contextualizar o comentário de maneira a desdizer seu significado, mas foi preciso o encontro de ontem para que as coisas ficassem realmente mais claras, principalmente para os vizinhos. Bolsonaro e Macri acertaram trabalhar conjuntamente para fortalecer o bloco sul-americano. O ministro Paulo Guedes, nas conversas com os argentinos, procurou desfazer a imagem de que estava de costas para o Mercosul. A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos, mas é principal parceiro para a nossa indústria.

Isso significa que tudo ficará como dantes? Não, diplomatas do Brasil e Argentina discutiram mudanças nas regras do Mercosul que proíbem os países-membros de negociarem separadamente acordos de livre comércio com outros países. No caso brasileiro, Bolsonaro quer enxugar os encargos do Mercosul, reduzir tarifas e burocracia. Abre-se a possibilidade de avanços nas conversas com a União Europeia. Além disso, Paraguai e o Uruguai desejam fazer seus acordos bilaterais. O patinho feio do Mercosul é a Venezuela, que foi outro assunto abordado no encontro. Nesse caso, a afinação entre Bolsonaro e Macri é total: ambos pretendem endurecer o jogo ainda mais com o presidente do país vizinho, Nicolás Maduro, que assumiu novo mandato de seis anos e é considerado um ditador pela maioria dos países do continente.

Macri foi o mais enfático nos ataques a Maduro. Ressaltou que Argentina e Brasil reconhecem apenas a Assembleia Nacional da Venezuela, que é comandada pela oposição e considera Maduro um usurpador. “Reafirmamos nossa condenação à ditadura de Nicolás Maduro. Não aceitamos esse escárnio com a democracia, e, menos ainda, a tentativa de vitimização de quem na verdade é o algoz”, disse Macri. Bolsonaro foi mais comedido em relação a Maduro, mas reiterou que Brasil e Argentina jogarão juntos no caso da Venezuela: “Nossa cooperação na questão da Venezuela é o exemplo mais claro do momento. As conversas de hoje (ontem) com o presidente Macri só fazem reforçar minha convicção de que o relacionamento entre Brasil e Argentina seguirá avançando no rumo certo: o rumo da democracia, da liberdade, da segurança e do desenvolvimento”, disse.

Recessão
O fato de o Brasil e a Argentina terem governos ultraliberais tem um peso específico no continente, mas há uma variável imponderável: ao contrário de Bolsonaro, que acabou de assumir o governo, Macri está terminando seu mandato, em meio a um tremendo fracasso econômico. Os preços na Argentina subiram 2,6% em dezembro, com inflação anual de 2018 em 47,6%, a maior desde 1991. A meta de inflação de 23% em 2019, já considerada muito alta, dificilmente será alcançada, num ano de eleições presidenciais, nas quais Macri ainda pretende disputar a reeleição.

Com os preços descontrolados, o Banco Central argentino fez um ajuste duríssimo, com juros de até 70% e retirada de pesos do mercado. O dólar estabilizou em 37 pesos, mas a economia está em recessão: 2,5% em 2018; previsão de 2%, em 2019. Macri terá dificuldades para manter esse ajuste, quando nada porque os salários sofreram uma perda de poder de compra próxima a 10%, a maior desde 2002. Até o FMI prevê dificuldades para manter o ajuste, cujas projeções apontam que somente em 2024 os argentinos conseguirão recuperar o nível de vida de 2017. Será difícil para Macri resistir às pressões dos sindicatos por aumentos de salários e manter o acordo feito com o FMI.

À deriva
A propósito, a Inglaterra nunca esteve tão à deriva. Conservadores britânicos e unionistas da Irlanda do Norte salvaram a primeira-ministra Theresa May, derrotando por apenas 19 votos a moção de desconfiança apresentada pelos trabalhistas para evitar que o líder da oposição, Jeremy Corbyn, a substituísse, depois de a maioria esmagadora do parlamento do Reino Unido ter rejeitado o acordo de saída da União Europeia. O Brexit continua um salto no escuro, porque a primeira-ministra ainda não tem um plano B.

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Zeina Latif: Erros do tipo Macri e Macron

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdência

O futuro ministro da Economia está quieto. Depois das falas polêmicas e de manifestações que sugeriram conhecimento pouco profundo dos desafios fiscais, Paulo Guedes sabiamente se recolheu e reagiu bem aos alertas. Está quieto, mas não inerte. Seus movimentos recentes foram precisos, como na nomeação de Marcelo Guaranys, Rogério Marinho e Leonardo Rolim, que são profissionais com perfis complementares e fazem jus a um título de “time dos sonhos”. Combinou-se conhecimento da máquina pública, experiência política e domínio técnico do tema que é prioritário, a reforma da Previdência.

Seria importante Guedes conter as falas ambíguas e equivocadas de Bolsonaro e do núcleo duro que o cerca. A retórica alimenta a percepção de que o presidente eleito não tem suficiente clareza sobre a insustentabilidade da Previdência e suas regras injustas. Adquirir esse conhecimento será parte de sua missão de defender politicamente essa agenda. Caso contrário, será improvável o apoio do Congresso. Na política, as palavras têm peso.

Escolhas precisam ser feitas. Mais complicado ainda é fazê-lo em um ambiente de incertezas. O que é melhor: (1) propor uma reforma ambiciosa que viabilize o cumprimento da regra do teto e o ajuste fiscal dos Estados, mas correndo o risco de ter uma tramitação lenta e desgastante politicamente, ou (2) uma reforma diluída, como sinalizado pelo presidente eleito, com trâmite mais rápido, mas com risco fiscal elevado?

É possível que se opte pelo meio do caminho, fatiando a reforma, separando as matérias constitucionais das infraconstitucionais, o que é positivo, e também avançando por etapas nos diferentes regimes de militares, policiais, servidores e setor privado, como proposto por Paulo Tafner e outros especialistas. Porém, o risco de o Congresso só aprovar uma ou outra fatia, e não o todo, resultando em uma reforma insuficiente, precisa ser considerado pelos estrategistas políticos.

A escolha de Bolsonaro será o primeiro teste de sua convicção sobre a necessidade da reforma. A capacidade de diálogo no Congresso, o teste principal. Não temos essas respostas. O ambiente de incertezas, portanto, ainda vai prevalecer por um tempo.

O que Bolsonaro precisa evitar são os erros de Macri e Macron, ambos presidentes com perfil reformista, eleitos em uma onda de renovação da política e contando com apoio popular. Agora ambos sofrem grande desgaste.

O argentino Mauricio Macri iniciou o mandato corrigindo importantes distorções na política econômica. No entanto, por contar com uma base estreita de apoio no Congresso – menos de 30% dos parlamentares quando iniciou seu mandato em 2016 –, foi forçado a negociar com governadores e a ceder. O gradualismo no ajuste fiscal parecia o único caminho possível naquele momento. Nas eleições parlamentares de 2017, Macri conseguiu aumentar seu apoio no Congresso e aprovar uma reforma da Previdência aguada. O resultado é o desarranjo do ambiente macroeconômico, com inflação acima de 40% e mais um acordo com o FMI.

O francês Emmanuel Macron, impulsionado pelas mídias sociais e com apoio no Congresso, conseguiu avançar com seu ímpeto reformista. Agora sofre o desgaste decorrente da percepção da sociedade de que ele protege os mais ricos. A elevação do preço de combustíveis, decorrente do imposto sobre carbono, penalizou uma classe média que se sente desprestigiada pelos políticos. Faltou diálogo e o devido cuidado com políticas que mexem diretamente no bolso dos eleitores. Protestos eclodiram. Macron recuou, mas a insatisfação persiste, enquanto outras reformas, como da Previdência, ficaram comprometidas.

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdência. Não pode ser nem muito tímida nem muito desigual. E diálogo é essencial. Grupos que se sentem injustiçados podem reagir. O gradualismo e o tratamento desigual podem ser convenientes no curto prazo, mas cobram seu preço adiante.

*Economista-chefe da XP Investimento


El País: G20 corre o risco de fracassar por causa da tensão com a Rússia e guerra comercial entre China e EUA

Washington e Pequim se esforçam para alcançar um consenso mínimo fora da agenda oficial

Vladimir Putin está há 18 anos no poder. Nenhum outro mandatário da cúpula G20 tem experiência comparável. Nem o mesmo cinismo ou a mesma habilidade para provocar e controlar conflitos, nem a crueldade quando se trata de exterminar adversários, nem a brutalidade bélica. Ao seu lado, opríncipe saudita Mohamed Bin Salman é um aprendiz. Putin, que parece ter iniciado uma nova fase em sua estratégia de devorar a Ucrânia, lança mão agora de seus talentos na reunião de Buenos Aires: vincula as sanções contra seu regime com o protecionismo, dedica uma efusiva saudação a Bin Salman (seu inimigo na Síria) e dá de ombros quando se fala da nova crise entre Moscou e Kiev. A cúpula do G20 iniciada na última quinta-feira, marcada pela guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e as divergências sobre a mudança climática, corre o risco de fracassar. É o ambiente de tensão em que Putin se sente à vontade.

A foto do Grupo dos 20 com a qual a reunião argentina começou mostra o príncipe Bin Salman relegado a um canto, junto com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e os primeiros-ministros da Austrália e da Itália. Cabe a ele exercer a função de rejeitado. A guerra com a qual ele assola o Iêmen (apoiado pelos EUA) e o assassinato em Istambul do incômodo jornalista Jamal Khashoggi (que os EUA consideram um assunto de menor importância) o transformaram num pária dentro da comunidade internacional. Trump o protege, mas prefere não se mostrar com ele numa atitude amistosa. Nessa mesma foto grupal, Putin posa impassível. Conhece bem os ritos e os truques desses encontros.

O príncipe Salman não recebeu outros abraços a não ser os do presidente argentino, Mauricio Macri, anfitrião e portanto obrigado, e os de Putin, seu inimigo no tabuleiro sírio (se é que se pode chamar tal matança de tabuleiro) e seu aliado ocasional no terreno energético. O francês Emmanuel Macron trocou algumas palavras com o príncipe saudita “sobre petróleo”, segundo o Palácio do Eliseu. Na verdade, foi um diálogo tenso, cheio de subentendidos (“você não me escuta quando falo”, “sou homem de palavra”) e sem nenhum sorriso. A primeira-ministra britânica, Theresa May, reuniu-se ontem à noite com o homem forte do regime de Riad. Segundo um porta-voz de Londres, May lhe expressou a necessidade de terminar com a guerra do Iêmen (um grande negócio para os fabricantes de armas europeus, com exceção dos alemães) e de “tomar medidas” para que “um incidente tão lamentável” quanto o brutal assassinato de Khashoggi não volte a ocorrer.

Donald Trump, evidentemente, está no centro dos conflitos mais graves. Isso é inevitável. Ele é o presidente dos EUA, e é Donald Trump. Quando embarcou no Air Force One com destino a Buenos Aires, Trump enviou um tuíte para anunciar que cancelava seu previsto encontro com Putin. O motivo, supostamente, era o ataque russo contra navios militares ucranianos e o sequestro de seus tripulantes. Mas há muito mais entre Trump e Putin. Continua avançando a investigação sobre a possível cumplicidade do Kremlin com a campanha eleitoral do hoje presidente dos EUA. E Trump, que em seu jogo amigo-inimigo com Moscou, utiliza instrumentos tão perigosos quanto os arsenais nucleares (retirou-se do desarme) e prefere não se exibir muito na companhia do presidente russo.

Trump também protagoniza um dos conflitos potencialmente letais para essa reunião: sua guerra comercial com a China, que já freou o crescimento econômico mundial. Mas, como prova de que nesses encontros supostamente igualitários mandam os de sempre, a questão comercial será resolvida – de maneira boa, ruim ou regular – fora do tempo: com o comunicado oficial já emitido, Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, se reunirão para jantar (salvo imprevistos) na noite deste sábado e decidirão por conta própria. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu e representante de um terço da economia mundial, proclamou na quinta-feira que a União Europeia (UE) promove o comércio livre e justo. Sua voz foi ofuscada pelo atrito entre as duas hiperpotências.

Trump não quer ouvir falar de mudança climática, e nessa disputa está sozinho. Até mesmo Xi se une, pelo menos verbalmente, aos que consideram necessário agir com urgência contra o aquecimento global. O presidente Macron procura liderar, no que se refere ao clima, o campo contra Trump.

O que se pode esperar da reunião plenária deste sábado e da declaração final? Os técnicos de Washington e Pequim se esforçam para alcançar um mínimo de consenso fora da agenda oficial. A anfitriã Argentina carece de autoridade moral para promover acordos, pois seu sistema tarifário é um dos mais impenetráveis do mundo. E Putin esgrime cinicamente o livre comércio como argumento para desqualificar as sanções econômicas com as quais os EUA e a UE o pressionam para que deixe de abocanhar território ucraniano: essas sanções, diz ele, são manobras protecionistas. Para saber se a guerra comercial continuará se agravando ou se terá uma trégua, será necessário esperar a noite este sábado, e bem tarde. Sobre o clima, haverá palavras vagas – se é que será possível encontrar palavras vagas o bastante para não irritar Trump. Os acordos menores (promessas para os países em desenvolvimento, renovação do sistema de cotas do FMI, reflexões sobre o futuro do trabalho e coisas do gênero) poderiam se transformar no mais relevante de Buenos Aires.

TEMER ACREDITA QUE GOVERNO BOLSONARO VAI CONTINUAR NO ACORDO DE PARIS

POR AGÊNCIA BRASIL

O presidente Michel Temer reafirmou neste sábado em Buenos Aires, durante a cúpula do G20, o compromisso do Brasil com o Acordo de Paris e disse acreditar que seu sucessor, Jair Bolsonaro, não romperá este entendimento. "Evidentemente que essas questões são levantadas, mas depois são equacionadas. Não vejo que não terão apoio [as questões climáticas e ambientais] do novo governo", disse após reunião da Cúpula do G20.

Temer informou ainda que as colocações do presidente da França, Emannuel Macron, questionando o compromisso de Bolsonaro com o Acordo de Paris, não foram tratadas na reunião do G20. "Apenas o presidente da França falou disso [fora da reunião], fazendo uma relação com os possíveis acordos [do Mercosul] com a União Europeia, mas não houve uma palavra aqui sobre isso" , disse. "Não creio que haveria modificação da posição brasileira [no Acordo de Paris]", enfatizou.

Em entrevistas, o presidente francês, Emmanuel Macron, condicionou o avanço do acordo entre a a União Europeia e Mercosul ao apoio do governo brasileiro ao Acordo Climático de Paris. Bolsonaro respondeu que não fará acordos internacionais na área de meio ambiente que prejudiquem o agronegócio. Entretanto, ele ponderou que a posição não é definitiva.


Míriam Leitão: Filmes de época

Crise na Argentina e atos de Trump cabem em filmes de época. A Argentina vive nos últimos dias cenas de um filme de época: congelamento de preços, ida ao FMI, crise cambial, os maiores juros do mundo. Nos Estados Unidos, os atos encenados por Donald Trump, também parecem filme antigo, com surtos de protecionismo e o conflito com o Irã de volta. No Brasil o dólar tem subido. Mas não é filme velho, é uma nova temporada da série.

O dólar está subindo no mundo inteiro em relação a várias moedas. Essa alta tem sido forte no Brasil. Mas, como disse o presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, no “Jornal das 10”, da GloboNews, o país está preparado para enfrentar as turbulências internacionais. O fato de Ilan ter demonstrado calma diante da volatilidade deixou alguns analistas nervosos. Achavam que ele deveria ter demonstrado mais preocupação e dado sinais de que vai continuar oferecendo operações de swaps para conter as altas.

No começo de 2016 o dólar valia R$ 4,00. Na época, o Brasil tinha perdido o grau de investimento e havia uma enorme incerteza sobre o governo Dilma. Depois disso, a cotação começou a cair. Agora voltou a subir. O câmbio a R$ 3,6 como estava cotado ontem é bem mais baixo, portanto, do que estava há pouco mais de dois anos. Períodos de altas e quedas são normais no câmbio flutuante. Sempre haverá temporada de elevação, por razões internas ou externas. A grande pergunta é que fragilidades o país tem quando está diante das oscilações de moedas.

A Argentina está com muitos pontos fracos e é por isso que começa a viver as velhas cenas de idas ao FMI, ou altas bruscas das taxas de juros para tentar conter a disparada do dólar. O presidente Mauricio Macri errou quando decidiu pelo ajuste gradual. Não conseguiu vencer a crise que herdou, e os avanços da conjuntura — maiores reservas, menor inflação, correção tarifária — vão se perder exatamente nessa crise na qual o país está vivendo situações que lembram o passado. A Argentina, como o Brasil, enfrentou nos anos 1980, 1990 e começo dos 2000 crises inflacionárias e cambiais. Lá, a alta do dólar tem elementos das crises do passado. Aqui, faz parte do contexto de oscilação cambial que sempre ocorre quando a incerteza no mundo aumenta. São movimentos de natureza diferente.

Nos Estados Unidos, desde a posse do presidente Donald Trump a sensação que se tem é de retrocesso. É como se a gente tivesse que assistir a filmes antigos de má qualidade. Ele tem surtos protecionistas de um primarismo que há muito tempo não se vê. A decisão de sair do acordo do Irã foi, na definição da embaixadora Susan Rice, ex-conselheira de Segurança Nacional, a “mais estúpida” possível, porque o país abdicou do poder de melhorar o acordo e não está claro o que os americanos têm a ganhar. Tudo o que se conseguiu foi dar argumentos para a linha dura iraniana. Os Estados Unidos ficaram isolados, porque a União Europeia tomou a decisão conjunta de permanecer e fortalecer o acordo. Empresas americanas perderão negócios já fechados, como a Boeing.

O problema de Trump não é apenas ele mesmo, mas a turbulência que pode causar no mundo. Sua política de liberar mais estímulos para uma economia já em pleno emprego e ao mesmo tempo elevar barreiras ao comércio contrata inflação, o que terá como consequência juros mais altos. E é esse cenário que o mercado de moedas está antecipando. Além disso, Trump cria pontos de estresse na política internacional.

Para nós, o que interessa é que o mundo está mais incerto e a Argentina, mais frágil. Isso sem dúvida nos afeta. A Argentina é o nosso terceiro maior parceiro comercial e destino de US$ 17 bilhões de exportação. As turbulências americanas, econômicas ou geopolíticas, afetam o mundo inteiro e podem provocar uma queda do crescimento mundial. O Brasil hoje está menos vulnerável que há três anos. No começo de 2015, o déficit em transações correntes era de 4,5% do PIB. Hoje, é de 0,38%. Um ponto fraco, porém, permanece: o enorme déficit das contas públicas.

Quando há velhos filmes em cartaz, o melhor a fazer é não repetir enredos antigos. O BC não tem que ficar nervoso porque o dólar sobe. Deve atuar quando for o caso. E a Fazenda tem que evitar, neste ano eleitoral, a piora das contas públicas.


Míriam Leitão: Transição argentina

A economia da Argentina está em recuperação e pode crescer 3% este ano e 4% no ano que vem. Isso explica em parte a vitória do presidente Mauricio Macri nas eleições do último final de semana. O ajuste promovido pelo governo já traz resultados concretos que começam a ser percebidos pela população. A recuperação do Brasil também tem ajudado, pelas fortes relações comerciais entre os dois países.

Assim como o Brasil, a Argentina vive um período de transição na economia. O governo Kirchner entregou o país com o PIB em queda, inflação alta e represada pela manipulação das tarifas públicas e falsificação dos índices de preços. Com Macri, a conjuntura piorou antes de começar a melhorar. No ano passado, o PIB afundou 2,2% e a inflação chegou a 41%, como resultado do ajuste promovido pelo governo. Este ano a economia voltou a crescer, mas lentamente.

Mesmo assim, há previsões de especialistas e economistas de bancos, como os do BNP Paribas, de um crescimento de 3% do PIB em 2017 e de 4% em 2018. O brasileiro Itaú Unibanco estima que a taxa de inflação poderá recuar para 22% e 16% nesses dois anos. Ainda longe da meta de 5% do governo, para 2019, mas claramente em tendência de queda. Outro ponto positivo de Macri foi ter reformulado o índice de preços, que hoje tem números com credibilidade. O governo kirchnerista fez uma intervenção no Indec e passou a manipular os índices econômicos.

Para Florencia Vazquez, economista do BNP Paribas na Argentina, a melhora dos indicadores já começou a ser percebida no dia a dia dos argentinos, ao contrário do que acontece aqui no Brasil.

— A situação que se vive hoje no Brasil, de ter indicadores melhores mas sem a sensação nas ruas, é a que se vivia na Argentina há seis meses atrás. A vitória neste final de semana é sinal de que isso está mudando. A recuperação foi guiada por investimentos, mas agora está mais focada no consumo e se espalhando por outros setores. Isso faz com que mais pessoas percebam a recuperação. A confiança dos consumidores teve alta de 20% nos últimos três meses — explicou Florencia em entrevista por telefone.

O melhor desempenho do Brasil também está ajudando a Argentina, diz Florencia, pelos fortes laços comerciais entre os dois países. A corrente de comércio está tendo um crescimento de 20% de janeiro a setembro de 2017, em relação ao mesmo período do ano passado. O Brasil está comprando mais produtos argentinos, e eles estão importando mais do Brasil.

Na política argentina, o fortalecimento do presidente Mauricio Macri é uma novidade. Por ter sido o primeiro presidente eleito que não é nem peronista nem radical, em 70 anos, havia dúvidas sobre sua capacidade de manter base de apoio. Por isso, e pelos planos da ex-presidente Cristina Kirchner de preparar sua volta ao poder, essa eleição parlamentar representava mais do que as cadeiras que eram disputadas na Câmara e no Senado da Argentina.

Se a ex-presidente tivesse tido uma vitória consagradora, seus planos se fortaleceriam. Mas sua eleição não convenceu. Ela disputou pela província de Buenos Aires, principal colégio eleitoral, mas ficou em segundo lugar, com 37% dos votos, e o candidato macrista Esteban Bullrich venceu com 41%. Vai para o Senado sem a força necessária para seus planos de volta. O peronismo conseguiu mandar para o parlamento três ex-presidentes — Cristina Kirchner, Carlos Menem e Rodriguez Saá — mas continua sem uma liderança que costure as muitas divisões do partido. Além da força de Macri, cujo grupo “Cambiemos” teve 40% dos votos nacionais, outra política sai fortalecida, a governadora da Buenos Aires, María Eugenia Vidal, que jogou-se na campanha de Bullrich num duelo com Cristina. Mesmo sem ser candidata, ela fez campanha como se fosse, como informou em O GLOBO de sábado a correspondente Janaína Figueiredo. Vidal pensa em voos mais altos.

Macri anunciou que continuará com suas reformas e vai reduzir impostos para estimular o crescimento. Dará novos passos no seu realismo tarifário, aumentando o preço da gasolina. E diz que tentará reduzir a pobreza que chega a quase 30%. Com isso, quer diminuir a resistência a algumas de suas políticas, como a de estabelecer um teto de gastos, semelhante ao aprovado no Brasil.

- O Globo

 


Sergio Fausto: Ainda é tempo  

Na Argentina o centro político se consolida. E no Brasil, para onde vamos?

A eleição de outubro na Argentina será um teste decisivo para o governo de Mauricio Macri. Está em jogo quase metade das cadeiras da Câmara e um terço do Senado. As pesquisas indicam que Cambiemos, a coalizão de partidos que apoia Macri, vencerá nos principais colégios eleitorais do país. Provavelmente a vitória não lhe dará maioria, mas o presidente ampliará em muito sua bancada nas duas Casas do Congresso. Com seu principal adversário abatido, o kirchnerismo, e sem uma oposição alternativa de peso, Macri evitará o destino de todos os presidentes derrotados nas eleições de meio de mandato (tornar-se um “pato manco”) e se projetará como favorito às eleições presidenciais de 2019. Trata-se de um fato inédito: pela primeira vez na Argentina, desde o surgimento do peronismo, um presidente não peronista chegará ao fim de seu mandato. E mais, com chances de se reeleger.

A provável vitória de Cambiemos não se explica pelo desempenho da economia. Em 2016, primeiro ano do mandato do atual presidente, o PIB argentino reduziu-se e a inflação aumentou, por força dos ajustes tarifários e da desvalorização cambial que Macri foi obrigado a fazer. Só agora o crescimento econômico começa a despontar. A popularidade de Macri manteve-se elevada porque ele conseguiu convencer a maioria dos argentinos de que a culpa cabia a Cristina Kirchner.

O cientista político Juan Germano, em exposição recente na Fundação Fernando Henrique Cardoso, sustentou a tese de que está em curso na Argentina uma mudança estrutural das preferências políticas e das identificações partidárias do eleitorado. Dividido internamente e diante de eleitores que, em sua maioria, nasceram depois da morte de seu líder icônico, Juan Domingo Perón, o peronismo declina e em seu lugar uma força política de centro começa a ganhar corpo: Macri e Cambiemos.

Germano reconhece que a consolidação dessa nova força política dominante não são favas contadas. Já a polarização peronismo versus antiperonismo, que marcou a história política argentina desde os anos 40 do século passado, parece mesmo página virada. Macri escapa a essa dicotomia, assim como a governadora da província de Buenos Aires, Maria Eugênia Vidal, uma política de primeiro mandato com índices de popularidade ao redor de 70%. Se a sustentação de uma força política depende da disponibilidade de sucessores à altura, Cambiemos, ao que tudo indica, está bem servido por muitos anos.

Diante desse quadro, salta aos olhos o contraste com a situação brasileira. Aqui o centro político está desarrumado, num quadro de alta fragmentação partidária, sem uma candidatura à Presidência que prevaleça naturalmente sobre as demais alternativas. O chamado “mercado”, a julgar pelos preços dos ativos, minimiza o problema. Aposta que a melhora da economia pavimentará o caminho para a vitória de um candidato de centro em 2018. Além disso, confia que a agenda de reformas, previdenciária à frente, se imporá inevitavelmente no próximo período presidencial.

O contraste com a Argentina ajuda a ver por que a reconstrução do centro político no Brasil é um problema mais complexo do que faz crer a leitura economicista do “mercado”. A diferença mais visível reside no fato de que a crise econômica, política e moral que atingiu o kirchnerismo nem sequer respingou nas forças políticas aglutinadas em torno de Macri. Aqui a crise que pôs fim aos governos do PT abalou também o centro político, atingido igualmente pela Lava Jato. Com a melhora da economia, os danos político-morais podem ser mitigados, mas não deixarão de ser profundos e duradouros.

Outra diferença diz respeito ao tempo transcorrido na reconstrução do centro político na Argentina, tempo de que o centro político brasileiro não dispõe até as eleições de outubro de 2018. Cambiemos é a decantação de um processo que teve início em 2005 com a fundação do Compromisso para el Cambio (depois renomeado Propuesta Republicana, PRO, o partido de Macri) e se desdobrou na eleição e reeleição do ex-presidente do Boca Juniors para à prefeitura da cidade de Buenos Aires em 2007 e 2011. Um ano antes das eleições presidenciais de dezembro de 2015, não restava dúvida sobre quem carregaria as bandeiras de uma política renovada e pós-ideológica.

No Brasil, a um ano das eleições, há muito mais interrogações do que certezas no centro do espectro político, seja em relação a nomes, seja em relação às ideias-força que deverão diferenciar uma candidatura e conectá-la com os sentimentos majoritários do eleitorado. Jogará o centro político a carta da condução segura e previsível da economia ou da renovação do establishment político, a da conciliação ou da polarização política, a da polarização com a direita ou com a esquerda? Claro que qualquer candidato, para ser competitivo, deve jogar com mais de uma carta, mas as mensagens principais não podem ser embaralhadas a ponto de confundirem o eleitor.

Ainda é tempo, porém, de reconstruir o centro político para as eleições. Macri não era o favorito um ano antes das eleições, e sim Sergio Massa, candidato do peronismo dissidente. A costura da aliança que o levou à Casa Rosada foi obra de ousadia e sabedoria política do então prefeito de Buenos Aires, da deputada Elisa Carrió, símbolo da intransigência contra a imoralidade pública, e do senador Ernesto Sanz, líder da velha União Cívica Radical, que deu a Macri a capilaridade territorial que seu partido não tinha.

A melhora da economia pode contribuir, mas a inteligência política e o desprendimento pessoal das lideranças são o que poderá oferecer à sociedade melhores escolhas para o próximo mandato presidencial. Não se trata de criar o candidato dos sonhos, mas de evitar o pesadelo de uma escolha de Sofia entre uma direita truculenta e uma esquerda populista.

* Sergio Fausto é superintendente executivo da Fundação FHC. Colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University. É membro do GACINT-USP