Luiz Sérgio Henriques

Maria Alice Rezende de Carvalho: ‘Reformismo de Esquerda e Democracia Política'

Em livro politicamente consistente e relevante, coletânea de artigos de Luiz Sérgio Henriques

Acaba de ser publicado um livro politicamente consistente, em dias de volatilidade e inconsistência nesse âmbito. Trata-se do Reformismo de Esquerda e Democracia Política, de Luiz Sérgio Henriques, colaborador frequente de O Estado de S. Paulo, que desde 2010, quando ainda não sopravam ventos tão sinistros, denuncia a fragilidade do conhecimento que a esquerda acumulou sobre nós mesmos e sobre o Brasil. E o faz sem dramaticidade, sem mobilizar o pathos que sempre espreita momentos liminares. A forma que Luiz Sérgio imprimiu à sua reflexão é a da crônica política - uma forma praticada por mestres do jornalismo, que consiste em se debruçar sobre o presente imediato para logo extrapolar essa limitação temporal e trazer à tona questões maiores e mais profundas, de que a conjuntura é apenas um sintoma. Texto maravilhoso, superfície sem crispações, sobre um fundo de temas árduos, que revolve antagonismos e disputas.

O livro contém 60 artigos selecionados entre outros tantos que Luiz Sérgio escreveu no período de 2010 a 2018. Eles foram organizadas cronológica e tematicamente, pois o autor conferiu a cada um desses anos o título de um dos artigos do período, revelando o andamento das suas preocupações ao longo do tempo.

Em 2010, por exemplo, ano em que Lula concluiu seu segundo mandato presidencial e se disse capaz de eleger um poste, destaca-se reflexivamente, para Luiz Sérgio, a narrativa fundacional com que o PT irrompeu na cena política e proclamou a nova história do movimento operário e do País - uma história desde baixo, movida por um partido que se concebe como expressão pura do social “contra a mediação representada pelas formas elitistas da política” (pág. 45). O título Que esquerda é esta? dialoga, então, com a ambivalência do PT em relação às instituições da democracia política e às mudanças processuais, incrementais, que podem advir do alargamento da base de massas do Estado Democrático de Direito. Para o autor, essa ambivalência e suas consequências práticas trazem riscos de retrocesso político, mesmo quando encarnada - ou até por isso - num novo cavaleiro da esperança.

Já em 2018, “quando os sinais de alarme soam com estridência” (pág. 291) anunciando a crise da democracia política tal como até então a conhecíamos, Luiz Sérgio arrola os traços dessa dinâmica em curso no mundo. Destaque-se, nesse passo, a perspectiva cosmopolita do autor, que atenua o provincianismo dos debates locais e situa nossas aflições brasileiras num mundo em profunda mutação. A eleição de Donald Trump, em 2016, é um desses traços, evidenciando a corrosão da coesão social norte-americana e a produção de um padrão de enfrentamento político que interrompe o processo de fortalecimento contínuo de pautas ambientais e de gênero, com impacto planetário.
Na Europa, os problemas não são menores; e mesmo a Itália, “de rica tradição de esquerda” (pág. 292), conhece a emergência majoritária da extrema direita, perante a qual o próprio Silvio Berlusconi pode ser tomado como um exemplo de moderação.

Mas é na América do Sul que as democracias constitucionais se encontram em avançado estado de degradação. O abandono da ideia de centro político; a aposta na contraposição entre povo e elites - essas elites compreendendo as “reacionárias classes médias”; a tentativa de se perpetuar no poder, cometendo, para isso, os métodos da burla marqueteira, da cooptação, da demonização dos adversários, para não mencionar a corrupção em escala transnacional, são algumas práticas que ali têm curso.

Na Bolívia, lembra o autor, contra o veredicto formal de um plebiscito, a manutenção do mesmo mandatário foi justificada pelo respeito que ele devota aos direitos humanos. E a crise humanitária na Venezuela é uma tragédia que desonra todas as esquerdas.

Portanto, não serão a divisão e o confronto que poderão reinventar a democracia política no subcontinente, o Brasil incluído.

Sob o título Karl Marx e o nosso tempo, os artigos de 2018 traduzem a crença de Luiz Sérgio em que no Ocidente - continente político em que nos situamos - a democratização do Estado como processo permanente, combinado com a auto-organização da sociedade, darão sentido e potência às democracias constitucionais, hoje sob o ataque de autoritários de direita e de esquerda.

Como se vê, o tema da democracia política - e do papel da esquerda para o seu aprofundamento - é o fio que perpassa os artigos selecionados. Neles, a despeito de reconhecer a tensão constitutiva do binômio democracia/esquerda, o autor reafirma a contribuição das lutas sociais e políticas para a ampliação das liberdades e para o ingresso da grande massa de excluídos no mundo dos direitos. Não há que falar, portanto, como ainda o faz parte significativa das forças de esquerda, em democracia burguesa, a que opõe a miragem insurrecional de ataque ao poder. Segundo o autor, a dicotomia direita/esquerda definitivamente não esgota os conflitos da vida social. E as sociedades contemporâneas, quando não são suicidas, têm aprendido a construir valores e instituições que relevam o bem comum. Por isso, a visão puramente instrumental da democracia e a atitude desdenhosa em relação ao caminho processual das reformas jamais estarão à altura dos desafios da hora.

Com esse livro extraordinário, cuja relevância é ainda mais visível no contexto em que nos encontramos, Luiz Sérgio Henriques não apenas requalifica seus predicados como pensador da cultura e da política contemporâneas, como fixa um caminho programático para todos aqueles que entendem ser indispensável a renovação da esquerda brasileira para a consolidação e dignificação da nossa democracia política.


Luiz Sérgio Henriques: A degradação do discurso público

A democracia está sob cerco dos autoritários que não nos permitem menosprezar os riscos

Não é simples nem alentador examinar termos e condições do discurso público neste momento, e não só no Brasil. Numa época de intensa transformação, como poucas o foram, o medo do futuro se instala, a capacidade de governo e autogoverno diminui até parecer negligenciável, atitudes irracionais se espalham como chamas, quando não são irresponsavelmente atiçadas. As formas da democracia, que demandam certa dose de confiança para florescer, veem-se sob ataque frontal. Há quem diga que a ameaça, agora, vem da extrema direita, como antes vinha do que podemos chamar, num só bloco, de comunismo – ou melhor, a forma assumida pelo comunismo histórico, ao relegar a segundo plano uma relação positiva com as liberdades próprias do liberalismo.

Não é hora de meios-tons, nuances e sutilezas. Pulsões extremistas parecem soltas ao redor. A esfera pública se enche de narrativas e discursos de ódio. Pode ser que uma esquerda algo desorientada se tenha extraviado, nestes tempos pós-modernos, em reivindicações identitárias parciais, abandonando a dimensão universalista que sempre caracteriza as fases de avanço civilizatório e fornece o porto seguro para a ampliação dos direitos das minorias. Registrada esta crítica, deve-se logo após apontar que muito mais perigosos são a ação e o discurso de quem, detendo substanciais recursos materiais e simbólicos, leva adiante sua própria e feroz política de identidade. Donald Trump é o patrono mais em evidência da causa, mas também aqui, no Brasil, já se ouvem opiniões bizarras que clamam contra a opressão de que seriam vítimas, sabe-se lá onde, homens brancos e heterossexuais.

Uma característica recorrente do discurso público tem sido, nele, a falta de um componente de catarse. A palavra tem ressonância clássica e diz respeito ao efeito de purificação sofrido pelo espectador da tragédia. Um nobre efeito, portanto, extraído da experiência de terror e medo posta em cena pelos grandes trágicos. Na psicanálise, muitos séculos depois, a catarse viria a indicar um trajeto de cura, quando o sujeito vê aflorar à consciência, em meio ao sofrimento, conteúdos reprimidos e fora de seu controle. Um processo de crescimento individual, de domínio racional sobre forças e motivos antes desconhecidos.

Na política, a catarse também seria mais tarde ressignificada para designar um percurso aberto para grupos sociais e políticos mais amplos: uma classe social, um partido e até um Estado. O conceito aqui é relativamente menos difundido, mas vale a pena nos determos um pouco sobre ele, dado o caráter essencial que adquire como garantia de convivência civil e possibilidade de encaminhar o conflito de indivíduos e grupos sociais.

Sem a catarse – adverte-nos Antonio Gramsci, o pensador que melhor estudou o conceito – forças políticas não conseguem superar o estágio mais elementar de sua razão de ser. Dão voz, quando muito, aos motivos econômico-corporativos, que podem até se justificar num plano material imediato, sem que permitam elaborar mediações políticas e culturais sofisticadas, capazes de convencer aliados e, mais ainda, persuadir o conjunto da sociedade a seguir um determinado rumo melhor para todos, não apenas para uma força em particular. Tal elaboração é um processo complexo, requer a ativação de ingentes recursos intelectuais, bem como a capacidade de superar egoísmos particularistas e de se mover em campo aberto.

No tempo de Gramsci havia uma conexão bem mais direta do que hoje entre partido e referente social, entre grupo político e grupo econômico. Uma conexão que dava certezas ora insustentáveis, como a existência da classe universal dotada de um programa para abolir toda a sociedade classista. Como se sabe, na sociedade líquida em que estamos imersos, tal relação se atenuou ou mesmo, quem sabe, se perdeu. Indivíduos, agora, contam como nunca, contam tanto ou mais do que os grupos sociais, e é preciso saber a linguagem dos direitos para levar adiante a boa luta dos nossos dias. Mais até do que naquela já distante modernidade gramsciana, a catarse implica, sobretudo, renúncia à força e à violência como princípio lógico de pensamento e mola propulsora da ação, ainda que em torno de nós sejam em tão grande número os cultores do ódio, da discriminação e da violência.

Com efeito, entre nós e um pouco por toda parte está a democracia sob cerco dos autoritários – de direita ou de esquerda –, que não nos permitem baixar a guarda e menosprezar os riscos. O discurso público reflete agudamente esse cerco e nessa história não há inocentes. Em nosso país, sob a capa de um radicalismo primitivo houve, antes, a virulência das corporações em defesa de antigos e novos privilégios. A catastrófica divisão da sociedade nada teve de revolucionário, nem no antigo sentido da palavra “revolução” nem no novo, que ainda não se conhece, mas, com certeza, dispensará a violência. Não houve a criação de conceitos ético-políticos, a busca de consensos amplos, a proposição de avanços coletivamente experimentados como tais.

E a reação, como era previsível, não iria fazer-se esperar. Já agora, entre outros sinais, uma violência simbólica inusitada – que é preciso apreender em toda a extensão para dela nos distanciarmos – reside na ameaçadora coreografia de fuzis em posição de tiro que capturou a imaginação e a vontade de tantos cidadãos, na expectativa de uma redenção pela submissão a um mito irracional. Nenhum refinamento ou elaboração catártica, mas, sim, a proposição da força em lugar do pensamento, a destruição da razão em lugar da sua primazia.

O jogo, contudo, não está jogado e não termina neste outubro. Homens e mulheres razoáveis de todos os quadrantes estamos chamados a tecer novos enredos e narrativas – em interminável diálogo plural, como doravante haveremos conscientemente de fazer.


Livro de Luiz Sérgio Henriques discute reformismo da esquerda e democracia

Às vésperas das eleições, obra traz análises do contexto político contempladas em artigos publicados pelo autor no jornal Estado de S. Paulo

Por Cleomar Rosa

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) vai lançar, nesta segunda-feira (24/09), o livro Reformismo de Esquerda e Democracia Política (Verbena Editora), do pensador e integrante do conselho consultivo da instituição Luiz Sérgio Henriques. O evento será realizado, a partir das 18h30, no Restaurante La Fiorentina, em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ).

A obra, que será lançada em um período de intensa turbulência política e polarizações partidárias no país, reúne artigos publicados por Luiz Sérgio, entre 2010 e 2018, no jornal O Estado de S. Paulo. No livro, o autor explica, com detalhes, o panorama da esquerda ocidental e sua relação com a sociedade brasileira.

Considerado um dos pensadores mais refinados do país, o autor aborda o tema fazendo profundas análises do que é a própria esquerda. Além disso, entre outros pontos, ele mostra a relação dela com aspectos de política e cultura, faz uma leitura a partir da perspectiva socialdemocrata e elenca as aproximações entre Itália e Brasil.

A obra também contempla análises de corrupção e instituições, assim como comportamentos de indignação. “Hoje, a indignação dos jovens – e não tão jovens – merece tornar-se força transformadora e capacidade hegemônica, o que só é possível através de uma democracia renovada por atores comprometidos com um explícito regime de liberdades”, diz um trecho.

Ao longo de 303 páginas, o livro apresenta, ainda, análises críticas sobre a inflação brasileira ao longo de 2014, o comunismo e o PT, assim como ponderações sobre o que o autor chama de “déficit da esquerda.”

Outro ponto fundamental é que o livro discute a Lava Jato, partidos e democracia. “Difícil calcular, ainda, o impacto e o alcance de uma operação como a Lava Jato não só sobre usos e costumes como também sobre o sistema partidário, este elemento central da vida democrática”, diz outro trecho.

Em seu livro, Luiz Sérgio também observa que PT e PMDB “não são agremiações irrelevantes.” Na avaliação dele, o PT “corporificou majoritariamente a ‘nova esquerda’ tal como construída no País redemocratizado”, enquanto o PMDB “constituiu o instrumento decisivo para a derrota do regime militar, manteve capilaridade em todo o território, mesmo depois do desaparecimento de suas lideranças históricas e de sua evidente involução programática.”

Em uma das apresentações da obra, o professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Rubem Barboza Filho destaca que Luiz Sérgio é, além de pensador de esquerda, “um dos mais lúcidos e sofisticados intelectuais brasileiros.” Para ele, a relevância do livro se confirma, sobretudo, pelo momento político no Brasil.

De acordo com Rubem, a esquerda tem o seu “movimento pedagógico, dirigente e criativo” a ponto de ser imprescindível para a democracia, com suas regras, alternância de poder e a grande missão de garantir proteção aos mais fracos “perante um capitalismo globalizado e também impiedoso.”

No prefácio, o professor de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marco Aurélio Nogueira, destaca o “estilo precioso” de Luiz Sérgio. Segundo ele, o texto “elegante e provocativo” ajuda o leitor a pensar sobre a cultura atual “em suas inflexões mais à esquerda ou mais liberais, e sobre a política que se desfaz e se refaz por obra da complexidade e da velocidade.”

Luiz Sérgio Henriques também é um dos principais tradutores das obras de Antonio Gramsci no país, edita o site Gramsci e o Brasil e a página Esquerda Democrática (que podem ser acessados em www.gramsci.org e https://www.facebook.com/esqdemocratica, respectivamente).


Luiz Sérgio Henriques: A má política dos mitos

Vivêssemos a polarização da guerra fria, a crise brasileira já teria tido um desfecho previsivelmente catastrófico

Vivêssemos a polarização da guerra fria, a crise brasileira já teria tido um desfecho previsivelmente catastrófico. É duvidoso que os atores do passado pudessem ter plena consciência do que faziam, mas o fato é que, falso ou verdadeiro, o fantasma do comunismo, ou da República sindicalista, foi mais do que suficiente para mobilizar nesta parte do mundo uma violenta reação em 1964, assim como em outras partes, como na Hungria de 1956 ou na Checoslováquia de 1968, forças de sinal contrário se impuseram, esmagando resistências e impondo soluções igualmente repressivas.

Bandeiras vermelhas ou gestos do comunismo, como o punho fechado, podem até continuar presentes, mas serão expressões sobretudo retóricas, ainda que possam prenunciar autoritarismos de tipo diferente dos do passado, que eram ou pretendiam ser “totais” em sua oposição ao mercado e à democracia “burguesa”. Um subperonismo será sempre possível e merecerá combate aberto de quem preza as liberdades, mas deve-se reconhecer que não há propriamente componente antissistêmico no petismo.

Daí que não haja nenhum paradoxo no fato de que a força de Lula, consolidada em um terço do eleitorado, derive fundamentalmente de um amplo – e em si mesmo razoável – programa de extração neoliberal, que abrange dezenas de milhões de compatriotas prisioneiros da miséria. Como é do conhecimento geral, o governo “golpista” não o extinguiu e não se vislumbram forças que queiram fazê-lo. Por isso mesmo, é irrazoável, aí, sim, que tenha servido para a construção do potente mito lulista, em vez de ser tomado como política pública do Estado democrático, com as qualidades e os defeitos de qualquer política.

Em que pesem as grandes mudanças do novo século, esquerda e direita não são posições inúteis ou anacrônicas, embora possam perfeitamente se comportar como tal. Na grande crise de agora, uma parte considerável decorre de escolhas do ator e da fragilidade de seu repertório. No caso do PT, a escolha do populismo, traço muito presente na tradição latino-americana em seu conjunto, representou pesada hipoteca, a implicar a identificação do líder (yo, el supremo) com o povo-nação, a desqualificação das oposições e o desprezo pelas mediações institucionais.

A degradação em larga escala do Parlamento – como o atestou há alguns anos o julgamento da correspondente ação penal pela Suprema Corte – esteve incluída nessa escolha. A sofreguidão para construir narrativas “heroicas”, como aquela que viu o impeachment de um mau governo como “golpe”, lançou raízes insólitas. Afinal, o golpe teria prosseguido com os subsequentes problemas judiciais do homem providencial, a quem seria lícito, entre outras coisas, adotar uma atitude de confronto permanente com o Judiciário e qualquer sujeito ou instância que considere “golpista” ou responsável por seus males.

O anacronismo petista não ficaria sem consequências. Mito por mito, a extrema direita também pode muito bem construir o seu, em sintonia com as pulsões radicais que passaram a percorrer o mundo a partir de Donald Trump e de várias forças nacionalistas europeias, anteriormente à margem da política de seus países. Múltiplas e variadas têm sido as explicações para a ascensão desse tipo de político no coração de democracias seculares e aparentemente protegidas da demagogia populista de direita, com suas conotações racistas, xenófobas e culturalmente regressivas. Insiste-se bastante, por exemplo, no apoio de massas que hoje consegue obter a defesa da economia nacional enfraquecida com as deslocalizações industriais, a livre movimentação dos fatores de produção e outras características do globalismo economicamente liberal.

O mito brasileiro da extrema direita tem uma trajetória compatível com esse quadro. Observado ao longo de sucessivos mandatos sem maior brilho, o que por si só deveria embaçar o rótulo de alheio à “casta” dos políticos, a nova figura mítica tem um desempenho que a enquadra na falange direitista do nacional-estatismo, salvo conversão de última hora ao ultraliberalismo do hipotético ministro da Fazenda que apresenta aos mercados. Na verdade, a recentíssima pregação ultraliberal, além de se chocar com os sinais de origem do candidato, promete-nos a construção de “uma grande sociedade aberta”, tomando como alvo uma suposta hegemonia social-democrata a partir de 1988.

Em função dessa promessa se segue pelo menos uma segunda contradição. Não há como dissociar a extrema direita nacional das manifestações análogas que varrem o Ocidente democrático. Traço distintivo de todas elas, naturalmente adaptado às situações locais, é uma orientação cultural retrógrada. A estratégia é semelhante em todos os casos: trata-se de contestar com histrionice, mobilizando os medos alojados no senso comum, as situações mais extremas e indesejadas produzidas pelo “politicamente correto”.

De fato, a correção política, decorrente da mistura global de pessoas e culturas, pode ser instrumento valioso de convivência ou derivar para a reivindicação de identidades exclusivas, em permanente conflito. Fácil demais explorar essa fragilidade, apresentando um imaginário mundo hierarquicamente ordenado em termos de raça, gênero e classe, que liquidaria a diversidade e o próprio conflito. A dificuldade é compatibilizar a retórica autoritária própria de tal estratégia com a grande sociedade aberta, tolerante e pluralista, em torno da qual todos nos poderíamos reunir.

Organizar a política na forma de mitos tem sido uma característica moderna, exponenciada numa época, como a nossa, que parece requerê-los com fúria e intensidade. Podem até ser inevitáveis em certa medida, mas, sejam quais forem as ideologias envolvidas, abandonarmo-nos a eles de modo imprevidente significa abrir as portas para o fanatismo que hoje costuma ser metodicamente organizado.


Luiz Sérgio Henriques: Karl Marx e o nosso tempo

O filósofo agora parece readquirir o poder de inspirar uma visão do ‘presente como história’

Benedetto Croce, de quem se dizia ser o “papa laico” da cultura italiana e o líder intelectual do liberalismo europeu na primeira metade do século 20, costumava afirmar, apesar de seu proclamado laicismo, que “depois de Cristo todos somos cristãos”. Tratava-se de uma forma refinada de admitir o que havia de efetivamente universal no cristianismo do Novo Testamento, que interpelava a consciência de todos os homens, mais além dos círculos de proximidade tribal ou territorial. Segundo Croce, querendo ou não, a partir de então passamos a ver o mundo como cristãos, como de resto ainda o vemos, independentemente de fé ou adesão a qualquer visão transcendental do mundo.

Essa percepção não vale só para um fenômeno tão extraordinário quanto a vinda de um Deus. Pensadores notáveis, radicalmente terrenos em sua busca de explicações para os fatos da vida, à sua maneira também deixaram uma marca da qual nem sempre nos damos conta, mas que está presente no espírito do tempo, moldando juízos e modos de ver até do homem comum. Karl Marx, por exemplo, cujo bicentenário ora se celebra, é um desses homens notáveis, cuja obra múltipla, fragmentada e contraditória, nascida no calor da revolução industrial movida pela máquina a vapor, parece ter sobrevivido a regimes políticos despóticos que, ainda por cima, não raro o trataram como uma espécie de oráculo infalível ou moderna divindade, capaz de resolver de uma vez por todas o enigma da História.

Inscreve-se nessa tradição desafortunada o discurso de Xi Jinping, o líder máximo chinês, por ocasião da solenidade em Beijing. O marxismo – ou melhor, uma de suas inúmeras versões burocraticamente definidas – aparece como o recurso de legitimação possível num país cujo ritmo espantoso de crescimento tem definido em grande parte a globalização, ao mesmo tempo que deixa em seu rastro índices não menos consideráveis de desigualdade. Para os que apreciam medidas objetivas, a desigualdade chinesa hoje se situa em nível comparável ao dos Estados Unidos, o que repõe como atual o pensamento de Marx nas duas circunstâncias, desde que tomado criticamente e, portanto, afastado de qualquer ideia grosseiramente igualitária da vida social.

Esse, aliás, é um ponto curioso a ser anotado em nossa época de contraposições entre opostos e combinados doutrinarismos. O Manifesto Comunista – que também passa por uma dessas datas redondas, publicado que foi em fevereiro de 1848 –, sem delinear a sociedade futura, imagina-a, contudo, fundamentada no livre desenvolvimento de cada indivíduo e só a partir daí concebe o livre desenvolvimento de todos. Esse caráter fundador da liberdade individual esteve evidentemente sufocado nas diversas experiências do socialismo real. E, se na China contemporânea vigora a liberdade do Homo oeconomicus, dando um poderoso sopro de vida aos “espíritos animais” do mercado, a esfera política continua sob o controle rígido do partido-Estado e seus “sacerdotes”. E como sempre nesses casos, o que se pode prever é uma crescente e insustentável distância entre a realidade das coisas e a retórica oficial, cada vez mais vazia e ritual. Em algum momento aquela realidade cobrará seus direitos.

O Manifesto, como já assinalado por vários estudiosos, contém passagens inteiras que, sem nenhum esforço de falsificação, soam como apologia do mundo que o capital criou e só hoje se explicita aos nossos olhos em sua unidade repleta de problemas. Nenhuma condescendência com as formas idílicas e pastoris de um passado supostamente livre de dilaceramentos. Nenhum espaço, portanto, para qualquer forma de “anticapitalismo romântico”, e terá sido esse um dos motivos pelos quais soluções buscadas em Marx – num certo Marx – seduziram os países atrasados, como a Rússia de 1917 e a China de 1949, que se viram como os “elos fracos” de uma cadeia mundial e enveredaram por caminhos – de fato, extremamente autoritários – de chegada ao mundo moderno, urbano e industrial.

Em tais contextos se potencializaram as carências políticas da teoria marxiana, presa como estava à ideia de uma classe universal que, por meios violentos, subverteria a ordem dominante, colocando em seu lugar, mais ou menos aceleradamente, uma sociedade sem classes e sem Estado – mas com um único partido de estrutura vertical, vocacionado para o controle material e ideológico. Nas sociedades atrasadas, assim, autocracia e acumulação primitiva deram-se as mãos. E todos seriam marxistas ou, mais apropriadamente, fingiriam ser.

Contudo nas sociedades avançadas do Ocidente, mesmo sem ter inicialmente uma noção elaborada das formas da política, o movimento operário, apoiando-se numa leitura “revisionista” do legado do filósofo, acabou por ampliar significativamente a base de massas dos Estados liberais, enriquecendo-os com novas e poderosas figuras que vigoraram por todo o século passado, a exemplo dos sindicatos e dos partidos social-democratas. Essas figuras, entre outras, deram força e sentido às modernas democracias constitucionais, hoje sob ataque concentrado de autoritários de direita e de esquerda.

Houve quem afirmasse, em outra circunstância igualmente hiperideologizada, que Marx e o marxismo constituiriam o horizonte insuperável do nosso tempo, a base de uma futura civilização integral. Décadas se passaram, mudou a estrutura do mundo, ruiu a maioria dos regimes que diziam encarnar a doutrina do filósofo. Este, agora, parece readquirir o poder de inspirar uma visão do “presente como história”, contribuindo, sem exclusividade, para desbloquear a imaginação social. Mas há uma novidade: o horizonte insuperável do tempo só pode ser o Estado Democrático de Direito, que contém em si as regras – inclusive procedimentais – que devem ser plenamente assumidas por uma esquerda que saiba aprender, ou reaprender, a conjugar liberdade e igualdade.


FAP Entrevista: Luiz Sergio Henriques

Um dos grandes males da política nacional brasileira é a atual polarização da sociedade, avalia Luiz Sérgio Henriques

Por Germano Martiniano

O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta. Com uma ampla participação em jornais e revistas associados ao velho PCB, como Voz da Unidade e Presença, na Fundação Astrojildo Pereira dirige a coleção Brasil & Itália, que trouxe para o público brasileiro livros inéditos de Giuseppe Vacca, Silvio Pons e outros. Coeditou, com Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, as Obras de Antonio Gramsci, lançadas pela Editora Civilização Brasileira. Há vários anos é colaborador regular de O Estado de S. Paulo. Edita o site Gramsci e o Brasil e a página Esquerda Demócratica (que podem ser acessados por meio dos links www.gramsci.org e https://www.facebook.com/esqdemocratica, respectivamente). Esta entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Para Henriques, um dos grandes males da politica nacional brasileira atualmente é a polarização da sociedade. “Aos poucos perde-se a noção, absolutamente essencial, de que pode haver um bem comum, nutrido, evidentemente, por ideais de liberdade e níveis menos escandalosos (bem menos!) de desigualdade social e regional. A recuperação da ideia de bem comum deveria ser a tarefa essencial de todos os democratas, sem maiores distinções”, avalia.

A democracia está sob ataque, no cenário internacional, acredita Luiz Sérgio Henriques. “A Europa do compromisso social-democrata sofre um assédio dos dirigentes ditos 'populistas', Evidente, ainda, a crispação dos Estados Unidos sob Trump, que parecem recuar desordenadamente para o interior das suas fronteiras e abdicar das instituições multilaterais que ajudaram a formar, em primeiro lugar a ONU”, avalia o especialista em Gramsci.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Luiz Sergio Henriques:

FAP - O jornalista William Waack, nesta semana, escreveu um artigo que analisa a pobreza do atual debate político brasileiro que, praticamente, se restringe ao tema da corrupção, mas que se preocupa muito pouco com outras questões essenciais a sociedade. O senhor concorda com essa visão e quais seriam as questões essenciais a serem debatidas?
Luiz Sergio Henriques - Pode-se evidentemente ter uma visão pobre sobre o problema da corrupção, supondo que ela seja o tal câncer que corrói a nação, superado o qual nos tornaríamos uma Escandinávia dos áureos tempos. Tradicionalmente, a esquerda chamou esta visão de "udenismo", um moralismo convencional e muitas vezes hipócrita. Mas a pegada udenista não é a única possível. Há problemas de moralidade pública quando um partido de governo ocupa a máquina pública com a ideia de se autorreproduzir indefinidamente, pelo menos em princípio. Ou quando, inversamente, um partido de oposição se comporta de modo irresponsável, educando ou deseducando os seus seguidores com exigências radicais, que não poderá satisfazer uma vez no governo. A correta relação com as instituições, o tema do bom governo, o ativismo governamental em favor dos mais desfavorecidos, com boas e eficientes políticas públicas – nada disso é udenismo. Recordo que outrora o petismo se considerava o monopolizador da ética na política. À luz do que aconteceria depois, podemos dizer que se tratava de uma versão particularíssima do udenismo, que não resistiria ao contato com a vida real.

O ex-presidente Lula teve mais um recurso de defesa negado pelo TRF-4, em Porto Alegre, nesta última semana. O Partido dos Trabalhadores e seus simpatizantes continuam com o discurso de que Lula é um preso político. Como o senhor avalia esse discurso?
Saímos de uma ditadura de fato em 1985. Embora haja novas e novíssimas gerações que não viveram aquele pesadelo, todos sabemos muito bem o que é um preso político, o que é a tortura, o exílio, o morto sem sepultura. Acostumamo-nos, por exemplo, a ler os relatórios de ONGs que respeitávamos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, que faziam a denúncia global dos crimes e arbitrariedades políticas aqui cometidos. Nada disso está presente hoje. Os relatórios internacionais falam (e devem mesmo falar) das nossas infelizes chagas "costumeiras", como os 60 mil assassinatos anuais, a violência policial, a violência contra os bons policiais, os cárceres desumanos, mas não denunciam nenhum regime ditatorial, nem poderiam. O ex-presidente Lula, tal como Eduardo Cunha ou Sérgio Cabral, é apenas um político preso, por mais que conte com uma massa considerável de adeptos e seguidores mais ou menos convictos que jurem de pés juntos que ele é um perseguido. Existe em nosso país a separação plena de poderes, o Judiciário não é um ramo subordinado a partidos ou governos. Sem fazer qualquer juízo de mérito, constato que o Executivo tem à frente um político extremamente impopular, que não teria a mínima força para dar um golpe ou um autogolpe e instaurar um regime de exceção. As Forças Armadas comportam-se nos termos constitucionais. Elas se atualizaram e até participaram de missões em defesa dos direitos humanos, como no Haiti, sob a bandeira da ONU. Não há mais a guerra fria, apesar da polarização desastrada que atravessa a nossa sociedade. O calendário eleitoral não pode ser rasgado e há plena liberdade de organização partidária, como é natural que haja quando comemoramos os 30 anos da nossa mais avançada Constituição.

Em seu último artigo, o senhor citou que nenhuma sociedade poderia superar suas contradições mais agudas dividida em “metades inconciliáveis”. O Brasil atual, inflamado pelo discurso petista e também de Bolsonaro, vive grande polarização política. Como acabar com essa divisão?
A divisão de uma sociedade ao longo de linhas mais facciosas do que partidárias é uma maldição. Aos poucos perde-se a noção, absolutamente essencial, de que pode haver um bem comum, nutrido, evidentemente, por ideais de liberdade e níveis menos escandalosos (bem menos!) de desigualdade social e regional. A recuperação da ideia de bem comum deveria ser a tarefa essencial de todos os democratas, sem maiores distinções. Como estamos situados numa determinada faixa do espectro político, que é a esquerda, pessoalmente gostaria que esta mesma esquerda, ou sua parte majoritária, assumisse um papel de protagonista na construção e consolidação do terreno comum. Isto simplesmente não foi possível com o lulismo e o petismo, que se articulou em torno de esquemas simplórios, como aquela terrível imagem de “casa grande” e “senzala”. Seriam escravocratas, homofóbicos, xenófobos ou misóginos – em suma, moradores da casa grande – todos os não-petistas e mesmo os antipetistas, o que está muito distante de corresponder à realidade. Ou, para falar a verdade, significa uma monumental distorção dos fatos. Basta olhar ao nosso redor e ver que, fora dos limites estreitos da militância e do fanatismo, há pessoas sensatas, razoáveis, que se preocupam com o futuro delas e do país. E estas pessoas são a maioria. A grande política, hoje, significaria dar voz a elas, na multiplicidade de suas exigências e demandas, relegando às margens os incendiários de todo tipo. Esta maioria abomina a extrema-direita truculenta que alguns hoje querem “normalizar”.

Outro ponto de destaque em seu artigo foi que “nenhuma esquerda podia mais pôr em questão, para se credenciar a um papel dirigente, a dialética democrática”. O senhor acha que o PT, mesmo com a prisão de Lula, ainda representa uma ameaça à esquerda democrática brasileira, e em um sentido mais amplo, à democracia brasileira?
Dirigir um país é ter políticas e programas para todos. É buscar exaustivamente o consenso ativo dos governados, recomeçando a cada dia esta tarefa interminável. É falar a verdade, dar explicações constantes e, de repente, aprender. É preciso ter um alto sentido de Estado e das suas instituições. Agir no parlamento e em todos os demais fóruns como um fator de modernização, participação e transparência. Como, a meu ver, não temos nenhuma outra bússola a não ser a Constituição de 1988, fico incomodado quando em reiterados documentos oficiais o principal partido de esquerda volta a defender assembleias constituintes inteiramente extemporâneas. Há poucos dias um de seus notórios representantes apregoou "o fechamento do STF", o que me parece de um sectarismo sem par, que não ficaria deslocado na boca de algum porta-voz daquela extrema-direita que mencionei. Por ocasião dos acontecimentos de 2005, o "mensalão", houve vozes dentro do PT que falaram em refundação do partido. Vozes fracas, é verdade, mas houve. Nestes últimos meses tenho tentado observar movimentos, mesmo mínimos, na direção de uma autocrítica e de uma vontade de dar início a uma reflexão menos precipitada sobre a política e sobre o nosso país. Em algum momento, o PT terá de enfrentar esta realidade e ver a sua própria cara no espelho, sem condescendência de nenhum tipo. Hoje o partido parece perdido entre a agressividade e o instinto de defesa a qualquer custo. Isto não anuncia nada de bom nem para o partido nem para o nosso país.

Quais partidos políticos representam, atualmente, no Brasil, uma esquerda democrática e qual deve ser o papel dos mesmos?
Não gostaria de citar este ou aquele partido até pelo quadro extremamente caótico do sistema. Praticamente todos os partidos, uns mais, outros menos, estão sendo atingidos pelas múltiplas investigações em curso, o que não deixa de ter o seu lado extremamente perigoso. Afinal, não custa lembrar que não há democracia sem partidos. Agiram e continuam a agir fatores muito potentes de desagregação. Limito-me a citar a espantosa janela de infidelidades, que, efetivada a poucos meses das eleições gerais de 2018, quis “corrigir" o resultado das urnas de 2014, fazendo com que detentores de mandato mudem de sigla até mais de uma vez ao sabor dos leilões do fundo partidário e eleitoral. Há muitas razões, assim, para o cidadão não sentir um vínculo maior com o deputado que deveria ser "seu", mas não é. Há bons deputados espalhados nas várias agremiações de centro-esquerda e centro-direita, e será interessante ver em ação os novos mecanismos "centrípetos" recentemente aprovados, como a cláusula de desempenho e, mais à frente, a proibição de coligações nas eleições proporcionais. Haverá incentivo para que iguais e afins se juntem em grupos mais consistentes, interrompendo a lógica de criação indefinida de simulacros de partidos. Não se consegue implantar um sistema pronto e acabado, como num experimento controlado em laboratório, mas é evidente que ainda estamos longe de resolver o tema crucial do financiamento das atividades partidárias. Ele deve ser público, privado ou uma mistura de ambos? Na época digital, limites de custos de campanha e controle dos recursos empregados se tornam uma imposição. Não é possível que a política seja uma alavanca para a riqueza privada daqueles que vivem da política, não para a política. Já num plano mais substantivo, é de se esperar que as novas agremiações que resistirem ao teste da barreira mínima de votos e da proibição de coligações se tornem menos ideológicas e mais programáticas. Nunca houve nem haverá uma só solução para cada um dos nossos imensos desafios, e é fundamental que os partidos, em número bem mais contido do que os de hoje, saibam elaborar as diferentes soluções possíveis a partir da diversidade de interesses que existem na sociedade. Convém lembrar, contudo, que sairá vencedora aquela condensação de interesses que se elevar até o plano geral, rompendo o egoísmo e o corporativismo. Um desafio para uma futura esquerda renovada.

O conflito na Síria, além de colocar em choque grandes nações, também evidencia ainda mais o advento de governos autoritários, além de discursos hostis. A democracia no ocidente está em risco? O senhor considera a possibilidade de outra grande guerra?
A democracia política é um conjunto de valores e instituições herdados do liberalismo clássico e progressivamente ampliados pela ação de classes e setores subalternos, ao longo de séculos de lutas muitas vezes duríssimas e até cruentas. O sufrágio universal, por exemplo, não foi o resultado de belo sonho de uma noite de verão. Muito menos o sindicalismo autônomo e a própria forma-partido. Por isso, é fácil perceber que a democracia é um patrimônio coletivo que permite o desenvolvimento da política como persuasão, como consenso, como luta social muitas vezes áspera, mas dentro de parâmetros definidos, sem descambar para a guerra de todos contra todos. Este conjunto de regras está hoje sob ataque. A Europa do compromisso social-democrata sofre um assédio dos dirigentes ditos "populistas", com sua capacidade preocupante de dar uma resposta – por mais ilusória e regressiva que possa ser – ao desenraizamento trazido pelo fenômeno perturbador da globalização. Evidente, ainda, a crispação dos Estados Unidos sob Trump, que parecem recuar desordenadamente para o interior das suas fronteiras e abdicar das instituições multilaterais que ajudaram a formar, em primeiro lugar a ONU. Na América Latina, não foram poucas as ameaças trazidas pelo bolivarianismo, cujo projeto de "socialismo do século XXI", essencialmente autoritário, contribuiu para desonrar uma vez mais os conceitos de esquerda e de socialismo. Ao mesmo tempo, vivemos possibilidades imensas, com o avanço da ciência, a transição energética e a revolução nas tecnologias de comunicação e informação. Todo e qualquer progresso traz em si novos dilemas éticos, que nem sempre conseguimos formular e decifrar no calor da hora. A sensação é que os fatos continuam a correr na frente da nossa capacidade de dirigi-los e ordená-los minimamente. No fundo, tudo isso é um conjunto de grandes desafios que podem revitalizar e dar substância à política democrática.

Em Cuba, Raul Castro cedeu a presidência a Miguel Diaz Canel, 57 anos, nascido após a revolução de 1959. Qual o significado e o peso dessas mudanças?
Sob muitos aspectos, Cuba é um legado de um mundo que já passou. Sua revolução, que deixou traços duradouros na imaginação da esquerda, hoje é um mito com reduzida capacidade expansiva além dos círculos irremediavelmente presos ao passado, o que, aliás, é um direito de quem quer se deixar prender desta maneira. No entanto, não creio que se deva pensar o socialismo como contraposição de países ou de "sistemas". Ou como algo que se encarna num país ou noutro e que resiste ao capitalismo dos demais. Este é um caminho que deu em nada no passado e previsivelmente não nos levará longe no futuro. Já houve gente que viu o socialismo realizado na Albânia, contra todo o resto do planeta. Por sinal, mais importante do que Cuba é, seguramente, a China (e a Índia), cujo ritmo de expansão não se deteve nestes últimos anos de crise. E a China é, rigorosamente, um animal que não sabemos classificar, uma espécie de unicórnio do século XXI: sob a roupagem do comunismo tradicional do século XX (haja vista a recente entronização de Xi Jinping à frente do partido-Estado), desenvolve-se um mercado poderoso e omnívoro, ainda não contrabalançado por sindicatos ou outras formas associativas livremente organizadas. Mais uma das múltiplas esfinges que nos espreitam todo o tempo.


Luiz Sérgio Henriques: Populismos e democracia bloqueada

Nos anos 70 do século passado Enrico Berlinguer, talvez o último grande dirigente do comunismo histórico, extraía para seu país, a conturbada Itália, uma lição advinda da tragédia de Salvador Allende na então distante América Latina. Impossível traçar, dizia Berlinguer, uma estratégia de superação das contradições mais agudas de uma sociedade – qualquer que fosse ela, mas especialmente as sociedades mais desenvolvidas – se a nação estivesse partida, digladiando-se ferozmente em metades inconciliáveis. Não bastaria à esquerda ter 50% mais um dos votos do eleitorado para levar adiante suas propostas: o apoio teria de ser mais amplo, as motivações, mais argumentadas e, particularmente, nenhuma dúvida poderia pairar sobre a obediência estrita das principais forças mudancistas às exigências da democracia política.

Não importa que a História se tenha mostrado bem mais imprevisível do que um político sofisticado como Berlinguer podia admitir com sua generosa estratégia de compromisso entre todos os democratas, muito além dos muros da cidadela da própria esquerda. O dado essencial a ser aqui considerado é que a partir de então, se dúvida havia, nenhuma esquerda podia mais pôr em questão o fato de que, para se credenciar a um papel dirigente, de nada lhe valeria colocar-se fora da dialética democrática em seu sentido mais estrito – a validação dos resultados eleitorais, a legitimação conferida aos adversários, a admissão da alternância no poder. Estratégias ou palavras de ordem inutilmente divisivas seriam pagas com o fracasso dos reformistas ou, pior ainda, com a perda da noção de um terreno comum a todos os cidadãos e definidor dos patamares mínimos de convivência.

O PCI de Berlinguer, a propósito, pisava em campo minado, que não podia ser transposto segundo a perspectiva da época. O sistema estava bloqueado nos termos da guerra fria. Havia o que se convencionou chamar de “sistema de poder” em torno dos democratas-cristãos e tal sistema se reproduziria aparentemente de modo indefinido, produzindo, entre outras coisas, o que os comunistas italianos não hesitavam em chamar de autêntica “questão moral” – e seus críticos viam como moralismo sem alcance estratégico. A ocupação do Estado pelos mesmos partidos, ainda que longe da patologia dos partidos-Estado do Leste Europeu, era causa de degradação dos costumes políticos e administrativos. E não podia prenunciar boa coisa. O bloqueio seria rompido menos pela política partidária do que pela irrupção clamorosa de uma operação judicial inédita até então, a qual, surpreendentemente, reverberaria no Brasil de nossos dias.

A ideia de que nos anos dourados do petismo se estava a gerar algo como um extraordinariamente resistente “sistema de poder” é uma boa pista a explorar. Episódios como o mensalão e o petrolão, entre outros, pareceram obedecer a uma lógica de ocupação numa escala desconhecida em nosso sistema político-partidário, que, diga-se de passagem, nunca se notabilizara pela transparência nos custos de campanha e no financiamento de suas atividades em geral. Havia aqui, como os autos indicam, “tenebrosas transações” entre empresas públicas, dirigentes partidários e grandes companhias privadas, capazes de gerar recursos para campanhas eleitorais com custos fora de qualquer controle – e os inevitáveis desvios colaterais para bolsos privados.

O sistema, assim, passou a funcionar simultaneamente sem transparência, limite ou controle da parte dos cidadãos. Alguém poderá argumentar, e terá razão, que se trata de práticas herdadas do passado, em geral tacitamente admitidas, e que o maior partido oposicionista, entrincheirado em dois dos principais Estados da Federação, teria sido responsável por criar e manter azeitados mecanismos de poder. No entanto, sem negar essa pesada responsabilidade, pode-se retrucar que o esquema petista exacerbou as irregularidades em termos tanto quantitativos quanto qualitativos. Não estávamos aqui diante de empreendimentos locais ou regionais, mas de um fenômeno que, pela primeira vez, chegava a ultrapassar as fronteiras do País.

Este último ponto merece atenção. Recursos financeiros e estratégias políticas se misturaram de modo explosivo por toda a América Latina, num tempo em que se passou a afirmar a hipótese problemática – para ser cauteloso – de certo “socialismo do século 21”. Bem pesadas as coisas, tratava-se menos de socialismo que de um ataque populista de esquerda à democracia representativa, de conteúdo diverso, mas formalmente não muito diferente dos ataques populistas de direita que assolam a Europa e a América do Norte e, infelizmente, também já não nos poupam.

Longe da melhor tradição comunista, evocada na figura de Berlinguer, o recurso expressivo típico desses populismos, na variedade de suas manifestações, é a retórica e a prática divisiva e confrontacional. Pretenderam cancelar o passado e refundar as nações, mas os resultados, uma vez no poder, foram medíocres ou catastróficos, como no caso venezuelano – veia aberta no continente. A técnica de construção de blocos de poder supostamente inamovíveis, exportada para os parceiros latino-americanos do petismo, tornou-se, contra a intenção de seus promotores, um verdadeiro teste de solidez das instituições democráticas, desafiadas a enfrentar subornos, escândalos e até crises de impeachment numa dezena de países.

Uma esquerda forte e plural é condição necessária, ainda que não suficiente, para a efetivação de uma agenda social digna do nome, bem como de um regime de liberdades que garanta essa agenda e seja por ela nutrido. Uma coisa nunca vai sem a outra: não há progresso social sem voto e democracia “formal”. Entre nós e esse caminho virtuoso ainda se interpõem os populismos de esquerda e de direita, que deveriam ser, mas não são, fato marginal ou lembrança do passado.
 


Luiz Sérgio Henriques: A difícil identidade do petismo

Seu militante típico se move à força de slogans e de uma visão maniqueísta do mundo

Mesmo sem nunca ter tido a carga antissistêmica dos antigos partidos comunistas, o petismo, surgido essencialmente de um núcleo sindical moderno, vocacionado simultaneamente para o confronto e para a negociação trabalhista, continua a responder por boa parte das turbulências da vida brasileira nestes 30 anos de País redemocratizado. Por isso, constitui para intérpretes e comentaristas um desafio que se torna ainda mais agudo em momentos de espesso nevoeiro, como este que temos atravessado, com os fatos relativos a seu maior dirigente, novamente candidato presidencial contra todo e qualquer empecilho legal que lhe possa ser oposto, segundo a vontade reiterada dos organismos partidários e de sua “sociedade civil”.

Em vão procuramos a identidade daquele partido, pouco nítida mesmo após os sucessivos períodos à frente do Poder Executivo, interrompidos por um impeachment traumático. O controle de inúmeros governos municipais e estaduais, bem como as amplas bancadas legislativas, para não falar no lastro eleitoral consistente, parecem não ter trazido aquele mínimo de cultura de governo que caracteriza os agrupamentos conscientes de sua própria força e capazes, por esse motivo, de dirigir todo um país, cumprindo uma função nacional que só se alcança com a superação de vícios de origem, limites programáticos e sarampos ideológicos. Traços, em suma, que os leninistas de antes, com todo o pathos revolucionário que os abrasava, chamavam de doença infantil, cuja irrupção os isolava e criava, à direita, um virulento espírito reacionário de massas.

A comparação sempre imperfeita com os comunistas – porque, repetimos, quando falamos de PT, de comunismo não se trata, sem contar que hoje nem sabemos delinear minimamente qualquer ordem anticapitalista – serve ao menos para afirmar que tais distantes antepassados, em certos casos, desenvolveram um certeiro e valioso sentido institucional. Não se conta a história da Itália moderna sem o PCI, permanece digna de respeito a cautela estratégica do PC chileno nos tempos de Allende, deu provas de serenidade o partido espanhol na transição pós-franquista. E o pequeno e clandestino PCB, durante o regime militar, abriu-se para o liberalismo político e a democracia representativa, que alguns de seus setores, em certo momento, passaram a considerar patrimônio de qualquer esquerda que viesse a se firmar a partir daí.

E nem nos aprofundemos na trajetória social-democrata, o outro ramo dos partidos de origem operária que poderia servir como termo de comparação. Aqui, a plena adesão ao programa reformista foi menos acidentada e mais em linha com o Ocidente político, resultando na construção de algumas das mais interessantes sociedades de que até hoje se tem notícia. Mesmo que o primeiro desses ramos da esquerda do passado tenha desaparecido e o segundo atravesse dificuldades cuja extensão não conhecemos, o fato é que se trata de um legado teórico-político a ser cuidadosamente avaliado na nova configuração que o mundo assumiu neste início tumultuado de século.

O petismo não parece ter-se preparado para esta crucial avaliação, que não é só conceitual, mas envolve modos de ser e agir na sociedade, requisitos de lealdade institucional e compromisso firme com a renovação de hábitos e costumes. Bem mais organizado do que os partidos tradicionais, provincianos e com escassa vitalidade interna, pôs essa sua capacidade organizativa a serviço de uma subcultura sectária, voltada para a cisão e o confronto. Seu militante típico se move à força de slogans e de uma visão maniqueísta do mundo. Muitos de seus intelectuais se soldam à massa dos militantes nesse mesmo plano, abdicando de qualquer esforço de educação democrática. Ao ver e ler uns e outros, podemos ter o sentimento de estar a bordo de uma máquina do tempo: um intelectual comunista dos anos 1950, treinado no catecismo mais elementar, não faria diferente, com a denúncia repetida contra agentes do imperialismo, oposições antinacionais e traidores da pátria, que certamente não teriam lugar na democracia popular que então se propunha com fé e agora retoricamente se quer atualizar.

O trauma comunista do “culto à personalidade” não está superado. Em vez de grupos dirigentes amplos, capazes de autorrenovação constante e porosos ao surgimento de novas elites partidárias, seguem intactos os mecanismos daquilo que mestre Graciliano, ele mesmo contraditoriamente prisioneiro do culto de Prestes, uma vez chamou de “canonização laica”. E, agora, os problemas judiciais em torno do líder canonizado nada mais seriam do que a continuação do golpe que teria vitimado o governo popular de Dilma Rousseff, ainda que o PT e vários de seus intelectuais “orgânicos” tenham requerido o impedimento de todos os presidentes, de Sarney a Fernando Henrique, sem exceção. Tertium non datur: ou bem o impeachment é golpe, e nesse caso o petismo deve admitir um golpismo renitente, ou bem é um remédio amargo, com danos consideráveis, mas plenamente integrado aos dispositivos legais.

Nesse mesmo sentido, estamos por todos os títulos longe do apregoado “estado de exceção” – cuja denúncia em foros internacionais, falsa e artificial, denota a persistência do desprezo que a parte atrasada da velha esquerda votava às liberdades civis e políticas, sob as quais, depois de árdua travessia, vivemos desde 1988. Como se dizia de Weimar e podemos dizer de nós mesmos, impossível ter uma democracia sem democratas. O legado a ser mantido, inclusive e principalmente pela esquerda, é o assinalado pelos valores de um patriotismo de novo tipo: o patriotismo constitucional. Ele é que nos ensinará a nutrir sempre, de modo imperturbável, nojo e horror por todas as ditaduras, como queria um grande liberal. Mesmo as que, por aí, mal e toscamente se disfarçam de progressistas.

*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘obras’ de Gramsci

 


Foto: Beto Barata\PR

Luiz Sérgio Henriques: O terceiro fantasma  

A falta de protagonismo de uma esquerda forte e responsável pode se arrastar por vários anos

Espectros e assombrações, de acordo com sua natureza evanescente, costumam rondar cenários de terra devastada, como é o caso da política brasileira, trazendo presságios e reminiscências mais ou menos distantes e, no entanto, úteis para nossa ponderação. De fato, a devastação é grande demais: líderes e partidos, de governo ou da oposição, parecem dissolver-se no ar, arruinados por denúncias às vezes imprevistas ou transformados em alvo de acusações que os tratam, respectivamente, como delinquentes ou “organizações criminosas” imprestáveis para o funcionamento de uma democracia normal.

Tendo em vista as prosaicas malas abarrotadas de dinheiro ou os sofisticados softwares de propina, não se pode dizer que se trata de calúnias saídas do nada. Mas o fato é que, ao lado do aspecto investigativo-judicial, é preciso voltar os olhos para toda a imensa crise de representação que assim se estabelece, dando ouvidos à assombração italiana dos anos 90 do século passado e à argentina da virada de século. A evolução política daqueles dois países é o que nos interessa de perto; judicialmente, respeitado o processo legal, que os mortos enterrem os mortos. De todo modo, não haverá muito a fazer se e quando condenados, sejam eles quem forem e seja qual for a narrativa persecutória que preferirem.

O impacto da Mãos Limpas na história italiana foi de tal monta que assinalou o ocaso da Primeira República, estruturada em torno de dois grandes partidos de massa, a Democracia Cristã e o Partido Comunista. O primeiro deles ainda tentaria reviver com o nome de seu longínquo antecessor, o Partido Popular, mas sem muito sucesso. E deixaria o campo da centro-direita livre para o surgimento fulminante de um personagem egresso do mundo dos negócios, Silvio Berlusconi, a seduzir cidadãos-consumidores, numa peculiar telecracia, com a retórica da antipolítica. Empresário, estaria comprometido só com a eficiência; rico, não precisaria valer-se da corrupção intrínseca à atividade política.

Em síntese extrema, o que levou à ruína a Democracia Cristã – e o Partido Socialista de Bettino Craxi, morto no exílio – foi a construção de um complexo sistema de poder, que excluía por definição a alternância. Impensável um partido comunista chefiar um governo nacional na Itália daquele tempo. Excluído do poder central e, portanto, só marginalmente atingido pelas investigações, o PCI, já mudado em partido de esquerda democrática, se lançara havia alguns anos em busca de uma identidade distinta da matriz bolchevique, busca evidentemente necessária para a formação de governos alternativos ao de Berlusconi.

Esta função cumprida pelos pós-comunistas italianos é algo que hoje nos falta à esquerda, se for verdade – do ponto de vista estritamente político – que o comportamento do petismo terá significado pelo menos o início da constituição de estruturas de poder avessas à alternância e voltadas para a cooptação bruta de aliados, chamados para ocupar predatoriamente, em posição subordinada, os lugares disponíveis em órgãos de Estado e empresas públicas. E esta falta de protagonismo de uma esquerda forte e responsável pode se arrastar por vários anos, penalizados que seremos pelas contradições e ambiguidades do lulismo e do petismo.

O fantasma argentino também traz sua mensagem para nós. Após a década neoliberal de Menem, uma das mais surpreendentes metamorfoses do peronismo, e do fracasso de seu sucessor “radical”, Fernando de la Rúa, as praças do país vizinho foram invadidas por intensos protestos populares. E até houve quem os tomasse, confundindo a nuvem com Juno, por um processo revolucionário à moda de Lenin, no qual uma eventual invasão da Casa Rosada significasse, quem sabe, a tomada do Palácio de Inverno.

Também aqui a antipolítica ressurgiu com virulência. O lema que se vayan todos, que no quede uno solo, condenatório de toda a “classe política”, correu mundo como expressão da vontade popular de fazer tábula rasa de representantes e instituições representativas. Alguns terão sonhado novamente com a “democracia direta”, a ser exercida nas praças, dispensando mediações e dando voz ao verdadeiro soberano. A ilusão de começar do zero, em meio à instabilidade provocada pela sucessão alucinante de governos brevíssimos, haveria de desembocar paradoxalmente na era Kirchner, manifestação desta feita do peronismo de esquerda, cujo apelo “nacional-popular” nem sempre, ou quase nunca, ocultou o desígnio de uma democracia iliberal e tendencialmente carente de contrapesos republicanos.

Pode ser que um terceiro fantasma tenha, agora, aparecido em nosso relato. Ambíguo, multiforme, o populismo será um espectro capaz de variadas encarnações e, por isso mesmo, de difícil apreensão conceitual. Há mesmo um bom argumento que rejeita seu uso por causa destas suas múltiplas figuras, que vão dos governantes “nacional-populares” da América Latina até Berlusconi ou mesmo Trump. O fato é que, em nossos dias, importantes teóricos voltaram a pôr em circulação a “razão populista”, que invariavelmente tenta desagregar, segundo a lógica feroz de amigos versus inimigos, o consenso em torno das instituições democráticas. O que diferenciaria o populismo progressista daquele reacionário seria a escolha atilada dos inimigos: as elites em vez dos imigrantes, por exemplo.

Em tempos difíceis, como os que temos vivido aqui e agora, o que se requer é uma esquerda que majoritariamente não pense só na afirmação de suas próprias razões, mas seja capaz de levar em conta o conjunto da sociedade, aceitando a espinhosa – e interminável – missão da persuasão permanente. E reconheça, por isso, que apostar na cisão simplória entre o povo e seus inimigos pode acarretar tragicamente “a ruína comum das classes em luta”. Como temos visto, construir esse tipo de esquerda não é nada fácil.

Mais em: www.gramsci.org

 

 


Luiz Sérgio Henriques: A Venezuela não é aqui  

Temos à frente a imensa tarefa de reformar um Estado disfuncional e uma sociedade injusta

As coisas – assim como as ideias e os livros – estão no mundo, só que, como no samba, é preciso aprender. E foi assim que nos anos mais duros do regime autoritário abriu caminho, aos poucos e não sem muito atraso, a noção de que nosso país, em tumultuado processo de modernização conservadora, mesmo sem resgatar integralmente as hipotecas do passado, estava fadado a construir estruturas e culturas políticas de tipo “ocidental”, que dariam a todos a régua e o compasso para pensar os problemas e elaborar, com meios propriamente políticos, as hipóteses de sua superação.

Do ponto de vista dos opositores do autoritarismo, a lição da realidade parecia cada vez mais clara. Deveríamos dar um adeus definitivo às ilusões da militarização da política, bem como à tentação de recorrer aos caudilhos terceiro-mundistas monopolizadores de praças e falas – apesar da sedução que a revolução cubana exercia sobre frações relevantes da velha e, paradoxalmente, da nova esquerda, nisso internamente incoerente com a novidade que alegava representar.

Um mundo diverso deveria agora ser descoberto: não o da “tomada do poder” por meio da violência ou o exercício deste mesmo poder pela força bruta, com o desconhecimento dos mínimos requisitos ditos procedimentais, tal como, para eliminar qualquer dúvida, a existência de oposição legítima e competitiva, capaz de voltar a ser maioria em eleições regularmente dispostas. A política se deslocaria, assim, para a “sociedade civil”, lugar plural por excelência, no qual a permanente construção de consensos devia ter como único norte padrões mais altos de civilização. E uma esquerda moderna se tornaria, afinal, fiadora da República e da democracia, atraindo para este campo favorável o conjunto das correntes da política, isolando extremismos e inviabilizando retrocessos autoritários. Uma mudança verdadeiramente histórica.

Reafirmar este horizonte, em grande parte enevoado, parece particularmente importante num momento de fúrias desatadas na esquerda latino-americana e, por consequência, na brasileira. A “perspectiva venezuelana” – e suas projeções entre nós, como o atesta a posição oficial do PT e de considerável setor da intelectualidade – lança uma pesada sombra sobre tal horizonte, que essencialmente requeria, e ainda requer, a convicta superação do paradigma da “revolução” em benefício daquele da “democracia”. Talvez tenhamos sido excessivamente otimistas quanto ao ritmo e à consistência desta passagem: vistas as coisas em sua aparência imediata, o que a corrente autoproclamada revolucionária agora pretende é uma segunda oportunidade na Venezuela de Chávez e Maduro, sob a forma de radicalização violenta do “socialismo do século 21”.

De fato, a “cubanização” do regime venezuelano domina a conjuntura do bolivarianismo. Os adeptos da radicalização voltam a atacar aqueles que teriam uma concepção “fetichizada” da democracia, reduzindo-a a seus pressupostos “liberais”, quando – dizem – o caminho deles é a democracia direta dos produtores, dos povos originários, das mulheres e dos oprimidos em geral. Desprezam a notável conquista do sufrágio direto e universal, assim como buscam suprimir todo e qualquer resto do arcabouço jurídico “burguês” que, só ele, como mostram as duras réplicas da história, torna possíveis os ensaios de democracia direta e de auto-organização da sociedade.

A violência reaparece, ameaçadora. No imutável “Oriente” dos revolucionários de Nuestra América, o essencial é que se imponham os interesses das classes populares, tal como redefinidos e enquadrados por estruturas verticalizadas e autoritárias. Se irão se impor pela via “eleitoral” ou pela “armada”, passa a ser um problema secundário. Nos manifestos deste Oriente ressurrecto, escreve-se o termo “guerra civil” com a naturalidade dos politicamente levianos, que se obstinam em desconhecer o quanto uma perspectiva desse tipo arruína, antes de mais nada, a vida dos subalternos, como, para dar só um exemplo, os homens e as mulheres comuns que já atravessam a fronteira roraimense e cujo fluxo parece estar só no começo.

Os brasileiros participamos, querendo ou não, deste revival antidemocrático. Ainda não nos demos plenamente conta da nocividade do argumento que transformou o impeachment da presidente Dilma Rousseff em “golpe institucional”, alardeado, no fundo, por quem desconsidera ritos constitucionais densos de conteúdo. Argumento fraco, entre outras razões por ter o PT tentado, por meio de parlamentares ou de intelectuais “orgânicos”, o impeachment de todos os presidentes da redemocratização, desde que de outras legendas. Tratada com a mesma lógica, esta reiteração caracterizaria uma espécie de golpismo permanente ou de subversivismo juvenil, próprio de uma força pouco leal na oposição e intolerante no poder.

Além de fraco, o argumento é perturbadoramente nocivo: é que o afastamento da presidente Dilma insere-se, de modo irracional e anti-histórico, numa “narrativa” mais ampla de golpes reais ou supostos contra os governos progressistas latino-americanos, rubrica em que entram desde os dirigidos por bufões até os que tiveram à sua frente estadistas como Salvador Allende. Há nisso, convenhamos, menos a pitada do surrealismo tradicional na região do que uma infâmia pura e simples: Allende não pode andar em reles companhia.

Felizmente, nunca fomos tão longe como na Venezuela. Nosso universo mental, inclusive o de boa parte da esquerda, não está congelado em oposições irredutíveis nem gira em falso entre “império ou revolução”, “pátria ou morte”. E a burguesia nacional, como dizia um bom frasista, não cabe em Miami. Longe do delírio revolucionarista, temos pela frente a imensa tarefa de reformar um Estado disfuncional e uma sociedade injusta. Não aprendemos exatamente como fazê-lo, mas o método só pode ser o democrático.
 


Luiz Sérgio Henriques: O legado de Armênio, agora

O título remete à serenidade e, indiretamente, à ideia de revolução e luta pelas liberdades, e o livro em si fala de um personagem que, nascido em 1918, nos dá a honra de ser seu contemporâneo, depois de ter acompanhado parte conspícua das batalhas pela democracia segundo a ótica de um pequeno, mas importante, partido da esquerda contemporânea. Refiro-me ao relato de Sandro Vaia sobre a vida de um comunista singular (Armênio Guedes - sereno guerreiro da liberdade, Barcarolla, 2013), cuja leitura convida simultaneamente a uma reavaliação do passado e a uma posição no presente - esta última sempre tão difícil de tomar, se é que, como diz o filósofo, a ave da sabedoria só levanta voo ao escurecer e, por isso, estamos humanamente condenados a travar os combates do dia com uma consciência tão só parcial e muitas vezes enganosa.

O partido, naturalmente, é o PCB, criado no significativo ano de 1922, prenhe de acontecimentos que assinalariam a modernidade brasileira. Entre seus quixotescos fundadores, Astrojildo Pereira, intelectual fora dos padrões convencionais, admirador e estudioso arguto de Machado de Assis - paixão que o acompanharia pela vida afora e muitas vezes o salvaria da aridez sectária tanto na política quanto na literatura. Armênio chegaria ao "partido" - assim entre aspas, como se fosse "o" partido por antonomásia e todos os demais não passassem de ficção ou figuras casuais - em circunstância diversa e posterior, por ocasião da mobilização antifascista que também iria abalar internamente o Estado Novo e propiciar, logo em seguida à redemocratização de 1945, o curto período de legalidade do PCB.

Astrojildo e Armênio se cruzariam na história partidária, já então profundamente marcada por um traço específico do nosso país - a admissão da ala esquerda do tenentismo, simbolizada na figura de Luís Carlos Prestes -, bem como por uma característica generalizada dos velhos partidos comunistas - a adesão à União Soviética e ao corpo doutrinário que daí se irradiava para os demais partidos "irmãos", o "marxismo-leninismo".

Tempos de ferro e fogo, de clandestinidade, prisões e exílios. E também de enrijecimento dogmático, de cisões e excomunhões estrepitosas, como, para dar o exemplo canônico, as que acompanharam a denúncia dos crimes de Stalin e do seu sistema de poder, no já distante ano de 1956.

Prestes e Armênio - uma visão que tendia a soluções militares, marcada por uma assimilação positivista do marxismo, e outra que tendia a valorizar a política e os recursos da democracia, em cujo cerne estão a dissuasão, e não a força, o consenso, e não a coerção. O mais tradicional e moderado dos partidos da esquerda chegaria cindido a 1964. "No embate entre Jango e seu mais feroz opositor, o governador Carlos Lacerda, da UDN, Prestes achava que o PCB podia ficar no meio da briga e sair ganhando o poder que sobraria depois da mortal briga entre os dois lados." Armênio e muitos outros, ao contrário, tiveram consciência imediata do alcance histórico da derrota e do salto de qualidade que o capitalismo iria conhecer entre nós, na sequência dos idos de março de 1964.

Debilitado pelas sucessivas cisões de quadros que iriam fazer a luta armada - Marighella, Gorender, Mário Alves -, o velho PCB, apesar de tudo, acharia forças para prestar um último e decisivo serviço à democracia brasileira, ao tornar-se "linha auxiliar do MDB" e apostar na crescente discrepância entre o arbítrio do regime dos atos institucionais e o resíduo de legalidade que se manifestava na competição eleitoral e no movimento associativo, mesmo sob severos condicionamentos. Uma estratégia que apontava, desde o início, para a derrota do regime discricionário mediante a obtenção de ampla anistia e, fundamentalmente, de uma Carta democrática - esta mesma a que lealmente nos devemos referir em todos os momentos, especialmente nos de crise e incerteza, como o que ora atravessamos.

Eis-nos, como dissemos no princípio, antes de um novo e iluminador voo da coruja, a nos haver não só com o legado de Armênio, como também com os problemas um tanto opacos do presente. Movemo-nos num ambiente em que o mundo virtual - num indício, talvez, de verdadeira mudança antropológica - facilita enormemente a difusão do anseio por uma "democracia direta" que, segundo seus adeptos radicais, eliminaria a mediação institucional e os organismos estáveis da representação.

Além do fato de o mundo virtual também estar atravessado de boas e más possibilidades, podendo gerar, no limite negativo, um "assembleísmo eletrônico" com todos os vícios do assembleísmo tradicional, resta a evidência de que a esquerda hegemônica não parece ter pela Carta de 1988 o apreço a que devem sentir-se convocados todos os cidadãos. Alguns dos seus dirigentes veem a crise como ocasião para "enfrentar a direita e levar o governo para a esquerda", ainda que, a rigor, não tenham nenhum projeto alternativo de País ou de sociedade. Enxergam o conflito social legítimo como oportunidade de processos constituintes espúrios ou plebiscitos mal-ajambrados, que supostamente reuniriam um Executivo ainda mais hipertrofiado e a massa da população, fora ou dentro das redes sociais - mas sempre ao largo das instituições.

Num paradoxo só aparente, o caminho da fidelidade às regras do jogo democrático, como poderia ter sido em 1964 e como se patentearia nos anos da resistência, continua a ser a via mestra das mudanças substantivas, sem aventuras ou saltos no escuro. No velho PCB, em circunstâncias muito mais difíceis, pôde germinar um reformismo como o de Armênio Guedes. A esquerda hegemônica, hoje, está desafiada a fazer o mesmo: hic Rhodus, hic salta, diria conhecido pensador. E já não seria sem tempo.

* Luiz Sérgio Henriques é tradutor, ensaísta e um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil. Site: www.gramsci.org

 


Luiz Sérgio Henriques: As metáforas de Bobbio

Não são poucas as fantasias desfeitas e as ilusões perdidas que temos visto desfilar nos últimos tempos. Elas parecem passar mais depressa em períodos de crise vertiginosa e não poupam ninguém, mostrando os farrapos de bem e mal-intencionados, de “tribunos do povo” e adeptos de um liberalismo restrito. Difícil decifrar uma cena tomada pela centralidade dos órgãos de controle e pelos destroços de um sistema partidário que deveria vertebrar a institucionalidade democrática estabelecida há quase trinta anos.

Para usar uma metáfora de Bobbio, aliás originalmente de Wittgenstein, cada um de nós terá alguns bons motivos para se sentir como a mosca dentro de uma garrafa, a esperar talvez por uma intervenção externa que a livre da prisão. A intervenção externa em nosso caso, segundo os defensores extremados da inédita ação corretiva em curso, viria pura e tão somente de juízes, delegados e promotores, mesmo quando, ressalvado o papel globalmente positivo que desempenham, fazem como o Bacamarte machadiano, para quem toda a Itaguaí deveria ser encerrada na Casa Verde; ou para quem, atualizando a trama, a atividade política só poderia recomeçar depois de encontrada uma “solução final” para a corrupção.

Não é possível existir tal ator externo — foi o que Bobbio defendeu contra Wittgenstein e é o que já podemos ver com mais clareza, especialmente com a colaboração premiada do dono da JBS, no curso da qual, a par dos mecanismos jurídicos, se destacou a movimentação propriamente política do procurador-geral na seleção de alvos e prioridades. Pode-se e, de resto, deve-se muito bem admitir a impropriedade do diálogo registrado no Jaburu, indicador, no mínimo, de uma relação promíscua entre o líder político e o megaempresário. No entanto, corresponde a uma escolha mais problemática definir o papel do atual presidente da República como o de “número 1” na sequência de atropelos institucionais da última década e meia, alguns dos quais, como na Ação Penal 470, foram objeto a seu tempo de sanção do STF.

Se não há nenhum deus ex machina à nossa disposição, diante da atual miséria política nacional poderíamos talvez nos sentir como peixes apanhados numa rede – e é a segunda metáfora bobbiana a que recorremos para definir nosso estado de espírito. Estaríamos assim enredados num maniqueísmo indigente, a esbarrarmos uns nos outros com ódio, rancor e intolerância poucas vezes vistos e menos ainda previstos depois de trinta anos de vigência de amplas liberdades. Não soubemos nos autoeducar para a democracia ou então, à maneira de Weimar, vivemos numa democracia sem democratas, prisioneiros de culturas políticas que não se renovaram e, ao contrário, reiteraram alguns de seus piores vícios.

Tomemos, por exemplo, a cultura de esquerda, pelo menos a dominante. Após o longo ciclo autoritário, que expandiu e consolidou as relações capitalistas com sua mistura inseparável de arcaico e moderno, era de esperar que coubesse à esquerda – especificamente ao partido dos trabalhadores que surgiu ainda nos anos de transição – a função de esteio da política democrática: uma política de massas, culturalmente luminosa, capaz de promover os elementos modernos da nossa civilização e, aos poucos, cancelar os arcaísmos. Com frequência, no entanto, lemos seus documentos, observamos a ação de seus dirigentes e geralmente nos decepcionamos: a velha matriz de outros tempos — classe contra classe, proletariado contra burguesia — continua “produtiva”, mas produz menos a mudança e mais o alimento, no campo oposto, para uma direita igualmente primitiva e sectária.

Movimentamo-nos, então, como peixes aprisionados. Mas se trata de movimento rumo a uma saída catastrófica: levados para a margem, como lembra o filósofo, em vez da liberdade encontramos a morte. O que parecia saída era apenas a repetição do peso de chumbo da história: a “estadolatria”, o culto do chefe carismático, o sacrificium intellectum em suas mais variadas manifestações, a murchar o mundo da cultura ou a torná-lo tendencialmente irrelevante, à custa de adesões automáticas segundo o antigo roteiro dos “companheiros de viagem”, usados instrumentalmente e logo descartados.

O labirinto é a terceira das imagens bobbianas para figurar a condição humana e, nela, a dimensão política. Um labirinto sem saída, como convém a um pensador desconfiado de amanhãs radiosos e de uma humanidade utopicamente sem conflitos, ainda que insista, obstinada e racionalmente, em mudanças progressivas, “moleculares”, que possibilitem padrões de civilização mais altos ou, pelo menos, menos injustos. Mudanças estas que sempre foram, e presumivelmente serão, trabalho contínuo sobre madeira muito dura, baseado na disputa e na construção de consenso, na explicitação leal de divergências e na ampliação da tolerância entre os que divergem.

O labirinto é a política. Dentro dele temos de caminhar indefinidamente, contando tão só com nossas forças e nossa capacidade de invenção. Quedas e retrocessos nunca podem ser excluídos, mas temos a favor toda a caminhada anterior, isto é, o processo histórico, que, mesmo tragicamente acidentado, é um processo de criação de valores, entre os quais, como conquista difícil e sempre em risco, a democracia política.

Trinta anos de democracia não bastaram para civilizar as partes em conflito na cena brasileira. Mesmo na falta de alternativas radicais em confronto (e nem elas o justificariam), a divergência transbordou das redes “sociais”, infiltrou-se entre amigos, dividiu famílias. E criou impasses que não temos o direito de ignorar — afinal, o pecado mora ao lado, como nos mostra a desafortunada Venezuela de Chávez e Maduro. Segundo Bobbio, a arte de andar no labirinto — a arte da política — não é nada consolatória, mas, com o tempo, ensina a pressentir os caminhos bloqueados. Não é pouco.
* Luiz Sérgio Henriques é o editor de Gramsci e o Brasil