luiz eduardo ramos

Bernardo Mello Franco: Ministro do Turismo caiu por expor balcão de cargos no governo

No Dia Internacional contra a Corrupção, Jair Bolsonaro demitiu um ministro acusado de desviar dinheiro público para candidaturas de fachada. Foi coincidência, claro. O capitão já rasgou a fantasia de vestal que usou para chegar ao poder.

O caso do laranjal do PSL veio à tona em fevereiro de 2019. O governo havia acabado de completar um mês, mas o presidente disse que as suspeitas contra Marcelo Álvaro Antônio não eram problema dele. Em junho, a Polícia Federal prendeu três aliados do ministro. “Por enquanto, não tem nada”, desconversou Bolsonaro.

Quatro meses depois, o Ministério Público denunciou o titular do Turismo por falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita e associação criminosa. Mais de um ano se passou, e o presidente não tocou no auxiliar. Não faria sentido atribuir a demissão de ontem a um escândalo que sumiu das manchetes.

Também soa ingênuo acreditar que Álvaro Antônio caiu por chamar o colega Luiz Eduardo Ramos de “traíra”. O presidente já deixou claro que está se lixando para os brios do general. Há um mês e meio, o ministro Ricardo Salles se referiu a ele como “Maria Fofoca” e “Banana de Pijama”. Nada aconteceu, e o autor das ofensas continuou à vontade para passar sua boiada.

O chefe do laranjal estava prestes a ser espremido, mas por outros motivos. Ele seria trocado no início de 2021, numa dança de cadeiras para saciar a gula do centrão. A demissão foi antecipada por um detalhe. Ao se queixar da fritura, o ministro escancarou o vale-tudo do governo para eleger o novo presidente da Câmara.

Em mensagem a colegas, Álvaro Antônio acusou Ramos de oferecer sua cabeça em troca de votos para o deputado Arthur Lira. A barganha é real, mas o ministro errou o alvo. O general se limita a operar o balcão de cargos. Quem comanda os negócios é o capitão.

O novo titular da pasta será o presidente da Embratur, mais conhecido como sanfoneiro do Alvorada. Na noite em que despontou do anonimato, o veterinário Gilson Machado estraçalhou a “Ave Maria” de Gounod. Pelo que já se sabe dele, tem tudo para repetir a performance no Ministério do Turismo.


Merval Pereira: Olho grande

A crise desencadeada pelo agressivo tuíte do ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles contra seu colega de ministério, Luiz Eduardo Ramos, não se encerrou com a tentativa de Bolsonaro de passar pano sobre o caso. O apelido de “Maria Fofoca” jogado nas redes sociais por Salles, além de desrespeitoso, serviu para excitar a ala ideológica do governo, que gosta dessas baixarias como instrumento de luta política. Incentivada pelos próprios filhos do presidente, que foram ao Twitter apoiá-lo.

A situação difícil em que foi colocado, como ele mesmo define, fez com que o ministro chefe da Secretaria de Governo da Presidência Luiz Eduardo Ramos se tornasse o centro de uma disputa política que não foi de sua escolha.

Desde que foi Comandante Militar do Sudeste, com sede em São Paulo, o General Ramos acostumou-se a lidar com políticos, fazendo questão de manter uma relação suprapartidária que incluía até mesmo o PT, quando isso era uma ousadia. Não foi por acaso, portanto, que foi escolhido para ser o interlocutor do governo com o Legislativo, tarefa que vinha exercendo com eficiência e correção até que grupos do Centrão esticaram o olho para seu cargo.

O interessante nesse caso é que coube a Ramos fazer a aproximação do presidente Bolsonaro com os políticos do Centrão, quando ficou claro que era necessário montar uma base parlamentar e entrar no jogo político tradicional para evitar crises, que poderiam levar ao impeachment.

A ambição do Centrão está tendo resistência de um bloco de parlamentares que não comungam com a agressividade das redes sociais, enquanto o ministro Salles atua em sintonia com a ala ideológica do governo, que tem nas redes sociais sua maior arma política.

Embora acostumado às negociações políticas, o General Ramos não se acostumou a traições e jogo baixo nas redes sociais. Tendo ido recentemente para a reserva, deve estar agradecendo por ter tomado tal atitude, pois agora a crise que enfrenta não envolve tão diretamente o Exército como se ainda estivesse na ativa, o que Bolsonaro queria.

O General Ramos foi o primeiro militar a entender que sua permanência na atuação política do governo estaria prejudicada se continuasse na ativa, o que não ocorreu ao General Eduardo Pazzuelo, general de três estrelas que foi humilhado publicamente nos últimos dias pelo presidente Jair Bolsonaro.

A relação entre os militares que estão no governo e os civis que começaram a povoar os cargos a partir da aliança com o Centrão é conturbada pelos diversos sinais desencontrados que emanam dela. Na fase inicial do governo Bolsonaro, os militares ganharam poder e dominaram o espaço do Palácio do Planalto.

Tudo indicava que seriam eles os organizadores das ações políticas e administrativas do governo, e isso deu ao presidente Bolsonaro uma sensação de poder que ele propositalmente usou para ameaçar os que se opunham a ele. Durante muito tempo Bolsonaro escudou-se nos militares para anunciar uma blindagem que não tinha, mas aparentava ter.

Os militares até hoje aceitam a liderança de Bolsonaro sem contestações, embora nos bastidores episódios como os do General Pazzuelo tenham repercutido mal, ainda mais por ser um militar da ativa. Até o momento, os ministros militares ainda ocupam os principais cargos dentro da estrutura do governo no Palácio do Planalto, e têm os instrumentos administrativos para manter o poder.

A guerra de verbas no ministério do Meio-Ambiente se refere mais às ações políticas do que propriamente ao dinheiro do orçamento. Prova disso é que nas duas ocasiões em que órgãos do ministério anunciaram paralização por falta de verba, ela apareceu imediatamente.

O entendimento dos ministros ligados ao tema, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão, é de que Salles usa a dificuldade de orçamento para criar fatos consumados e jogar para os ministros que controlam o orçamento, como Paulo Guedes da Economia, a batata quente. O ministro Ramos está conseguindo apoios importantes nessa briga com Salles, o mais importante deles o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que não apenas o apoiou, como atacou Salles, acusando-o de, além de destruir o meio-ambiente, tentar destruir o próprio governo.

Outros políticos do Centrão, como o presidente do PSD, Gilberto Kassab, e o senador Ciro Nogueira, apoiaram Ramos, numa briga intestina que só deve terminar quando o presidente Bolsonaro definir para que lado quer ir. A política internacional, se uma vitória de Joe Biden for confirmada, pode ter peso decisivo nessa definição.