luix fux

Merval Pereira: O ponto fraco

O caso da soltura do traficante André do Rap pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello reacendeu um debate sobre segurança pública que estava adormecido desde que o presidente Bolsonaro livrou-se do ex-juiz Sérgio Moro para adotar posição de leniência no combate ao crime organizado.

A ida ontem do presidente Bolsonaro ao Supremo, para falar com o seu presidente, ministro Luis Fux, mostra que ele sabe como lidar quando as circunstâncias são adversas. Ao contrário do que fez com Dias Toffoli, quando praticamente invadiu o STF com um grupo de empresários para pressioná-lo a reduzir as medidas restritivas por causa da Covid-19, ontem o presidente marcou hora, e teve uma conversa institucional com o ministro Luis Fux, respeitosa de ambos os lados.

Não há dúvida, porém, que a escolha do momento, quando está sendo criticado o novo artigo do Código de Processo Penal que deu base à soltura do traficante, sancionado por ele, é um sinal de que Bolsonaro procura não se afastar do novo estilo implantado por Fux na presidência do Supremo.

Seu grande fantasma político, o ex-ministro Sérgio Moro, ressuscitou no debate provocado pelo caso, lembrando que pediu por escrito ao presidente Bolsonaro que vetasse tal artigo. O galardão do combate à corrupção continua com Moro, e é o ponto fraco de Bolsonaro no momento.
Na impossibilidade de fechar o Congresso e o Supremo, plano inicial postergado pela reação das instituições, a aproximação com o Congresso através de políticos do Centrão processados pela Operação Lava-Jato, e a necessidade de reatar relações com o Judiciário através do Supremo Tribunal Federal (STF) fizeram com que Bolsonaro fosse deixando pelo caminho camadas de peles até chegar à formação atual, que não se sabe se será a definitiva.

Bolsonaro disse uma vez que nunca se meteu em corrupção porque não fazia parte da elite política. Lídimo representante do baixo clero da Câmara, provavelmente sempre sonhou em fazer parte dessa elite, pois se ajeitou tão bem ao modelo quanto o ex-presidente Lula aos ternos de grife.

Com bom humor, Lula disse certa vez que passara 30 anos sem acostumar com o macacão de operário, mas parecia que tinha nascido para usar os ternos. Da mesma forma, parece que Bolsonaro se sente à vontade entre seus novos aliados, e cada vez se afasta mais dos radicais que ajudaram a levá-lo ao poder.

Inevitável fazer a comparação com Lula. Eleito ao assumir a postura de conciliador, o ex-presidente recebeu muitos votos que não eram para o PT, mas para uma continuidade do programa econômico tucano, com toques de política social, uma social-democracia a la brasileira. Ainda era visto pelos eleitores como um outsider.

Os primeiros anos de mandato mantiveram as bases do equilíbrio fiscal, e só depois de ser reeleito, apesar do mensalão, é que o governo do PT assumiu nova postura que levou a Dilma e à recessão. Nos bastidores, corria solto o petrolão.

Bolsonaro, ao contrário, foi eleito pelo radicalismo de extrema-direita que está no seu DNA, e, aproveitando-se da aversão ao PT da maioria do eleitorado, tornou-se um Cabo Daciolo bem sucedido. No meio do mandato, porém, Bolsonaro viu-se premido pelas circunstâncias a largar o radicalismo que o elegeu para participar do jogo democrático distorcido pelo fisiologismo.

Assumiu, com a desenvoltura de quem sempre sonhou estar onde está, o papel que Lula procurou esconder durante boa parte de seu mandato, o de caudatário do Centrão. Lula chegou a vetar um acordo que o então Chefe do Gabinete Civil José Dirceu havia amarrado com o MDB. Como disse Roberto Jefferson, o PT tratava seus aliados como se fossem amantes que não podiam ser reveladas.

Bolsonaro, ao contrário, mostra-se feliz como pinto no lixo com as novas companhias, e critica o que chama de “direita-burra”, que não entende que tem que governar com o Centrão. Saindo da extrema-direita para o Centrão, o presidente tenta restringir o espaço para os candidatos de centro na sua sucessão.

Dificilmente perderá os eleitores radicais, que não terão candidato viável, mas pode avançar num eleitorado que se move pela máquina administrativa nos rincões mais profundos do país, com o apoio do Renda Cidadã. Luciano Huck, Sérgio Moro, Ciro Gomes terão que demonstrar ao eleitorado que o verdadeiro Bolsonaro continua hibernando à espera da reeleição.


Elio Gaspari: Luiz Fux comeu a jabuticaba

Alteração no regimento do STF levou para o plenário questões penais que envolvem foro privilegiado

Ao alterar o regimento do Supremo Tribunal Federal levando para o plenário questões penais que envolvem maganos com foro privilegiado, o presidente do Supremo Tribunal, ministro Luiz Fux, limitou o alcance da jabuticaba das duas turmas da Corte. Com a provável chegada de Kassio Nunes à segunda turma, no lugar de Celso de Mello, Gilmar Mendes reinaria absoluto. Com o seu voto, o de Kassio, mais o de Ricardo Lewandowski, formariam maiorias automáticas, inclusive nos processos da família Bolsonaro.

Isso no varejo. No atacado, Fux fez muito mais, pois as turmas do Supremo são uma jabuticaba criada no século passado. Não há no mundo corte constitucional renomada que decida em turmas. A Constituição diz que os ministros são 11, e 11 deveriam ser os ministros que decidiriam. Gilmar Mendes não gosta que se busquem paralelos na Corte Suprema dos Estados Unidos, mas lá só há turmas quando os juízes fazem ginástica no último andar do prédio.

A providência é tão cristalina que Gilmar Mendes não gostou, mas votou a favor da mudança, decidida por unanimidade.

A provável chegada de Kassio Nunes ao Tribunal, com seu currículo e seu percurso, obrigará Fux e seus colegas a trabalhar para recolocar a composição nos trilhos. Limitando o poder das turmas, a bola volta ao centro do campo, e as decisões que envolvem maganos com foro privilegiado vão para o plenário. A menos que se faça uma pirueta, muita coisa poderá acontecer em função dessa mudança, e mudará a qualidade da proteção de réus condenados por malfeitorias e roubalheiras. Aquilo que poderia ser resolvido com três conversas, precisará de pelo menos seis.

Paes e o óbvio
Com a segurança de um banqueiro alemão, doutor Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio e candidato a um remake, anunciou: “Não faria a ciclovia da Niemeyer. É óbvio. É uma área frágil, entre o mar e a encosta. Morreram duas pessoas.”

Paes usa a expressão “é óbvio” de um jeito que os outros parecem bobos, e ele, esperto. O mar e a encosta já estavam lá quando ele resolveu fazer a ciclovia Tim Maia, “a mais bonita do mundo”, nas suas palavras. Quando ela desabou, em 2016, ele pontificou: “É óbvio que se essa ciclovia tivesse sido feita de forma perfeita, nós não teríamos essa tragédia, esse absurdo”. A ciclovia foi licitada, contratada e fiscalizada por seu governo.

Prefeito do Rio de 2009 a janeiro de 2017, Paes fez uma administração exuberante, com a Olimpíada (que deixaria um legado) e o Porto Maravilha. Resultou um Carlos Lacerda que deu errado.

Entre 1960 e 1965, Lacerda fez a adutora do Guandu e criou o parque do Aterro do Flamengo. Os dois estão aí até hoje. O legado da Olimpíada e o Porto viraram micos.

Paes disputa a prefeitura com Marcelo Crivella e seus parrudos e óbvios Guardiões comissionados.

Cadê?
Bolsonaro diz que acabou com a corrupção no governo. Como Lula diz que nunca houve corrupção no dele, vá lá.

Mesmo assim, falta explicar porque em agosto de 2019 o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação publicou um edital para a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e tablets, coisa de R$ 3 bilhões. A Controladoria-Geral da União descobriu que o sistema estava viciado e mostrou que uma escola de Minas Gerais receberia 30.030 laptops para seus 255 alunos. Outras 355 deveriam receber mais de um equipamento para cada estudante.

O edital foi suspenso e depois cancelado. De lá para cá, passaram pelo MEC quatro ministros, e pelo FNDE, cinco presidentes. Nunca se explicou como o tal edital foi concebido, como tramitou nem quem foi seu patrono.

Detalhe: o jabuti foi percebido, interceptado e neutralizado pelos mecanismos de controle do governo de Bolsonaro, mas o dono do bichinho continua no escurinho de Brasília.

Prêmio Nobel
O ano de 2020 entrará para a história do Prêmio Nobel como aquele em que se quebrou a barreira do gênero na ciência. Duas mulheres ganharam o prêmio de Química e uma compartilhou o de Física. (Como dizia Larry Summers, o presidente de Harvard que foi defenestrado, as mulheres não têm aptidão para a ciência.)

Andrea Ghez, que ganhou o prêmio de Física, é neta de um judeu que foi para os Estados Unidos depois da promulgação das leis racistas do fascismo italiano.

O pai de Andrea nasceu em Nova York em 1938, quando o alemão Otto Hahn descobriu a fissão nuclear. Trabalhava com ele a cientista Lise Meitner. Por judia, foi demitida da universidade e teve que fugir da Alemanha; por mulher, foi esquecida. Hahn ganhou o Nobel sem reconhecer a participação de Meitner na descoberta.

Algum dia, Lise Meitner terá o devido reconhecimento. Se não for pela sua participação nas pesquisas da fissão, que seja pelo fato de que, em 1943, foi convidada para um projeto secreto anglo-americano. Ela sabia o que se queria e recusou a oferta: “Não quero ter nada a ver com a bomba.”

Em agosto de 1945, quando Hiroshima foi destruída, Meitner esfriou a cabeça caminhando por cinco horas e à noite anotou em seu diário: “Ninguém entendeu nada.”

Grande Witzel
Citando Gilberto Amado, um beija-flor de vaidade, o professor Joaquim Falcão resumiu a patetada de Kassio Nunes ao turbinar seu currículo:

“Ser mais do que se é, é ser menos.”

Turbinar currículo é um vício recente. A mania pegou Dilma Rousseff, Damares Alves, Ricardo Salles, Marcelo Crivella, Carlos Alberto Decotelli e Wilson Witzel.

Nesse grupo, quem brilhou foi Witzel. Em vez de fraudar títulos de universidades comuns ou até chumbregas, mentiu grande e anunciou-se diplomado por Harvard, onde nunca pisou.

Em tempo: o ministro Celso de Mello, em cuja cadeira Kassio Nunes quer sentar, foi um dos maiores juízes da Corte. Era apenas advogado, sem mestrado nem doutorado.

Destruição destruidora
A geração que nasceu depois de 1955, como Jair Bolsonaro, deve ter sido a única na História humana que financiou a criação de três polos de construção naval. Houve o de Juscelino Kubitschek, o de Ernesto Geisel e o de Lula. Três fracassos, muitas roubalheiras, um pior que o outro.

Agora o governo apresentou em regime de urgência um projeto de lei apelidado de BR do Mar, que vai na direção contrária e poderá resultar na destruição das empresas de cabotagem que existem no Brasil. Não houve debate, não se conhecem estudos técnicos e há o risco de se entregar esse mercado a um cartel de grandes empresas internacionais às vezes associadas a grupos brasileiros. A ideia da BR do Mar pode ter virtudes, mas levada a tapa no escurinho de Brasília, tem tudo para dar errado.

Guedes fatiado
O centrão está em marcha batida para fatiar o Ministério da Economia.

Há dois anos, Paulo Guedes prometia combater “piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político”.

Está sendo obrigado a conviver com eles.


Janio de Freitas: Estamos entrando em novas perspectivas de risco para a democracia

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal

Em situações de insegurança para o Estado democrático de Direito, a esperança de sustentação da ordem constitucional volta-se para o Supremo Tribunal Federal.

Desde 2018, tal ordem e o próprio Supremo são alvos de ataques que não se fundamentam em críticas, mas em propósitos contrários ao regime democrático. Com essas duas realidades à mão, estamos entrando em novas perspectivas de risco para a democracia.

A dimensão das responsabilidades do Supremo não admite a passividade com que, como instituição e ressalvadas algumas atitudes individuais, deixou-se diminuir por agressões reiteradas e crescentes de Bolsonaro e bolsonaristas profissionais ou amadores.

Dias Toffoli enfraqueceu-o mais com sua própria fraqueza, que o levou até a um acordo de pretenso comprometimento do Supremo com Bolsonaro. Não entendeu o que é o Supremo na independência dos Poderes. Não entendeu o seu dever diante dos ataques ao Supremo, à Constituição e à democracia, dos quais teve a mísera coragem de dizer que não os viu, nunca.

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal. Até hoje não mostrou as condições técnicas e pessoais convenientes ao tempo político em que vai presidir o Supremo.

Bolsonaro quer a reeleição. Os militares bolsonaristas querem a reeleição, admitidas ambições particulares de um ou outro. E esse objetivo significa mais do que um plano político, aliás, já com dedicação plena e exclusiva de Bolsonaro.

No decorrer dos dois anos em que Luiz Fux presidirá o Supremo, coincidirão a campanha eleitoral para a Presidência e, em princípio, as etapas mais gritantes dos inquéritos e processos suscitados pelo clã Bolsonaro, seus coadjuvantes e associados. As influências mútuas deverão fazer dos dois desenrolares apenas um. Já é uma advertência de processo eleitoral tumultuoso. O provável é maior, porém.

Bolsonaro e suas tropas de choque e de cheque precisam ganhar a eleição a qualquer custo. Não é força de expressão, é mesmo a qualquer custo. A necessidade de sufocar os problemas policiais e judiciais já justificaria a derrubada de limites, os legais e outros quaisquer.

É notório, no entanto, que Bolsonaro se viu compelido a desacelerar a marcha para os objetivos anti-institucionais. Imprevistos vários, inclusive nas Forças Armadas, negaram as condições para o avanço com riscos delimitados. Ou seja, o adiaram.

As condições podem surgir até o fim do mandato, talvez com a colaboração da pandemia e seus efeitos sociais, mas Bolsonaro e os desejosos restauradores de 1964 não parecem contar com tamanho ganho.

Apropriar-se das obras de Lula e Dilma, conter impulsos da boçalidade, viajar a qualquer pretexto, tudo indica o investimento no segundo mandato, prioritário ao plano inicial. A calmaria política na pandemia é um intervalo entre o que se temeu até ali e a sua retomada efetivadora pós-eleição.

Tudo ou nada, isto será o segundo mandato, se obtido. E este "se" terá sua decisão durante a campanha eleitoral, quer dizer, a batalha eleitoral, com o Supremo presidido por Fux e sua inclinação direitista, sua flexibilidade, sua vaidade exorbitante e irresistível aos afagos. Uma esperança, sim —para quem pretende vencer a eleição a qualquer custo.

Luiz Fux nunca surpreendeu. Mas não está impedido de achar que a hora é boa para uma experiência.

O AUTOR
Antes que a flecha chegasse ao peito de Rieli Franciscato e o matasse, já era conhecido o autor original da morte desse indigenista com mais de 30 anos de proteção aos indígenas. Já na campanha Bolsonaro falara contra a existência da Funai.

No governo, faz a sua demolição. A Coordenação-Geral de Índios Isolados foi entregue a um pastor, Ricardo Lopes Dias, um dos obcecados com a "evangelização" forçada dos índios. Rieli, sem o número necessário de auxiliares, foi morto na tentativa de evitar um confronto de brancos e índios isolados.

Mais uma realização de Bolsonaro.