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RPD || Henrique Brandão: Uma noite de autógrafo sem autor e livro

Jornalista, crítico de arte, ensaísta, artista plástico, cronista, dramaturgo, autor de Poema Sujo, sua obra-prima. Assim era Ferreira Gullar que, se vivo fosse, teria completado 90 anos no último mês de setembro

Quem é quem na foto - Rio de Janeiro, livraria Rubayat, 1976.  De pé, da esquerda para a direita: Cacá Diegues, retrato de Ferreira Gullar, Zuenir Ventura, Tereza Aragão (mulher de Gullar), Oswaldo Loureiro, Leon Hirszman, Bete Mendes, Mary Ventura, Arnaldo Jabor, Neném Werneck de Castro, Moacir Werneck de Castro, Mario Cunha, Helena Furtado, João Saldanha, Teresa Cesário Alvim, Neusa Amaral. Sentados: Mario da Silva Brito, Mario Lago, Sergio Augusto, Antonio Pitanga, Ziraldo, Darwin Brandão e Guguta Brandão

No mês de setembro deste ano, o poeta Ferreira Gullar completaria 90 anos. Não conseguiu receber as devidas homenagens. Faleceu em dezembro de 2016, dois meses depois de completar 86 anos.

José Ribamar Ferreira, seu nome de batismo, era um homem de hábitos simples. Sua figura, no entanto, chamava atenção. Magro, com a cabeleira escorrida ao longo do rosto, o nariz adunco e as mãos expressivas – que gesticulavam sem parar enquanto falava – não passava despercebido onde quer que estivesse.

Gullar era muitos. Além de poeta, foi jornalista, crítico de arte, ensaísta, artista plástico, cronista, dramaturgo.

Participou ativamente do Concretismo e do Neoconcretismo, movimentos importantes no cenário da cultura brasileira, nos anos 1950.

Gullar entrou tarde na política. Já rompido com o Neoconcretismo, participava do Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), quando ocorreu o golpe de 1964. “Eu me filiei ao PCB no dia do golpe de 64. Eu queria participar da resistência a um regime que se impunha ao país pela força”. Após o fechamento da UNE, Gullar e seus companheiros do CPC fundaram o grupo Opinião, que teve grande repercussão com suas peças e shows musicais.

Após o AI-5, em 1968, o regime militar apertou o cerco. Sobrou para todo mundo que se opunha à ditadura, até mesmo para os comunistas ligados ao PCB, que não defendiam a luta armada. A essa altura, Gullar fazia parte do Comitê Cultural do PCB.

Quem avisou que a barra tinha pesado foi Leandro Konder, também membro do Comitê Cultural, com a notícia de que um companheiro havia caído e, sob tortura, entregara todo mundo. Gullar deveria se esconder, pois estava na mira da repressão.

Depois de um tempo escondido, não restou alternativa a não ser o exilio. Clandestino, Gullar seguiu para a União Soviética e, de lá, para o Chile; depois para o Peru e, por fim, para a Argentina. Triste sina: a cada país que chegava, as condições políticas, passado algum tempo, pioravam. A direita ganhava corpo na América Latina.

A Argentina era então presidida por Isabelita Perón, que, pressionada pelos Montoneros à esquerda, preferiu se aliar ao peronismo de direita. O clima se radicalizava. Com o passaporte cancelado pelo consulado brasileiro e com todo o Cone Sul sob ditaduras – além do grave quadro de esquizofrenia de seu filho no Brasil –, a angústia e o desespero tomaram conta do poeta. Gullar achou que era hora de, segundo suas palavras, “expressar num poema tudo o que ainda necessitava expressar, antes que fosse tarde demais – o poema final”.

Assim nasceu o Poema Sujo, sua obra-prima. Gullar trabalhou nele de forma visceral, de março a setembro de 1975. “Nada me fez interromper o poema. Estava entregue a ele todas as horas do dia e da noite”, registrou em Rabo de Foguete, seu livro de memórias do exílio.

Na época, Vinícius de Moraes fazia muito sucesso em Buenos Aires. Em uma das ocasiões em que esteve por lá, na casa de Augusto Boal, também exilado, Gullar leu o poema para Vinícius. “Esse poema é uma coisa muito séria. Quero levar para o Brasil e mostrar para o pessoal. Não há tempo a perder”, disse o poetinha. E assim nasceu a famosa fita, que veio na bagagem de Vinícius e, no Brasil, foi reproduzida entre os amigos.

As reuniões para ouvir o Poema Sujo se multiplicaram. O poema circulava em audiências domésticas, enquanto seu autor permanecia na Argentina, onde a situação política se deteriorava.

Foi então que um grupo de amigos resolveu fazer uma noite de lançamento do poema, sem a presença do autor e sem livro. Seria um ato político, a fim de ajudar na operação de trazer Gullar de volta ao Brasil. Em um mundo distante das redes sociais, a mobilização era feita por telefone ou no boca a boca, nas mesas de bar. Diante das circunstâncias, acabou virando um feito relevante. Várias pessoas compareceram para demonstrar solidariedade e manifestar repúdio ao regime militar.

Dessa noite de autógrafos, sem livro e sem autor, restou a fotografia feita ao fim do evento, que dá a dimensão daquele momento histórico. A trajetória política dos que aparecem na imagem ganhou rumos diferentes, após a derrocada da ditadura. Muitos, inclusive, já morreram. Mas, naquele momento, importava marcar posição contra o regime militar. De um lado, armas e repressão; de outro, um livro de poesia que ainda não existia e cujo poeta estava exilado.

A mensagem não podia ser mais clara.
*Jornalista e escritor


RPD || Gledson Vinícius: O retrato do livro revela o óbvio

Falta de políticas públicas e a deterioração que a educação e a cultura vêm sofrendo em várias esferas governamentais atingem fortemente a relação entre a sociedade e o livro

Na degradante linha do tempo obscurantista que o país tem construído nos últimos anos, somam-se novos dados desanimadores. Segundo o resultado da pesquisa Retratos da Leitura – divulgada recentemente pelo Instituto Pró-Livro (IPL) em parceria com o Itaú Cultural e o Ibope Inteligência –, o país perdeu 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019. Podemos ver em números, agora, o resultado de iniciativas esdrúxulas, como por exemplo, a censura promovida pelo prefeito Marcelo Crivella na Bienal do Rio de Janeiro, em 2019, ou a censura de livros clássicos implementada em Rondônia pelo secretário de educação Suamy Vivecanda.

Os atos de censura, nesse contexto, expressam apenas a face visível de um processo de deterioração que a educação e a cultura vêm sofrendo em várias esferas governamentais, em especial no Rio de Janeiro, durante os últimos anos. Entre os muitos exemplos de desmonte, desorganização e desinvestimento que as políticas públicas do livro, da leitura e da literatura sofreram, destaca-se a falta de compromisso com a universalização das bibliotecas escolares que deveria ter sido implementadas até maio de 2020, como proposto na Lei 12.244, de 2010.  

Outro grande golpe no setor foi a interrupção no programa de distribuição de livros (PNBE), em 2015. Antes da interrupção, entre os anos de 2000 e 2014, foram quase 230 milhões de exemplares distribuídos a um custo médio de R$ 3,80/unidade. O investimento nesse período foi de R$ 891 milhões em compras. Ou seja, algo como R$ 68,5 milhões por ano na renovação dos acervos para escolas de todos os ciclos do ensino básico. O esfacelamento não se restringiu apenas no descumprimento de metas ou na redução dos investimentos financeiros. O processo atingiu a fundo o setor ao extirpar grandes nomes de posições decisórias e cruciais. Recordemos a extinção do Conselho Consultivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura e a redução do número de representantes da sociedade civil no Conselho Diretivo do plano, por iniciativa do presidente Bolsonaro e do ministro da Cidadania, Osmar Terra.

Se, por um lado, os números que a 5º pesquisa realizada pelo Pró-livros – instituição criada e mantida pelas entidades do livro Abrelivros, CBL e SNEL – nos fazem ver que a descontinuidade de políticas públicas, falta de investimento e desmobilização reverberam fortemente na relação entre a sociedade e o livro (ao ponto de mostrar uma perda de 4,6 milhões de leitores), por outro lado essa mesma pesquisa consegue também, por meio dos números, auxiliar no enfrentamento para desmontar os argumentos que a equipe econômica liderada pelo ministro da economia, Paulo Guedes, apresentou para propor a taxação dos livros em 12%.  

Se para o ministro o livro é um item da elite e que essa elite não vai se importar em pagar imposto, a pesquisa aponta que para 22% dos consultados, o preço é decisivo na hora de comprar. Fica claro também que não é apenas a elite que compõe a massa de consumidores de livros. Segundo o retrato da leitura, 27 milhões dos brasileiros identificados na classe C são compradores de livros, e para essa classe é ainda mais sensível a variação de preço que a taxação imporá.  

A pesquisa reforça as convicções de um dos grandes nomes da nossa literatura, o baiano Jorge Amado. Ele, que também teve forte atuação na vida política do país pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), foi responsável pela emenda constitucional que determinava a isenção de impostos sobre o papel, em 1946. Essa isenção, mais tarde, passou a valer para o livro como produto final, e, finalmente, em 1988, essa isenção ganhou garantia constitucional.

Nesse contexto em que a ciência, as pesquisas, os livros são deslegitimados em detrimento de uma visão de mundo curta e tacanha, citar Jorge Amado se mostra imperioso. Por isso, sugiro que o leitor repita em voz alta a célebre frase do pai de tantas personagens marcantes da nossa literatura: “Eu continuo firmemente pensando em modificar o mundo, e acho que a literatura tem uma grande importância”.  

Nossas vozes precisam ser ouvidas.


Eugênio Bucci: Livros em chamas

A intolerância mais odiosa já se alojou na intimidade dos lares brasileiros.

Circularam no Twitter no dia 29 imagens de um casal que arranca páginas de livros de Paulo Coelho para atirá-las numa churrasqueira comum, dessas domésticas, dessas bem feias. As folhas, aos maços, caem sobre as brasas e se transformam em pequeninas labaredas. O casal exulta. Enquanto cuida de seus afazeres flamejantes, desfere insultos contra o escritor, que é chamado de “lesa-pátria” por ter criticado o governo. Entre um desaforo e outro, dizem que ele precisa ir morar em Cuba, na Venezuela ou na Argentina. Alguém ri ao fundo. A treva fumega.

A Academia Brasileira de Letras (ABL), que tem Paulo Coelho entre seus imortais, repudiou a cerimônia comburente. Em nota, a ABL argumentou, com razão, que a agressão nos traz memórias tenebrosas, como “a destruição das bibliotecas de Alexandria e Sarajevo, os crimes de Savonarola e as práticas do nacional-socialismo”. É isso mesmo. Talvez sem saber, os que agora fazem romances virar cinzas reeditam os pelotões nazistas que em 1933, na Alemanha, em fogueiras rituais no meio da rua, torraram exemplares de clássicos da literatura. Brincando com fogo, brincam com a História.

As mentalidades autoritárias são assim. Não desistem. A combustão não cessa. No dia 15 de dezembro de 1977 o Times-Union, jornal da cidade americana de Warsaw, Indiana, estampou uma foto de um grupo de senhores e senhoras da cidade inspecionando um ritual em que livros ardiam num grande cesto de lixo feito de tela aramada. Eram obras que, segundo o grupo, agrediam os valores da família. No ano passado, manifestantes na Etiópia queimaram cópias de um livro do primeiro-ministro (vencedor do Prêmio Nobel da Paz) Abiy Ahmed, para, com isso, dar apoio ao oposicionista Jawar Mohammed.

São fatos históricos notórios. Além deles, porém, há os episódios menos visíveis em que pessoas comuns se metamorfoseiam em incendiárias fanáticas. Isto é o mais terrível nas imagens do Twitter: quem está ali atentando contra livros não são bandos organizados de extrema direita, mas gente como a gente que, num ato instantâneo, se escancara horrorosamente desumana. Não, não é gente como a gente. A intolerância mais odiosa já se alojou na intimidade dos lares brasileiros.

Muitos dizem que o pior do fascismo é a brutalidade que ele autoriza no guarda da esquina. Estão certos. Na mesma perspectiva, podemos acrescentar que o pior do fascismo é a potência inflamável que ele acende entre os anônimos. Na impossibilidade prática de queimar as pessoas, como se fazia nos tribunais da Inquisição e no Holocausto, os novos incineradores queimam os nomes próprios dos que julgam “traidores”. Queimam biografias. Acreditam no fogo para linchar a honra alheia mais ou menos como acreditam no inferno.

É preciso olhar para essas imagens com atenção, por mais que elas nos rebaixem. É preciso escutar. Nas crepitações obscurantistas do cotidiano ouvimos o discurso em que a Pátria vira sinônimo de governo. Logo, quem ama o brasão nacional tem de baixar a cabeça para a autoridade, quem discorda é “impatriótico” e será condenado à fogueira e ao exílio e vai ter de morar na Venezuela.

É como estar dentro de uma distopia. O Brasil vira cenário da ficção científica Fahrenheit 451, de Ray Bradburry, em que o corpo de bombeiros usa lança-chamas para consumir as bibliotecas. Aqui e ali pipocam cenas distópicas na vida real e nas redes sociais. Em que tipo de monstruosidade nos estamos convertendo? Será que seremos isso, uma sociedade que queima florestas e depois queima a reputação dos que apontam as queimadas nas florestas? Enquanto demoramos a responder, a terra arde, a celulose vira fumaça e palavras são calcinadas.

A falência generalizada de livrarias faz soar o alarme, mas não percebemos nada. O desprestígio das bibliotecas nos alerta, em vão. Bibliotecas servem para as pessoas estudarem, em silêncio, concentradas nas páginas onde encontram sabedoria. Abrigam quem queira recolher-se e pensar. Bibliotecas não são acervos de livros, mas templos dedicados à postura essencial de ler, pensar e, mais ainda, de encontrar pessoas para o diálogo. Sim, bibliotecas são lugares de encontros. Como lugares de estudo, reservam salas para reuniões, onde os frequentadores podem conversar em torno de ideias.

Hoje essas duas potencialidades humanas, o recolhimento meditativo e o encontro dialógico, estão amaldiçoadas. Nada parece ser mais ameaçador para o fanatismo que aí está do que uma pessoa em silêncio com um livro diante dos olhos. Alguém que pense por sua própria conta é alguém que, uma hora ou outra, vai inventar de não obedecer. Onde é que já se viu? Mas além do pensamento, os piromaníacos violentos têm medo do encontro. Temem o diálogo, que só se realiza quando os pontos de vista não são coincidentes (só há diálogo porque há diferenças). Nada os assusta mais que o encontro entre diferentes.

Pensar é respeitar. Encontrar é desejar. Os brutos olham para isso e riscam o fósforo. “Livros, livros, à mão cheia” – para avivar a churrasqueira.

*Jornalista, é professor da ECA-USP


Mario Vargas Llosa: A função da crítica

É também seu papel detectar as relações entre as fabulações literárias e a realidade social

Descobri Edmund Wilson em 1966, quando deixei Paris e fui morar em Londres. As aulas, primeiro na Queen Mary College e, depois, na King’s College, não tomavam muito do meu tempo, e podia passar várias tardes por semana lendo no belíssimo Reading Room da British Library, na época ainda situada dentro do Museu Britânico. Havia dois críticos de leitura indispensável aos domingos: Cyril Connolly, autor de Enemies of Promise e The Unquiet Grave, cuja coluna versava às vezes a respeito da literatura, mas mais frequentemente a respeito da pintura e da política, e as críticas teatrais de Kenneth Tynan, uma maravilha repleta de graça, ideias, insolências e cultura em geral.

O caso de Tynan é muito apropriado para denunciar a hipocrisia da Grã-Bretanha da época (que desapareceu naqueles mesmos anos). Tynan era imensamente popular até circular a suposição de que seria masoquista e que, de acordo com uma sádica, tinha alugado com ela um quarto no centro de Londres, onde ela o chicoteava uma ou duas vezes por semana (e aplicava também a arnica, imagino). O que faziam não importa tanto; mas o fato de isso chegar a conhecimento público já é outra história. Tynan desapareceu dos jornais após o sucesso de Oh! Calcutta! (ele dizia que se tratava de uma tradução inglesa do francês: Oh! Quel cul tu as! (Oh! Que bunda você tem) e deixou-se de falar nele. Partiu rumo aos Estados Unidos, onde morreu, esquecido por todos. Mas suas inesquecíveis críticas teatrais ainda estão por aí, à espera de um editor corajoso que as publique.

Edmund Wilson continua famoso, e espero que ainda seja lido, pois foi o maior crítico literário de antes e depois da Segunda Guerra Mundial, não apenas nos EUA. Acabo de reler pela terceira vez seu Rumo à Estação Finlândia (Companhia das Letras) e voltei a ficar maravilhado com a elegância da sua prosa e sua enorme cultura e inteligência nesse livro que relata as origens da ideia socialista e das loucuras engendradas por esta, desde o momento em que Michelet descobre Vico em uma nota de rodapé e decide aprender italiano, até a chegada de Lenin à Estação Finlândia, em Petrogrado, para comandar a Revolução Russa.

Há dois tipos de crítica. Uma universitária, que está mais próxima da filologia, e trata, entre outras coisas, do indispensável estabelecimento das obras originais tal como foram escritas, e a crítica dos jornais e revistas, a respeito da produção editorial recente, que ordena e elucida esse bosque confuso e múltiplo que é a oferta editorial, no qual nós, leitores, andamos sempre um pouco perdidos. Ambas estão em baixa nos nossos tempos, e não por falta de críticos, e sim de leitores, que assistem à muita televisão e leem poucos livros, e sentem-se assim muito confusos nessa época em que o entretenimento está matando as ideias, e portanto os livros, e destacam-se tanto os filmes, as séries e as redes sociais, onde prevalecem as imagens.

Edmund Wilson, que nasceu em 1895 e morreu em 1972, estudou em Princeton, onde foi colega e amigo de Scott Fitzgerald, mas sempre se negou a ser professor universitário e fazer esse tipo de crítica erudita que só é lida pelos colegas, e às vezes nem mesmo por eles. Seu estilo se destinava ao grande público, que ele alcançava com suas extraordinárias crônicas semanais, primeiro na New Republic, em seguida na New Yorker e, finalmente, na New York Review of Books.

Depois as reunia em livros que nunca perdiam a atualidade. E não escrevia apenas a respeito de autores modernos. Lembro como um de seus melhores ensaios o grande estudo que dedicou a Dickens. Sua prodigiosa capacidade de aprender idiomas, vivos e mortos, era tal que, dizia-se, quando a New Yorker o incumbiu de escrever a respeito dos manuscritos do Mar Morto, ele pediu um prazo de algumas semanas para aprender antes o hebreu clássico. E lembro de ter lido nas páginas do extinto Evergreen sua polêmica com Nabokov a respeito da tradução que este tinha feito de Eugene Onegin, o romance em versos de Pushkin, comentando cada aspecto das quimeras e segredos da língua russa.

Quem descobriu a chamada “geração perdida” de grandes romancistas americanos entre os quais figuravam Dos Passos, Hemingway, o soberbo Faulkner e Scott Fitzgerald? Foi Edmund Wilson que, em seus artigos e ensaios, foi promovendo e decifrando os grandes achados e as novas técnicas e maneiras de narrar do gênio literário americano, sem deixar de mencionar que tinham sido eles que aproveitaram melhor do que ninguém os ensinamentos do Ulisses de Joyce.

Os grandes críticos sempre acompanharam as grandes revoluções literárias e, por exemplo, na América Latina, o chamado “boom” do romance não teria existido sem críticos como os uruguaios Ángel Rama e Emir Rodríguez Monegal, o peruano José Miguel Oviedo e muitos outros. Não surpreende, portanto, que, na França, Sainte-Beuve, e na Rússia, Visarión Belinski, tenham acompanhado o período mais criativo e ambicioso de suas revoluções literárias, dando-lhes alguma ordem e hierarquia. A função da crítica não é somente descobrir o talento individual de certos poetas, romancistas e dramaturgos; é também detectar as relações entre essas fabulações literárias e a realidade social e política que expressam ao transformá-la, o que há nelas de revelação e descoberta, e, portanto, de queixa e protesto.

Estou convencido de que a boa literatura é sempre subversiva, como estavam os inquisidores e censores que proibiram durante os três séculos coloniais a publicação de romances nas colônias da América Espanhola, sob o pretexto de que esses livros disparatados – sua referência era o romance de cavalaria – poderiam levar os índios a acreditar que assim era a vida, a realidade e, com isso, desorganizar e arruinar a evangelização. É claro que houve muito contrabando de romances, e devia ser formidável, naquela época, ler esses romances proibidos. Mas se o contrabando permitiu a leitura dos romances, a proibição se aplicava rigorosamente no que tange a sua edição. Durante os três séculos coloniais não foram publicados romances na América Latina. O primeiro, El Periquillo Sarniento, só foi publicado no México em 1816, após a independência.

Aqueles inquisidores e censores que acreditavam que os romances eram subversivos estavam corretos, mas não ao decretar sua proibição. Eles sempre expressam um descontentamento, a ilusão de uma realidade diferente, seja por bons ou maus motivos. O Marquês de Sade, por exemplo, detestava o mundo de sua época porque não era permitido aos pervertidos que saciassem seus desejos, e seus longos discursos, tão enfadonhos, pedem uma liberdade irrestrita para a luxúria e a violência contra o próximo.

O que os bons romances não aceitam é a realidade como ela é. E, nesse sentido, são motores permanentes da transformação social. Uma sociedade de bons leitores é, portanto, mais difícil de ser manipulada e enganada pelos poderes deste mundo. Isso não fica claro nas democracias, porque a liberdade parece diminuir ou anular o poder subversivo dos romances; mas, quando a liberdade desaparece, os romances se convertem em uma arma de combate, uma força clandestina que contraria o status quo, erodindo-o, de forma discreta e múltipla, apesar dos sistemas de censura, muito rigorosos, que tentam impedi-la. A poesia e o teatro nem sempre são veículos daquele descontentamento secreto que sempre encontra uma válvula de escape no romance, ou seja, são mais passíveis de uma adaptação ao seu meio, ao conformismo e à resignação. Tudo isso deve ser apontado e explicado pelos bons críticos, como fez Edmund Wilson ao longo de toda a sua vida. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL


Jovens relatam qualidade de empréstimo delivery gratuito da Biblioteca Salomão Malina

Entrega e busca de livros são realizadas sem nenhum custo para leitores cadastrados em Brasília e região

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Durante o período da pandemia do coronavírus, a leitura passou a ser atividade ainda mais constante na vida dos estudantes Carlos Gustavo Araújo dos Santos, de 29 anos, Nayara Rayanne Vale, de 33, e Kelton Alexandre Pinto, de 28.  Moradores de regiões distintas ao redor de Brasília, eles mantêm acesa a paixão pelos livros, que lhes garante ótima terapia para lidar com o período de isolamento social.

Apesar de não se conhecerem, os três fazem parte do grupo de pessoas que usam o serviço de empréstimo delivery gratuito da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), no Conic, no Centro de Brasília. A iniciativa garante a entrega do livro na residência de cada pessoa interessada. A devolução é marcada no sistema da biblioteca, que disponibiliza profissional com transporte individual para também buscar a obra literária no mesmo endereço cadastrado e na data agendada.

‘Minha vida estava feita’

Nayara: "O serviço de entrega foi excepcional. Os livros chegaram bem embalados e higienizados. Perfeito". Foto: Divulgação

Nayara é uma das apaixonadas por livros e que também usa o serviço da Biblioteca Salomão Malina. Ela, que cursa História e trabalha como massoterapeuta e maquiadora, mora no Recanto das Emas, a 29 quilômetros de Brasília. Durante a quarentena, apegou-se ainda mais ao seu hábito de leitura, marcado pela versatilidade de gostos.

“Gosto de ler tudo. Amo ficção, sobrenatural e futuros distópicos, em que a imaginação corre solta e você fica preso do início ao fim. Gostos de livros de história, principalmente sobre mitologia grega, egípcia, hindu e cristã, das mais variadas formas”, conta. Ela conheceu a biblioteca e seus serviços por meio das redes sociais durante o período da pandemia.

A estudante foi a primeira usuária a se cadastrar de forma remota e a solicitar o serviço de empréstimo delivery, desde que foi lançado. Nesse contexto de isolamento social, a leitora ficou muito feliz com a iniciativa, a qual, segundo ela, vem ajudando-lhe a enfrentar a quarentena.

“Em plena época de pandemia, foi lançado o empréstimo delivery”, comemora Nayara. “Minha vida estava feita”, afirma. Segundo ela, os primeiros livros que solicitou foram Os Pensadores, de Descartes, e Horror Metafísico, de Leszek Kolakowski. “Maravilhosos. O serviço de entrega foi excepcional. Os livros chegaram bem embalados e higienizados. Perfeito. Eu indico pra todo mundo”, alegra-se.

Agradecimento registrado

Carlos colocou na dedicatória do seu trabalho um agradecimento à unidade pelo suporte recebido em sua pesquisa. Foto: Divulgação

Carlos Gustavo, por sua vez, mora em Taguatinga Norte, a cerca de 20 quilômetros da sede da biblioteca. Ele, que também é técnico em enfermagem, acabou de se formar em Filosofia. Seu primeiro contato com a biblioteca ocorreu ao passar pelo Conic. De lá para cá, vinha fortalecendo cada vez mais suas visitas na unidade, que teve de ser fechada para o público por causa do isolamento social.

De acordo com o estudante, a biblioteca lhe garantiu suporte para desenvolver seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), com o tema “A problemática da maldade na moralidade contemporânea”. Sua pesquisa foi embasada em livros como Materialismo histórico e Materialismo dialético, de Louis Althusser; Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx; e O espírito das leis, de Charles L. S. Montesquieu; além de obras de Zygmunt Bauman, como Ética pós-moderna, Cegueira Moral e Modernidade Líquida.

Devido à sua satisfação com a assistência à sua pesquisa recebida na biblioteca, Carlos colocou na dedicatória do seu trabalho um agradecimento à unidade pelo suporte recebido em sua pesquisa. Ele também já se beneficiou dos livros que ficam disponíveis para doação no quiosque cultural da biblioteca.

Leitura como entretenimento

Desde o fechamento da biblioteca para o público durante a pandemia, Kelton tem usado com frequência o serviço de empréstimo de livros em casa. Foto: Divulgação

Morador do Guará, a 15 quilômetros da biblioteca, Kelton também está no grupo de leitores que têm fortalecido a paixão pelos livros durante a pandemia, com apoio do serviço gratuito de empréstimo delivery. Ele, que é músico e voltou a estudar para se preparar para o vestibular e ingressar em uma faculdade, frequenta a biblioteca desde 2013, quando a conheceu por indicação de amigos.

Fã dos clássicos da literatura inglesa, ele vê na leitura um entretenimento. Já pegou emprestado livros como O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë;  O Retrato de Dorian Gray,  de Oscar Wilde; e  O Coração das Trevas, de Celso Paciornik. Desde o fechamento da biblioteca para o público durante a pandemia, o estudante tem usado com frequência o serviço de empréstimo de livros em casa.

Detalhes do empréstimo delivery

As pessoas interessadas podem entrar em contato pelo whatsapp oficial da Biblioteca Salomão Malina (61 984015561) para solicitarem o catálogo online com mais de 3,1 mil livros disponíveis para empréstimo. O serviço é oferecido a todos os leitores cadastrados na unidade. Para se cadastrar, é necessário enviar foto do documento oficial e comprovante de residência pelo whatsapp, além de fornecer demais dados pessoais necessários e de contato.

Após serem devolvidos, os livros são armazenados em local separado e apropriado antes de serem submetidos aos procedimentos de higienização indicados nas recomendações do SNBP (Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas). A Biblioteca Salomão Malina é privada. Em períodos normais, fica aberta ao público, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h

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Biblioteca Salomão Malina oferece empréstimo de livro em casa, de forma gratuita


Livro de Machado de Assis é discutido em webinar da Biblioteca Salomão Malina

Histórias sem data, originalmente publicado em 1884, é título que tem justificativa do próprio autor

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) em Brasília, a Biblioteca Salomão Malina realiza, nesta segunda-feira (6), das 18h30 às 20h, webinar mensal do Clube de Leitura Eneida de Moraes para discutir o livro Histórias sem Data, de Machado de Assis. Público em geral poderá participar do evento online, que terá transmissão ao vivo na página da biblioteca no Facebook. O site da FAP e a página da entidade no Facebook fazem a retransmissão em tempo real.

Assista ao vídeo!

https://www.facebook.com/salomaomalina/videos/771527386987258

O webinar será mediado pelo escritor Paulo Souza e pela coordenadora da biblioteca, Thalyta Jubé, que, por meio do whatsapp (61) 98401-5561, vai compartilhar o link do aplicativo de videoconferência a todos que quiserem participar diretamente do webinar, para aparecer no vídeo e interagir com os demais participantes, virtualmente. Perguntas e comentários também poderão ser enviados na página da unidade de leitura no Facebook.

Histórias sem data é reunião de 18 contos de Machado de Assis publicados em periódicos cariocas. A escolha do título do livro é explicada pelo próprio escritor no prefácio de advertência da 1ª edição da obra.

“De todos os contos que aqui se acham há dois que efetivamente não levam datas expressas; os outros a têm, de maneira que este título Histórias sem Data parecerá a alguns ininteligível, ou vago”, escreveu, para continuar: “Supondo, porém, que o meu fim é definir estas páginas como tratando, em substância, de cousas que não são especialmente do dia, ou de um certo dia, penso que o título está explicado. E é o pior que lhe pode acontecer, pois o melhor dos títulos é ainda aquele que não precisa de explicação.”

À primeira vista, como em um prefácio normal, Machado de Assis anuncia sua independência de seu tempo. Com efeito, mais de um século decorrido, verifica-se que o tempo atua a seu favor. Fato indiscutível é que o autor não quer seus leitores presos a qualquer data, nem sequer à descrição que faz de seus próprios personagens.

Histórias sem Data foi publicado, originalmente, em 1884, três anos depois de Memórias póstumas de Brás Cubas e quando o autor provavelmente já idealizava o romance Quincas Borba. Este quarto livro de contos tem todos os ingredientes que fazem de Machado de Assis um contista referência para os demais escritores.

A Biblioteca Salomão Malina tem três exemplares do livro disponíveis para empréstimo. Durante o período da pandemia, é oferecido ao público em geral, sem qualquer custo, o serviço de empréstimo delivery. A solicitação deve ser realizada por meio do whatsapp da biblioteca.

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Entrega de obras é feita em endereço cadastrado, todas às quintas-feiras; interessados devem entrar em contato pelo whatspp 61 984015561

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) em Brasília, a Biblioteca Salomão Malina lançou o serviço de empréstimo de livros delivery, com entrega gratuita de obras literárias na casa de moradores da capital federal e região, durante a pandemia do coronavírus, sem qualquer custo para os interessados. O prazo de empréstimo é de 15 dias úteis e pode ser renovado até três vezes pela internet.

As pessoas interessadas podem entrar em contato pelo whatsapp oficial da Biblioteca Salomão Malina (61 984015561), localizada no Conic, um importante centro comercial e de cultura de Brasília, para solicitarem o catálogo online com mais de 2 mil livros disponíveis para empréstimo. O serviço é oferecido a todos os leitores cadastrados na unidade. Para se cadastrar, é necessário enviar foto do documento oficial e comprovante de residência pelo whatsapp, além de fornecer demais dados pessoais necessários e de contato.

A coordenadora da Biblioteca Salomão Malina, Thalyta Jubé, explica que a unidade é especializada em ciências sociais e humanas. Toda às quintas-feiras, a equipe da biblioteca separa os pedidos da semana, higieniza as capas dos livros com álcool 70%, embala as obras em plásticos apropriados e faz a entrega nesse mesmo dia.

O serviço de empréstimo delivery inclui a entrega do livro na residência da pessoa interessada. A devolução é marcada no sistema da biblioteca, que disponibiliza profissional com transporte individual para buscar a obra literária no mesmo endereço cadastrado e na data agendada.

Após serem devolvidos, conforme explica Thalyta, os livros são armazenados em local separado e apropriado e submetidos aos procedimentos indicados nas recomendações do SNBP (Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas). A Biblioteca Salomão Malina é privada, mas, em períodos normais, fica aberta ao público, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.

Por causa da pandemia, a biblioteca precisou ser fechada ao público, no dia 16 de março, mas, desde então, mantém as atividades administrativas internas. Para garantir o acesso à leitura da população, o diretor-geral da FAP, Luiz Carlos Azedo, teve a ideia de fazer o serviço de empréstimo delivery, o que foi viabilizado e organizado pela coordenação da biblioteca.

Desde abril, o serviço passou a ser divulgado nas redes sociais da biblioteca e via e-mail para os usuários já cadastrados. Com o intuito de alcançar mais leitores, o cadastro passou a ser feito de forma remota. Assim, o serviço não é mais restrito somente a quem já era cadastrado. A partir da próxima semana, o site da FAP passará a divulgar histórias de pessoas que usam o serviço de empréstimo delivery.


Evandro Milet: Mussolini em Copacabana

Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a noite de 27 de maio de 1939 foi marcada pelos passinhos de samba que a filha do ditador italiano, Edda Mussolini, arriscou diante do chefe do Estado Maior do Departamento de Guerra dos Estados Unidos, George Marshall, Jr., em pleno Palácio Guanabara, residência oficial do ditador brasileiro. O General Marshall entraria para a história ao batizar o Plano de recuperação da Europa depois da guerra. Edda atuava como embaixadora cultural do fascismo, enquanto Marshall procurava aproximar o Exército norte-americano das Forças Armadas brasileiras, ambos disputando a parceria estratégica do Brasil no Atlântico Sul.

Getúlio, malabarista e ambíguo como sempre, com a intenção de enfatizar a neutralidade de seu governo até ali, fez coincidir as datas de visita e dedicou a mesma cortesia para ambos. Ele tinha simpatia pelo fascismo italiano, mas tentava negociar o apoio desejado pelos americanos, incluindo na pauta a construção de uma siderúrgica, que viria a ser a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, marco da industrialização do país.

A jovem e atraente Edda fez sucesso junto ao público masculino, mas o único que chegou junto foi o irmão mais novo de Getúlio, Bejo Vargas, apesar do fato daquela jovem senhora de 29 anos ser casada com o Ministro das Relações Exteriores da Itália. Durante duas semanas no Rio, Edda e Bejo barbarizaram, culminando com uma tórrida madrugada nas areias de Copacabana, em um banho de mar completamente nus, para escândalo dos moradores da avenida em frente.

“Eu não me contive, tchê!”, teria justificado Bejo, quando Getúlio lhe pediu explicações. 

Getúlio era um camaleão político. Nos seus 19 anos de poder, brigou e fez as pazes com os mesmos personagens inúmeras vezes. Fez alianças inimagináveis com antigos desafetos políticos e com esse pragmatismo sobreviveu a inúmeras intenções de golpe. Hoje o Presidente escolhe um inimigo por mês, como os quadros afixados nas paredes das lanchonetes. Já tiveram seus retratos carimbados pelas hashtags do gabinete do ódio: Maia, Alcolumbre, Dória, Witzel, o Congresso, o STF, Mandetta, Moro, Alexandre Morais, Macron, Merkel, o Papa, a Greta, a China, as jornalistas Patrícia e Vera, Globo, Estadão e Folha. 

Essa mistura de personagens, fatos históricos, ideologias e comportamentos nos leva a associar com a postura de Bolsonaro, que assume democraticamente com a bandeira da luta contra a corrupção e uma pauta liberal na economia e, de repente, muda tudo. Discurso autoritário, guerra com os outros poderes, apoio às manifestações pela intervenção militar e o AI-5, acordo com o centrão e um Plano Marshall desenvolvimentista o levam de volta à sua verdadeira natureza política, econômica, comportamental e de patrocinador de causas menores. Cobrado pelos eleitores ele diria como Bejo: "Eu não me contive, tchê".


RPD || André Amado: Uma nova narrativa em histórias policiais

Em tempos de isolamento social por conta dos riscos do coronavírus Covid-19, André Amado nos presenteia com um pouco da obra de Keigo Higashino em seu artigo, onde analisa o livro Malice

Como muitos de minha geração, integrantes contrariados de um tal grupo de risco, cumpro isolamento impiedoso. No meu caso, vigiam-me a inflexível D. Paula e minhas cinco filhas. Aproveito, então, para ler, escrever, pensar, dormir e, torcendo para que as filhas menores não consigam escapar das atividades/incumbências orquestradas pela sempre criativa mãe, não fazer nada, absolutamente nada.

O último livro que li foi Malice (1996), de Keigo Higashino. A escolha foi influenciada pela lembrança festiva de outra obra dele, The Devotion of Suspect X (1994), que lhe valeu a referência mercadológica, para mim mais do que justificada, de “The Japanese thriller phenomenon”.

Em The Devotion of Suspect X, Higashino ambienta a história na cidade de Tóquio, mas como se estivesse em uma planície. A narrativa se desdobra em linha reta, sem trepidação nem sacolejos, a tal ponto que cheguei algumas vezes a pensar em fechá-lo. E, de repente, como se fosse uma serpente bravia, a história enrosca a trama, o Norte vira Sul, o Leste, Oeste, e o leitor é sacudido na poltrona, fascinado pela surpresa, agradecido de não ter interrompido a leitura, sorvendo o desfecho como uma taça de vinho de fina cepa.

Foi assim esperançoso que abri Malice. Nada a ver com a obra anterior, porém, embora tivesse suas qualidades. A se confiar na qualidade da tradução do japonês para o inglês, o que, de resto, é a regra com best-sellers, o livro é bem escrito, obedece à recomendação de ouro do gênero policial, de usar estilo ágil e direto, apresenta personagens críveis, com perfis psicológicos intrigantes, e se desenrola em trama que oculta mais do que revela, em sintonia com os cânones das boas histórias de detetives.

É possível que Higashino tenha lido The Chamber, de John Grisham (1994), antes de escrever Malice, porque o escritor norte-americano leva o leitor às últimas gotas da angústia à espera de uma reviravolta jurídica que corrija uma injustiça e livre Sam Cayhall da pena de morte. Quem ler o livro saberá como Grisham resolveu a situação e, mais tarde, quando for a vez de Malice, poderá embarcar em sofreguidão semelhante. É que, mesmo depois de o suspeito de assassinar seu amigo de infância confessar o crime, declinar os motivos de seu ato, o detetive japonês encarregado do caso, qual um pastor alemão, aceita a confissão de morte, mas se encrespa quanto aos motivos e passa a investigar a vida pregressa e presente do acusado.

Agora, o leitor está dividido. Deve esperar um desfecho surpreendente, à la The Devotion of Suspect X, torcendo para que as novas investigações revelem até mesmo que o acusado seja inocente, ou, ao contrário, acompanhar de coração apertado que o nó da forca se contraia ainda mais em torno do pescoço do alegado assassino?

Higashino decidiu não facilitar a vida do leitor. Recorre a um expediente ficcional não muito frequente. Alguns escritores alternam a voz narrativa entre a primeira e a terceira pessoa, em função do efeito dramático que pretendem emprestar ao relato – mais objetivo, no caso da terceira pessoa, e mais humano, senão mais confiável, com o personagem intervindo com sua própria voz, acrescentando talvez credibilidade à sua fala. Garcia-Roza, entre tantos outros, usou esse expediente desde seu primeiro romance, O silêncio da chuva (1996).

Mas Higashino vai mais longe. Ele entrega todo um capítulo aos personagens centrais, que se alternam na função de narrador do romance. A. S. A. Harrison, em The Silent Wife (Penguin Books, 2013), e Gregg Olsen, em Lying Next to Me (Thomas & Mercer, Amazon, 2019), adotam o mesmo procedimento. Confesso que eu me perco um pouco.

Na tradição das histórias de detetives, o narrador não pode saber mais do que os personagens, porque cada um deve estar no universo de sua ação. Tal conduta ajudaria a evitar que o narrador possa julgar seus personagens, atitude pouco admirada por alguns críticos literários. É verdade que, nos romances de Agatha Christie, Hercule Poirot monopoliza a cena no final das histórias assumindo a função de narrador e desvendando, para sua audiência cativa, dentro da qual estará o assassino (no plural, no caso de Expresso do Oriente), a identidade do criminoso, os motivos de seu ato e a maneira como o perpetrou.

Mas a técnica de Higashino é diferente, a ponto, por exemplo, de o último capítulo de Malice ser, na verdade, um monólogo do detetive para benefício do acusado – e, claro, do pobre leitor –, que só então se inteirarão do resultado das investigações, um volume demolidor de provas e fundamentações jurídicas terminais, organizadas precipuamente na cabeça do detetive.


Compre na Amazon: Livro Um Mundo de Riscos e Desafios propõe recriar democracia

Obra do sociólogo Elimar Nascimento, publicada pela FAP, está à venda na internet

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Recriar a democracia, torná-la eficiente e estratégica, é um desafio do Brasil, mas também de todos os humanistas, onde quer que estejam”. A avaliação consta do final do livro Um Mundo de Riscos e Desafios (216 páginas), do sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Elimar Pinheiro do Nascimento. A obra, publicada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e que está à venda no site da Amazon, também discute como evitar a nova exclusão social.

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O livro é composto de capítulos que nasceram de artigos publicados entre as décadas de 1990 e 2010, salvo um, inédito. Portanto, o leitor pode usar a sua autonomia para começar por onde lhe for mais interessante, sem prejudicar o entendimento da obra como um todo. O sociólogo também é integrante do Conselho Curador da FAP.

Ao longo de sete capítulo, Nascimento aborda os seguintes assuntos: sustentabilidade; crise ambiental e democracia; possibilidade de recriar a democracia; modernidade, globalização e exclusão social; a dinâmica dos que ficam dentro e fora, no contexto da globalização e exclusão; o pluralismo da sociedade; e os excluídos necessários e os excluídos desnecessários.

De acordo com o ex-senador Cristovam Buarque, que assina o prefácio, o livro apresenta uma análise rigorosa sobre os dois maiores problemas que a humanidade vai enfrentar nas próximas décadas: degradação ecológica, provocada pelo crescimento da produção e do consumo; e degradação moral, provocada pela ampliação da desigualdade social.

“O ‘grande risco’ de que trata o autor instiga cada leitor a imaginar a extinção da civilização, em suas características atuais, seja pela ruptura do equilíbrio ecológico, devido à falta de base material, seja pela ruptura do equilíbrio social, devido ao agravamento da desigualdade, provocando exclusão permanente de uma parte da humanidade”, escreve Cristovam.

 O autor considera que a sociedade vive em um mundo perigoso, com crises de múltiplas naturezas e incertezas crescentes. “Uns se preocupam com o vazio e a falta de futuro dos humanos, o consumismo e o aumento de doenças como depressão, câncer e crescimento das taxas de suicídio. Outros, com a degradação ambiental, com o aumento da perda da biodiversidade e riscos crescentes dos eventos críticos climáticos”, afirma o sociólogo.

Além disso, há aqueles que se preocupam com o risco de guerra atômica ou a impossibilidade de os jovens ocidentais escolarizados encontrarem uma forma de se sustentar com os próprios meios. “Os medos se espalham, e uma visão pessimista ganha asas e percorre as sociedades ocidentais, de norte a sul”, afirma, para continuar em outro trecho: “No entanto, sem negar os riscos, o mundo é melhor hoje do que ontem”, assevera o professor da UnB, instigando cada leitor a refletir sobre como conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social.

 

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Compre na Amazon: Livro Gramsci no seu Tempo tem reflexões sobre problemas da sociedade

Edição da FAP está à venda no site da Amazon; italiano se destacou no início do século 20

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O legado do fundador do Partido Comunista da Itália, Antonio Gramsci, continua com a marca de um grande autor conhecido pela sua capacidade de analisar problemas da sociedade de maneira universal, sem limitar suas reflexões ao tempo em que as produziu. O livro Gramsci no seu Tempo (2ª edição, 416 páginas), editado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), apresenta uma coletânea de ensaios selecionados por ele e que, nesta edição, foram reorganizados por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca. A obra está à venda no site da Amazon.

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A obra compõe-se de ensaios selecionados de Gramsci em seu tempo, originalmente organizado por Francesco Giasi e publicado em dois volumes (Roma: Carocci, 2008), com exceção das contribuições de Francesca Izzo e de Giuseppe Vacca, incluídas especialmente nesta edição brasileira. Com o reordenamento dos textos, os leitores podem ver os resultados de algumas das pesquisas mais avançadas no universo gramsciano, fundamentais para a renovação e o aprofundamento do debate teórico na cultura democrática e socialista brasileira.

Críticos afirmam que Gramsci tinha a plena consciência de que sua reflexão não deveria se limitar ao momento presente, mas, sobretudo, considerar o que havia de universal em suas manifestações. Ele nasceu na Sardenha, na Itália, em 22 de janeiro de 1891, e morreu em Lacio, também na Itália, em 1937, aos 46 anos, em razão de problemas de saúde agravados durante a sua prisão.

Gramsci escreveu os textos dos Cadernos – que começou a redigir em 1929, três anos após sua prisão pela polícia política do fascismo italiano – sob a forma de fragmentos a serem desenvolvidos sistematicamente quando viesse a oportunidade, futuramente. As críticas dele abordavam diversas questões, como literatura, política, economia e filosofia. “Seus múltiplos objetos, contudo, sempre estavam aplicados para uma única direção: exausto o ciclo aberto pela Revolução de 1917, quais as novas circunstâncias com que se confrontava a luta pelo socialismo e que inovações teóricas eram exigidas a fim de levá-la à frente”, escreveu o cientista social Luiz Werneck Vianna.

De acordo com Vianna, Gramsci revive na prisão, sob a forma de um pensamento refletido, o seu passado. “Dele extrai uma teoria nova, o que lhe permite observar a cena contemporânea com categorias originais, instituindo um campo próprio para o estudo do processo de modernização capitalista, em particular na modalidade de modernização autoritária, tal como em suas análises sobre o corporativismo italiano”, acrescenta o cientista social.

“A precocidade e o alcance de sua pesquisa teórica sobre esse assunto, antecipando-se em décadas a feitos da ciência política contemporânea, são bem indicados na formulação do seu conceito de revolução passiva, sua maior contribuição para os estudos dedicados à mudança social, hoje de uso generalizado”, completa Vianna.

Ele sugere destaca que, nesta coletânea de artigos de importantes especialistas italianos na obra gramsciana, reunida por respeitados intérpretes do legado do genial sardo, o leitor encontrará um bom mapa do estado da arte e do tipo de recepção contemporâneos às extraordinárias criações do grande autor que foi Gramsci.

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Coletânea reúne textos de grandes nomes do cenário político brasileiro, como FHC e Cristovam Buarque

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Episódios recentes do Brasil, muitos deles emplacados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, têm aumentado a crise de valores republicanos e democráticos no país. Em momentos de adversidades políticas, as forças da esquerda devem assumir o protagonismo necessário para a democracia com projetos reformistas e revigorados, sugere o livro As Esquerdas e a Democracia, organizado por José Antonio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos. Editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e Verbena Editora, a obra é uma coletânea de artigos e está à venda no site da Amazon.

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O objetivo do livro As Esquerdas e a Democracia, que tem 1565 páginas e foi lançado em 2017, é analisar programas e convicções da esquerda, ou ao menos de parte dela, no Brasil e sua associação aos ideais e práticas democráticos. Apesar de reunir textos de intervenção de diversos autores, a obra tem uma concepção comum baseada na defesa dos ideais do Estado democrático de Direito, laico e republicano, como liberdade, igualdade, justiça e dignidade.

O futuro político dos partidos políticos da esquerda brasileira é outro tema central abordado na coletânea, conforme lembra o professor associado do Instituto de Política da UnB (Universidade de Brasília), Paulo César Nascimento, no prefácio da obra. “Os dois principais partidos que disputavam a hegemonia no campo da esquerda e da centro-esquerda brasileira, e que se revezaram no poder nas últimas duas décadas, mostram sinais de declínio político”, diz Nascimento.

“Temos que optar entre sair da crise com as mesmas estruturas, mantendo o grau de injustiça que tem nossa sociedade e esperar uma nova crise ou sair da crise com mudanças estruturais, iniciando a construção de uma nova sociedade”, escreve o presidente do Conselho Curador da FAP, o ex-senador Cristovam Buarque, em um dos 10 texto da coletânea.

Em outra análise, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma, por sua vez, que o “‘basta da corrupção’ não é uma palavra de ordem ‘udenista’”. “É um requisito para uma sociedade melhor e mais decente”, escreve. “Em momentos de transição, a palavra conta: só ela junta fragmentos, até que as instituições e suas bases sociais se recomponham. É o que nos está faltando: a mensagem que aponte caminhos de esperança para passos à frente”, continua.

Em texto de sua autoria, o sociólogo Caetano Araújo, que é diretor da FAP e consultor político, afirma que uma estratégia de mudança que tem a democracia como premissa e a construção da equidade e da sustentabilidade como objetivos deve ser considerada a plataforma, em construção, de uma esquerda democrática. “Avançar nesse rumo implica, contudo, substituir a percepção de emancipação como simples retirada de empecilhos para a realização da liberdade por uma alternativa que enfatize o aspecto de construção, de processo, de aprendizado coletivo que o processo de mudança com essa finalidade carrega”, avalia.

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