Lei da Ficha Limpa

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Novo Código Eleitoral pode afrouxar Lei da Ficha Limpa

Texto abre brecha para manter elegibilidade de político em processo de cassação, desde que ele renuncie

DW Brasil

Congresso corre para tentar aprovar reforma na legislação a tempo de aplicá-la já nas eleições de 2022. A primeira legislação eleitoral brasileira é de 1881. A atual é de 1965

Se for aprovado, será a toque de caixa. Nesta terça-feira (31/08), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, aprovou um requerimento de urgência para que a votação do novo Código Eleitoral ocorra na quinta (02/09), com dispensa das comissões da casa — acatando pedido de um grupo de parlamentares, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou um prazo de 48h para que Lira explique os motivos de tal urgência.

Com 902 artigos, o Projeto de Lei 112/2021 visa a instituir um novo Código Eleitoral no país — o vigente data de 1965.  Para valer já para as eleições do ano que vem, a legislação precisa ser aprovada, tanto pela Câmara como pelo Senado, e sancionada pela Presidência pelo menos um ano antes do primeiro turno, ou seja, antes de 2 de outubro.

Para valer já para as eleições do ano que vem, a legislação precisa ser aprovada, tanto pela Câmara como pelo Senado, e sancionada pela Presidência pelo menos um ano antes do primeiro turno, ou seja, antes de 2 de outubro.

Um dos pontos mais polêmicos da nova proposta, atentado por especialistas, é que o texto afrouxa alguns pontos da conhecida Lei da Ficha Limpa. Em vigor desde 2010, a norma, criada a partir de iniciativa popular, serve para impedir a eleição, a cargos políticos, de candidatos condenados por órgãos colegiados.

O cerne da questão está no fato de que, a partir da Ficha Limpa, um político com o mandato cassado passou a se tornar inelegível por oito anos, mesmo que renunciasse durante o processo, quando ainda existia a possibilidade de recursos. Antes dessa lei, tal artifício havia sido utilizado por diversos parlamentares em vias de cassação, como o então senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), em 2001, o então deputado Severino Cavalcanti (1930-2020), em 2005, e o então deputado Jader Barbalho, em 2010. 

Na proposta que segue para votação, a possibilidade de que parlamentares renunciem para concorrer nas eleições seguintes, livres de impedimento legal, volta a ser aberta. "Eles [os parlamentares] vão tentar impedir a aplicação de um entendimento que se estabeleceu antes [com a Ficha Limpa] de que a renúncia para evitar a punição é ineficaz, de modo que os parlamentares [condenados] acabavam punidos mesmo renunciando”, esclarece o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito.

"E, ao que parece, eles pretendem também diminuir os prazos da ineligibilidade”, prossegue Sundfeld. A ideia do projeto em tramitação é que os oitos anos em que um político condenado em segundo instância fica impedido de se candidatar comecem a contar a partir da condenação — o entendimento atual é que seja após o cumprimento da pena determinada pela Justiça.

Especialista em direito eleitoral e ex-professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o advogado Alberto Rollo critica a forma apressada como o código vem sido debatido — em uma tentativa, por parte de alguns parlamentares, de fazer com que ele possa ser aplicado já no próximo pleito.

"São mais de 900 artigos que estão sendo discutidos de forma atabalhoada, muito rápida, sem ouvir os organismos da sociedade. Acaba virando conversa de doido”, comenta ele. "Se esperamos desde 1965 para um novo código, isso poderia ser feito ao longo de um ano, dois anos, três anos de debates. E não em 60 dias como está sendo feito.”

Mesmo assim, ele acredita que tal reforma é "importante porque pretende dar para o Brasil” um código eleitoral que contemple "situações que o país vive no século 21”. "O atual está defasado, inspirado em outro momento”.

Quarentena e coligações

Entretanto, alguns dispositivos do texto em tramitação têm sido bem-recebidos por analistas. É o caso da determinação de uma quarentena de cinco anos para que militares, policiais, juízes e promotores disputem eleições.

"É um debate bem quente no momento. Hoje, esses agentes públicos podem se afastar de sua função, se aposentar, pedir exoneração e, no dia seguinte, se inscrever num partido e, então, se tornar candidato. Isso tem causado muito incômodo porque essas pessoas têm podido usar seus palanques [durante a carreira profissional] para se divulgar como paladinos da justiça e isso tem provocado certa reação dos políticos que não fazem parte desses grupos”, avalia Sundfeld.

Uma quarentena serviria para arrefecer o impacto de suas imagens frente à opinião pública — "equilibrando mais o jogo eleitoral”, conforme define o jurista. "É uma medida que em algum momento o Brasil tem de discutir”, comenta ele. "Mas suponho que seja complicado aprovar isso hoje por conta das características do presidente atual, com muito aceno aos militares, e também uma tendência de magistrados e membros do Ministério Público que querem, de todo jeito, participar da política.”

Para Rollo, outro ponto positivo é que a proposta em tramitação mantém regras claras sobre fidelidade partidária. Além de reforçar mecanismos para aumentar, gradualmente, a participação de mulheres e negros nas bancadas.

Por outro lado, ele destaca aspectos negativos, como o retorno das coligações nas eleições proporcionais. "Isso acaba dando uma sobrevida para os partidos nanicos, pequenos. E a ideia era justamente o contrário, em 2017 foram aprovadas normas objetivando de alguma maneira a extinção dos partidos pequenos, porque eles atrapalham na governabilidade. Servem para gastar e usar o fundo eleitoral, empregar famílias e grupos pequenos, não servem para a democracia”, argumenta o especialista.

"Outra coisa: se a proposta for aprovada, haverá um afrouxamento na prestação de contas, pois aquilo que hoje é feito por técnicos da Justiça Eleitoral será delegado para empresas contratadas de autoria. Perderá um pouco da credibilidade e a transparência ficará comprometida”, avalia.

Histórico

A primeira legislação eleitoral brasileira é de 1881. Conhecida como Lei Saraiva, ela normatizava o voto direto e secreto para todos os cargos públicos do Brasil Império. Analfabetos, ex-escravos e imigrantes não tinham direito ao voto.

O primeiro código eleitoral, contudo, só entraria em vigor em 1932, com avanços consideráveis à Lei Saraiva — por exemplo, a criação da Justiça Eleitoral, com a instalação do Tribunal Superior Eleitoral. A partir daí o voto passou a ser obrigatório e universal. Novos códigos eleitorais foram decretados em 1935 — tornando o voto obrigatório para mulheres que exercessem atividade remunerada e regulamentando o papel do Ministério Público nas eleições —, 1945, 1950 — qualificando como livre o exercício da propaganda partidária — e o atual, de 1965.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/novo-c%C3%B3digo-eleitoral-pode-afrouxar-lei-da-ficha-limpa/a-59050186


Roberto Freire: Lula, condenado e ficha suja

Uma elevada popularidade ou altos índices de intenção de voto em sondagens eleitorais não dão salvo conduto a Lula, nem a qualquer cidadão brasileiro, para praticar crime

- Diário do Poder

O Estado Democrático de Direito prevaleceu. A Justiça brasileira e as instituições democráticas do país deram mais uma vigorosa prova de seu bom funcionamento no julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, que analisou o recurso apresentado pelos advogados do ex-presidente Lula contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão proferida em primeira instância pelo juiz Sergio Moro no processo referente ao triplex no Guarujá (SP). Para além de qualquer dúvida, o relator João Pedro Gebran Neto, o revisor Leandro Paulsen e o juiz federal Victor Laus foram categóricos ao corroborar a sentença condenatória inicial por unanimidade, inclusive ampliando a pena para 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Demolindo a narrativa mentirosa entoada pelos áulicos do lulopetismo nos últimos meses, o tribunal entendeu que não só havia provas que incriminavam o ex-presidente como elas eram abundantes e incontestáveis. Em seu voto, o desembargador Laus afirmou: “As provas resistiram, sejam as documentais ou as testemunhais. Estamos diante de provas que resistiram à crítica, ao contraponto, ao embate”. Seu colega Paulsen foi além: “Há elementos de sobra para demonstrar que [Lula] concorreu para os crimes de modo livre e consciente, para viabilizar esses crimes e perpetuá-los”. O relator Gebran também foi enfático: “As provas colhidas levam à conclusão de que, no mínimo, tinha ciência e dava suporte àquilo que ocorria no seio da Petrobras, destacadamente a destinação de boa parte das propinas ao Partido dos Trabalhadores”.

Apesar dos covardes ataques perpetrados pela militância petista contra os desembargadores do TRF-4 e o Judiciário em geral, a condenação em segunda instância, de forma unânime e da maneira contundente e afirmativa que se deu, sepulta o discurso fantasioso de que Lula é inocente e vítima de um complô que só existe na mente perturbada daqueles que perderam qualquer conexão com a realidade. E mais: de acordo com a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), o petista não pode ser candidato a nenhum cargo eletivo. Para desespero do PT, portanto, ele não estará habilitado a concorrer à Presidência da República nas eleições de outubro, e isso nada tem a ver com perseguição política ou ideológica – trata-se, simplesmente, do estrito cumprimento da lei.

A Lei da Ficha Limpa, aprovada no Congresso Nacional com o apoio enfático de todas as forças políticas – incluindo o PT e seus aliados –, é cristalina e não permite dúvidas: em caso de condenação por um tribunal colegiado, como é o caso do TRF-4, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições.

É bom não esquecermos que, além de tudo disso, há um entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que um condenado em segunda instância já pode iniciar o cumprimento de sua pena (no caso de Lula, em regime fechado, de acordo com a sentença determinada pelo TRF-4) enquanto apela às instâncias superiores do Judiciário. Convém ressaltar que o próprio revisor do processo no TRF-4 já deixou claro, em seu voto, que a execução da pena a ser cumprida pelo ex-presidente se iniciará tão logo sejam examinados os embargos de declaração no próprio tribunal. Ou seja, não deve demorar muito para que o condenado seja detido e vá para a cadeia.

Uma elevada popularidade ou altos índices de intenção de voto em sondagens eleitorais não dão salvo conduto a Lula, nem a qualquer cidadão brasileiro, para praticar crimes. Não há nenhuma relação entre o potencial eleitoral ou mesmo um eventual bom resultado nas urnas e aquilo que se julgou na 13ª Vara Federal, em Curitiba, ou no TRF-4, em Porto Alegre. Fica a lição dada pelo juiz Moro, com uma frase lapidar, ao final da sentença na qual condenou o ex-presidente ainda na primeira instância: “Não importa quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”.

Nesse sentido, é importante denunciar a fragilidade de um discurso propagado por algumas figuras – muitas delas até críticas de Lula e adversários do lulopetismo – de que seria melhor derrotar o ex-presidente nas urnas, ao invés de nos tribunais. Trata-se, evidentemente, de uma estultice sem tamanho, além de uma grave concessão à impunidade, como se a aplicação do texto legal fosse dispensável e o processo eleitoral substituísse o império da lei e o julgamento da Justiça. Eleição, afinal, é para ser disputada por quem tem ficha limpa. Não é o caso do líder maior do PT, apontado pelo Poder Judiciário como o comandante máximo de uma sofisticada organização criminosa que assaltou os cofres públicos e tentou se perpetuar no poder a qualquer preço. Ao contrário do que bradam os simpatizantes do ex-presidente, eleição sem Lula não é “fraude”, mas apenas consequência natural de uma condenação indiscutível, em primeira e segunda instâncias, por crimes de corrupção. Tão simples quanto isso.

Apesar de todo o estrebuchar, Lula, hoje, é alguém que, “em algum momento, perdeu o rumo das coisas e passou a se confundir, a não compreender suas atribuições”, na definição do juiz Victor Laus durante a leitura de seu voto. O maior símbolo do PT passou a ser, definitivamente, um caso de polícia, embora com reflexos na política em função de um passado marcante para o bem e, principalmente, para o mal. É um ficha suja, nos termos da lei. Um criminoso condenado por suas malfeitorias. Uma triste e vergonhosa página da história. Ao virá-la, enfim, o Brasil se reencontra consigo mesmo e, de alma lavada, volta a olhar para frente e mirar o futuro.