kassio nunes

Ruy Castro: Políticos e seus currículos de araque

Nada como um doutorado que não se precisou cumprir ou um título de mestrado imaginário

Kassio Marques, escalado por Jair Bolsonaro para o STF a fim de votar com imparcialidade a favor de sua família, gabou-se em seu currículo de uma pós-graduação na Universidade de La Coruña, na Espanha. Faltou combinar com a universidade. Consultada, ela informou que Marques fez apenas um curso de quatro dias sem relação com qualquer pós, e, mesmo assim, como ouvinte. Para Marques, o encarregado de compor seu currículo "errou" ao traduzir o quesito. Seria mais honesto se dissesse "Desculpem, não colou".

É um "erro" frequente na biografia dos homens de Bolsonaro. Vide seus notáveis indicados para o MEC, Ricardo Vélez Rodrigues, Abraham Weintraub e Carlos Alberto Decotelli. Todos tinham em seus currículos cursos fictícios no exterior, plágios descarados ou autoria de livros alheios. Belo exemplo para os estudantes.

Ricardo Salles, destruidor do Meio Ambiente, disse-se aluno de mestrado em Yale, embora nunca tenha sido sequer matriculado. E Damares Alves, sinistra ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, intitulou-se "mestra em educação e em direito constitucional". Não por uma universidade, mas por leituras da Bíblia. "Mestre é quem se dedica ao ensino bíblico", decretou, do alto de sua goiabeira ardente.

Os espertos vêm de longe. A primeira a ter sua erudição desmentida foi Dilma Rousseff, pré-candidata à Presidência, em 2009. Seu currículo Lattes incluía imaginários mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp. Não corou ao ser apanhada.

Em 1967, aos 19 anos, ganhei um curso de língua e literatura portuguesa na Universidade de Coimbra. Era um curso de verão, sem valor acadêmico. Tentei cumpri-lo, mas, uma semana depois, achando-o chato, despedi-me dos colegas e fui saracotear em Paris. Mesmo assim, recebi depois um simpático certificado de inscrição. Vou procurá-lo —está em algum lugar— e juntá-lo ao currículo.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Reinaldo Azevedo: Medo da cadeia faz Bolsonaro escolher Kassio, e isso é bom!

O garantismo assegura a Bolsonaro o devido processo legal, negado a seus adversários

Por que Jair Bolsonaro indicou Kassio Marques —para todos os efeitos, um garantista— para o Supremo? Porque, sendo inculto, não é burro e é capaz de aprender com a experiência, inclusive aquela que o levou à Presidência, fagocitando o juiz-celebridade dos tolos, que havia engaiolado seu adversário por meio de uma condenação sem prova, referendada pelos parças do TRF-4.

O “Mito” percebeu que, tudo o mais constante, seu destino inexorável é a cadeia. “Está acusando o presidente de ter cometido algum crime, Reinaldo? Seja claro!” Não neste artigo. Já o fiz dezenas de vezes. No dia 29 de março de 2019, diga-se, antes de ele concluir o terceiro mês de mandato, apontei aqui ao menos quatro crimes de responsabilidade então consumados. Na minha conta, já são 19.

O objeto deste artigo é outro. Mesmo que Bolsonaro fosse inocente como as flores, o encontro com o xilindró está em seu destino porque essa é a metafísica influente. E isso vale para qualquer governante. Este país manteve encarcerado um ex-presidente da República condenado sem prova e contra o que dispõem o artigo 283 do Código de Processo Penal e o inciso LVII do artigo 5º, cláusula pétrea da Constituição.

Ainda que Bolsonaro possa achar intimamente que seus olhos azuis deveriam lhe conferir certa vantagem comparativa sobre um nordestino moreno, sabe intuitivamente que, a depender do alarido, isso pode ser até um agravante. Lula, o maior líder popular da história do Brasil, foi alvo, “sob vara” (by Celso de Mello), de uma condução coercitiva espetaculosa e ilegal. A investigação que levou Sergio Moro a tomar essa decisão durou quase cinco anos e foi arquivada. Nem denúncia houve por falta de provas.

O presidente não leu Shakespeare, mas intui que a necessidade impõe estranhos companheiros de trajetória. Sua súcia de lunáticos na internet —da qual ele é cada vez menos dependente— não compreende e se ressente do que seria um flerte do líder com a “velha política”.

Bolsonaro riu de orelha a orelha quando viu Wilson Witzel cair em desgraça. Mas certamente não lhe escapou que o adversário incidental, alvo da fúria de seus aliados na Procuradoria-Geral da República, foi afastado do cargo sem ter tido a chance de ao menos apresentar a defesa. Foi punido antes da aceitação da denúncia. Não há uma miserável palavra impressa que justifique a decisão.

Se o presidente tiver realmente aprendido a lição, indicará no ano que vem, para a vaga de Marco Aurélio, um nome mais terrivelmente garantista —evangélico, católico, umbandista ou adorador da natureza, como os aborígenes australianos.

Moro, desgostoso com o insucesso da empreitada rumo ao poder, resolveu refletir no Twitter: “As tentativas de acabar com a Lava Jato representam a volta da corrupção. É o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. Esse filme é conhecido. Valerá a pena se transformar em uma criatura do pântano pelo poder?”

Huuummm…

Antes da Lava Jato, entende-se, o Brasil era terra arrasada, com a economia em frangalhos e sem democracia, certo? Ele acredita ter deixado como legado uma fase de prosperidade, luzes e devido processo legal! Impressiona-me menos o ressentimento do que a parvoíce. Mas é a indagação final que desperta minha curiosidade. A quem se dirige?

Parece-me que é Moro falando com Moro —também Deltan Dallagnol mandava mensagens para si mesmo no Telegram. Ali está a confissão de que o objetivo era mesmo “o poder”. E criaturas “do pântano” são todas as que não concordam com o juiz universal, inclusive aquela a quem se aliou antes, durante e depois da eleição, vilipendiando o Poder Judiciário.

O presidente escolher garantistas para o STF não o preserva necessariamente de seus eventuais crimes, mas pode significar, ao menos, o direito ao devido processo legal, coisa negada a Lula e a Witzel. Desde a “Ilíada”, convém que o poderoso veja como exemplo, advertência e vaticínio o destino de seus adversários. “Bolsonaro nem sabe o que é ‘Ilíada’, Reinaldo”. Não faz diferença. Basta que intua.


Ricardo Noblat: Bolsonaro infecta o Supremo com a nomeação de Kassio Nunes

Os danos colaterais serão enormes

Algumas perguntas a respeito da surpreendente nomeação do desembargador Kassio Nunes Marques para ministro do Supremo Tribunal Federal já havia sido respondidas. Como o nome dele chegou ao presidente Jair Bolsonaro? Foi levado pelo advogado Frederick Wassef, aquele que escondeu Fabrício Queiroz em sua casa de Atibaia, e avalizado pelo senador Flávio Bolsonaro.

Quem conduziu Kassio pela mão para audiência no Palácio da Alvorada com Bolsonaro? Foi o senador Ciro Nogueira, presidente do Partido Progressista, um dos líderes do Centrão, e alvo de ações da Lava Jato. Kassio apresentou-se como candidato a uma vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça, que é o que ele era. Bolsonaro gostou da conversa e decidiu: “Vai para o Supremo”.

Faltava resposta pelo menos a uma pergunta: por que a pressa de Bolsonaro em nomear Kassio se a vaga do ministro Celso de Mello, o decano do Supremo, se ele só se aposentará na próxima semana? Seria uma descortesia, mas não só. Seria romper com a praxe seguida pelos presidentes anteriores de gastar algum tempo para refletir melhor sobre os nomes de aspirantes à vaga.

Com a descoberta, ontem, de que o currículo de Kassio está impregnado de falsos títulos acadêmicos e de alguns duvidosos, a resposta à pergunta sobre o motivo de tanta pressa parece evidente. Era preciso correr contra o tempo para que o teste do currículo do desembargador não desse positivo para mentiras. A dar, que isso só ocorresse depois de sua aprovação pelo Senado.

Além de Bolsonaro, a operação “Acelera, Kassio!” envolveu dois ministros do Supremo, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, líderes do Centrão como Nogueira, e David Alcolumbre (DEM) presidente do Senado. Gilmar e Toffoli talvez não soubessem dos furos no currículo do seu futuro colega. Avaliaram que ele seria mais um aliado das teses que defendem dentro do Supremo.

Nogueira é conterrâneo de Kassio, ambos do Piauí, e seu amigo. Interessado em cargos onde quer que eles estejam, o Centrão uniu-se a Bolsonaro e compartilha também o seu propósito de desmanchar a Lava Jato. Para tal, a presença de Kassio no tribunal seria mais um voto certo. Alcolumbre… Bem, esse quer se reeleger presidente do Senado e faz o que Bolsonaro lhe pede.

Ainda está por vir muita coisa capaz de criar dificuldades para a nomeação de Kassio. Se não pôde fechar o Supremo como cogitou no final de maio último, sem encontrar apoio nem mesmo entre os militares que o vigiam de perto, Bolsonaro conseguiu infectá-lo com o poderoso vírus da banalização. O que antes era só desprestígio do tribunal agora é de todo o Poder Judiciário.

E com severos danos colaterais a serem registrados no exterior, afinal, Kassio pôs no currículo cursos e títulos fantasmas de universidades de boa reputação. Não se espere, porém, nenhuma reação do Supremo em legítima defesa de sua imagem conspurcada. Falta fibra à boa parte dos seus integrantes, coragem para se insurgir, e sobram receios.

Ah, as fraquezas humanas! Quem não as tem? Dos 11 ministros do Supremo, um cometeu o mesmo pecado de Kassio; outro deve sua indicação à mulher do presidente que o nomeou; outro contou com a colaboração de uma empresa para ser aprovado pelo Senado; outro foi reprovado em concursos para juiz; e outro agradeceu de joelhos à mulher do governador que o ajudou a chegar lá.

Por que Kassio Nunes não pode ser ministro do Supremo

O que a Constituição exige

O desembargador Kassio Nunes Marques, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro para ministro do Supremo Tribunal Federal, disse ontem a um grupo de senadores, em conversa reservada, que já sabe como driblar os efeitos deletérios da descoberta de que seu currículo está repleto de falsos títulos.

Segundo ele, a Constituição não exige do indicado que seja formado em Direito. Basta que tenha mais de 35 anos, menos de 75, e reputação ilibada. Usará desse argumento para defender-se nos próximos dias. Esqueceu-se de dizer que a Constituição exige também “notável saber jurídico”. E aí está o nó. Ou deveria estar.

“Notável”, segundo os dicionários, é toda pessoa renomada, destacada e famosa por suas obras ou seus feitos. Uma pessoa insigne. Sem a produção de obras ou feitos relevantes ou as duas coisas, não há notabilidade em termos técnicos e jurídicos. Assim entenderam os autores da Constituição em vigor desde 1988.

José Afonso da Silva, o professor de Direito Constitucional mais citado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal em seus votos, ensina em um dos seus muitos livros:

“[…] não bastam, porém, a graduação científica e a competência presumida do diploma; se é notável o saber jurídico que se requer, por seu sentido excepcional, é porque o candidato deve ser portador de notoriedade, relevo, renome, fama, e sua competência ser digna de nota, notória, reconhecida pelo consenso geral da opinião jurídica do país e adequada à função”.

Kassio não tem esse perfil. Ou porque é muito jovem, 48 anos apenas, ou porque se formou muito tarde, a acreditar-se no que ele diz. Ou simplesmente porque não escreveu livros nem é autor de feitos relevantes. Decididamente, sua competência não é reconhecida “pelo consenso geral da opinião jurídica do país”.

De resto, seus poucos e ralos títulos estão sendo contestados pelas entidades que supostamente os conferiram. Precisa mais?


Folha de S. Paulo: Indicado ao STF, Kassio pode enfraquecer Lava Jato e julgar casos de Bolsonaros

Juiz federal, se confirmado pelo Senado, chegará ao Supremo como peça decisiva de ala contrária aos métodos da operação

Matheus Teixeira e Marcelo Rocha, da Folha de S. Paulo

O nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) será decisivo para dar força ao movimento na corte de se retomar uma linha jurídica contrária aos métodos da Operação Lava Jato e que privilegie a presunção de inocência dos investigados.

O juiz federal Kassio Nunes, 48, hoje integrante do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), se for aprovado pelo Senado, chegará ao Supremo com o apoio do centrão, grupo de deputados e senadores que passou a apoiar Bolsonaro e que tem diversos integrantes na mira da Justiça.

Sucessor do decano Celso de Mello, que deixa o STF no próximo dia 13, em razão de aposentadoria compulsória, Kassio é visto como uma importante peça para esvaziar os poderes de investigadores de instâncias inferiores. ​

Da mesma forma, mesmo que ele não vá compor a Segunda Turma da corte, colegiado que julga as ações penais de políticos com foro especial envolvidos na Lava Jato, o ministro indicado por Bolsonaro pode ser fundamental para a absolvição ou redução de penas de políticos.

Isso porque o colegiado com Celso de Mello tem uma composição dividida e casos em que houve condenações pelo placar de 3 a 2 permitem a apresentação dos chamados embargos infringentes ao plenário do Supremo.

Historicamente, o STF teve uma posição no sentido de seguir o que está escrito na Constituição e nas leis, sem margem para interpretações mais amplas, na linha do direito europeu.

A Lava Jato, por sua vez, se aproxima mais da Justiça dos Estados Unidos, em que as regras de atuação são definidas de acordo com os precedentes firmados ao longo do tempo. Isso dá mais espaço para que a interpretação da lei mude, embora a redação da norma se mantenha igual.

No auge da operação, os ministros ficaram mais suscetíveis à opinião pública e evitaram impor derrotas à Lava Jato.

Com o passar do tempo, no entanto, a ala da corte liderada pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski voltou a ganhar força, e a Lava Jato passou a sofrer revezes no tribunal. Esse grupo tenta retomar na corte a prevalência de uma interpretação mais literal das garantias dos investigados previstas na Constituição.

Um dos julgamentos que marcou essa inflexão ocorreu em junho de 2018, quando o Supremo analisou uma ação que contestava o artigo do Código de Processo Penal que tratava das conduções coercitivas.

O trecho da lei vigorava desde 1941, mas passou a ser usado com muito mais frequência pela Lava Jato, que lançou mão do dispositivo ao menos 227 vezes.

Considerado um dos pilares da Lava Jato, a condução coercitiva de investigados para interrogatórios foi declarada inconstitucional pela corte.

O STF afirmou que o texto não é compatível com a Constituição de 1988, que prevê o direito ao silêncio e a não autoincriminação dos investigados.

O destino de Kassio ao chegar no STF ainda não está definido em relação às turmas. Após a saída de Celso, o presidente da corte, Luiz Fux, terá de fazer uma consulta aos integrantes da Primeira Turma sobre o desejo de trocar de colegiado.

O mais antigo tem preferência, mas o ministro Marco Aurélio é um crítico histórico da troca de turmas no tribunal.

O segundo mais antigo, Dias Toffoli, tem dito a interlocutores que quer sair um pouco dos holofotes e que prefere evitar julgamentos da Lava Jato, que geralmente ganham o noticiário e despertam críticas quando há absolvição de políticos investigados.

A ala contrária à operação, no entanto, pressiona Toffoli a aceitar a troca de turma para garantir uma maioria contra a Lava Jato.

Um ministro disse à Folha que é cedo para cravar como ficará a composição das turmas. Em outras palavras, as articulações estão em curso.

No acervo de processos de Celso de Mello que podem ser herdados pelo indicado do presidente está a investigação contra o próprio Bolsonaro por supostas interferências na Polícia Federal, motivada por acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

Há também uma situação que envolve o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O STF decidirá sobre a concessão de foro especial ao filho do presidente da República, após o Ministério Público do Rio de Janeiro, que investiga o esquema da “rachadinha”, questionar decisão do Tribunal de Justiça fluminense que tirou o caso da primeira instância.

Caso o benefício seja confirmado pela Supremo, poderá ganhar força a tese de anulação das provas colhidas durante a investigação da "rachadinha", esquema que seria operado por Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia do Rio.

Tanto no inquérito contra o presidente como na ação que trata do foro especial dado a Flávio, Celso de Mello atua como relator e, após sua aposentadoria, Kassio deverá assumir a responsabilidade por eles.

Esses assuntos serão julgados pelo plenário, incluindo o formato do depoimento que o chefe do Executivo terá que prestar à Polícia Federal no inquérito envolvendo Moro.

Um outro caso que também alimenta expectativa sobre a atuação do novo ministro é a rescisão da colaboração premiada da JBS, pendente de discussão no STF.

A indicação de Kassio, segundo aliados de Bolsonaro e integrantes do Judiciário, contou com o respaldo do advogado Frederick Wassef, que até o mês de junho atuava na defesa de Flávio no caso da “rachadinha”.

Wassef também prestou serviços à JBS. Recebeu da empresa, segundo apontou um relatório do Coaf, órgão de inteligência financeira, pagamentos de R$ 9 milhões entre 2015 e 2019, e chegou a procurar a PGR (Procuradoria-Geral da República) para tratar da rescisão do acordo.


Merval Pereira: Centrão no STF

Como tudo na ação política de Bolsonaro, nem sempre o que parece ser, é. Assim, já corre em Brasília a tese de que a surpreendente escolha do desembargador Kassio Nunes para substituir o ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) é apenas um balão de ensaio, que pode não se concretizar.

Estaria testando a resistência do nome às chuvas e trovoadas que normalmente ocorrem nessas ocasiões. Uma primeira impressão é que o nome passa bem no teste, mas as pressões internas para que o indicado seja um ministro do STJ, mais graduado que o desembargador, estão intensas.

A escolha tem aspectos bons, como não se basear em critérios estapafúrdios para indicar alguém “terrivelmente evangélico”, ou que tome cerveja com ele, e outros nem tanto, como fazer uma escolha claramente baseada em critérios políticos.

Assim como Dias Toffoli foi nomeado por ter sido advogado do PT, o desembargador Kassio Nunes é um escolhido do Centrão. Quando foi nomeado para a vaga do quinto constitucional no Tribunal Federal Regional, em 2011, teve o apoio do então governador petista Wellington Dias, preferia ir para Brasília a ficar em Recife, no TRF-5, que abrange o nordeste.

Nesses quase 10 anos, teve tempo de fazer um networking político de dar inveja, trafegando nas mais diversas correntes políticas, e contou com a sorte. Estava visitando ministros do STF e políticos para tentar ser nomeado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e acabou escolhido para o STF. Não que o desembargador seja desqualificado para o cargo, tudo indica que não, pelo menos se comparado ao candidato preferencial de Bolsonaro, o ministro-chefe da Secretaria de Governo Jorge Oliveira, que foi sutilmente tirado da lista nas sondagens informais junto aos ministros do STF.

Bolsonaro executou com maestria um “drible da vaca”, como comparou um ministro do STF, “daqueles que o Ronaldinho deixava o zagueirão no chão”. Bolsonaro deve ter gostado da comparação futebolística. Ele havia jogado vários nomes no ar, e apareceu com uma novidade, uma solução diferente do que estavam esperando.

A indicação aparentemente agradou aos ministros do STF, que identificam o desembargador como uma pessoa centrada, equilibrada, com posições sensatas. Por exemplo, é a favor da prisão em segunda instância, mas acha que a decisão deve ser do juiz. Acredito que a escolha já esteja definida, pois Bolsonaro levou-o à casa de Gilmar Mendes, onde estavam Dias Toffoli e David Alcolumbre, presidente do Senado, e anunciou que ele seria indicado. Mas muitos ministros do Supremo estão estranhando que o anúncio tenha saído de uma reunião política.

Entendo a escolha como uma tentativa do presidente de demonstrar ao STF respeito, e entendimento de que não poderia escolher alguém que “toma cerveja” com ele. Mostrou que, na prática, acha que não deve fazer o que estava anunciando para sua platéia. Foi um gesto de aproximação. Se for mesmo escolhido por Bolsonaro, o desembargador não terá problemas no Senado, pois seu padrinho político é o Senador Ciro Nogueira, e, entre outros, tem o apoio de Renan Calheiros, do ex-presidente José Sarney e do ex-senador Romero Jucá. Aquele que disse que seria preciso fazer um acordo, “com o STF e tudo”, para acabar com a Lava-Jato.

É o que deve acontecer, pois Kassio Nunes se coloca contra os “exageros” de Curitiba, na mesma linha de Gilmar Mendes. Como vai ocupar a vaga de Celso de Mello, o futuro ministro deve ir para a Segunda Turma, completando o quorum para decretar a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, e anular a condenação do ex-presidente Lula pelo triplex do Guarujá. Talvez não seja nem mesmo preciso fazer aquela manobra de colocar o ministro Dias Toffoli na Segunda Turma.