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Nas entrelinhas: Lula critica juros altos e escala crise com BC

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ontem, no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a atacar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que manteve a taxa Selic em 13,75%, patamar em vigor desde agosto de 2022, frustrando a expectativa de parte do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do próprio Lula, de que haveria uma redução de 0,25% para sinalizar a queda dos juros. Segundo o presidente, o Brasil tem uma “cultura” de juros altos que “não combina com a necessidade de crescimento” do país.

“É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disparou. Quando Lula ataca publicamente a taxa de juros praticada pela autoridade monetária, está fritando o peixe com um olho no gato e outro na frigideira. O peixe é o presidente do BC, Roberto Campos Neto, cujo mandato vai até 2024; o gato é o mercado financeiro, sem trocadilho; e a frigideira, a opinião pública, principalmente os eleitores de Lula. A autonomia do banco é alvo de críticas do petista desde a campanha eleitoral, atacar os juros altos é uma narrativa de campanha de qualquer candidato de oposição, mas acontece que a eleição já passou.

Lula não confia em Campos Neto, que considera um quadro ideológico do bolsonarismo e grande responsável, juntamente com o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, pelas dificuldades que enfrentou com o mercado financeiro durante a campanha eleitoral. Os agentes econômicos e investidores não esconderam a preferência pela reeleição de Bolsonaro, não importa os riscos que isso significou — e o bolsonarismo ainda significa — para a democracia. Havia expectativa de que o ex-presidente faria um forte ajuste fiscal e avançaria no programa de venda das estatais, principalmente da Petrobras, caso fosse reeleito.

O problema de Lula é que Campos Neto tem mandato para presidir a autoridade monetária até 2024. Quase “imexível”, a independência do BC foi concretizada por lei em 2021, com objetivo de blindar a instituição de interferências políticas. Haddad tenta um meio caminho entre o desenvolvimentismo e a política social-liberal, porém, a política monetária é neoliberal. Esse conflito existiu em todos os governos, mas nunca num cenário de poder absoluto do BC sobre a fixação da taxa de juros.

Lula até argumenta que o ex-presidente do BC Henrique Meirelles, durante seu governo, teve autonomia, embora o banco não fosse independente. Meirelles foi e continua sendo um homem com um pé no mercado financeiro e outro na política. Haddad não tem um pé no mercado financeiro, nem Campos Neto na política. São dois bicudos que não vão se entender. O resultado será uma política econômica esquizofrênica, com o governo e o BC em rumos cruzados, ou seja, se ninguém mudar de rota, em algum momento, haverá um naufrágio.

Palanque

“Tem muita gente que fala: Pô, mas o presidente não pode falar isso’. Ora, se eu que fui eleito não puder falar, quem que eu vou querer que fale? O catador de material reciclável? Quem que eu vou querer que fale por mim? Não. Eu tenho que falar. Porque quando eu era presidente, eu era cobrado”, disse Lula. Essa narrativa corrobora as críticas de que o presidente não desceu do palanque. E não desceu mesmo: está montado numa bicicleta — se parar de pedalar, pode cair.

A independência do BC parte do princípio de que uma diretoria estável é capaz de resistir às pressões populistas, para fazer uma gestão técnica, focada no combate à inflação, sem interferências de natureza político-ideológica. Aprovada pelo Congresso, a lei foi sancionada por Bolsonaro em 2021 e aclamada no mercado financeiro e no mundo empresarial. Desde o Plano Real, com o economista Pedro Malan no Ministério da Fazenda, não havia uma política monetária tão blindada.

De janeiro de 2021 a agosto de 2022, a taxa de juros subiu 11 pontos percentuais. Essa foi, inclusive, uma das causas da derrota de Bolsonaro. A pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, segundo os economistas, foram as principais causas da inflação. Mas não apenas, porque o chamado “teto de gastos” foi ultrapassado oito vezes durante o governo passado — a última com a PEC da Transição.

Para haver redução da taxa de jutos com consistência, é preciso melhorar o ambiente econômico, à deriva sem a nova âncora fiscal. Além disso, com a elevação dos juros nos Estados Unidos, a expectativa de inflação no Brasil também subiu, o que torna impeditiva a redução de juros, segundo a atual política monetária.

Ao que tudo indica, Lula está seguindo a mesma receita de Bolsonaro em relação à Petrobras, que foi obrigada a trocar de presidente e reduzir o preço dos combustíveis. A escala no confronto com Campos Neto, porém, esbarra no fato de que o BC é independente, ao contrário da Petrobras.

O duro constrangimento a que está sendo submetido por Lula pode levar Campos Neto à renúncia. Porém, se não o fizer, sua resiliência pode transformá-lo no líder da oposição à Lula nos meio empresarial, quiçá seu candidato a presidente da República. Daí narrativa populista de Lula.

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