Juan Arias

Juan Arias: Brasil reage com iniciativas de vida aos instintos de morte de Bolsonaro

Sobre os ombros do presidente cairá a dor de que o o país tenha um Natal de luto e de dor por tantas vidas perdidas pela covid-19

Os dois maiores crimes do presidente Jair Bolsonaro em seus dois anos de Governo foram o negacionismo da pandemia, chamando-a de “gripezinha” e depois qualificando de “covardes e maricas” aqueles que se esforçam em tomar as medidas ditadas pela medicina e pela ciência para se proteger do contágio. Para dar o exemplo, Bolsonaro desprezou publicamente todas as medidas de prevenção.

Junto com o desprezo pela epidemia que fez mais de 180.000 vítimas, o que lhe valeu o qualificativo de genocida, Bolsonaro entrará tristemente na história também por seu desprezo pelo meio ambiente e sua destruição da Amazônia, uma das maiores riquezas do país e do mundo.

Diante desses crimes com instintos de morte e destruição, o Brasil começa a reagir com uma iniciativa de vida fortemente simbólica: a de plantar uma árvore para cada vítima da epidemia que terá gravados seus nomes. Dois desafios de vida contra os instintos de destruição do presidente.

O Brasil está, efetivamente, perdendo sua imagem no mundo com as atitudes de morte e destruição de seu Governo. O The New York Times, considerado um dos jornais mais sérios do mundo, acaba de publicar que o Brasil é o país que travou da pior maneira a luta contra o vírus, talvez junto com os Estados Unidos de Trump, o ídolo de Bolsonaro. Não por acaso são os dois países do mundo com mais óbitos.

A pastora evangélica Damares Alves, ministra da Mulher e dos Direitos Humanos que quer que os meninos usem azul e as meninas, rosa, nas escolas, teve o sarcasmo de afirmar que o Brasil finalmente tem o presidente que necessitava: um presidente “macho”. Talvez tenha querido dizer um presidente que odeia as mulheres, as pessoas frágeis, os diferentes, a quem chama de covardes. Um presidente sem empatia pelos que vivem à margem da sociedade, sofrendo o flagelo das terríveis desigualdades sociais e que está destruindo a economia e a convivência nacional. Um presidente com o qual o Brasil perdeu cinco posições no ranking de desenvolvimento humano, como a ONU acaba de anunciar.

Não, o Brasil não precisa de um presidente “macho”. Está precisando de um estadista com projetos de vida e de reconstrução de um país em crise. Um estadista que aposte em projetos de vida e não de morte. Que tenha um sentimento de empatia pelas pessoas, que saiba sofrer com suas dores e suas tristezas. Que seja solidário com as famílias das vítimas, que apresente programas capazes de fazer o país crescer e lhe devolva o amor pela vida e não pela morte. Um presidente que acredite no melhor deste país, que é seu amor pela vida em vez de semear ódios e instintos de morte.

Dizer que o que este país precisa é de um presidente “macho” é ofender as mulheres em um país que mais as mata e onde elas ainda não ocupam o lugar que lhes corresponde na sociedade. É a melhor forma de dizer que o Brasil deve ser governado por machistas, autoritários, amantes das armas, do autoritarismo, que despreza tudo o que é frágil e marginal. É ir na contramão de uma luta universal contra o desprezo pelo feminino e onde, com muito sofrimento e lutas, o mundo da mulher começa a abrir espaço.

Machismo é o que o mundo tem de sobra. Chegou a hora de abrir novos espaços e horizontes para combater definitivamente o preconceito em relação aos valores femininos. Com a presença de Bolsonaro, o presidente macho, o Brasil continuará indo ladeira abaixo em suas lutas para construir uma sociedade mais humanitária, menos classista e desigual. Enquanto isso o Brasil afunda, brincando com o caos, brincando com a vida. O Natal se aproxima, e o presidente macho, que coloca em seu emblema “Deus acima de tudo”, continua apostando na morte em vez de na vida.

Sobre seus ombros cairá a dor de que o Brasil tenha um Natal de luto e de dor por tantas vidas perdidas. Na boca de Bolsonaro, com o nome de Deus que evoca amor por todos e principalmente pelos abandonados e marginalizados, a vida soa mais como uma blasfêmia.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


Juan Arias: Novo ministro do Supremo de Bolsonaro surpreende com defesa do Estado laico

Magistrados como Kassio Nunes Marques devem ser terrivelmente fiéis à Constituição, sem maracutaias políticas que acabam manchando a lei

O presidente Jair Bolsonaro havia anunciado que a primeira nomeação de um novo magistrado do Supremo Tribunal Federal seria alguém “terrivelmente evangélico”, o que criou preocupação visto que o Brasil, pela Constituição, é um Estado laico. O novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, porém, surpreendeu, na última quarta-feira, ao defender enfaticamente a laicidade do Estado, que deve respeitar todas as confissões religiosas igualmente sem se identificar com nenhuma.

Segundo Nunes Marques, “a laicidade do Estado não significa Estado ateu, mas Estado de todas as religiões e de religião alguma”. E acrescentou que “o fato é que o Estado não deve professar religião alguma e que se manter neutro não significa manter uma postura hostil ou impeditiva da religiosidade”.

A postura impecável do novo magistrado na defesa da laicidade do Estado contrasta com a ideia quase obsessiva de Bolsonaro desde que era um simples deputado, quando defendia que o Estado brasileiro não é laico, mas cristão. “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico, não”, gritou durante a campanha eleitoral, acrescentando: “o Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”.

Não é descabido pensar que o sonho de Bolsonaro e dos pastores evangélicos, que já têm três partidos próprios no Parlamento e estão presentes em outros 16, é mudar a Constituição para eliminar sua laicidade e trocá-la pela Bíblia, para criar uma espécie de República islâmica.

E o sonho dos evangélicos, que passam de 30% da população, sempre foi ter um presidente deles. Até agora só conseguiram que um deputado, o pastor Marco Feliciano, presidisse a importante Comissão Parlamentar de Direitos Humanos. O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, já havia profetizado que “era a vontade de Deus que um evangélico chegasse à presidência”.

Com Bolsonaro o conseguiram só pela metade, pois na verdade sempre foi católico e se fez rebatizar na Igreja Evangélica por cálculos eleitorais, já que essas igrejas poderosas movimentam milhões de votos sob o lema “o irmão vota no irmão”.

Todos os presidentes até agora nas campanhas eleitorais tiveram que se render aos evangélicos e se ajoelhar para pedir sua bênção, inclusive a candidata agnóstica Dilma Rousseff, escolhida por Lula para substituí-lo. Dilma foi obrigada, para não perder o voto dos evangélicos, a enviar-lhes uma carta se comprometendo a não tocar na lei contra o aborto durante seu mandato. Dilma foi eleita e cumpriu sua promessa.

O deputado Feliciano, que foi coroinha aos 13 anos na Igreja Católica e se converteu ao evangelismo quando conseguiu sair do mundo das drogas, hoje é um evangélico que chega a dizer que “os católicos adoram Satanás e têm seus corpos entregues à prostituição”.

No Brasil, o reino de Deus é cada vez mais deste mundo. As igrejas evangélicas e pentecostais atuam cada vez mais como um tea party à brasileira.

O pastor Feliciano, que dirige uma das igrejas mais importantes, chegou a dizer que os africanos carregam uma maldição divina desde os tempos de Noé, que faz com que vivam na miséria.

Ainda é cedo para saber se o novo ministro do Supremo, Nunes Marques, se manterá firme na defesa da Constituição e do Estado laico. E ainda é difícil saber o que Bolsonaro pensou da defesa da laicidade do Estado feita por seu magistrado. Como é cedo para saber se, em se tratando de assuntos que dizem respeito ao delicado tema das denúncias de corrupção da família Bolsonaro, o novo magistrado continuará sendo coerente com seu juramento de defender a Constituição em vez de ser um lacaio do presidente que o escolheu a dedo.

Para não cair no pessimismo, prefiro pensar que o presidente tenha ficado decepcionado com seu novo ministro e que este preferirá não sujar sua carreira de alto jurado da mais alta corte e, como acaba de fazer, seja fiel à Constituição.

Prefiro pensar que essa defesa aberta da laicidade do Estado estabelecida na Constituição continue alinhada com a independência que todo magistrado do Supremo deve ter, o que nem sempre tem sido o caso, pois levou não poucas vezes a relações espúrias entre alguns magistrados e o mundo político, ao que tantas vezes se dobraram, traindo a importante separação entre as instituições que devem ser independentes, como exige a Constituição.

Mais do que “terrivelmente evangélicos”, os magistrados do Supremo devem ser terrivelmente fiéis à Constituição, sem maracutaias políticas que acabam manchando a Carta Magna dos brasileiros.


Juan Arias: A corrupção cria um novo genocídio no Brasil

Os abutres estão se aproveitando da dor da pandemia para engordar suas barrigas. Quantas vidas poderiam ter sido salvas com esse dinheiro?

Não é só o coronavírus que está criando um genocídio no Brasil, pecado do qual o próprio chefe de Estado, Jair Bolsonaro, é acusado por seu comportamento negacionista diante da epidemia. Outro genocídio não menos importante é o da corrupção que infestou todas as instituições do Estado, da política à Justiça, começando pelas próprias igrejas.

Os abutres estão se aproveitando da dor da pandemia para engordar suas barrigas. Quantas vidas poderiam ter sido salvas com esse dinheiro? A corrupção cria morte e dor como um vírus da alma. Quem se apropria do dinheiro público dedicado a criar vida é um genocida.

Dias atrás vi se encherem de lágrimas os olhos de uma mãe de duas meninas, desempregada, ao receber uma cesta básica. E veio aos meus olhos, como um pesadelo dantesco, a fila de políticos, empresários, juízes e até religiosos em uma dança de morte de milhões roubados dos pobres.

Ao mesmo tempo, com dor, vejo aflorarem os pecados dos maiores responsáveis pela Lava Jato chamados a exigir justiça. Vejo a dança de alegria dos corruptos diante do colapso da cruzada contra a corrupção e não sei qual crime é pior.

A verdade é que os pecados daqueles que foram aclamados por terem tido a coragem de desafiar os corruptos poderosos não podem servir de detergente para limpar a sujeira dos corruptos.

É preciso dizê-lo em voz alta: a corrupção que move milhões e até bilhões em um país onde correm rios de dor de milhões de pobres que sofrem porque não podem alimentar seus filhos deve ser punida como assassinato e genocídio.

E são sempre os mesmos, na pandemia e na corrupção, os que mais sofrem e morrem: os negros e afrodescendentes herdeiros da escravidão; os que cresceram sem uma educação que os preparasse para a vida, os indígenas cada vez mais massacrados, os idosos e os doentes incapazes de sobreviver por conta própria.

Durante a pandemia, dois demônios se juntaram no Brasil para criar morte e dor, o do vírus e o da corrupção nascida no próprio coração da tragédia. Um trabalhador que recebe salário mínimo me perguntou: como podem ter alma aqueles que roubam até o dinheiro destinado a salvar vidas? Fiquei me perguntando como podem dormir tranquilos.

E não apenas não parecem ter remorso, mas dançam felizes vendo desabar alguns dos pilares da luta contra a corrupção. Na verdade, observar hoje o regozijo de alguns políticos sobre os quais recai até uma dúzia de processos de corrupção e que continuam em liberdade por sua cumplicidade com magistrados e procuradores ou por suas chantagens a eles é algo que não deixa de causar indignação e repulsa.

Este Brasil que a corrupção está corroendo não é aquele com que os brasileiros sonharam e pelo qual se empenharam e lutaram —um país onde ninguém passasse necessidade, pois é atravessado por rios de riquezas naturais. E que, além disso, tem um povo criativo e capaz, se o deixarem, de produzir riquezas para que todos possam ter o que precisam sem ter de ver a fome aflorar nos olhos de seus filhos.

Sou exagerado? Não. Ainda fico aquém porque nem eu nem a maioria dos meus leitores conhecemos por dentro as entranhas dos dramas da pobreza e até da miséria de milhões de pessoas expostas ao mesmo tempo à violência cruzada do crime organizado e da ausência do Estado.

E enquanto isso, onde estão as vozes dos justos que não ouvimos seus gritos de condenação a tanto genocídio? Onde está aquele punhado de políticos e líderes decentes e não corruptos que não levantam a voz? Onde estão aqueles que foram escolhidos para fazer justiça e defender os mais fracos e que vivem de mãos dadas com os outros poderosos, defendendo mutuamente seus privilégios?

Às vezes me vêm à memória as vozes do Deus da Bíblia quando, na cidade corrupta de Sodoma e Gomorra, não encontrava um único justo capaz de salvar os demais. Ou me lembra o lamento daquele profeta dos descartados e abandonados à própria sorte quando dizia: “Tenho compaixão por eles porque são como ovelhas sem pastor”. Onde estão no Brasil os pastores, os governantes, os políticos, os juízes e até os religiosos capazes de proteger os mais expostos sempre à patada dos lobos?

Se os pecados da Lava Jato não redimem os corruptos, tampouco uma vitória nas urnas autoriza a tirania e a perseguição aos diferentes e mais expostos a serem escravizados. A classe brasileira que está em boa situação, a que nunca passou necessidades e pôde até dar caprichos aos seus filhos, os políticos e juízes corruptos, nunca compreenderá a imensidão da dor acumulada no coração dos que trabalham e não conseguem nem uma vida digna.

É triste para o Brasil, como país, se distinguir por ser um dos países mais corruptos do mundo ao mesmo tempo em que é um dos povos mais religiosos do planeta.

Os evangelhos cristãos dizem que o demônio, para tentar Jesus, o levou ao alto da cidade e, mostrando-lhe todos os reinos a seus pés, lhe disse: “Tudo isso te darei se, prostrando-te, me adorares”; o Brasil aparece hoje rendido à tentação dos demônios da corrupção diante dos quais todas as instituições parecem de joelhos.

E o pior e o mais sarcástico é que este é um país que chegou a ser invejado de fora porque se dizia que “Deus era brasileiro”. Será que voltará a ser algum dia? Recursos não faltam. O que falta é decência aos responsáveis pelo seu destino.


Juan Arias: Em carta ainda inédita, bispos do Brasil se declaram estarrecidos com a política suicida de Bolsonaro

Bispos afirmam que até a religião é usada neste momento “para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes”

No Brasil, o país com o maior número de católicos no mundo, 152 bispos assinaram uma carta dura, ainda não divulgada, contra o Governo e seu presidente, Jair Bolsonaro, na qual afirmam que o país “passa por um dos momentos mais difíceis de sua história”, que eles definem como” tempestade perfeita”, já que une, de acordo com os bispos, “a crise sem precedentes na saúde ao avassalador colapso da economia”.

A carta dos bispos aos católicos brasileiros é uma condenação dura e contundente da atual política bolsonarista. É especialmente importante pela dureza das acusações, pelo uso de uma linguagem sem a clássica diplomacia da Igreja e por ser assinada também pelo cardeal Claudio Hummes, um dos maiores amigos do papa Francisco e que, portanto, nunca teria firmado tal documento sem a sua aprovação prévia.

Foi o pontífice argentino quem revelou que havia escolhido como papa o nome de Francisco, para lembrar São Francisco de Assis, porque o cardeal brasileiro, no momento em que conquistou a maioria dos votos no Conclave, o abraçou e lhe pediu: “Nunca se esqueça dos pobres”. O cardeal Hummes é prefeito emérito do Dicastério da Cúria Romana para o Clero, onde esteve à frente até 2010 como responsável pelo cuidado de todos os sacerdotes do mundo.

Existem hoje na Igreja Católica poucos documentos tão duros contra um Governo, e menos ainda como o de Bolsonaro, cujo presidente se declara católico praticante e conservador. Estamos acostumados, no máximo, a condenações por parte da Igreja Católica de Governos de cunho comunista ou simplesmente da esquerda, dificilmente de conservadores e de direita, os quais, pelo contrário, a Igreja sempre encheu de elogios e privilégios, como fez na Espanha com o ditador general Franco ou no Chile com Augusto Pinochet. Ainda me lembro da visita do Papa João Paulo II ao Chile, sua familiaridade e simpatia no trato com o ditador dentro do palácio presidencial. No Brasil, nem nos tempos da ditadura militar foram publicados documentos tão fortes da Igreja como o atual dos 152 bispos contra Bolsonaro.

Sempre se dizia que na Igreja Católica duas instituições eram as melhores do mundo: seus serviços secretos e sua diplomacia. E essa diplomacia sempre foi proverbial em documentos endereçados a Governos e governantes. Desta vez, porém, os bispos brasileiros usaram uma linguagem contundente, dura, de aberta condenação contra o Governo e o presidente. Basta este parágrafo da carta para julgar a força de condenação que os bispos quiseram dar a seu documento:

“O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa (...).” E continua: “na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde.”

Segundo os bispos, até a religião é usada neste momento no Brasil “para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes”. E eles acabam recordando as enigmáticas palavras do apóstolo Paulo quando alerta em sua Epístola aos Romanos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).

No documento, os bispos condenam abertamente o atual Governo e a política totalitária do presidente Bolsonaro. Dizem, sem rodeios: “Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises”. E os bispos lançam uma condenação taxativa quando afirmam que o atual Governo “não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos”, mas, ao contrário, “a defesa intransigente dos interesses de uma economia que mata, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço”. Vocábulos como “desprezo”, “raiva”, “grosseiro” e “repugnância” nunca tinham sido vistos em um documento importante como este firmado por 152 bispos católicos. Lembro-me de que, quando era correspondente deste jornal no Vaticano, um bispo da Cúria Romana me mostrou um pequeno dicionário de palavras “fortes” que nunca deveriam ser usadas em documentos assinados pela hierarquia da Igreja, nem sequer pelo Papa.

Citando o papa Francisco em relação à crise do meio ambiente, com a guerra contra a Amazônia e o massacre dos indígenas, os bispos recordaram suas palavras quando escreveu por ocasião do Dia do Meio Ambiente: “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós”.

Agora, Bolsonaro e seu Governo sabem que, além do clamor majoritário do Brasil contra os crimes cometidos por ele e por seu Governo contra todas as minorias, somado ao desastre na questão da pandemia e da educação, terá que enfrentar esta condenação da Igreja Católica, a maior confissão religiosa do mundo e deste país. Bolsonaro sabe que não se trata de um inimigo fácil, pois conta com 1,31 bilhão de seguidores no mundo, dos quais 110 milhões apenas no Brasil. Não é um exército pequeno. E é forte por estar desarmado, ou melhor, armado apenas com a força da fé.


Juan Arias: Por que um voto sincero na Câmara deixou Bolsonaro nu

Votação que aprovou o Fundeb representa uma humilhação para um Governo que, em quase dois anos de mandato, entrará na história por seu desprezo pela educação

A votação na Câmara para a aprovação da importante lei sobre o Fundeb, que regula os gastos do Estado com a educação básica, com apenas sete votos contra, foi sem dúvida um voto que os deputados deram com o coração. Por uma vez esqueceram seus pequenos interesses políticos ou partidários e souberam colocar os olhos naqueles milhões de crianças que são o futuro da nação, cuja única redenção é uma boa educação básica.

Uma boa educação fundamental impedirá que se deixem escravizar quando forem maiores. E os deputados que votaram com o coração certamente pensaram também nos milhões de professores que são o motor da educação, uma continuação da família. Os professores merecem todo o respeito, o apoio e o carinho do país. Ainda mais no Brasil, onde estão entre os mais mal pagos do mundo e não por isso deixam de dedicar suas vidas com paixão ao ensino.

Foi uma votação com o coração e ao mesmo tempo uma derrota, ou melhor, uma humilhação para um Governo que, em quase dois anos de mandato, não conseguiu mais que sete votos na Câmara em apoio ao seu projeto com o qual queria usar o Fundeb para criar um programa de tom eleitoral.

Portanto, se foi um voto com o coração, também foi um voto de castigo para o presidente Bolsonaro, que além de seu comportamento de matiz genocida durante a pandemia, conforme apontam alguns juristas, entrará na história por seu desprezo pela educação com seu rosário de ministros da Educação incapazes para o cargo, que ele próprio se viu obrigado a destituir porque eram uma vergonha nacional.

Na histórica votação sobre o Fundeb, o presidente Jair Bolsonaro revelou-se mais do que um novo Átila, cujo cavalo matava para sempre a grama que pisava, como o cavalo de Tróia descrito por Homero na Odisseia, que ao longo dos séculos se tornou a metáfora do engano político e militar.

Em qualquer outra parte do mundo, especialmente onde existe a figura do presidente do Governo separada do presidente da República, na mesma tarde da retumbante derrota na Câmara teria havido uma crise de Governo. E mesmo em um regime como o brasileiro, se tivesse tido grandeza política Bolsonaro teria renunciado ao cargo, pois ficou claro que é um Governo que foi humilhado com uma derrota tão acachapante em um tema tão crucial como a educação.

A votação na Câmara, pronunciada pelos parlamentares com o coração, pode ter revelado mais do que uma humilhação ao presidente. Essa votação fará muitos pensarem que talvez seja uma falácia a desculpa de que não é prudente dar curso às dezenas de pedidos de impeachment de Bolsonaro que se acumulam no Congresso com a desculpa de que o Governo teria votos suficientes para detê-los. A votação sobre o Fundeb que envergonharia qualquer Governo em qualquer país também deixou claro que o presidente está mais nu politicamente do que parece.

Bolsonaro, que recorre tanto ao céu e aos deuses em seu favor, deveria refletir que talvez desde aquelas alturas do divino comece a se ver mais abandonado do que poderia imaginar. E quando os deuses, mesmo que seja como metáfora, começam a abandonar alguém, a derrota costuma estar próxima.

Sou filho de dois professores rurais pobres que nunca conseguiam terminar o mês sem dívidas para que mal pudéssemos comer, mas que incutiram em mim e em meus irmãos a paixão pelo saber como a melhor arma de defesa contra a iniquidade. É por isso que não posso deixar de dedicar esta coluna com emoção à vitória conseguida pelos milhões de sacrificados professores de educação básica do Brasil, que hoje podem se sentir orgulhosos de terem vencido essa batalha contra aqueles que sempre os humilharam.

Oxalá esta vitória seja o início de novas vitórias em um país onde a questão da educação é mais crucial, se é que isso é possível, do que em outros lugares. Não podemos esquecer que uma das maiores tragédias deste país-continente foi quando milhões de escravos africanos, cujos descendentes ainda são maioria no país, foram abandonados à própria sorte sem educação para eles e para seus filhos.

Hoje o Brasil paga o preço desse cruel abandono e dessa aberração levada a cabo com milhões de analfabetos e pessoas despreparadas que foram impedidas de conseguir um trabalho digno e um resgate cultural que os libertasse das humilhações e das dores dos demônios de uma injustiça que ainda se resiste a morrer.


Juan Arias: Bolsonaro está doente da alma

Sua soberba ficou, se isso é possível, mais evidente na maneira arrogante e provocadora com que anunciou que foi contaminado

Mais do que doente de coronavírus, o que aflige o presidente Jair Bolsonaro é algo muito mais grave, é uma doença da alma, uma doença sem cura.

Do vírus ele poderá se curar ou morrer, como todo mundo. No entanto, o mal que nele é grave é sua soberba, sua teimosia em querer negar as evidências. Primeiro, enquanto se gabava de sua condição de atleta e exibia sua imunidade, levando os outros a acreditar que era uma simples gripe que a ciência e a medicina exageravam e que ele não tinha nada a ver com os mortos. E enquanto os cadáveres se amontoavam e cresciam as lágrimas daqueles que perdiam seus entes queridos, Bolsonaro continuava rindo e minimizando o risco de contágio.

Sua soberba ficou, se isso é possível, mais evidente na maneira arrogante e provocadora com que anunciou que sim, que foi contaminado. Ao dar a notícia, nunca fora visto rindo com tanto gosto. Parecia até feliz. E manifestou sua felicidade ao afirmar que, no fim das contas, o coronavírus era “uma chuva” que iria molhar todo mundo. E chegou a provocar a ciência e a medicina recomendando novamente o uso da cloroquina, cuja eficácia não só não foi comprovada, como seu uso poderia piorar o quadro dos pacientes com o vírus.

Exatamente no momento em que poderia ter demonstrado à nação com um gesto de humildade que havia se equivocado ao minimizar a doença que de alguma forma tinha se vingado dele, permaneceu fiel à sua teimosia e soberba ao afirmar que se está exagerando a força da pandemia. E voltou a repetir que mais importante que as mortes e mais urgente é que todos voltem ao trabalho para render culto ao deus da economia.

Enquanto ouvia o presidente falar, em minhas veias sentia pena, raiva e vergonha por este país que merecia nestes momentos de tragédia nacional, com 66.000 mortos, uma palavra de consolo e não de arrogância de quem detém a mais alta autoridade do Estado.

Bolsonaro alardeia ser católico, evangélico e se importar mais com a Bíblia do que com a Constituição. Deveria saber que nesses textos fica evidente que todos os pecados podem ser perdoados, menos o da soberba que pressupõe que a pessoa se coloca acima de Deus. O vírus de Bolsonaro é de um gênero diferente dos milhões já contagiados. O seu é diabólico.


Juan Arias: Primeiro alerta aos militares. Acabarão como o Sansão bíblico?

A ideia de Bolsonaro se rodear do Exército pode ser um bumerangue. Nada poderia ser mais perigoso para o Brasil

O Brasil vive uma situação política peculiar. Um presidente, o ultradireitista capitão reformado Jair Bolsonaro, que se blindou com militares em seu Governo, incluindo vários generais como ministros. A ideia de se rodear do Exército pode ser, porém, um bumerangue contra ele e contra os militares, que podem acabar como na história bíblica de Sansão.

O primeiro alarme acaba de soar. Enquanto Bolsonaro vê sua taxa de apoio popular reduzida a 30% antes dos dois anos de mandato, os militares, que eram junto com a Igreja uma das instituições com maior índice de aprovação na sociedade, começam a descer a ladeira. Segundo a recente pesquisa do Instituto da Democracia, pela primeira vez o mítico apoio popular ao Exército começa a desmoronar, perdendo 7 pontos, enquanto sua permanência no Governo não contribui para a democracia na opinião de 58%.

Começa-se a notar na opinião pública a inquietação de que essa presença maciça dos militares no Governo de Bolsonaro, com suas manias golpistas, possa resultar em um desastre para todos. O apoio à ideia de uma ruptura institucional para permitir um golpe militar em nome do combate à criminalidade passou de 55,3% em 2018 para escassos 25% hoje.

Cabe perguntar aos militares o que os leva a continuar apoiando um Governo que está murchando aos olhos da opinião pública, cada vez mais encurralado internacionalmente. O índice de aprovação a Bolsonaro no Brasil se deteriorou os últimos meses com o desprezo do presidente pela pandemia, a tentativa de ocultar as mortes e sua falta de empatia com as vítimas, que estão prestes a serem as mais numerosas do mundo.

Há quem se pergunte o que esperam os militares para abandonar essa situação de apoio a um Governo contra o qual estão crescendo as manifestações populares, as quais poderiam alcançar a eles mesmos. Como escreveu dias atrás Carla Jiménez, diretora de redação do EL PAÍS Brasil, essa ambiguidade dos militares pode fazê-los serem vistos como “cúmplices” das ações de um presidente que já é tido como um caso psiquiátrico. Será só o acúmulo de salários, como ironizou o genial colunista Elio Gaspari? Ou será o prazer da visibilidade midiática por seus cargos no Governo, que os faz aparecerem, dia sim, dia não, pontificando sobre a política, da qual deveriam ficar de fora?

De qualquer modo, a responsabilidade dos militares perante a sociedade que começa a abandoná-los é grave, já que nada poderia ser mais perigoso para o Brasil, para sua imagem dentro e fora do país, que acabar perdendo sua cota cada vez mais minguada de popularidade.

Seria triste que os militares brasileiros que deram apoio à democracia, o que acabou por redimi-los da noite escura da ditadura, possam perder hoje sua credibilidade por um prato de lentilhas. Tomara não repitam a simbologia da passagem bíblica de Sansão, para citar um exemplo tirado do Livro Sagrado que seu atual chefe, o presidente Bolsonaro, exibe junto à Constituição.

Sansão, segundo aparece no Livro dos Juízes (capítulos 13 a 16) da Bíblia hebraica, foi o último juiz de Israel antes da monarquia. Tinha sido agraciado por Deus com uma força especial. Era capaz de despedaçar um leão com suas mãos. Seus inimigos eram os filisteus. Contra eles Javé tinha dado um poder especial que residia em sua vasta cabeleira de nazareno.Sansão pediu permissão para se apoiar em uma coluna do edifício e com um simples movimento fez desabar o templo, onde morreram ele e os filisteus

Sansão, entretanto, caiu na fraqueza de se entregar às delícias de uma prostituta que lhe arrancou o segredo da sua força. Assim, enquanto dormia em seus braços, fez que lhe cortassem sua cabeleira, e começou seu declínio. Os inimigos lhe arrancaram os olhos, obrigaram-no a labutar num moinho de grãos. Só que ali o seu cabelo cresceu novamente, e ele recuperou a força. Os filisteus não sabiam, e um dia o convidaram a ir ao templo. Estava, diz a Bíblia, abarrotada com 3.000 filisteus que ocupavam até o teto do templo. Sansão pediu permissão para se apoiar em uma coluna do edifício e com um simples movimento fez desabar o templo, onde morreram ele e os filisteus.

As histórias bíblicas têm muitas leituras. A de Sansão já foi tema de todas as artes, da literatura à pintura, e de todas as interpretações religiosas e laicas. E hoje se tornou atual na complexa história de Bolsonaro e dos militares. Não sabemos de onde vem a força que Bolsonaro revelou nas últimas eleições, quando obteve 57 milhões de votos sem nunca ter sido nada antes, nem como deputado em seus 30 obscuros anos de Congresso e menos como militar, já que foi forçado a abandonar sua carreira por causa dos seus instintos terroristas.

Talvez essa força do “mito”, que como Sansão hoje ameaça derrubar as colunas da democracia, tenha sido conferida pelos milagrosos robôs e fake news usados em sua campanha, ou como desforra pela humilhação de ter ficado em simples capitão reformado, para se tornar comandante-chefe de todas as Forças Armadas do país. É algo de que hoje ele se gaba. Não se deram conta os militares de que o acolheram e estão se tornando seus cúmplices no governo?

Cuidado, porque o novo Sansão pode acabar em sua loucura preferindo que todos morram com ele, derrubando as colunas do templo da Constituição. Perderíamos todos: ele, os militares, a sociedade e o mundo, porque o Brasil acabaria reduzido a mais uma república de bananas após ter sido o coração econômico do continente e a inveja do mundo quando o país desfrutava tranquilo de sua reconquistada democracia e era visto como o país do futuro.

Como acaba de afirmar Fernando Gabeira, que conhece como poucos, palmo a palmo, os territórios mais recônditos do Brasil e não pode ser acusado de conivência com o poder, “nem todos sabem como este país é grande, diverso, solidário e magnífico em sua beleza”. E alerta: “Impedir que ele se dissolva é a grande tarefa de construir uma civilização tropical onde só querem pastos, fuzis, carros e eletrodomésticos”.

Cuidado, senhores militares! O Brasil é maior, mais importante e interessante no mapa mundial que as mesquinhas manobras de poder. E vocês são os garantes de defender este grande patrimônio para que não seja jogado na roleta da morte.


Juan Arias: Quem é o verdadeiro Bolsonaro?

De tanto ser nada, presidente está se revelando como um cavalo descontrolado que, quanto mais acossado, mais coices dá

Em seus 500 dias de Governo já se disse de tudo sobre o presidente de extrema direita, o capitão reformado Jair Bolsonaro. E, entretanto, sua verdadeira personalidade ainda é um mistério. Sobre ele já opinaram de psiquiatras a cientistas políticos e historiadores e ainda continuamos sem conhecer realmente a verdadeira periculosidade do personagem.

Ele, que sempre foi um obscuro político sem relevância, célebre, de todo modo, por suas grosserias contra os diferentes e as mulheres, é hoje examinado, já no comando da República, sob os traços mais obscuros de sua personalidade. A psicologia o descreve como um paranoico com complexos de inferioridade e fúrias destrutivas de morte, e os políticos como um personagem menor com desejos de vingança por ter passado 30 anos na sombra.

Assim se explica sua ambição exorbitada e sua fome de poder e de querer demonstrar que desta vez verdadeiramente o tem. Só que ele não entendeu que esse poder é compartilhado e que ele é responsável somente por presidir um país ao lado das outras instituições independentes do Estado. De ser nada passou a sentir a onipotência bater a sua porta e está se revelando como um cavalo descontrolado que quanto mais acossado mais coices dá. Mostra arroubos de valentia quando é criticado e se reveste de uma autoridade que não lhe pertence. E chega a proclamar como os velhos ditadores do passado, tantas vezes personagens complexados na vida, “eu sou a Constituição”, e “sou eu quem manda” e “as Forças Armadas estão sob meu comando”. E “eu quero o povo armado nas ruas”. Onipotência descarada e simplista que só pode conduzi-lo ao fracasso e levar o país ao abismo.

Não restam dúvidas de que na História sempre foram personagens complexados que, para demonstrar sua força, infringiram descaradamente todas as regras mais elementares da democracia para dar vida a experiências totalitárias que acabaram ensanguentando o mundo. Acho que hoje sobre o presidente brasileiro há algo claro e é que parece disposto a tudo, até a pisotear os valores da convivência com suas fúrias de poder.

Tivemos dias atrás mais uma amostra de seu viés não só autoritário como golpista após a reação à publicação por ordem do Supremo do vídeo já tristemente célebre da reunião ministerial de 22 de abril no qual aparecem ele e seus ministros mais ideologizados despidos de dignidade e ameaçando outras instituições, enquanto se esqueciam vergonhosamente do drama que o país está vivendo pelos efeitos da epidemia cujos mortos já nem encontram cemitérios para ser enterrados.

O vídeo deixou em evidência não só a mediocridade e o baixo calão do presidente e de seus principais ministros, mas também o perigo que significa uma nação da envergadura do Brasil ser governada por um punhado de pessoas sem empatia à dor e que ameaçam levar o país a uma nova aventura militar.

O conciliábulo deixou o país atônito, envergonhado e atemorizado ao ouvir da boca do presidente da nação, além de um rosário de palavras vulgares, que seu desejo é contar com uma população armada nas ruas. Para quê? Para matar? Para dar vida a uma guerra civil entre irmãos? Chegou ao sarcasmo de afirmar que o povo armado é o melhor antídoto contra a ditadura.

Era de se esperar que após o opróbrio público daquelas cenas de política obscena da reunião, o presidente Bolsonaro desaparecesse por uns dias na sombra envergonhado e com medo das consequências judiciais do encontro. Isso significaria, entretanto, não conhecer o personagem que como o touro quando recebe as bandeirolas do toureiro se enfurece ainda mais. Desse modo, apareceu em público antes de 48 horas para se encontrar com seu grupo fanático de seguidores que todos os domingos se juntam em frente ao palácio presidencial para aplaudi-lo e gritar palavras de ordem a favor de uma intervenção militar e contra as outras instituições do Estado.

Dessa vez foi possivelmente mais grave porque Bolsonaro apareceu ao lado do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. O presidente se sentiu tão seguro ao lado do general que dessa vez nem sequer se preocupou em pedir aos seus seguidores que retirassem os cartazes golpistas. Não só não teve uma palavra de pesar pelo rio de vítimas que todos os dias estremece o país, como fez questão de quebrar todas as normas contra o coronavírus ditadas pelas autoridades médicas e pelos governadores e se misturou às pessoas abraçando-as sem máscaras e sem escrúpulos.

Nessa mesma hora, como para rubricar um ostensivo apoio de uma parte do Exército às suas tentações golpistas, um grupo de 89 militares da reserva da Agulhas Negras, onde Bolsonaro se formou como paraquedista e de onde foi expulso por seus devaneios terroristas da época, publicou um documento de apoio ao presidente no qual chegam a fazer alusão a uma possível “guerra civil” caso o velho capitão hoje reformado não for obedecido.

Os que chegaram a pensar que os nove ministros militares do Governo e os mais de 2.000 militares colocados nos outros escalões do Estado poderiam servir de freio para deter as tentações autoritárias do presidente, começam a perder a esperança, já que a cada dia se revelam mais alinhados com ele e lançando ameaças claras de um golpe militar.

Tudo isso agravado pela decisão de Bolsonaro de conquistar com cargos e benefícios a parte mais repugnante e corrupta do Congresso, o chamado “centrão”, que é formado por muitos políticos ainda com processos nos tribunais. Para quem venceu as eleições em boa parte por sua promessa de acabar com a velha política e suas práticas corruptas, esse novo casamento com os partidos mais envolvidos em escândalos de corrupção, esse se jogar nas mãos da parte mais podre do Congresso, não pode deixar de aparecer como um sarcasmo e uma chacota aos seus eleitores.

Talvez o Brasil esteja perto de entrar em um dos piores momentos de sua história pelo afã do presidente de reviver velhos fantasmas autoritários inimigos dos valores democráticos que no passado só criaram fome, miséria e desprezo à cultura.

É urgente que o Brasil e suas forças democráticas, deixando de lado suas lutas partidárias, se unam para deter o cavalo descontrolado das velhas saudades autoritárias, já que acredito que restam poucas dúvidas de que Bolsonaro chegou para ficar e que a cada golpe recebido levanta a cabeça com mais orgulho ferido. E que nele não existem limites e cercas capazes de distinguir entre civilização e barbárie. E ainda mais acreditando-se enviado e iluminado por Deus. Por fim, da mesma forma que todos os déspotas da História.


Juan Arias: Bolsonaro se isola do resto do mundo obcecado por seu messianismo perigoso

Ao longo da história os falsos profetas acabaram sendo os maiores assassinos e enganadores das pessoas simples e menos escolarizadas

Entre os transtornos psiquiátricos que afetariam o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, apontados por um grupo de psicanalistas à Folha de S. Paulo figura seu messianismo de querer resolver o drama do coronavírus de forma milagrosa. Assim, se distancia do consenso mundial da ciência que afirma que ainda não existe nenhuma evidência médica de cura fora de uma possível vacina.

Esse messianismo do líder brasileiro e seu falso dilema de que seria preciso escolher que as pessoas morram de fome se forem isoladas ou do novo coronavírus pode levar a um perigoso e fatal equívoco.

Desse modo, o presidente isola o Brasil do resto do mundo, onde ainda não foi encontrada uma forma melhor de evitar que o novo vírus continue matando milhares de pessoas do que o isolamento social. Não por acaso estão sendo aconselhados Governos de unidade nacional para melhor fazer frente à tragédia. O inimigo que assombra o mundo é forte demais para que se possa brincar com ele com cálculos simplistas de política menor. É hora de o mundo estar nas mãos de todas as forças mais bem preparadas para enfrentar o perigo juntos, sem distinções ideológicas.

Já se sabe que todos os messianismos, usados e abusados pelos líderes populistas de todas as tendências políticas, são perigosos porque o ser humano é inclinado a acreditar em receitas milagrosas. Assim, os brasileiros podem acabar sendo arrastados pela miragem do presidente, desobedecendo autoridades ao afrouxar o isolamento, como já se viu em São Paulo e em outras localidades, com consequências que podem ser fatais.

Ao longo da história, os falsos profetas acabaram sendo os maiores assassinos e enganadores das pessoas simples e menos escolarizadas.

Em um país como o Brasil, com um forte componente religioso, brincar com receitas oferecidas pelos pastores ao presidente que consideram ungido por Deus para acabar com a peste é voltar ao obscurantismo da Idade Média, como já lembrei em outra coluna. Pretende-se, como então, substituir a ciência e a medicina por receitas de cunho messiânico.

Insistir como faz o presidente nessa volta aos tempos tristes em que a religião se apoderava da ciência e da medicina hoje significa isolar o Brasil do resto do mundo, onde a ciência está se unindo para dar uma resposta segura à doença mortal que possa evitar tanta morte e tanta dor.

Hoje está claro que nada nem ninguém será capaz de fazer o presidente brasileiro recuar de seu messianismo. Assim, os altos militares de seu Governo se equivocam se acreditam que basta que eles retoquem os discursos do presidente nas redes de rádio e televisão.

Vimos como essa falsa conversão dura menos de 24 horas para o presidente e em seguida sintoniza com o chamado “gabinete do ódio”, e multiplicado pelas redes sociais dominadas pelo seu pequeno grupo de seus seguidores mais fanáticos.

Daí a responsabilidade dos militares presentes no Governo, que deveriam entender neste momento que nem eles são mais capazes de fazer mudar a índole psicológica do ex-capitão Bolsonaro nem de conter seus arroubos autoritários. Não é um paradoxo que, na esperança de que o Brasil possa continuar sendo uma democracia sem ameaças contínuas de golpes autoritários, o país esteja hoje nas mãos dos militares?

Que a democracia conquistada no Brasil com dor e lágrimas depois da ditadura militar esteja hoje ameaçada pela personalidade totalitária do presidente já não é um segredo. Como tampouco o é que o presidente continue defendendo e exaltando a ditadura e a tortura, algo que o melhor do Exército, especialmente os mais jovens, hoje rejeitam e desejam esquecer, como soube esta coluna de testemunhas nos quartéis.

Esses ímpetos absolutistas do presidente só poderiam ser paralisados pelos importantes militares que continuam em seu Governo e que se equivocariam se pensarem que são capazes de detê-lo. Eles deveriam entender que, na realidade, o presidente já não governa.

Quando os militares decidiram entrar em um Governo saído das urnas foi dito que era uma maneira de mostrar que eles respeitariam a democracia e a Constituição.

Portanto, a esperança de que Bolsonaro renuncie a um poder que já não consegue exercer não passa tanto pela longa e complexa liturgia do impeachment ou pelas formas jurídicas de demissão forçada, mas pela esperança de que os militares sejam capazes de convencê-lo a se retirar para o bem da nação.

Depois da ditadura, os militares brasileiros deram provas de ter abraçado os valores da democracia e aceitado a Constituição. E assim foi entendido pela opinião pública, que, segundo as pesquisas, considera o Exército uma das instituições mais confiáveis do país.

São horas difíceis e perigosas para um país da importância do Brasil no xadrez mundial e, embora possa parecer um paradoxo em um país sul-americano, hoje a resolução da crise de Governo por que o país está passando, e que flerta com os tempos sombrios do autoritarismo, recai nas mãos dos militares.

Seria trágico se hoje a opinião pública brasileira também perdesse sua confiança nessa instituição se ela se mostrasse incapaz de deter os arroubos messiânicos e autoritários do presidente capitão aposentado, que muito jovem foi expulso do Exército. E que hoje ameaça até os generais de seu Governo, lembrando-lhe que agora o presidente é ele e somente ele.

O Brasil vive um daqueles momentos históricos em que um erro de cálculo pode arrastar o país para uma aventura da qual um dia terá de se arrepender.


Juan Arias: Amanhã pode ser tarde demais para deter Bolsonaro

Bolsonaro não só caçoa de uma epidemia que coloca o mundo de joelhos, como tenta se aproveitar dela para minar as instituições democráticas

Nada poderia ser pior do que minimizar o perigo que corre hoje o Brasil nas mãos de um personagem, como o capitão reformado e ultradireitista Jair Bolsonaro, que não só caçoa de uma epidemia que está colocando o mundo de joelhos, como tenta se aproveitar dela para minar as instituições democráticas e sustentar sua ânsia de poder.

Aproveitar este momento de angústia nacional para politizar um drama em que o país está entre a vida e a morte pensando em sua reeleição, é um crime sem perdão.

Com seu estilo sibilino de dizer e se desdizer, de brincar de esconde-esconde, o presidente acaba confundindo e impondo seu estilo de aprendiz de ditador enquanto há quem ainda o veja como inofensivo por considerá-lo um despreparado e incapaz. Pelo contrário, aquele que sonhou em ser general do Exército e acabou como simples capitão é mais perigoso à democracia do que muitos pensam. Vai roendo sem que percebamos nossas liberdades e capacidades de decisão. E espera o momento propício para dar o golpe.

Quem pensava que os militares, começando pelos generais que ele colocou no Governo, seriam garantia contra seus caprichos autoritários hoje se veem isolados e retirados do Governo contra sua vontade se não se colocarem às suas ordens. Todos os seus pecados vão sendo perdoados, até contra o senso comum. Permitem que ele apresente ao exterior uma imagem do país que vai na contramão dos maiores líderes mundiais na luta contra a epidemia do coronavírus porque se pensa que ninguém vai acreditar nele.

O presidente é mais perigoso do que parece porque suas ambições de poder são muito maiores do que imaginam até os que estão ao seu lado. Sua capacidade de totalitarismo e de desejo de colocar aos seus pés as instituições democráticas são insaciáveis e já existem desde jovem, quando sendo simples soldado sonhava em presidir o país utilizando até métodos de terror, como quando no quartel brincava de ser terrorista e subversivo. Também à época o Exército o perdoou porque o considerava inofensivo e ingênuo. Hoje vemos que não era.

Foi considerado como inofensivo também quando já na política, como deputado, fazia troça dos valores democráticos, exaltava as ditaduras e a tortura e humilhava as mulheres e os de outras preferências sexuais. Ele podia tudo porque era considerado inofensivo, do baixo clero. Podia vomitar as maiores barbaridades porque se pensava que era um personagem folclórico, até engraçado, um zé ninguém. Não era. E chegou ao maior cargo do Estado e por voto popular.

Em meio ao drama da epidemia do coronavírus que assusta o mundo e ainda não sabemos quantas vítimas causará, o presidente continua irresponsavelmente em sua teimosia de negar as evidências e ir contra a opinião pública altamente majoritária como revelou a última pesquisa do Datafolha. E se aproveita da tragédia para sonhar até mesmo em impor o estado de sítio e colocar o Exército no comando do país. Exército que, para concretizar seu antigo sonho de poder, agora como Presidente teria aos seus pés.

Enquanto os que realmente importam no país e são responsáveis por seu destino continuarem subestimando os sonhos secretos de onipotência do capitão da reserva, deveriam olhar para trás na história para lembrar que foram personagens que em sua época pareciam inócuos e farsantes que acabaram criando holocaustos e guerras para se vingar dos que os consideravam figuras menores e inofensivas. Será preciso lembrar nomes dos grandes tiranos da História que surgiram da mediocridade da política? Não é difícil lembrar da tragédia do mundo cada vez que para governá-lo forem colocadas em seu comando personagens menores, considerados inofensivos e facilmente domináveis que se tornam insaciáveis em sua loucura pelo poder absoluto.

Se os lúcidos, os normais, os que são capazes de exercer o poder como um serviço à comunidade, acabarem devorados pelas ânsias de poder dos medíocres e falsos loucos capazes de tudo para continuar no pedestal do poder, amanhã pode ser tarde demais.

Não deixemos que o Brasil verdadeiro, hoje amedrontado, o que trabalha e se sacrifica para se apresentar ao mundo como o grande país que é por tradição e história, por sua capacidade de suportar as piores crises, por suas riquezas naturais e espirituais acabe sufocado pela ignorância e a loucura dos que desejam transformá-lo em uma republiqueta periférica no mundo.

Esse amor pelas atitudes violentas e de confronto contra todos, pelos conflitos violentos, pela política do ódio sempre foi o sonho de todos os aprendizes a ditadores que tentaram camuflar seus complexos de inferioridade com o troar dos canhões e o sacrifício de milhões de pessoas perpetrado no altar da loucura política da sede de domínio.

Que o Brasil, assustado com razão por uma epidemia que mata e transforma a todos em prisioneiros de guerra, não espere mais e procure a fórmula constitucional que permita colocar o país nas mãos de alguém normal, sem patologias e delírios de poder capaz de lidar com sensatez nessas horas críticas que podem marcar o futuro de um país que está se revelando solidário e com vontade de vencer essa batalha e continuar com sua vocação de paz e seus desejos de felicidade.

Que o Brasil não precise se arrepender de não ter reagido a tempo deixando que alguém que já deu provas suficientes de que é incapaz de governar um país dessa envergadura e menos ainda em momentos decisivos como esse, continue perigosamente arrastando-o a uma aventura cujo final não é difícil de se imaginar.

E é para hoje. Amanhã será tarde demais.


Juan Arias: Três hipóteses alarmantes sobre as manifestações de 15 de março

As guerras e tragédias da humanidade e dos povos começaram muitas vezes com um único tiro e com a centelha de um erro de cálculo

As manifestações de protesto de 15 de março no Brasil a favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o Congresso e o STF apresentam três hipóteses igualmente alarmantes. E já não são poucas as pessoas preocupadas com a simples convocação. A ideia do protesto já começou mal. Foi lançada pelo General Augusto Heleno, o importante ministro do Gabinete de Segurança Institucional localizado no Planalto. Foi ele quem pediu a Bolsonaro para convocar os brasileiros a sair às ruas contra o Congresso usando inclusive o palavrão de mau gosto “fodam-se”.

O presidente, em vez de refrear a ideia insensata do general, compartilhou com seus amigos a ideia da convocação em sua defesa e contra as instituições do Estado. A reação das instituições foi imediata e dura. O decano do STF, Celso de Mello, uma das figuras de maior prestígio da corte, chegou a dizer que, se a notícia fosse confirmada, tornaria o presidente “indigno do cargo que ocupa”. E soaram em seguida do outro lado as campanas do impeachment...

Em resposta à iniciativa do general e dos mais aguerridos seguidores de Bolsonaro, o PT também convocou para o dia 18, três dias depois, uma manifestação de protesto contra o Governo Bolsonaro, enquanto no dia 8 acontecerá a já clássica manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, que no Brasil este ano será um claro protesto contra os abusos do Governo cometidos contra os direitos e contra a dignidade das mulheres.

Três hipóteses sobre o possível resultado dessas convocações à população são igualmente alarmantes e perigosas. Se a manifestação a favor do Governo e contra as outras instituições for menor que a da oposição do PT e se a manifestação de 8 de março das mulheres no Dia Internacional da Mulher for um sucesso, é bem possível que Bolsonaro e os seus se tornem mais agressivos contra a esquerda e contra Lula. O país continuaria mais dividido e crispado do que já está. É a única coisa de que o Brasil não precisa neste momento, com sua economia atolada e com os militares que começam a aparecer divididos frente ao Governo.

E se ambas as manifestações, as dos dias 15 e 18 fracassarem, uma vez que a das mulheres certamente será importante, se forem um fracasso de público; se na realidade todo o barulho que está sendo feito for mais obra dos robôs em ação nas redes do que de pessoas de carne e osso? Se apenas uma minoria sair à rua apoiando o golpe contra as instituições? Se o PT não conseguir encher as ruas e praças como no passado? Seria outra hipótese igualmente alarmante. Bolsonaro se sentiria mais motivado a endurecer suas posições autoritárias e não sabemos qual seria a reação dos generais que atuam no Governo. Uma fera ferida pode ser mais perigosa do que saudável.

Resta a terceira hipótese, a de um triunfo da manifestação a favor do Governo Bolsonaro, que ocorreria se conseguisse levar para a rua os dois milhões que saíram para pedir o impeachment de Dilma e o “fora Lula”. Esta é a hipótese mais alarmante, porque daria a Bolsonaro e seu Governo, e até aos militares, carta branca para tentar impor pela força um regime autoritário que sangre as outras instituições.

Dado que essa convocação do Governo, neste momento, seria no mínimo imprudente e ninguém sabe quais poderiam ser suas consequências para o futuro do país, o melhor seria que ambas as partes renunciassem a esse duelo nas ruas e trabalhassem democraticamente para devolver ao país a paz que está perdendo em vez de se arriscarem a uma guerra cujas consequências são fáceis de adivinhar. E mais uma vez, a última carta estaria nas mãos dos militares, especialmente daqueles que atuam hoje no Governo. Só eles poderiam ainda convencer Bolsonaro a parar a manifestação com sinais de vingança contra o Congresso. É inédito que um Governo com pouco mais de um ano no poder organize uma manifestação a seu favor. No mínimo, revela fragilidade e falta de confiança em seu trabalho.

Em um momento em que a sociedade continua dividida e crispada, desafios desse tipo com convocação para sair às ruas contra as instituições do Estado acabariam convencendo as forças democráticas, na expressão do decano do STF, de que o presidente Bolsonaro “se tornou indigno” de exercer a alta chefia do Estado. E os militares, se querem ser fiéis à sua lealdade ao Estado e à democracia, deveriam ser os primeiros a convencer Bolsonaro e os seus a recuar de uma iniciativa que, de qualquer lado que se olhe, só pode levar a uma nova crise, e desta vez gravemente ofensiva à essência da democracia, como é o respeito à divisão de poderes.

As guerras e tragédias da humanidade e dos povos começaram muitas vezes com um único tiro e com a centelha de um erro de cálculo. Quando perceberam, as guerras já estavam em andamento e eram imparáveis.

Queremos isso hoje para o Brasil em um clima mundial de crescimento de retorno aos tempos das piores ditaduras, as que produziram no mundo, em um passado ainda recente, tanta dor, morte e fome para milhões de pessoas?

De qualquer forma, neste momento de endurecimento mundial das direitas mais autoritárias e belicosas, o Brasil deveria ser no mundo um elemento de reflexão e de colaboração com os povos que se debatem para que a democracia conquistada com tantos sacrifícios, e que ofereceu riqueza e paz ao mundo, não morra por causa da loucura de um punhado de governantes que se tornaram indignos da responsabilidade que lhes foi outorgada pelas urnas.