José Roberto Mendonça de Barros

José Roberto Mendonça de Barros: Encontro marcado para setembro (2)

Nunca estivemos tão perto de perder o controle da política fiscal

“O futuro do governo Bolsonaro e o comportamento da economia em 2021/2022 serão determinados pelo resultado de um grande embate que deverá ocorrer a partir de setembro, quando vários vetores relevantes tendem a se encontrar.”

Esses foram o título e o início de meu artigo de 14 de junho neste espaço. Pode-se dizer, hoje, que o embate continua marcado, mas será muito maior que o antes imaginado.

“Em primeiro lugar, por volta de agosto teremos mais clareza quanto ao tamanho da recessão, do desemprego e da insolvência de empresas.”

Hoje, podemos ver uma melhora no desempenho da indústria e do comércio, de junho em diante, mas modesta na área de serviços. Com isso, a expectativa de queda no PIB para 2020 está melhor, com a maioria das estimativas correndo na faixa de 5% a 5,5%. Ainda assim, um tombo enorme.

A pesquisa do IBGE, por outro lado, revela que 715 mil empresas quebraram, até o início de junho, o que pressiona bastante o emprego. De fato, temos um quadro bastante difícil com 12,8 milhões de desempregados, 19 milhões de pessoas que não procuraram emprego por conta da pandemia e 16,3 milhões de pessoas que assinaram acordos com redução de jornada e de salários. A volta a uma certa normalidade no mercado de trabalho será lenta.

“Também é, neste momento, que teremos uma noção mais precisa do enorme custo humano da pandemia.”

Aqui subestimamos o impacto da covid-19. Até o dia 20 de agosto, ocorreram mais de 110 mil óbitos, e não os 80 mil que havíamos indicado dois meses atrás. O número de casos e de óbitos parece estar querendo começar a cair pela primeira vez, o que significa que a pressão será grande pelo menos até outubro.

“Neste momento, a política econômica e as propostas para os próximos dois anos terão de ser repaginadas e se traduzirão no orçamento fiscal (embora não apenas aí).”

Dois meses depois do texto original, está claro que o embate será ainda mais difícil, uma vez que três movimentos se consolidaram:

  • A mudança do discurso público do presidente Bolsonaro (mas não suas convicções e práticas);
  • A percepção que o coronavoucher atingiu mais gente que o inicialmente esperado (64 milhões de pessoas), o que explica a redução da queda do PIB acima mencionada e que implicou elevação da aprovação do governo;
  • Consolidação de uma forte ala “desenvolvimentista” dentro do governo, que batalha para elevar gastos de investimento em obras públicas paralisadas, como forma de acelerar a retomada da economia.

Assim, temos uma formidável força a favor do gasto: o presidente quer consolidar sua campanha à reeleição, as Forças Armadas querem acelerar seus projetos de reequipamento, os ministros militares no Palácio, bem como aqueles ligados à infraestrutura e ao desenvolvimento regional, querem retomar obras públicas e a base política do governo adora e aplaude tudo isso.

Do outro lado, fica o Ministério da Economia, apenas com o apoio efetivo do presidente da Câmara e o suporte indireto da maioria dos agentes econômicos do setor privado.

Pergunta-se: quem vai ganhar o embate?

Desde já, é preciso que se diga que o grupo expansionista não desconhece nossa situação fiscal e, portanto, admite alguns ajustes, como transposição de verbas do abono salarial. Entretanto, o mais importante é o sinal verde para aprovação da nova CPMF (ops, imposto digital), como forma de elevar a receita e diminuir o conflito.

Além disso, não haverá pedalada fiscal a seco, porque não se repetem grandes erros do passado recente (isso não se aplica ao passado antigo, como pretendido pelo novo PND do governo Geisel). Logo, o furo do teto deverá ter base legal, mesmo que necessite de uma PEC.

Por conta do apertado do calendário político e da questão central acima esboçada, três baixas podem ser anunciadas: a reforma tributária, qualquer reforma administrativa que busque elevar a eficiência do Estado e a revolução liberal tão alardeada desde a campanha de 2018. A recente saída de importantes secretários do Ministério da Economia assim sinaliza.

Considerando-se que a dívida pública chegará, na melhor das hipóteses, a 95% do PIB no fim do ano, é imperioso reconhecer que nunca estivemos tão perto de perder o controle da política fiscal.

A explosão do dólar nesta última quarta-feira mostra o que poderá acontecer.


Têm ocorrido coisas extraordinárias no Brasil desses tempos. Descobrimos que o Amapá passou a pertencer ao Vale do São Francisco. Pelo menos é o que se depreende da mudança efetuada na Codevasf, e aprovada pelo Senado, que agora inclui áreas daquele Estado entre suas atribuições (PL 4731).

*Economista e sócio da MB Associados. Escreve quinzenalmente


José Roberto Mendonça de Barros: Preocupante é o conjunto da obra

A falta de rumo e a baixa capacidade de gestão e de entregas do governo são motivos de atenção

Como já tratamos aqui mais de uma vez, vivemos algo inusitado: a maior recessão de décadas após a de 2015/2016.

Por volta de setembro, saberemos melhor o custo da pandemia, em termos de vidas humanas, perdas de emprego, quebras de empresas e redução da produção.

Neste momento, os próximos dois anos serão definidos através do que será consignado no Orçamento, da extensão das reformas e das mudanças dos marcos legais que definirão a existência ou não de investimento nas principais áreas de infraestrutura.

Saberemos como serão conciliados os novos gastos sociais com um nível mínimo de norte na questão fiscal e na trajetória da dívida pública. Poderemos, então, projetar com um pouco mais de base qual poderá ser o crescimento do País em 2021 e 2022.

Enquanto isso, tem sido um alívio (pelo menos temporário) a mudança na postura presidencial, pois parece que uma aventura extralegal foi deixada de lado, frente à firmeza das instituições.

Entretanto, permanecem preocupações com a falta de rumo e a baixa capacidade de gestão e de entregas do governo.

Assistimos a uma acirrada disputa entre várias alas que convivem no Executivo (ideológica, religiosa, militar e política), que ficou evidente no caso da sucessão do ministro da Educação. Por outro lado, a pauta presidencial está carregada de causas laterais, como armas e trânsito, assim como suporte a demandas corporativas.

O relacionamento com o Congresso permanece muito difícil, como ilustra o rompimento (um erro enorme) do acordo longamente negociado sobre o marco regulatório do saneamento e a tardia interferência na votação do Fundeb.

Mais do que tudo, temos tido uma gestão no combate à pandemia que se perdeu totalmente, elevando sua duração e o custo para o País. Nessa área, salta aos olhos a triste posição de disputar com os Estados Unidos o maior impacto negativo resultante do aparecimento do vírus.

Finalmente, três áreas fundamentais não poderão continuar como vêm vindo: a gestão da questão da Amazônia, a política externa do País e a gestão da educação. Na educação, temos um ministro novo e ainda desconhecido, mas não há como avançar na questão do meio ambiente e relações exteriores sem troca de ministros, já que os titulares perderam totalmente a condição de atuar, de forma minimamente construtiva.

Em consequência, não se vislumbra nenhuma organicidade no Executivo, que permita algo parecido com uma estratégia articulada.

Vemos um grupo ideológico com desempenho desastroso (Educação, Relações Exteriores, Meio Ambiente e Cultura), um grupo irrelevante em áreas importantes (Ciência e Tecnologia e Turismo), um grupo de grandes possibilidades, mas de baixíssimas taxas de entrega (Minas e Energia, Infraestrutura, Privatização).

Apenas na Agricultura, temos uma ação construtiva e bem-sucedida, embora aqui se pague um preço por incêndios ocorridos em outras áreas.

Finalmente, na área econômica, a maior promessa original não vai ocorrer: uma revolução liberal. Ao contrário, após a aprovação da reforma da Previdência, não houve uma sequência organizada de passos e ações, posteriormente atropelada pelo aparecimento da covid. As (não) propostas da reforma tributária bem o demonstram.

Enfim, o conjunto da obra é preocupante. Veremos onde vai dar quando setembro chegar.


Ainda estamos atolados na pandemia. Mas já se delineiam novas fronteiras das atividades produtivas. Aqui vai uma lista das que parecem mais relevantes:

  • Digitalização, automação e otimização de processos via inteligência artificial, que levarão a grandes ganhos de produtividade;
  • Bioeconomia: energia, novos alimentos e novos materiais;
  • Sustentabilidade nos processos produtivos;
  • Carros elétricos, que vão acelerar a transição energética já em curso;
  • Novas possibilidades na nacionalização (competitiva) de certas linhas de produtos, especialmente mecânicos e químicos.

Temos de entender mais esses temas.

  • Economista e sócio da MB Associados.

José Roberto Mendonça de Barros: Muitas mudanças após a pandemia

Provavelmente veremos a valorização de uma vida mais simples, a ampliação do comportamento “faça você mesmo”

Mesmo com uma estimativa melhor do desempenho da economia no segundo trimestre, a maior parte das projeções para este ano está na faixa de uma queda de 6%, que também é a da MB. Nestas condições, o PIB per capita brasileiro terá caído, desde 2015, algo como 15%, ou seja, ficamos inequivocamente mais pobres e isto tem de ser bastante bem avaliado por todas as empresas, especialmente, nos mercados de bens de consumo. Genericamente, se elevará a demanda de produtos mais simples, o que já é totalmente visível no setor de alimentos.

Entretanto, devemos concentrar nossa atenção nas mudanças de comportamento que existirão após a experiência do distanciamento social que a Covid-19 impôs ao País.

Pesquisas disponíveis sugerem que as pessoas deverão alterar parcialmente suas percepções enquanto cidadãos, consumidores e trabalhadores.

No primeiro caso, provavelmente veremos a valorização de uma vida mais simples, a ampliação do comportamento “faça você mesmo” (mais matérias-primas e menos produtos finais) e o reforço à ideia de maior preservação do meio ambiente. Acredito também que o bairro e a proximidade sairão mais apreciados nas cidades grandes.

Entretanto, o confinamento e a valorização das regras de higiene aceleraram a entrada no mundo virtual, algo que já ocorria lentamente. De uma hora para outra, foi preciso aprender a trabalhar em casa, a comprar pela internet e a utilizar extensivamente os pagamentos digitais.

A experiência de consumo também se alterou drasticamente com a explosão das vendas pela internet. Estas representavam algo como 5% do faturamento do comércio, número que irá aumentar muito rapidamente. Os consumidores conheceram e navegaram em plataformas de grandes empresas, muitas das quais perseguem a estratégia pioneira da Amazon, acolhendo milhares de lojas virtuais de empresas menores. Em decorrência, a experiência de compra será diferente, com menos aquisições por impulso e com maior comparação de preços, o que resulta em menor fidelidade às marcas. Isto é uma pequena revolução nos hábitos com um gigantesco impacto nas empresas, que discutiremos mais adiante.

Finalmente, os impactos no mercado de trabalho estão sendo enormes: elevação drástica do desemprego e desaparecimento instantâneo de muitas atividades de prestação de serviço que faziam a vida de uma parte das famílias. Nunca foi tão grande o número de pessoas fora do mercado de trabalho. Por outro lado, os segmentos que melhor vêm atravessando este período (agronegócio, serviços de logística, comércio eletrônico, serviços financeiros e de telecomunicações) têm como característica comum um consistente investimento de novas técnicas, inclusive digitais, que exigem qualificações razoáveis. Com a aceleração do mundo digital, a demanda por trabalhadores mais preparados crescerá e resultará numa maior segmentação no mercado de trabalho.

Este é apenas mais um indicador do maior custo da pandemia, depois da multidão de mortos: a desigualdade do Brasil vai se elevar.

As empresas, por sua vez, também estão passando por várias transformações, particularmente pela aceleração da digitalização, da automação e da utilização de todos os tipos de serviços à distância, quer com clientes, quer com fornecedores. A mudança mais universal é o trabalho em casa, que em pouquíssimo tempo praticamente se universalizou. Após ajustes e adaptações iniciais houve um surpreendente êxito: a avaliação é que a produtividade até se elevou e muitos custos caíram. Na volta à normalidade é seguro que haverá sempre uma combinação do trabalho à distância com o trabalho tradicional nos escritórios.

Mas não é só a gestão de escritório. Muita gente, eu inclusive, se surpreendeu como houve uma rápida adaptação em áreas como compras, relacionamento com fornecedores, assistência técnica e vendas, que puderam se desenrolar com inesperada facilidade. Estas tendências claramente continuarão.

Haverá também mudanças na governança: além dos aspectos internos à empresa, nesta nova configuração, ficou claro que o relacionamento com a solidariedade na crise e o relacionamento com a vizinhança e o meio ambiente terão que ser incorporados à vida das companhias. Basta olhar a questão das queimadas criminosas na Amazônia.

Nos próximos meses, teremos muito a discutir acerca dessas mudanças. Hoje, finalizaria mencionando apenas que vai se reforçar uma divisão no mundo empresarial: uma nata bem administrada, capitalizada e moderna e um conjunto de empresas que se arrasta e busca privilégios na proteção governamental.


José Roberto Mendonça de Barros: O agronegócio ameaçado

A destruição da Amazônia é uma ameaça real e tem gente que teima em não reconhecer

Meu primeiro artigo deste ano, neste espaço, tinha por título “O aquecimento global entrou na alta finança”, comentando a reunião do Fórum Econômico Mundial, realizada em Davos, Suíça.

Nela, “Klaus Schwab, fundador do evento, distribuiu uma carta aos participantes, escrita em coautoria com os presidentes do Bank of America e da Royal DSM, na qual diz que o atual modelo econômico não é mais sustentável e que terá de mudar para incorporar, entre outras coisas, tolerância zero com a corrupção, proteção ao meio ambiente, uso ético de informações privadas e respeito aos direitos humanos em toda a cadeia de fornecedores”. 

Em suporte a essa visão, Larry Fink, presidente da Black Rock, gestora global de recursos, em sua influente carta anual, disse que sua empresa evitará investimentos em companhias que apresentem grandes riscos associados a sustentabilidade.

Daqui em diante, não se poderá dizer que meio ambiente é apenas objeto de manifestações da esquerda, de “onguistas” ou de europeus. Ao contrário, os maiores líderes mundiais de negócios estão dizendo que a coisa é “importante e urgente”. 

Entretanto, o governo federal não tomou conhecimento do que lá foi dito. Ao contrário, o ministro do Meio Ambiente continuou inteiramente dedicado a “passar a boiada” e, em consequência, o fogo e o desmatamento ilegal da Amazônia continuaram a crescer sem parar. 

Não bastasse isso, ministros, como o (ex, felizmente) da Educação e o das Relações Exteriores continuaram insistindo em insultar e atacar o nosso maior cliente, a China. 

Finalmente, certas lideranças do setor mantêm uma atitude agressiva e pouco construtiva de que “eles não têm alternativa, têm que comprar de nós”. A propósito, seria bom lembrar que o cemitério de empresas está cheio de gente arrogante que, em algum momento, desprezou seus clientes, esquecendo que ninguém é insubstituível. 

Na semana que passou, 29 grandes gestores de fundos de investimento, que administram mais de US$ 4 trilhões, enviaram carta às embaixadas do Brasil para alertar que “desenvolvimento econômico e proteção ao meio ambiente não são mutuamente excludentes...instamos o governo do Brasil a demonstrar um compromisso claro para com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas”. Pedem ainda, os fundos, uma conversa com representante do Executivo. 

É impossível maior clareza quanto ao risco que estamos correndo.

Importantes lideranças empresariais, ao contrário de certos ministros, também alertam para o perigo e as consequências da forma como o Brasil está lidando com a questão ambiental. Estas preocupações foram manifestadas, ainda nestes dias, pelos presidentes dos dois maiores bancos brasileiros.

O agronegócio tem sido um dos poucos segmentos a enfrentar com galhardia esta que é a maior crise do Brasil moderno. Na verdade, o faz desde a recessão de 2014/2016. 

Mas a destruição da Amazônia é uma ameaça real. É inacreditável que ainda tenha gente que teima em não reconhecer este fato. 

ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE


José Roberto Mendonça de Barros: Encontro marcado para setembro

O futuro do governo Bolsonaro e o comportamento da economia em 2021/2022 serão determinados pelo resultado de um grande embate que deverá ocorrer a partir de setembro, quando vários vetores relevantes tendem a se encontrar.

Menciono a seguir os mais relevantes.

Em primeiro lugar, por volta de agosto teremos mais clareza quanto ao tamanho da recessão, do desemprego e da insolvência de empresas. Isso porque muito dos programas sociais chegarão ao seu final e será o momento em que saberemos quais empresas conseguiram atravessar o deserto do isolamento social. O certo é que o número de quebras em empresas médias e pequenas será enorme, sem precedentes. Além disso, teremos mais clareza quanto ao tamanho do déficit primário deste ano, que será de no mínimo R$ 750 bilhões, podendo chegar a um trilhão de reais. Esses valores (PIB, desemprego e déficit fiscal) balizarão o desafio dos próximos anos, que é o de retomada do crescimento, em condições muito adversas.

Também é, neste momento, que teremos uma noção mais precisa do enorme custo humano da pandemia. Sem querer me aventurar no mundo das projeções, parece seguro dizer que teremos, pelo menos, 80 mil mortos acumulados desde o início da pandemia, apenas atrás dos Estados Unidos. A despeito disso, na maior parte das capitais, onde mora a chamada opinião pública, as ruas já estarão livres e manifestações poderão ocorrer. Da mesma forma, é certo que, neste momento, o Congresso já funcionará ao vivo, o que reverbera muito mais os dilemas políticos.

Neste momento, a política econômica e as propostas para os próximos dois anos terão que ser repaginadas e se traduzirão no orçamento fiscal (embora não apenas aí). Digo repaginadas porque a pandemia mudou a natureza do problema e não se pode apenas retomar o que estava na mesa em janeiro. Isto envolve, para começar, as seguintes questões:

– Manter o emergencial como temporário, não apenas nas despesas, como também nos atrasos ou suspensões de pagamentos de todos os tipos. Será um desafio enorme, em tempos de proeminência do Centrão, segurar as dezenas de propostas de elevação de gastos ou de redução de tributos (110 projetos, segundo o Centro de Liderança Pública), bem como a inevitável proposta de um novo Refis. A pressão nessa área será gigantesca.

– A pandemia revelou a fragilidade em que vive grande parte da população. O reforço do SUS e algo na linha de um programa de renda mínima deverão passar a fazer parte do arsenal de políticas públicas.

Daí vem o mais relevante: como fazer para retomar uma trajetória de crescimento e sair do buraco onde estamos?

A questão é grave, porque dentro do governo já se colocaram duas possibilidades, que podemos chamar de Plano Pró-Brasil e Plano Guedes.

O primeiro grupo, do qual participam os ministros militares do Planalto e os Ministérios de Infraestrutura, Energia e Desenvolvimento Regional, propõe que a retomada do crescimento seja liderada por investimentos públicos na infraestrutura, um tipo de PAC.

De outro lado, o Ministro Paulo Guedes terá que apresentar sua proposta. Ao contrário do ano passado, quando muitos projetos sequer foram concluídos, desta vez a equipe econômica terá que apresentar uma visão de conjunto de um plano que vá além das costumeiras declarações genéricas. Isto inclui pelo menos os seguintes pontos:

– O que vai mesmo se encerrar até o final do ano em programas emergenciais.

– O que vai ser incorporado aos orçamentos anuais, especialmente na área de saúde e de programas de transferência de renda.

– Como será encaminhada a conta de pessoal, que continua a se expandir como resultado do poder das grandes corporações, que segue inabalável. Haverá uma reforma administrativa? E a chamada PEC emergencial? E o teto de gastos?

– Haverá um programa realista de concessões? E de privatizações? Nesta hora da verdade, não dá para vir com platitudes como a que previu arrecadar um trilhão de reais vendendo imóveis públicos.

– Como ficarão os principais dilemas regulatórios nas áreas de energia elétrica, de petróleo, de gás e do meio ambiente? Não haverá investimentos relevantes e acordos comerciais enquanto a Amazônia pegar fogo e o Ministro Salles passar suas boiadas.

O embate destas duas vertentes, junto com a política, é que vai determinar se voltaremos ou não a crescer.

Voltaremos a isso em nosso próximo encontro.

  • Economista e sócio da MB Associados

José Roberto Mendonça de Barros: Algumas lições da covid-19

Se for para pedir subsídios em Brasília, será melhor nem começar

Após três meses de distanciamento social, muitos Estados e municípios iniciam uma cuidadosa volta à normalidade. Embora em poucos lugares se tenha decretado o fechamento total (lockdown), o confinamento começou a mostrar resultados onde a pandemia se iniciou, que é o Estado de São Paulo. Em particular, no município da capital o processo está mais avançado, como se pode verificar pelo comportamento de uma curva que mostra a evolução da média móvel de sete dias de novos óbitos, que parece estar se estabilizando. Um indicador adicional é que a pressão sobre o número de leitos de UTI disponíveis amenizou.

Durante esse período, um número limitado, porém relevante, de setores teve desempenho satisfatoriamente bom. São eles:

– O agronegócio, que foi capaz de colher uma safra recorde e encaminhá-la para os mercados.

– A logística, incluindo a chamada última milha, que é a entrega no endereço do comprador final.

– O comércio exterior, especialmente na exportação de produtos agrícolas, que tem batido recordes. Em boa parte, isso se deve à automação de terminais e sistemas de despacho de caminhões e trens, que acabou com boa parte do congestionamento nos portos.

– O sistema financeiro, no qual a generalização do “home banking” é anterior ao “home office”. Nenhuma transação deixou de ser feita.

– O segmento de telecomunicações e de tecnologia da informação (TI), incluindo as empresas de base tecnológica.

– Os setores do comércio ligados a alimentação, higiene, limpeza e farmacêutica, bem como suas indústrias fornecedoras.

– Os serviços de saúde e assistência, inclusive com expressiva elevação de emprego e de recursos provenientes de doações do setor privado.

Esses segmentos têm algumas características comuns: todos tiveram muita agilidade na introdução de protocolos para evitar a difusão do vírus, sem parar a produção e colocar em perigo a saúde dos funcionários. Todos atendem às necessidades básicas das famílias.

Têm sido objeto de inovações tecnológicas, elevação da produtividade e redução de custos. Isso é chave. No caso da saúde, são muitos os exemplos: desenvolvimento e produção de equipamentos e serviços, inclusive respiradores, equipamentos auxiliares nos tratamentos e em cirurgias, desenvolvimento de novos testes, nacionalização na produção de certos sais etc.

Vários desses segmentos têm se beneficiado da desvalorização cambial, especialmente porque os itens não comercializáveis, como salários e logística, ficaram mais baratos em dólares. Por exemplo, pela primeira vez na história, a logística de grãos em Mato Grosso ficou mais barata que a logística do Meio-Oeste americano.

Existe uma clara indução para a adoção de processos automatizados, até para garantir o distanciamento social e evitar o contato com cartões e dinheiro ou automação de segurança residencial.

Durante esse período, muitas oportunidades novas se tornaram visíveis, desde as decorrentes da expansão da área da saúde aos diversos serviços prestados a distância e a possibilidade de nacionalização de vários materiais e equipamentos.

É uma chance que não poderemos perder, desde que a nova produção já se inicie minimamente competitiva dada a desvalorização da moeda brasileira. Entretanto, se for para pedir subsídios em Brasília, será melhor nem começar.


O que mais impressiona na gravação da reunião ministerial é a total falta de propósito, de agenda e de rumo. Uma sucessão de falas desarranjadas, patéticas e algumas alucinadas, incluindo armar grupos de militantes. O maior problema do País, o coronavírus, não foi nem sequer mencionado.

É impossível dar certo qualquer empreendimento com esse corpo diretivo. Especialmente, o Brasil.

E não se pode dizer que isso é por conta do STF.

*Economista e sócio da MB Associados.


José Roberto Mendonça de Barros: O Brasil não será o mesmo depois da pandemia

O acordo com o “Centrão” garante que o projeto liberal de Guedes naufragou de vez

O coronavírus é o maior choque das últimas décadas. Espalhou-se rapidamente pelo mundo e é bastante letal. Como ainda não temos remédios definitivos ou vacina, a única recomendação da ciência é reduzir a circulação das pessoas por meio de uma quarentena, com diferentes graus de intensidade.

Esse recolhimento produz uma parada súbita na atividade econômica, uma vez que muitas empresas fecham e as pessoas ficam, em sua maior parte, nas suas casas. Essa situação resulta, muito rapidamente, em uma forte recessão na economia.

Como já vimos no caso de vários países, após três ou quatro meses o surto inicial do vírus começa a se reduzir e, cautelosamente, as regras de confinamento começam a ser abrandadas.

Neste momento, descobre-se que ficar fechado em casa por um longo período é uma experiência única, que será marcante na vida de todos. Ninguém será o mesmo quando tudo isso acabar. Vejo alterações em pelo menos três dimensões: enquanto cidadãos, trabalhadores e consumidores.

As pessoas, provavelmente, estarão mais próximas de uma vida mais simples e mais natural, que vai afetar, inclusive, o seu estilo de vida e o tipo de alimentos desejados, mais naturais, menos industrializados, orgânicos.

Na esfera do trabalho, muita gente terá aprendido a operar à distância e conhecido muitas técnicas e ferramentas novas, que inclusive tendem a elevar a produtividade. Entretanto, muitas pessoas perderão renda, ficarão desempregadas e dependerão por um tempo de mecanismos de transferência de renda. Para esse grupo, a demanda de alimentos se voltará para os mais básicos. Ainda na dimensão do trabalho, a pandemia vai levar muitas companhias a adotar técnicas mais automatizadas.

Finalmente, o consumidor, além da mudança de hábitos, também está alterando a forma de comprar, entrando firme na direção do e-commerce e dos novos canais de comercialização.

As empresas também serão diferentes. Na verdade, muitas nem sequer sobreviverão à recessão pela qual todos estão passando, inclusive o Brasil, mas as que conseguirem atravessar esse percurso também irão se alterar.

Pensemos um pouco no caso do comércio. O confinamento levou as famílias para a compra por internet em larga escala. Com isso, muitos consumidores aprenderam a usar novas ferramentas, inclusive comparação de preços, levando a um crescimento enorme neste canal de comercialização. As empresas já preparadas deram um salto nas vendas e se beneficiarão muito. Entretanto, muitas companhias nem sequer dispunham do canal. Como na situação pós-covid muitas pessoas ainda evitarão aglomerações, essas empresas sofrerão muito. Por outro lado, as empresas menores necessariamente terão de se encaixar nas plataformas de vendas das grandes. A organização do mercado mudará muito.

Todas essas mudanças ocorrerão no Brasil de forma muito intensa, até porque nossa economia vai cair muito mais do que pensávamos há algum tempo. Hoje, projetamos uma contração de 7,8% no PIB, algo sem precedentes, em meio a uma instabilidade enorme, capitaneada pelo radicalismo e falta de rumo do governo federal.

Sairemos da crise do coronavírus muito mais pobres. Nossa renda per capita ao cabo deste ano será algo como 15% menor em relação a 2014!

Ao mesmo tempo, o país será ainda mais desigual: o desemprego vai crescer muito e a tecnologia avançará na direção da automação. Finalmente, o pior ministro da educação de todos os tempos trouxe um enorme retrocesso na área.

O acordo com o chamado “Centrão” garante que o projeto liberal do ministro Paulo Guedes naufragou de vez, especialmente pela implosão de qualquer reorganização do regime fiscal. Da mesma forma, o Plano tipo Geisel (chamado Pró-Brasil) tem chance zero de dar minimamente certo.

A pergunta que fica: como recompor no futuro um arranjo que permita sonhar de novo com crescimento econômico?

*Economista e sócio da MB Associados.


José Roberto Mendonça de Barros: Descendo a rampa

O governo Bolsonaro caminhará para bater no muro por volta de agosto/setembro

Não bastassem os desafios trazidos pela pandemia e a recessão decorrente da parada súbita da vida econômica, o governo viveu desde meados do mês passado uma sucessão de eventos que resultaram num ponto de inflexão da atual gestão que, a meu ver, é irreversível.

No dia 16 de abril, o então ministro da Saúde, Mandetta, foi dispensado do cargo. Seu trabalho de enfrentamento do coronavírus estava sendo muito importante para o País, embora não fosse isento de críticas, como a pouca atenção dada à testagem em larga escala. Em consequência, sua popularidade subiu e começou a fazer sombra ao presidente, que com isso não conseguiu conviver. Aparentemente, o que dá certo não pode ser mantido. Seu sucessor está totalmente perdido.

No dia 22 de abril, o chefe da Casa Civil anunciou um plano de investimentos (Pró-Brasil) destinado a promover a volta do crescimento econômico a partir de obras de infraestrutura. Projetos de investimento público direto e concessões ao setor privado seriam elencados, sem uma articulação entre eles.

O anúncio, primariamente destinado a injetar ânimo na plateia, não encantou ninguém por um robusto conjunto de razões:

- O plano lembra duas tentativas semelhantes que acabaram por resultar em períodos muito ruins: o II PND e a década perdida dos anos 80; e o PAC do PT e a grande recessão de 2014/2016.

- A comparação com o Plano Marshall peca, naturalmente, pela notável ausência do Tesouro americano.

- O plano não menciona como o capital externo, ora em fuga do País, voltaria a fluir em grandes proporções.

- O plano não menciona como seria financiado: com novos impostos? Com emissões? Estourando o teto de gastos? Isso num momento em que as despesas necessárias para enfrentar a pandemia resultarão numa piora substancial de nossa posição fiscal. Mais ainda, passada a emergência, caberá uma correção nas prioridades de gasto, incluindo a saúde. Mais uma razão para que não abracemos um rumo que já se mostrou fracassado mais de uma vez.

- Finalmente, o plano foi desenvolvido e anunciado sem a participação do Ministério da Economia, que, claramente sinalizou sua contrariedade.

Não é, pois, de se estranhar que os mercados tenham reagido mal, com desvalorização cambial e alta nas taxas de juros, pois foi colocado em dúvida o compromisso com a adequada gestão das contas públicas passado o período da emergência.

A recente entrevista conjunta dos ministros da Casa Civil e da Economia não teve o poder de tranquilizar ninguém. Vem aí mais tumulto.

Após a demissão de Moro, fica consolidada uma constatação. Bolsonaro tem três características importantes: limitada capacidade de percepção da realidade, é profundamente autoritário e é bastante descontrolado.

Os eventos acima descritos e as negociações recentes com o chamado Centrão mostram que o presidente apertou o botão emergência e deu uma guinada no seu governo, buscando blindar sua família e sua posição no Congresso.

Se as coisas parassem por aqui já não estaríamos bem. Entretanto, nos próximos meses a situação da pandemia, das pessoas e das empresas ainda irá piorar substancialmente.

Caminhamos rapidamente para ser o segundo país do mundo com maior número diário de óbitos, atrás dos Estados Unidos. A dificuldade de manter as quarentenas deverá empurrar o pico da doença para o final do semestre.

O salto do desemprego deverá ser atingido no terceiro trimestre, quando os esquemas temporários de suporte começam a vencer. Da mesma forma, a pressão financeira sobre as empresas vai se elevar, levando muitas delas a insolvência e a pedidos de recuperação judicial.

Por tudo, acredito que haverá uma convergência negativa por volta de agosto/setembro, pressionando para piorar a situação política. O que ocorrerá a partir daí é incerto, mas não tenho dúvida que o governo Bolsonaro caminhará para bater no muro. A questão é apenas quanto tempo vai levar para isso.


José Roberto Mendonça de Barros: Da tragédia para as novas perguntas

Na crise, crescem os segmentos onde a ciência e a tecnologia foram aplicadas 

Este é o terceiro artigo desde o aparecimento do novo coronavírus no Brasil.

Vimos que a pandemia se tornou uma ameaça global e provocou a parada súbita no sistema econômico, o que precipitou uma recessão.

Nesta semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deu uma ideia da dimensão do problema, que é, sem dúvida, a maior ameaça para a economia mundial desde a 2.ª Guerra. No caso básico, o PIB global cairá 3%, sendo que os números serão muito piores para as economias ricas: -5,9% nos EUA, -7,5% na zona do euro, -5,2% no Japão. China e Índia, os gigantes emergentes crescerão 1,2% e 1,9%, respectivamente. A América Latina vai na mesma direção, encolhendo 5,2%. Um show de horror.

A pergunta é o que acontece no ano que vem, isto é, se a recuperação será rápida ou relativamente lenta. No modelo do FMI, a recuperação será bem significativa, com o PIB global, crescendo 5,8% em 2021.

Tenho grande dificuldade em aceitar essa projeção, uma vez que ela tem como base algumas hipóteses que são heroicas para mim, a começar da ideia de que não haverá uma segunda onda do ataque do vírus. Em segundo lugar, haverá um número enorme de quebra de empresas de todos os tamanhos, em muitos lugares do mundo, especialmente, nos Estados Unidos, onde a dívida corporativa é a maior da história. Em terceiro lugar, o crescimento do desemprego e o grande desarranjo que acontecerá nos orçamentos familiares.

Depois de sairmos de uma experiência tão dramática, colocam-se algumas perguntas a respeito de para onde irá a economia global.

Nesta semana, duas reuniões patrocinadas pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) foram particularmente úteis para ter uma visão do problema. Na segunda-feira, participei de um debate com Demétrio Magnoli e Pedro Malan e na quarta-feira assisti a um belíssimo diálogo entre Fernando Henrique Cardoso e o embaixador Marcos Azambuja. Desses eventos saem quatro grandes questões:

1 - Para onde irá o conflito China / Estados Unidos: serão competidores, adversários ou inimigos?

2 - O nacionalismo e o protecionismo seguirão prevalecendo sobre o multilateralismo?

3 - As cadeias de produção globais vão ou não se reconstituir?

4 - Como as ameaças globais, clima e aquecimento, pandemias, pobreza e migração, serão tratadas?

Naturalmente, a pergunta que se segue é como deverá o Brasil proceder perante essas questões? Minha percepção é que o governo atual nem sequer compreende qual é o problema, especialmente, no Planalto e no Itamaraty.

A parada súbita pegou o Brasil numa situação pior do que a de muitos países, porque não estávamos crescendo, mas tentando juntar as condições para tanto.

Após certa hesitação inicial, o governo foi desenvolvendo políticas que acabaram por cobrir as áreas necessitadas de atenção. A grande questão agora é a execução desses programas até chegar na ponta final.

Entretanto, mesmo com todos esses gastos a queda da atividade será enorme: o FMI projeta -5,3%, o Banco Mundial -5,0% e a MB -4,7%.

É também quase um consenso que o déficit primário será maior do que R$ 500 bilhões e que a relação dívida/PIB subirá para algo entre 85% e 90%.

O pior é que voltaremos após a emergência sanitária à árdua tarefa de reconstruir as condições de retomada do crescimento, mais pobres e num mundo que será diferente.

O governo Bolsonaro não tem mais chances de mostrar um crescimento relevante. Continuaremos numa trajetória medíocre, que vem desde 2014.

A revolução liberal sonhada pela equipe econômica naufragou totalmente. Ela nunca teve mesmo muita chance com um chefe do executivo iliberal.

Apesar de toda crítica de Paulo Guedes à social-democracia, nossa má distribuição de renda é grande o suficiente para não ser ignorada. Imagine o que estaria acontecendo no País se não tivéssemos o Bolsa Família e o SUS.

Em vez da abertura externa, o que vimos foi uma grande coalizão do Ministério da Economia com a Fiesp.

Poucos setores estão conseguindo enfrentar a crise. Os mais relevantes são o agronegócio e a logística, o sistema financeiro, as telecomunicações (que estão suportando o home office em massa, apesar de sua insuficiência), as empresas com plataformas mais sólidas de e-commerce.

A educação a distância, a telemedicina e outros serviços remotos explodiram. Todos esses segmentos têm um enxame de startups em torno de si.

Ou seja, apenas onde a ciência e a tecnologia foram sistematicamente aplicadas na elevação da produtividade, na criação de competências e na inserção no mundo.

Espero que na penosa reconstrução da capacidade de crescer, esses sejam os segmentos com mais voz, em vez das tradicionais corporações que nos dominam.

Aí, teremos mais chances.

* ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE


José Roberto Mendonça de Barros: Da parada súbita à recessão global

Não há uma coordenação na resposta do governo federal à crise

Como já colocamos no nosso último artigo, a expansão rápida do coronavírus provocou uma parada súbita nas principais economias do mundo, o que já garante que 2020 será um ano de recessão global, apesar dos grandes esforços das autoridades sanitárias e econômicas para deter a pandemia e suportar a economia.

A percepção da gravidade da situação está chegando aos poucos, o que faz com que as projeções mais recentes sejam sempre piores do que as anteriores.

O desconhecimento do vírus e de como lidar com ele gera uma enorme incerteza. Mas algumas coisas parecem claras. A crise será longa. Nos locais onde a contenção tem sido bem sucedida, decretou-se uma quarentena ampla e testagem em larga escala.

Na política econômica, a incerteza levou a lançar sobre a mesa todas as fichas fiscais e monetárias. É certo que o PIB do primeiro semestre será francamente negativo na maior parte dos países. Quedas de 3% a 10%, em bases anuais, para as principais regiões não devem surpreender.

Desde que não haja uma segunda onda da doença, todos esperam alguma recuperação no segundo semestre, em resposta aos esforços sanitários, à política fiscal expansionista e a uma política monetária agressiva. A dúvida aqui é qual será a velocidade da recuperação, se em formato de um V ou de um U. Muita gente espera o primeiro caso para a China e Estados Unidos e o segundo caso para a Europa.

Acho pouco provável que se confirme a expectativa otimista da recuperação rápida, dados os efeitos fortes sobre a saúde financeira das empresas, levando a muitas falências, e sobre a disposição de compra de um consumidor sofrido e assustado, tendo muitos vivido tragédias familiares recentes. Tudo indica que não seremos mais exatamente os mesmos.

O Brasil está atrasado na resposta ao vírus em várias frentes. Em primeiro lugar, e por incrível que possa parecer, o presidente ainda acredita e age como se o vírus fosse uma pequena gripe (caso único no mundo!), brigando com os Estados e prefeituras que decretaram o isolamento, medida universalmente aceita como necessária. Em consequência disso, não há uma coordenação na resposta do governo federal à crise, o que evidentemente resulta numa baixa eficiência da gestão.

Temos apenas uma coordenação na área de saúde, apesar do Planalto, onde um trabalho profissional está sendo realizado e é digno de apoio. Entretanto, mesmo aí temos de salientar o atraso de um mês na compra e aplicação de testes, bem como no suprimento de equipamentos, inclusive de proteção individual e outros materiais para a saúde, num mundo em que a oferta está curta.

Na frente econômica, após várias semanas, vai tomando forma um conjunto mais articulado de ações, embora em estágios muito diferentes de aprovação e com baixíssima taxa de execução. As medidas podem ser organizadas em seis áreas:

– Manter a logística e o abastecimento;
– Ações do Banco Central para garantir liquidez;
– Elevação dos gastos com saúde;
– Apoio aos mais vulneráveis: pobres e trabalhadores informais;
– Apoio às pequenas empresas, com manutenção de emprego;
– Flexibilização de certas condições contratuais: trabalho e outros.

As ações nas duas primeiras áreas andaram bem.

A elevação de gastos com saúde é certamente correta, mas, na sua maior parte, ainda não chegou na ponta final.

As ações nas áreas de apoio a pessoas e empresas mais vulneráveis estão muito lerdas, com baixa taxa de entrega. Aqui também não há uma liderança efetiva na discussão das medidas, prevalecendo um caráter algo burocrático.

Como muita gente, sinto falta de uma liderança equivalente àquela empoderada e exercida por Pedro Parente na ocasião do apagão de energia.

Olhando o conjunto, e mesmo considerando-se a efetiva colaboração do Congresso, as políticas federais de suporte à população irão tardar ainda um bocado de tempo.

Em consequência, a população vulnerável depende neste momento muito mais das ações locais, especialmente do grande movimento de solidariedade que a crise detonou, incluindo organizações não governamentais, pessoas e empresas.

De forma dramática estamos vendo o que significa a má distribuição de renda e a imperiosa necessidade de enfrentá-la.

A frase tem sido muito usada, mas é ainda assim verdadeira: nós e o País nunca mais seremos os mesmos.

*Economista e sócio da MB Associados.


José Roberto Mendonça de Barros: Parada súbita

Essa parada súbita já garante que 2020 será um ano de recessão global

Em 42 anos de MB Associados, nunca vi uma semana assim, com tantas mudanças profundas no cenário. É preciso ter humildade, porque não sabemos bem o que se passa. Mas é um ponto de inflexão para pessoas, empresas e países.

A combinação de um novo vírus e de conflitos geopolíticos (como a guerra comercial entre as duas grandes potências e a atual o petróleo) produziu uma parada súbita na China, depois na Europa, nos EUA e, agora, no Brasil.

Essas paradas súbitas são um terror, inclusive para economistas, pois produzem rupturas na oferta e nos fluxos financeiros, tanto maiores quanto maiores forem a alavancagem e o endividamento dos agentes, como nas empresas americanas de hoje, e quanto menores forem a saúde financeira e a renda de pessoas e pequenos negócios, como é o caso do Brasil.

O caso americano é o que melhor ilustra o que é essa parada, porque até muito recentemente sua economia vinha muito bem. Entretanto, a dívida corporativa nunca foi tão elevada, 47% do PIB, resultado de mais de uma década de crescimento e de juros muito baixos. Com a chegada do vírus, o mercado de crédito travou, apesar dos intensos esforços do FED, os “spreads” explodiram.

Muitas empresas mais frágeis financeiramente já estão tendo suas notas rebaixadas e poderão quebrar, pois a iliquidez rapidamente se transforma em insolvência.

Em outros casos, os efeitos ruins vieram da crise em grandes áreas de serviços, como turismo, hospitalidade, cruzeiros, artigos de luxo e outros. Cadeias longas estão sendo afetadas. O caso mais visível é o da Boeing, que já vinha sofrendo com a parada na produção do 737 MAX e que solicitou US$ 60 bilhões como assistência do governo para lidar com a crise. Mesmo que tudo dê certo, a dívida corporativa subirá para US$ 100 bilhões, num momento no qual poucas companhias comprarão aviões novos.

Além disso, a política no mundo inteiro passou a ser a do isolamento social. Nestas circunstâncias, a frenética baixa de juros tem efeito negligível.

Em uma situação dessas, a urgência exige ações rápidas, mas a política monetária fica menos eficiente e a política fiscal passa a exigir ferramentas, nem sempre disponíveis, como gastos focados ou suporte à liquidez em determinadas áreas.

Essa parada súbita já garante que 2020 será um ano de recessão global (definida como crescimento inferior a 1%), apesar dos grandes esforços das autoridades, sanitárias e econômicas, para deter a pandemia e impulsionar a economia.

Embora as projeções feitas hoje tenham uma acurácia limitada, os novos números de um banco internacional de primeira linha são impactantes.

No início do ano, projetava-se um crescimento do PIB global de 3,2% e agora, apenas 0,9%. Nos EUA, a projeção de 1,8% foi substituída por uma de 0,6%. Na China, o crescimento foi de 4%, em vez dos antigos 6%. Finalmente, na área do Euro, projeta-se agora um tombo de 5%, em vez de um crescimento de 0,9%.

No Brasil, a equipe econômica foi claramente pega no contrapé e tardou a responder. Entretanto, o ponto positivo foi entender que se trata de uma situação de emergência, que precisa ser enfrentada, antes de tudo, com mais gastos na saúde e na assistência aos segmentos mais frágeis da população, que inclui os trabalhadores informais, além da população em situação de pobreza.

Do lado das empresas, os pequenos negócios serão os mais afetados, até como consequência da política de isolamento social e terão de ter alguma atenção. Mas também serão necessárias políticas que preservem as empresas e a produção.

Infelizmente, por mais que essas medidas sejam bem sucedidas, uma recessão é inevitável: esperamos uma queda do PIB nos dois primeiros trimestres, com alguma recuperação mais próxima do final do ano. No melhor cenário, o crescimento do PIB ficará próximo de zero. É um duro revés para um país que luta há anos para voltar a crescer.

O programa de reformas deverá parar, mesmo porque, até recentemente, o Planalto continuava a antagonizar o Congresso. O ajuste fiscal e o investimento em infraestrutura deverão ficar para o próximo ano. Apenas medidas infraconstitucionais (ligadas a saneamento, energia e PPPs) poderão ser aprovadas.

Finalmente, se ao cabo de dois anos, o crescimento médio for de apenas 0,5% ao ano, dá para pensar em reeleição? Tudo indica que não, até porque muita gente está cansada da irrelevante pauta ideológica que prende a atenção de boa parte do Executivo.

* Economista e sócio da MB Associados.


José Roberto Mendonça de Barros: Poderemos ter crescimento sustentado?

A convicção de que a relação dívida/PIB começará a se reduzir é fundamental para manter ajustadas as expectativas

Depois de uma profunda recessão e de três anos de crescimento, inclusive no ano que finda, a grande pergunta que se faz é se será possível voltarmos a crescer de forma sustentável.

Qual seria a pauta mínima para que esse evento viesse a ocorrer?

Minha resposta a essa questão é positiva, isto é, poderemos voltar a crescer se pelo menos três condições se verificarem simultaneamente. São elas:

1) Se houver convicção por parte dos agentes e analistas de que a relação dívida/PIB voltará a cair, mesmo antes de um crescimento mais acelerado da economia. Isso ocorrerá se, além da reforma da Previdência agora finalizada, o Congresso aprovar um mínimo de regras que garantam que as despesas correntes não cresçam em termos reais de forma quase autônoma, ao contrário dos últimos muitos anos.

A convicção de que a relação dívida/PIB, hoje mantida a duras penas com controles e contingenciamentos, começará a se reduzir é fundamental para manter ajustadas as expectativas e permitir a continuidade da redução da taxa Selic, dando suporte a planos de expansão do crédito, de gastos de consumo e investimento.

Embora a apresentação de uma proposta abrangente seja importante para dar uma visão da rota a seguir, parece-me fundamental ter foco numa primeira rodada (provavelmente a chamada PEC Emergencial) de sorte a consolidar um avanço fiscal que, com a Previdência, permita destravar mais rapidamente os pontos 2 e 3 apresentados a seguir.

Na minha percepção, no caso da reforma tributária ainda estamos longe de qualquer consenso, sendo preciso muito mais discussão dentro e fora do Congresso para chegarmos ao ponto de uma proposta que possa ir a voto. Embora ela seja fundamental para melhorar a alocação na economia e diminuir custos das empresas, o arranque inicial do crescimento pode ser dado sem ela.

Finalmente, vale repetir que se não houver esse avanço mínimo na pauta fiscal, a melhora no crescimento não será sustentável.

2) O segundo ponto necessário para crescer é, naturalmente, uma retomada dos investimentos. Esses terão de se concentrar na infraestrutura, dada sua precariedade e a grande capacidade ociosa no setor industrial.

Também é certo que, com as agruras fiscais do Tesouro, os investimentos só ocorrerão como consequência de concessões, especialmente na área de logística. O Ministério da Infraestrutura nos informa que vários projetos relevantes estarão prontos para ir a leilão no ano que vem. Se bem-sucedidos significarão canteiros de obras em 2021, reforçando os novos investimentos em petróleo que se iniciarão em 2020, consequência dos leilões já ocorridos e a ocorrer.

Também deveremos ter em 2020 novos investimentos em telecomunicações (desde que a ideologia não adie por pressão externa os leilões de 5G) e em saneamento, cujo novo marco regulatório deve ser aprovado pelo Congresso ainda este ano. Também alguma coisa em energia elétrica deverá avançar.

Note-se que em meu cenário não espero nada relevante na área de privatização (exceto grandes promessas), dadas as notórias dificuldades enfrentadas por aqueles responsáveis pelas áreas. Apenas vendas de lotes de ações no mercado de capitais podem ocorrer, a exemplo do que fez a Caixa Econômica com ações da Petrobrás. Bom para o Tesouro, mas isso não é privatização.

3) A última peça necessária para uma retomada sustentável é, exatamente, a que está mais garantida nos dias de hoje: uma importante redução no custo do crédito, como resultado da baixa inflação, da queda da taxa Selic, das regulações do Banco Central (como a redução dos depósitos compulsórios) e dos efeitos competitivos da expansão dos novos bancos digitais e de empresas de serviços financeiros.

Caso esses avanços ocorram, o PIB voltará a crescer mais aceleradamente a partir de 2021. Nossas projeções são: 0,9% neste ano, 1,6% no ano que vem e 2,8% e 3% para 2021 e 2022.

Os riscos desse cenário são dois: a situação internacional caminha para uma crise no futuro próximo e, mesmo sendo o Brasil um país bastante fechado, seremos afetados por ela. O segundo risco é o mais óbvio: conflitos políticos atrasando a agenda legislativa, elevando a incerteza e reduzindo o otimismo.

A conturbada semana que finda é o exemplo mais evidente do que estamos falando.

*Economista e sócio da MB Associados.