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José Casado: Renda básica de R$ 7 mil

Vereadores aumentam salários discretamente em cidades pequenas

Aos 57 anos, Marcio Bittar é um político em ascensão no Congresso. Chegou ao Senado há apenas 20 meses, pelo MDB do Acre, e já é relator de alguns dos mais disputados projetos da temporada legislativa. Entre eles, está o programa de renda básica que Jair Bolsonaro sonha levar embaixo do braço para os palanques da reeleição.

Bittar foi comunista de carteirinha, no PCB, e estudante na extinta União Soviética. Girou a chave na vida de pecuarista no noroeste do Acre, região recordista em incêndios, desmatamentos e conflagrada pelo narcotráfico na fronteira com Peru e Bolívia. Tornou-se um expoente da bancada ruralista, onde há gente que quase enfarta quando ouve a palavra “Ibama”, e um conservador em cruzada contra a liberação do aborto.

Tenta negociar solução para uma antiga equação, insolúvel aos olhos de muitos comunistas e conservadores: reduzir os gastos públicos e, ao mesmo tempo, criar um mecanismo de transferência de renda aos pobres.

Ninguém é contra, todos são a favor do combate à corrupção, da luz elétrica e da água encanada. Mas sobra ceticismo no Congresso e no governo. Não é conspiração, somente apatia diante da paisagem do abismo social. Ela é hipnótica em regiões como Sena Madureira e Feijó, vizinhas acreanas, onde Bittar trocou a retórica comunista pelos votos ruralistas.

São 60 mil pessoas cercadas por bois, em comunidades equidistantes da mata incendiada para novos pastos. Metade sobrevive com meio salário mínimo por mês. Só 10% têm acesso a água potável e esgotos. Na semana passada, o Diário Oficial de Feijó, reduto eleitoral do senador Bittar, anunciou aumento de até 30% no salário dos vereadores. Passaram a ganhar R$ 7 mil mensais mais mordomias. Repetiram o que estão vendo ocorrer na maioria das câmaras dos municípios com até 50 mil habitantes, ou seja, 88% das cidades. Discretamente, vereadores estão resolvendo a equação da renda básica no pós-pandemia. Só para eles.


José Casado: Desastre ambiental

A capital de Alagoas afunda

Está em curso outra tragédia ambiental provocada pela mineração. Parte da cidade de Maceió está afundando à média de 1,7 centímetro por mês em relação ao nível do mar, constatou o Serviço Geológico do Brasil. Porém esse desastre não é prioridade para o Ministério do Meio Ambiente, mais preocupado em atender ao lobby para abolir normas de proteção às lagoas, rios, praias e mangues.

Na sexta-feira, a prefeitura de Maceió decretou calamidade em quatro bairros. Eles abrigam cerca de 60 mil pessoas numa área com o dobro do tamanho de Copacabana, de frente para a Lagoa de Mundaú, cuja margem corre o risco de ser rebaixada. A desestabilização do solo começou a ser percebida há dois anos, com efeitos visíveis em centenas de imóveis de Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto.

A capital de Alagoas afunda, segundo o serviço geológico federal, por causa do progressivo desmoronamento das minas de sal-gema da Braskem. A empresa atribui a catástrofe a um “fenômeno”, mas abandonou a extração de sal-gema. Agora tenta tampar suas 35 cavernas de 200 metros, cavadas por quatro décadas 900 metros abaixo do solo urbano.

Controlada pelos grupos Odebrecht e Petrobras, a Braskem é uma das petroquímicas mais inovadoras na reciclagem de plásticos. Fatura R$ 52 bilhões por ano e tem oito mil empregados. Azeitou sua margem de lucro no Brasil, na última década, pagando suborno a líderes políticos para garantir matéria-prima a preços camaradas da acionista Petrobras. Repetiu a fórmula no México, onde o governo diz haver “vícios de origem” no contrato de compra de etanol da estatal Pemex.

Maceió será mais afetada se houver “colapso” das minas, advertem os geólogos. Investidores da Braskem nos EUA já anunciam ações judiciais, alegando que ela “minimizou a seriedade de suas responsabilidades”. O cenário é catastrófico, mas não mobiliza o erradio e histriônico ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente.


José Casado: Um oceano de cloroquina

Há suficiente para abastecer por 38 anos o mercado nacional

Já são mais de 80 mil mortos. É como se desaparecesse toda a população de uma cidade do tamanho de Três Rios (RJ), Ibiúna (SP), Viçosa (MG) ou Camboriú (SC).

Sem rumo na pandemia, o governo passou a pressionar estados e municípios. Quer impor cloroquina como tratamento do vírus. Sem base científica, não consegue justificar a transformação desse medicamento no motor de suas ações contra o vírus.

Expõe-se na coação de agentes públicos sob motivação política, em decisão moldada à campanha de reeleição de Bolsonaro. Enquanto isso, ele posa para fotografias levantando uma caixa do remédio como troféu. Fez isso no fim de semana nos jardins do Palácio da Alvorada.

Com a encenação tenta ocultar a inépcia administrativa que deve acabar na Justiça. Nela, Bolsonaro envolveu seus generais-ministros Fernando Azevedo (Defesa) e Eduardo Pazuello (interino na Saúde).

Entre abril e junho, o governo recebeu 2,5 milhões de comprimidos do Exército. Em um trimestre o laboratório militar fabricou remédio suficiente para consumo próprio por mais de uma década, considerada a escala de produção antes da pandemia.

Já havia encomendado 3 milhões de unidades à Farmanguinhos para o programa antimalária. Pediu mais 4 milhões para entrega neste mês. Ao mesmo tempo, recebeu outros 2 milhões doados pelos Estados Unidos a pedido de Bolsonaro, de acordo com a embaixada americana.

Somam 11,5 milhões de doses. É suficiente para abastecer por 38 anos o mercado nacional, onde se consomem 300 mil comprimidos por ano. O governo aderna, sem saber o que fazer, num oceano de cloroquina.

Manipulação da Ciência não é novidade na biografia do presidente. Era deputado, 50 meses atrás, quando comandou o lobby da fosfoetanolamina. A “pílula da cura do câncer” foi liberada por lei e sancionada por Dilma Rousseff, mesmo sem base científica. Acabou vetada pelo Supremo, a pedido de entidades médicas, por “risco grave à vida”. Com a cloroquina, Bolsonaro está indo além: arrasta o governo e o Exército numa obsessão que, talvez, Freud explique.