John Perry Barlow

Cora Rónai: John Perry Barlow

Defensor da liberdade de expressão, ele tinha um pé na contracultura e outro na tecnologia. Foi um homem múltiplo

Para nós, hoje, é natural imaginar a internet como um vasto espaço de liberdade. A censura da rede é imediatamente reconhecida, e vista como uma aberração, a marca inequívoca de um governo autoritário — ou, na melhor das hipóteses, como um grave atentado à liberdade de expressão. Nos países democráticos, qualquer interferência legal, por menor que seja, é discutida exaustivamente. Temos consciência de que, para o bem ou para o mal, a rede deve ser livre.

MAS ESSA CONSCIÊNCIA
não nasceu do nada. Nós a devemos a alguns pioneiros que lutaram com unhas e dentes — e magníficos advogados — para que assim fosse. A população em geral ainda não tinha ideia do que era a internet, e eles já estavam atentos aos perigos que a ameaçavam dos gabinetes do poder, indo à Justiça, estabelecendo jurisprudência, garantindo que todos entendessem bem o que estava em jogo.

Na semana passada perdemos um desses campeões. John Perry Barlow, fundador da Electronic Frontier Foundation (junto com Mitch Kapor e John Gilmore), defensor intransigente da liberdade de expressão, da liberdade individual e da liberdade de imprensa, morreu durante o sono, aos 70 anos. A humanidade não sabe quanto deve a ele. Encontrei Barlow em pessoa há mais de 20 anos, quando ele esteve no Rio pela primeira vez, mas já nos conhecíamos virtualmente da Well, uma comunidade on-line de São Francisco. Ele tinha ido ao Mali um pouco antes, e estava feliz com os resultados da viagem. Num tempo em que jornalistas do mundo inteiro ainda escreviam um parênteses sempre que mencionavam a internet (“rede mundial de computadores”), ele tinha feito questão de instalar uma rede lá, só para poder dizer nas suas palestras que já existia internet até em Timbuktu.

Nós nos encontramos várias vezes depois disso, ou nos Estados Unidos ou, mais frequentemente, aqui no Brasil, que passou a frequentar com regularidade, sobretudo quando Gilberto Gil — que ele adorava — foi ministro da Cultura.

Barlow não parava, vivia em movimento — seus e-mails chegavam dos pontos mais remotos do planeta, e apontavam sempre para as suas próximas paradas. Nunca encontrei ninguém com maior capacidade de fazer amigos. Era um networker nato, e parecia conhecer todas as pessoas do mundo — ou, pelo menos, as mais interessantes. Nos tempos da internet a vapor, fazia circulares sobre o que tinha visto, o que pensava e o que tinha chamado a sua atenção, e mandava para toda a sua extensa lista de contatos. Eram textos enormes e memoráveis. Cheguei a publicar alguns aqui no GLOBO, no caderno de informática.

Com um pé na contracultura e outro na tecnologia, foi um homem múltiplo, que viveu incontáveis vidas numa só. Criou gado no Wyoming numa cidade minha xará chamada Cora (é um dos três cowboys que aparecem de costas no clássico anúncio dos cigarros Marlboro), escreveu letras para o Grateful Dead, ajudou a popularizar a palavra “ciberespaço” para descrever o mundo das máquinas conectadas.

Andava com a saúde muito debilitada. Ao longo do último ano, sua rotina era entrar e sair de hospitais, mas ainda assim dava a impressão de que não iria embora nunca, um ser eterno na sua sabedoria e no seu entusiasmo com a vida.

Quem sabe? Talvez as notícias da sua morte tenham sido muito exageradas. Talvez, como comentou alguém na sua página no Facebook, ele tenha sido apenas abduzido por ETs, e volte qualquer hora dessas. Tomara. O mundo precisa de mais gente como ele.