Joel Pinheiro da Fonseca

Joel Pinheiro da Fonseca: Trump ou Biden - Quem é melhor para o Brasil?

Com o democrata, país seria forçado a abandonar a estratégia de bajulação

Biden é um candidato moderado, pró-globalização, dotado de vasta experiência pública e com uma agenda de desenvolvimento sustentável para seu país.

Trump é um populista isolacionista e que governa pensando apenas em sua popularidade imediata. Não tenho muita dúvida de qual seria melhor presidente para os EUA. Mas, dado que Bolsonaro construiu uma relação especial com Trump, será que, do ponto de vista brasileiro, a reeleição do presidente americano seria melhor?

Não seria. Primeiro porque a nossa relação de subserviência para com os EUA não nos tem rendido muitos frutos. Às vezes ganhamos um afago —como a simplificação aduaneira—, mas Trump bem sabe que dependemos muito mais dele do que ele de nós e por isso impõe tarifas a nossos produtos sem pensar duas vezes. Ao mesmo tempo, nossa relação com as outras nações só piora. Com Biden, seríamos "forçados" a abandonar a estratégia da bajulação e nos portar novamente como nação altiva em busca de seus interesses.

Interesses como o estreitamento de laços comerciais com todos: China, EUA, UE, países árabes, Israel. Para isso, uma OMC atuante (hoje está, por iniciativa americana, capenga) nos ajuda; já um mundo marcado por guerras comerciais intempestivas, e se fechando cada vez mais, nos atrapalha.

Trump é o rei da bravata vazia. Fala grosso com a China, inicia uma guerra comercial. Mas não entrega resultados. O déficit comercial dos EUA aumentou. No início de seu mandato, Trump saiu das negociações da Parceria Transpacífica, que uniria comercialmente diversas nações do oceano Pacífico, excluindo a China.

Desde então, os demais países fecharam um acordo entre si, e os EUA ficaram de fora. O "colocar a América em primeiro lugar" de Trump significou, na prática, fechar e isolar o país, tornando o mundo menos interconectado e mais caótico.

No debate do dia 22, a diferença entre os dois candidatos era clara: ambos entendem que a ascensão chinesa apresenta ameaças, mas enquanto Trump apela para a mistificação do "vírus chinês", ponta de lança retórica para um cabo de guerra indefinido, Biden dá os termos de estratégia pensada: enquadrar a China nas regras globais —seja no meio ambiente, propriedade intelectual, práticas comerciais, etc. Com Biden, acordos econômicos substantivos se tornam mais prováveis.

Por fim, o governo Biden seria melhor para nós também na pauta ambiental. Trump encoraja a irresponsabilidade destrutiva de Bolsonaro e Ricardo Salles. Já corremos o risco real de perder o acordo comercial com a UE se nada for feito para reverter o quadro de devastação. Empresas internacionais começam já a boicotar produtos brasileiros que possam estar ligados ao desmatamento. Caso se torne presidente, Biden será mais uma liderança que nos ajudará a seguir a direção certa, conforme ele próprio disse no primeiro debate.

No meio ambiente, como em tantas outras pautas, nosso interesse de longo prazo é harmônico com o do resto do mundo: a Amazônia é uma fonte de riqueza e prestadora de serviços ambientais que beneficiam mais o Brasil do que qualquer outro país.

O mundo que beneficia o Brasil é um mundo de relações amistosas entre os países, mediadas por regras e instituições internacionais. Em que a diplomacia tem precedência sobre as armas.

Se Biden vencer, o mundo respirará aliviado. No Brasil, será motivo para celebrar duplamente.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.


Joel Pinheiro da Fonseca: Fé e religião no governo Bolsonaro

Ministro Milton Ribeiro deve saber separar melhor igreja e Estado; oremos

A religião de um ministro não deveria importar para sua avaliação. A partir do momento, contudo, em que a religião é um dos critérios pelos quais foi escolhido, ela se torna relevante, para o bem ou para o mal.

Ainda em novembro de 2018, a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro sondava Mozart Neves Ramos, na época diretor do Instituto Ayrton Senna, para o Ministério da Educação.

Assim que a informação veio a público, contudo, gerou reação imediata da bancada da Bíblia, que vetou o nome. Bolsonaro acatou. Depois de um ano e meio perdidos, Bolsonaro finalmente nomeia um ministro da Educação evangélico.

O Estado laico é daquelas conquistas sociais que, quanto mais de perto examinamos, mais fica difícil de definir. Afinal de contas, o que difere um valor "religioso" de um valor "laico"? Todos nós partimos de certos pressupostos normativos —os fins que desejamos para nós e para a sociedade— que não têm embasamento racional.

Quando deixamos as sutilezas filosóficas de lado, contudo, e olhamos para o todo, é um avanço inestimável de nossa civilização ter não só separado a autoridade religiosa da autoridade secular (separação que, pode-se dizer, está já na origem do cristianismo) como também ter desobrigado esta de qualquer tipo de subordinação àquela.

Desde então, todas as religiões e igrejas têm a liberdade de existir, sem qualquer favorecimento ou obstáculo do Estado, desde que respeitem a lei.

Isso exigiu de todos, e especialmente de autoridades religiosas, o reconhecimento de que a pluralidade de visões de mundo, bem como a necessidade da convivência pacífica, exigem que se trate visões discordantes com respeito.

A Igreja Católica, hoje em dia —assim como os principais ramos das igrejas protestantes históricas (como a Igreja Presbiteriana, do ministro Milton Ribeiro)—, convive em paz e relativa harmonia com o Estado laico.

Foi uma guerra de séculos para que o aceitassem.

A convivência de diferentes perspectivas só pode funcionar se reconhecemos uma esfera de conhecimento e ação comum, na qual conflitos possam ser resolvidos por um critério anterior a qualquer fé específica: nossa razão (também ela falível e, portanto, sempre aberta ao contraditório). Assim, é possível avaliar um ministro por critérios técnicos que independem da fé.

Até a saída de Weintraub, o discurso do governo era de que não existe excelência técnica: existe apenas a guerra de narrativas, ideologias e fés.

Os grandes problemas da educação brasileira não eram a má gestão, a falta de recursos, o despreparo e desamparo de professores, a indicação política dos cargos de diretores de escolas, e sim a ideologia ensinada por professores comunistas em sala de aula. Ateísmo, socialismo, sexo.

Em vídeo em que prega a sua congregação, o pastor Milton Ribeiro aterroriza os fieis com o espectro da revolução sexual; as universidades estariam, sob a inspiração do existencialismo, ensinando aos jovens ("os nossos filhos") o sexo sem limites. (Como egresso da Faculdade de Filosofia, lamento ter passado batido por essa matéria.) A fala não o abona.

Ao mesmo tempo, contudo, tem um doutorado (real) em educação. É cedo para dizer que também fará um ministério ideológico. Como bom presbiteriano, apesar do conservadorismo, deve saber separar melhor igreja e Estado. Talvez seja o equilíbrio possível dentro deste governo. Oremos.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.


Joel Pinheiro da Fonseca: Um presidente sem palavra

Um presidente irrelevante não merece tanta atenção da mídia

Um bom exemplo do poder das palavras de um líder veio do Reino Unido. Tendo se recuperado de um caso grave de Covid-19, o primeiro-ministro Boris Johnson gravou um depoimento oficial lapidar: demonstra empatia com os doentes, apoio e admiração aos profissionais de saúde, louva o sistema público de saúde do país e conclama a população ao esforço coletivo necessário para enfrentar a tragédia.

Independente do juízo maior que se possa fazer sobre o governo de Boris Johnson, foi uma fala digna de um líder nacional.

Ninguém cogita que algo similar possa vir de Bolsonaro. Não esperamos do presidente nenhum sentimento nobre, nenhuma inspiração coletiva, nada que acene para a união e para valores nacionais. Dele não sai nada além de provocações baratas e brigas políticas de absoluta mesquinhez.

Elas também não indicam o rumo que o governo tomará. Até o momento em que escrevo esta coluna, Luiz Henrique Mandetta continua ministro da Saúde, mesmo depois de dar uma entrevista ao Fantástico em que disse com todas as letras que ele e o presidente divergem na estratégia. Que ele continue ministro só demonstra o quão frouxo é Bolsonaro no campo da ação.

Fala que o isolamento social é desastroso para o Brasil e mesmo assim não troca o ministro que promove o isolamento. Bolsonaro torna-se cúmplice daquilo que suas palavras condenam. Ladra, mas não morde.

Tampouco esperamos a verdade das palavras dele. Quando Bolsonaro disse em 9 de março que tinha “provas” de que as eleições de 2018 foram fraudadas, ninguém acreditou —nem mesmo seus apoiadores e fãs. Era óbvio que ele não tinha prova nenhuma; era só mais um blefe, mais uma mentira contada para chacoalhar as águas do debate público e ser esquecida no dia seguinte, quando novas provocações aparecessem.

Assim como a emissão descontrolada de moeda corrói seu valor, o palavrório inconsequente de Bolsonaro deprecia a palavra presidencial. Durante uma hiperinflação, as pessoas param de aceitar pagamentos em dinheiro. É hora de tratar as palavras do presidente da mesma maneira: como elas de nada valem, também não devem ser levadas a sério ou receber o destaque da imprensa.

Como todo mundo que passou pelos anos de colégio deve ter aprendido, uma provocação só tem poder na medida em que damos importância a ela. Bolsonaro ir a pé à farmácia ou à padaria nada mais é do que uma provocação barata de um presidente que carece da coragem para fazer valer suas palavras na condução do governo.

Essa e outras pirraças presidenciais (e dos filhos) são objetivamente irrelevantes para o país, e só adquirem centralidade na medida em que reagimos a elas.

Tornar as suas gracinhas o centro diário do debate público é conceder-lhe uma importância que não tem. O presidente não manda mais no país. Comporta-se como uma criança birrenta que tenta atrapalhar o trabalho dos adultos.

Na medida em que seu choro desvia nossa atenção, ele é bem sucedido. Está desacreditado, mente sem parar, e busca gerar barulho para que não nos demos conta do óbvio: na maior crise de seu governo (a primeira não causada por ele), Bolsonaro é irrelevante. Tratemo-lo como tal. Neste momento, não merece mais do que a notinha no pé da página.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.


Joel Pinheiro da Fonseca: E o Oscar vai para... o PT

'Democracia em Vertigem' reproduz narrativa petista da história recente

Será que o primeiro Oscar brasileiro irá justamente para o PT? Confesso —como aliás já escrevi por aqui na época do lançamento— que não sou grande fã de “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, documentário que está entre os indicados para o Oscar deste ano.

É uma ilusão acreditar que um documentário seja, por sua própria natureza, uma descrição minimamente objetiva da realidade. A única diferença para com a ficção é que ele cria sua narrativa selecionando documentos (imagens, depoimentos) reais, e não construídos.

O documentário engajado, gênero consagrado por Michael Moore, não esconde sua parcialidade e seleção enviesada dos documentos que apresentará ao público. É o que temos aqui, e é uma pena.

O filme reproduz a narrativa petista da história recente: Lula e o PT chegaram ao poder e melhoraram a vida dos brasileiros mais pobres ao mesmo tempo que enfrentaram os interesses das elites. Infelizmente, no exercício do poder o PT se aliou à velha política brasileira, serva das elites, e acabou sendo derrubado por ela.

Em nenhum momento o documentário encara de frente dois problemas fatais para sua narrativa: o primeiro é a política econômica dos anos Dilma, que produziram a recessão da qual ainda não nos recuperamos.

A década de 2010-2019 foi a de pior crescimento desde 1900. Esse desastre legou ao país 13 milhões de desempregados, ao mesmo tempo em que a política econômica enchia os bolsos de grandes empresários, como os donos da construtora Andrade Gutierrez, família de Petra.

O segundo é uma discussão do mérito dos crimes de responsabilidade dos quais Dilma foi acusada, que revelaria pedaladas fiscais e liberação de créditos sem aval do Congresso bilionárias.

Mais do que uma grande conspiração envolvendo mídia e elites —o mesmo discurso usado por Bolsonaro hoje em dia—, esses dois fatores explicam o porquê da força política do impeachment (não só junto à classe política, mas também à opinião pública) e sua legitimidade formal.

A narração do documentário é feita pela própria diretora num tom de voz lamurioso, que reforça o vitimismo da histórica contada: o PT como pobre vítima de um sistema corrupto dirigido pelas elites.

Um documentário mais imparcial contaria uma história diferente: o PT, que ascendeu ao poder já com escândalos de corrupção às costas, implementou sim programas sociais importantes, ao mesmo tempo em que beneficiou aliados políticos e empresariais escolhidos politicamente para sustentá-lo no poder.

Na medida em que sacrificou as conquistas econômicas que recebeu do governo FHC (responsabilidade fiscal, metas de inflação) e apostou no crescimento via consumo e gasto do governo, minou as bases de um crescimento sustentável no país. O aparelhamento institucional e os esquemas de corrupção para financiar a máquina partidária, quando descobertos, selaram seu destino.

Tendo feito o que fez, e ainda assim se apresentar como vítima inocente do sistema, o PT sem dúvida merece Oscar de atuação.

Seja como for, o filme tem seus méritos também. O ritmo da narrativa mantém o espectador interessado na história, há imagens bonitas e muito bem escolhidas, e ainda conta com um material de arquivo inédito.

Enquanto filme —à parte a narração chorosa—, funciona. É o bastante para vencer o Oscar? Difícil saber. Mas já que a regra agora é Brasil acima de tudo, aos detratores do filme resta torcer: vai Petra!

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.