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Elio Gaspari: Joe Biden está sem rumo

Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem

Elio Gaspari / O Globo

O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo. A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.

Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice, Kamala Harris, para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir, e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.

Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?

O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado, e no início de outubro teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo, e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.

O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: “Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar, estarei falando.”

A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias, e não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.

Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.

Eremildo, Bolsonaro e Moro

Eremildo é um idiota, e por isso leu três vezes o depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal. Lá está escrito o seguinte:

 “Ao indicar o delegado Alexandre Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal.”

A frase telegráfica não permite dizer que Moro ofereceu uma troca. De certa forma, não permite dizer coisa alguma. Tudo ficaria mais claro se Bolsonaro pudesse reproduzir o que ouviu, contando quando a conversa ocorreu. Pelo que o depoimento registra, Eremildo acha que a história não faz sentido.

A conversa mencionada por Bolsonaro teria ocorrido em abril de 2020. O presidente queria para logo a nomeação de Ramagem para a chefia da Polícia Federal, mas a vaga do ministro Celso de Mello só viria em setembro, mais de quatro meses depois.

Sem as imprecisões que o tempo impõe à memória, Eremildo acha que merece crédito a curta troca de mensagens ocorrida naqueles dias entre a deputada Carla Zambelli e o então ministro da Justiça:

“Por favor, ministro, aceite o Ramagem e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar a fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer”.

Moro respondeu: “Prezada, não estou à venda”.

Lula com Alckmin

De uma víbora do Centrão, experiente porém suspeita:

O Lula pode estar fingindo que oferece a vice ao Geraldo Alckmin, e ele finge que acredita.

Racharam Alcolumbre

O episódio das rachadinhas no gabinete do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) ajudou a passar a escolha de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.

Até o fim deste mês, Alcolumbre liberará o nome de Mendonça para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, e logo depois ele irá ao plenário. Se a ajuda será suficiente para formar uma maioria, é outra história.

Jaboticabas

Um magistrado brasileiro recebia a visita de colegas americanos quando surgiu o tema dos precatórios.

Os americanos queriam saber o que era aquilo, e o juiz explicou que se tratava de dívidas reconhecidas pelo Judiciário e que não eram pagas. Por delicadeza, mudaram de assunto.

Em outra ocasião, o juiz Antonin Scalia disse que não entendia por que em Pindorama dizia-se que uma lei (da ditadura) era considerada legal, porém ilegítima. “Para mim, isso é blablablá”, disse Scalia.

Explicaram-lhe que de acordo com os Atos Institucionais, as medidas praticadas com base neles não podiam ser apreciadas pelo Judiciário.

Perplexo, Scalia abandonou o tema.

Moro e Dallagnol

Se o ex-juiz Sergio Moro e o agora ex-procurador Deltan Dallagnol disputarem cadeiras no Congresso, terão a surpresa de suas vidas. Na Câmara e no Senado, a voz de qualquer parlamentar vale o mesmo que a deles. Nenhum dos dois habituou-se a tamanho desconforto.

Se Moro disputar uma cadeira de senador, não aguenta oito anos de exercício rotineiro do mandato.

Gatilho rápido

Durante a campanha eleitoral do ano que vem, o Tribunal Superior Eleitoral pretende entrar no salão com o dedo no gatilho.

Pode-se acreditar que os suspeitos de sempre arriscam ir para a cadeia. Mais que isso: chapas e/ou candidaturas poderão ser embargadas.

Desta vez, nenhum processo rolará durante três anos.

A lira da Câmara

Arthur Lira, o presidente da Câmara, não é um personagem simpático, e suas ideias são claras como a noite, mas ele reuniu tamanho arsenal que de pouco adianta prever suas derrotas.

É melhor virar a chave: em princípio, ele ganha.

Petrobras

Bolsonaro recebeu sinais de seu mundo para que esfrie o debate em torno de uma eventual venda da Petrobras.

Quando ele quis colocar velhos amigos no governo, as cerejas desses bolos vieram da Petrobras.

A menos que ele encarregue D. Hélder Câmara e D. Eugênio Salles para desenhar uma eventual privatização da empresa, o tema fluirá para um só estuário, no qual naufragou o navio do comissariado petista.

Quando Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, com um caroço muito menor, o capitão defendeu seu fuzilamento.

Crivella candidato

A notícia segundo a qual o ex-prefeito Marcelo Crivella poderá disputar uma vaga no Congresso livraria o governo do constrangimento de ter que esquecer sua nomeação para a embaixada na África do Sul.

Indicado em junho, o doutor ficou travado no silêncio do governo de Pretória, que não lhe concedeu o agrément. No início de outubro, Bolsonaro ligou para o presidente Cyril Ramaphosa e pediu sua ajuda.

Até agora, nada.

Dificilmente a iniciativa do capitão partiu de uma sugestão de diplomatas profissionais. Eles sabem que o silêncio de uma chancelaria sugere a retirada do pedido de agrément, e telefonemas desse tipo só servem para agravar a questão.

Fonte:


Sergio Amaral: E se Biden ganhar?

Descompasso com um governo democrata nos EUA ampliaria o isolamento do Brasil

Ao início do ano, as chances de vitória de Joe Biden pareciam remotas. Hoje elas se tornaram plausíveis, sobretudo em decorrência dos sucessivos reveses de Donald Trump na gestão da crise do coronavírus, na deterioração da economia e na mobilização da sociedade contra o racismo.

Não que a vitória de Trump esteja afastada. O desemprego pode sinalizar uma melhora ou a vacina contra o vírus começar a ser distribuída. Mas o fato é que a melhora de Biden nas pesquisas é consistente. As sondagens conferem ao candidato democrata uma dianteira de cerca de dez pontos na média nacional e uma vantagem de 279 delegados para o colégio eleitoral, contra 188 para Trump. O próprio perfil de Biden, conciliador, moderado, propenso à convergência e à busca de união, em vez da divisão, vai-se mostrando apropriado para presidir as transformações profundas na sociedade.

O que seria um governo democrata? No plano interno, sobressai o desafio de retomar a economia e de acomodar expectativas de duas correntes relevantes para a vitória nas eleições: os aguerridos eleitores de Sanders e a comunidade afrodescendente.

A ala de Bernie Sanders sustenta duas bandeiras principais: a extensão do Obamacare a todos, isto é, aos 30 milhões de americanos que não contam com nenhuma cobertura de saúde; e o chamado Green New Deal, que traria maior participação do Estado na indução do crescimento e na inclusão social, associada ao compromisso com a causa ambiental.

A comunidade negra, energizada por cerca de 2 mil manifestações de protesto, apenas nos Estados Unidos, afirma que é chegada a hora de adotar políticas estruturais para enfrentar um racismo que se tornou sistêmico.

No plano externo, apesar da polarização na cena mundial, os desafios de Biden são contornáveis. Sua diplomacia deverá expressar os valores e princípios entronizados na campanha eleitoral, como meio ambiente, defesa dos diretos humanos e um multilateralismo reformado, marcas da administração Obama.

A confrontação com Beijing dificilmente será superada em curto prazo. A decisão de conter a China resultou de um entendimento bipartidário que contou com o apoio de cerca de 70% dos eleitores. Além disso, o contencioso bilateral tem um componente estratégico, em certa medida antagônico: a China pretende o reconhecimento de sua emergência como uma das duas superpotências do século 21. Trump optou por conter essa emergência. Biden provavelmente buscará, em vez da escalada das sanções, um modus vivendi que separe áreas de competição estratégica dos setores de cooperação.

Com a Europa persistirão dificuldades objetivas que as ameaças de Trump contribuíram para agravar, como o gasoduto Nord Stream 2 com a Alemanha, a taxação das Giant Techs com a França ou as diferenças quanto à reforma da Otan e da OMC. Mas não há nada que não possa ser negociado no âmbito de um propósito comum de reconstruir uma aliança que não precisava ter sido ameaçada.

Com relação aos países que possam representar uma ameaça à segurança dos Estados Unidos, como Rússia, Irã e Coreia do Norte, o governo democrata contará com as sanções unilaterais impostas por Trump para negociar os seus interesses e as próprias sanções, a partir de uma posição de força.

As eleições de novembro não deverão ser apenas uma corriqueira escolha de dirigentes ou partidos. Ao contrário, incluem uma agenda complexa que poderá configurar um novo contrato social e um ajustamento externo às novas realidades de um jogo de poder multipolar. O novo presidente precisaria contar, além de suas qualidade de moderação e equilíbrio, com forte apoio político. Nesse aspecto a conquista do Senado poderá ser relevante.

As implicações para o Brasil de eventual eleição de Biden serão significativas e decorrerão, sobretudo, do equívoco de colocar as principais fichas nas mãos de Trump e de suas políticas A eleição de um democrata poderá levar a um desencontro em temas como multilateralismo, meio ambiente e o próprio projeto de um Green New Deal, ainda pouco claro, mas que conta com simpatia nas hostes de Biden e na Europa.

A consequência desse descompasso seria ampliar o isolamento do Brasil, que já se manifesta em nossa própria região, nas convergências históricas com a Europa e até mesmo nas relações com um importante parceiro econômico, como a China. Lamentavelmente, o Brasil parece ter optado por hostilizar ou distanciar-se exatamente daqueles que mais compram de nós ou investem em nosso país.

Os índices de desflorestamento na Amazônia seriam uma fonte permanente de fricção com um governo como o de Biden, apoiado por uma ativa militância ambientalista, tanto na sociedade e na mídia quanto no Congresso. Nesse sentido, a criação do Conselho da Amazônia é um passo na direção correta. Mas vale a pena ter presente a advertência do embaixador da Alemanha, pouco antes de deixar o País: as medidas para combater o desflorestamento precisam ser drásticas, rápidas e continuadas.

*Sergio Amaral foi Embaixador em Washington


Joe Biden: A falsa escolha que a Casa Branca quer impor

Os americanos exigem uma liderança constante, empática e unificadora, diz candidato democrata à presidência dos EUA

Até o momento, o coronavírus matou mais de 79 mil americanos. Um em cada cinco trabalhadores entrou com pedido de seguro-desemprego – a taxa de desocupação agora é a mais alta desde a Grande Depressão. É um momento extraordinário – do tipo que exige uma liderança constante, empática e unificadora.

Mas, em vez de unificar o país para acelerar nossa resposta à crise de saúde pública e obter alívio econômico para quem precisa, o presidente Donald Trump recorre a uma estratégia familiar de desviar a culpa e dividir os americanos. Seu objetivo é tão óbvio quanto covarde: ele espera apartar o país em um duelo, classificando os democratas como mercadores do pessimismo, que querem manter os EUA na lona, e os republicanos como combatentes da liberdade, tentando alavancar a economia.

É uma tática infantil – e uma falsa escolha na qual nenhum de nós deve cair. Todo mundo quer que os EUA retomem suas atividades o mais rápido possível – alegar o contrário é completamente absurdo. Governadores de ambos os partidos estão fazendo o possível para que isso aconteça, mas seus esforços foram reduzidos e dificultados porque não receberam do governo federal as ferramentas, os recursos e as orientações que precisam para reabrir com segurança e sustentabilidade. Essa responsabilidade recai sobre os ombros de Trump, mas ele não está preparado para a tarefa.

Faz mais de dois meses desde que Trump afirmou que “qualquer pessoa que queira fazer um teste poderá fazê-lo”. Foi uma mentira e ainda não é nem remotamente uma verdade. Se quisermos ter locais de trabalho, restaurantes, lojas e parques seguros, precisamos de testes em massa. Parece que Trump não pode fornecê-los – para não falar de protocolos de segurança do trabalhador, diretrizes de saúde consistentes ou liderança clara para coordenar uma reabertura responsável.

Além de abandonar os testes, ele parece ter esquecido que a nossa economia é orientada pela demanda – você pode gritar bem alto que estamos abertos para negócios, mas a atividade não voltará à força total se o número de novos os casos ainda estiver subindo ou atingindo o platô e as pessoas não acreditarem que seja seguro voltar a trabalhar. Sem medidas para impedir a propagação do vírus, muitos americanos não vão querer fazer compras, comer em restaurantes ou viajar.

O governador da Geórgia, Brian Kemp, começou a “reabrir” os restaurantes de seu Estado. Segundo dados do serviço de reservas OpenTable, mesmo assim, havia 92% menos clientes do que no mesmo dia um ano atrás. Estados e cidades que tentaram retomar as atividades estão descobrindo que a economia não é um interruptor de luz que você pode simplesmente ligar – as pessoas precisam de confiança para fazê-la funcionar.

Mais uma vez, a solução não é um mistério. O governo Trump poderia se concentrar na produção e distribuição de testes e protocolos adequados, em conformidade com a orientação de especialistas em saúde pública. Isso acelera consideravelmente o processo de reabertura e o torna muito mais eficaz.

O governo está plenamente consciente de que este é o caminho certo também – afinal, o presidente e sua equipe estão agora recebendo testes diários. Eles sabiam exatamente como tornar o Salão Oval da Casa Branca um local seguro e operacional, e empenharam-se em fazê-lo. Mas, com relação ao restante do país, eles simplesmente não tiveram o mesmo trabalho.

Se Trump e sua equipe entendem o quão crítico são os testes para sua segurança – e parecem que sabem disso, dado o comportamento da Casa Branca –, por que insistem que eles são desnecessários para o povo americano? E por que o presidente tenta transformar isso em outra forma de divisão, colocando americanos em uma falsa batalha entre “saúde” e “economia”?

Todo mundo sabe que não podemos reviver a economia a menos que salvaguardemos a saúde. Em vez de mais uma vez tentar nos dividir, Trump deveria trabalhar para darr aos americanos as mesmas proteções necessárias que ele obteve para si mesmo. É a coisa certa a fazer e o único caminho para realmente colocar a economia de volta nos trilhos.

  • Foi vice-presidente dos EUA e é candidato democrata à presidência