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Mathias Alencastro: Vida e morte da frente ampla

Escolha de Jilmar Tatto é fim de uma era

A esquerda brasileira padece de uma ilusão portuguesa. Muitos acreditam que a famosa geringonça, a aliança entre socialistas, bloquistas e comunistas, seria, na sua encarnação tropical, uma parceria entre PT, PC do B e PSOL.

Mas o gênio do premiê português, António Costa, chefe e idealizador do projeto, está na sua capacidade de mobilizar esses partidos da esquerda para ocupar o centro do tabuleiro político.

Com o apoio envergonhado dos seus aliados, ele capturou as bandeiras conservadoras do rigor fiscal e da segurança pública.

Na semana passada, Costa, em mais um gesto de ruptura, aproveitou o desconfinamento para declarar o seu apoio à reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente de centro-direita.

Moscou, Istambul, Budapeste, capitais políticas e financeiras estão na linha de frente do combate ao populismo de seus respectivos chefes de governo. Em todas essas cidades, os progressistas foram além da experiência portuguesa, juntando partidos de todos os bordos.

Em Budapeste, a esquerda chega ao extremo de advogar a aproximação com fações da extrema direita opostas a Viktor Órban. Vale tudo em nome da luta contra o autoritarismo.

Enquanto isso, em São Paulo e no Rio de Janeiro, a intransigência do parisiense Ciro Gomes, a relutância de Lula em reconhecer o colapso da hegemonia petista, e as micro-querelas do PSOL inviabilizaram a frente ampla. Uma fraquejada indigna do momento histórico.

Seguindo o exemplo do resto do mundo, as capitais estaduais deveriam servir de bastião de resistência contra o governo Bolsonaro e de laboratório para uma nova plataforma política.

Em disso, as lideranças proporcionaram um espetáculo de egocentrismo semelhante ao do segundo turno das presidenciais de 2018.

Mas há novidades. No sábado (16) os membros dos diretórios regionais do PT na cidade de São Paulo indicaram para disputar a prefeitura Jilmar Tatto, um candidato sem dimensão nacional e apelo além dos militantes.

Um fiasco anunciado que dará força aos comandantes petistas nordestinos, ansiosos por assumir as rédeas do partido nas negociações nacionais para 2022.

Aí a conversa será outra. Transformado pela pandemia, o Consórcio do Nordeste está criando as condições para a emergência de uma geringonça nos moldes da portuguesa.

Basta olhar para a parceria produtiva entre Rui Costa e ACM Neto e, além do petismo, para as conversas exploratórias entre Flávio Dino e Luciano Huck.

Assombrado pelas suas derrotas recentes, o campo progressista demora a se transformar.

Mas nada de desespero: a formação de uma aliança tranversal que incorpore o melhor do petismo está muito mais avançada do que o marasmo atual deixa transparecer.

*Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).