Ivan Alves Filho

Livro A Pintura como Conto de Fadas, de Ivan Alves Filho, é adotado pela pós-graduação da UFMS

Obra se propõe a contar a rica trajetória da artista plástica Aparecida Azedo, reconhecida internacionalmente

Cleomar Almeida

Editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em 2003, o livro A Pintura como Conto de Fadas, de Ivan Alves Filho, foi adotado pelo programa de pós-graduação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). A obra, de acordo com o autor, propõe-se a retratar “a rica trajetória humana, política e artística de Aparecida Azedo, artista plástica autodidata reconhecida internacionalmente”.

Aparecida Azedo morreu, aos 77 anos, em 19 de junho de 2006, no Rio de Janeiro, vítima de parada cardíaca. Conhecida como autora do maior quadro naïf do mundo, intitulado "Brasil, Cinco Séculos de Luta", ela é a soma de uma larga experiência na vida. “Bóia-fria aos 10 anos de idade; operária de fábrica aos 13; comunista desde os 16, enfrentando clandestinidade e inúmeras prisões, mãe de seis filhos”, escreveu o autor na apresentação.


A obra se encontra no Mian (Museu Internacional de Arte Naïf. A tela, com 24,7 m de extensão por 1,42 m de altura, é o maior quadro naïf do mundo e foi pintada ao longo de cinco anos. Com o significado de arte primitiva e popular, Naïf é palavra francesa (pronuncia-se na-if) e foi incorporada ao português pelo dicionário Novo Aurélio Século 21 no início dos anos 2000.

De acordo com o livro de Ivan Alves Filho, Aparecida Azedo “reserva um espaço fundamental à natureza em sua obra. Mas a natureza estendida como natureza-bruta, e não domada, como jardim”. “Geralmente, os elementos mais característicos da fauna e do meio físico brasileiros estão sobejamente representados. É o caso dos tamanduás, araras, tucanos ou das montanhas onduladas, cachoeiras e fontes, como a lembrar o período edênico antes de antes da chamada Descoberta (sic)”, registrou o autor.

Nos últimos anos de vida, Aparecida Azedo também se dedicou à pintura de festas juninas e outras manifestações folclóricas. Em relação estilo, conforme escreveu Ivan Alves Filho, é possível reconhecer os trabalhos dela “não somente pelo uso de cores e tons vibrantes ou pela ocorrência de planos ligeiramente inclinados, como, sobretudo, pela representação de folhagens”. “Eu me arriscaria a dizer que poucos artistas criam com a força e a originalidade de Aparecida Azedo”, afirma ele, em outro trecho do livro.

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FAP lança livro Presença Negra no Brasil, de Ivan Alves Filho, nesta segunda (28)

Obra apresenta fatos, em ordem cronológica, sobre a contribuição da população negra para o país

Cleomar Almeida

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS), lança, nesta segunda-feira (28/01), o livro Presença Negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI, do historiador Ivan Alves Filho. O evento será no restaurante La Fiorentina, em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ). A entrada é gratuita.

Co-editado pela FAP e Verbena Editora, o livro alinha, ao longo de 200 páginas e em seis partes (cada uma delas referente a um século, especificamente), os fatos historiográficos relacionados à contribuição negra ao Brasil. A ordem cronológica, de acordo com as editoras, tem caráter didático para o leitor.

Na apresentação, Ivan Alves Filho destaca que o Brasil é um dos países mais expressivos da comunidade internacional e, como ele afirma na obra, “o segundo país negro do mundo, com dezenas de milhões de afrodescendentes”. Para o autor, isto é fato.

Em um trecho inicial do livro, Ivan Alves Filho diz que a cronologia do negro no Brasil representará um instrumento útil para o conhecimento e a transformação do país, em particular de sua população afrodescendente. “Certamente, prestará um importante auxílio aos estudantes, professores e pesquisadores da realidade brasileira, aos responsáveis pelas empresas públicas e privadas e aos comunicadores sociais e ativistas sociais e culturais”, escreve.

O autor lembra que, no século XVI, o tráfico de negros se impunha cada vez mais. “E as questões relativas a rebeliões negras começavam a vir à baila. Se, em 1570, o cronista português Pero Magalhães de Gandavo afirmava que os escravos negros, contrariamente aos índios, não se arriscavam a se rebelar ‘por não terem para onde ir’, o que se verificaria, em seguida, é que tal situação não se sustentaria por muito tempo”, observa ele.

Ivan Alves Filho acrescenta que o século XVII foi o da consolidação do escravismo no Brasil. Já o século XVIII se inicia, segundo ele, com uma notícia surpreendente, ou seja, em 1704, cerca de cinquenta africanos tentam fugir da Bahia e retornar à África. “Trata-se, provavelmente, de uma das primeiras tentativas, nesse sentido, partindo da Colônia. Era uma reação à escravidão. Mas as autoridades coloniais continuavam com seu comportamento obscurantista”, acentua o autor.

Mais adiante no livro, Ivan Alves Filho observa que o século XIX foi “o século revolucionário por excelência no Brasil”. De acordo com ele, o período se iniciou com a chegada da família real ao país, em 1808, e se encerrou com a abolição da escravatura, em 1888. “E entre estas duas grandes datas, deu-se a independência política do país, em 1822. Um século e tanto”, assevera o autor.

E 1888 é exatamente o ano escolhido por Ivan Alves Filho para detalhar, a partir de então, ano a ano, separadamente, os principais fatos relacionados ao negro no Brasil até 2018. Na prática, funciona como um valioso manual sobre o assunto. Do ano passado, por exemplo, ele destaca o assassinato da vereadora negra Marielle Franco (PSol-RJ).

“O Brasil todo ficou estarrecido com o assassinato da vereadora Marielle Franco, defensora dos direitos humanos e da população das favelas do Rio de Janeiro”, lembra, para continuar: “O crime que vitimou a representante do Partido do Socialismo e da Liberdade (PSol) ocorreu na noite de 14 de março, no Centro do Rio, e soou como um desafio à intervenção federal no Estado. Socióloga, política, negra, Marielle se transformou em um símbolo das lutas cidadãs no país”.

Com prefácio do advogado Nei Lopes, que também é autor de contos, peças teatrais e romances, o livro destaca que “os descendentes dos antigos escravos buscaram autoafirmação e inclusão social por meio de suas práticas culturais”.

Ainda de acordo com Lopes, que é compositor popular e autor de dicionários e obras históricas, o livro de Ivan Alves Filho é “decisivamente mais um golpe certeiro na derrubada da odiosa parede que recalca e reduz a importância da presença afro-originada na construção da hoje solapada civilização brasileira”.

Sobre Ivan Alves Filho
Nascido no Rio de Janeiro, em 1952, é diplomado pela Universidade Paris VIII e pós-graduado pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. É autor de livros como Brasil, 500 anos em documentos, Memorial dos Palmares, História dos estados brasileiros, Giocondo Dias - Uma vida na clandestinidade e Velho Chico Mineiro.

Exerceu o jornalismo desde a primeira metade dos anos 1970 e colaborou em cerca de 20 publicações brasileiras. Editou algumas delas, entre as quais suplementos culturais de jornais e publicações como Guia do Terceiro Mundo (posteriormente Guia do Mundo, lançado em português, espanhol e inglês).

Em diferentes momentos, atuou como pesquisador associado de órgãos como o Centro de Memória da Associação Brasileira de Imprensa, o Centro de Memória Social Brasileira, o Núcleo de Pesquisas sobre o Índio Brasileiro, o Comitê Português do projeto Unesco “A Rota do Escravo” e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos”. Foi professor de história e economia política e ministra conferências histórias no Brasil e no exterior.

Como documentarista, produziu vários filmes no quadro da série Brasileiros e Militantes, da Fundação Astrojildo Pereira. Além disso, dirigiu e apresentou programas sobre cultura brasileira em emissoras de rádio e foi editor do jornal eletrônico Vertente Cultural.

Fique por dentro
O quê: Lançamento do livro Presença Negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI, do historiador Ivan Alves Filho.
Onde: restaurante La Fiorentina, em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ). Entrada gratuita.
Quando: 28 de janeiro de 2019 (segunda-feira)


Zumbi dos Palmares portrait1 | Foto: Reprodução

Política Democrática: Quilombo dos Palmares representava alternativa de vida, afirma Ivan Alves Filho

Na revista Política Democrática online de dezembro, historiador destaca importância do território para escravos, negros, índios, mestiços e brancos pobres

Cleomar Almeida

O historiador Ivan Alves Filho diz que o Quilombo dos Palmares representava, para os escravos negros, índios, mestiços e brancos pobres, uma alternativa de vida para os que não tinham voz e nem vez na sociedade colonial. Em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro, o autor afirma que “entre o final do século XVI e o início do século XVIII, o Estado de Alagoas serviu de palco para uma epopeia encarnada pelos combatentes do Quilombo dos Palmares”.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online de dezembro

Autor de livros como Memorial dos Palmares, Brasil, 500 anos em Documentos e O Historiador e o Tapeceiro, Ivan pergunta: “O que foi essa experiência, exatamente?”. E prossegue, dizendo, no artigo, que aonde questionar toda uma estrutura que poderia ser denominada de igualitária, a qual prevalece até meados do século XVI, “o colonialismo português abre a via para a sociedade de classes no Brasil: no lugar das roças indígenas, o latifúndio; no lugar dos homens livres, os escravos”.

De acordo com o autor, O Quilombo representava, acima de tudo, “uma alternativa de vida sem perseguições nem espoliações”. “Contrastando com a penúria generalizada na Colônia, praticamente mergulhada na monocultura do açúcar, sobretudo na faixa do Nordeste atual, existia em Palmares um aparelho produtivo capaz de satisfazer não apenas as necessidades materiais dos membros da comunidade, mas também gerar um excedente, negociado junto aos vilarejos coloniais vizinhos”, escreveu ele.

Palmares integrava, segundo Ivan, o mercado interno nascente. “Essa primeira tentativa concreta de superação da realidade colonial foi finalmente esmagada pelas forças portuguesas e pelas tropas arregimentadas pelos senhores de engenho e escravos de várias capitanias”, disse, para ressaltar que essas tropas chegaram a mobilizar cerca de 14 mil homens.

A documentação histórica, segundo o historiador, permite concluir que, ao aceitar o confronto final em Macaco, capital do Quilombo, no ano de 1694, Zumbi provavelmente não via outra saída para si e o movimento que ele liderava. “Ou seja, fora até o limite de suas forças. Mas essas mesmas forças esbarravam nas chamadas condições históricas objetivas. Afinal, a ordem escravista não dava aos escravos rebelados aquelas condições mínimas para abatê-lo”, afirmou, para continuar: “Isto é, a realização de uma política de alianças que fosse além do próprio estamen- to escravista, submetido, de outra parte, a constantes renovações de natureza demográfica, devido à curta duração do ciclo de vida do escravo. Ora, isso dificultava sobremaneira a formação de uma memória de classe”.

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Ivan Alves Filho: Um século russo

O século XX – um século breve, conforme a definição do historiador marxista britânico Eric Hobsbawm – começou e acabou na Rússia. Teve início em 1917, quando os revolucionários bolcheviques liderados por Vladimir Illitch Lênin tomaram de assalto o Palácio de Inverno, num sete de novembro, em São Petersburgo. E terminou com o fim da experiência soviética – iniciada em 1921 -, com a queda de Mikhail Gorbachev, o último secretário geral do Partido Comunista, em 1991.

Muito já se escreveu a propósito do desmoronamento do socialismo realmente existente. O sistema teria sido minado por seus próprios desvios burocráticos. Ou sucumbido à poderosa propaganda ideológica do inimigo capitalista. Ou, ainda, desdenhado a questão da democracia política. Para outros, a corrida armamentista deslanchada pelo campo ocidental, sobretudo pelos norte-americanos, enfraqueceria de maneira irreversível as economias socialistas, (historicamente debilitadas, se comparadas com o desenvolvimento das potências capitalistas, com o ponto de partida delas). Tudo isso é verdade. Mas existe um outro aspecto nunca lembrado nessa questão do desmoronamento da União Soviética: o país não soube – ou não pôde – se dotar de uma base material que possibilitasse sustentar no topo relações de produção de novo tipo, livres de qualquer exploração do homem pelo homem, conforme estabelecia o ideário marxista. E sem uma base material nova, não existe modo de produção historicamente novo. É o que a marcha da História nos ensina.

O fato é que a antiga URSS fez uma revolução política mas herdou a base material por excelência do sistema capitalista – a unidade fabril. E não criou nada no lugar dela. E o mais dramático ainda estaria por vir: a base material da sociedade sem classes – representada pela revolução técnico-científica em curso no mundo há pelo menos três décadas, com base na automação – surgiria primeiro no Ocidente capitalista. A base técnica dessa sociedade, bem entendido – e não a sua base social e política. É como se a Revolução Russa de 1917 tivesse colocado a política na frente da economia (ou das forças produtivas, mais concretamente) e o Ocidente tivesse feito justamente o contrário disso.

Seja como for, a União Soviética não somente deixaria de modificar essa base material (o capitalismo, diga-se de passagem, mudou a base do feudalismo, o que possibilitou explodir de fato com as relações servis de produção, reforçando assim o próprio capitalismo) como também manteria as relações assalariadas de produção já presentes no capitalismo. E o que é ainda mais sintomático, o capital permaneceria intocado também no interior do socialismo real. A pergunta parecia ser: o que fazer com ele?

O que o socialismo real modificaria estruturalmente, então? Na verdade, apenas o estatuto formal dos meios de produção, doravante sob o controle do Estado, não necessariamente socializado. É preciso reconhecer isso. Não é demérito. É que não havia condições de se caminhar mais longe do que isso, dada as condições da sua implantação. No fundo, os bolcheviques contavam com o pipocar da revolução na Alemanha, área mais avançada, para viabilizar de fato a Revolução Russa. Tanto que o idioma oficial da III Internacional, criada em 1919, era o alemão.

Problemas fundamentais que têm que ver com o caráter da gestão, tão ou mais importantes até do que o próprio estatuto da propriedade, foram praticamente postos de lado. Afinal, se apropriar dos meios de produção é inseparável de se apropriar dos meios de gestão – ou deveria ser. Pior ainda: a ideia de socialismo se restringia à esfera econômica, mais concretamente às nacionalizações operadas no âmbito da indústria. Vale destacar ainda que o próprio Karl Marx evitava se referir ao termo socialismo: para o filósofo e ativista alemão o que havia, na realidade, eram duas fases do comunismo, uma inferior e outra superior. Está na Crítica do Programa de Gotha.

E a relação com a propriedade assim como a relação de exploração do trabalho não eram as únicas apontadas por ele como responsáveis pela alienação do homem. Ou seja, a coisificação crescente do ser humano e a opressão exercida pelo Estado sobre ele foram ignoradas pelo socialismo realmente existente. Vale dizer, são muitas as áreas da experiência humana que mereceram a atenção de Marx, e não apenas a opressão econômica. Contudo, acabou prevalecendo a redução da “etapa inferior” do comunismo à simples organização de um sistema econômico com base nas empresas estatais. Deu no que deu.

Na seara política, prevaleceria um absolutismo próximo daquele vigente na Europa do Oeste durante o século XIX. Absolutismo esse que deitava raízes no velho czarismo, é bem verdade – mas que o fechamento da Assembleia Constituinte pelos bolcheviques só agravaria. Na realidade, os líderes políticos russos viraram as costas a algumas das mais caras práticas democráticas presentes desde o final do século XIX no movimento socialista e operário europeu, como os direitos de greve, de reunião e de voto. Ora, se essas conquistas foram obtidas sob o capitalismo, mais uma razão para que fossem mantidas por aqueles revolucionários. Questão complexa esta da democracia.

O fato é que a Revolução Russa teve dificuldades em assimilar o que a civilização humana havia produzido de melhor, até então. E a democracia é justamente isso: um conjunto de valores civilizatórios, em que despontam conquistas como o habeas corpus, que data do Império Romano. A tradição autoritária russa – uma área de frágil presença da sociedade civil, frequentemente engolida pelo Estado, em prática nitidamente “oriental” – acabou falando mais alto.

A extraordinária contribuição da União Soviética à luta contra o nazismo não seria, infelizmente, assimilada internamente no sentido de uma abertura política. Mesmo assim, os comunistas ajudaram a consolidar a democracia no Ocidente, participando de governos de União Nacional, como na França e na Itália, e estimulando políticas de frentes populares. Propuseram a importantíssima política de coexistência pacífica entre regimes sociais diferentes. E o papel dos comunistas nas lutas pela descolonização também foi digno de nota, com destaque para seu apoio inabalável ao povo do Vietnam. Os comunistas da III Internacional – é preciso dizer – também fizeram sua parte na luta contra a barbárie. Lamentavelmente, por momentos também mergulharam nela, como no período stalinista.

No fundo, a grande diferença entre a proposta comunista e a capitalista é de natureza antropológica. Ou seja, reside na batalha pela desalienação do homem em todos os planos da sua existência, do econômico ao modo de vida. Uma batalha pela superação daquilo que Marx denominava por “pré-história” do homem. Não basta mudar a sociedade; é preciso também mudar a própria civilização. A rigor, a Revolução Russa ficará para a História como uma espécie de ala esquerda da sociedade industrial.

A História ensina que, com todas as limitações de uma primeira experiência revolucionária, a luta pela preservação da Revolução e a montagem de um Capitalismo de Estado – a definição é do próprio Lênin, em seus escritos sobre o caráter da Rússia pós-1917, mais exatamente em seus artigos econômicos – liberaria uma energia extraordinária, como que represada por longos anos na velha Rússia dos czares. É que havia a esperança de uma mudança radical no modo de vida. E, em vários setores do conhecimento e da prática humanas, essa esperança se concretizou. E isso também é inegável, é preciso que se reconheça. Da servidão à industrialização: a Rússia, em pouquíssimas décadas, passou de um país de servos a um país onde os proletários almejavam, pela primeira vez na História, chegar ao poder. Tudo isso não é pouco mesmo.

Os artistas e a arte russa e soviética materializariam esse início de mudança – para melhor, imagino – das fontes da vida no chamado socialismo real. É o que a própria realidade objetiva nos diz. Vejamos a coisa de perto. O cinema documental, com Dziga Vertov à frente, nasceu durante o processo revolucionário russo. Seu belíssimo “Três cânticos para Lênin” até hoje emociona as plateias do mundo inteiro, pela força de suas imagens, até por uma certa aspereza que delas emana. Fascinante, realmente. Serguei Eisenstein, pelo lado do cinema ficcional, dirigiu e montou verdadeiras obras-primas, como “Outubro”, “Ivan, o Terrível” e “Que viva México!” (este último inacabado. Os soviéticos chegaram então a sondar Glauber Rocha para terminar o filme.). Como esquecer um criador como Eisenstein, se ele já pertence ao patrimônio cultural da humanidade?

Se caminharmos para o lado das artes plásticas, impossível deixar de mencionar os nomes dos criadores russos Marc Chagall (que chegou a ser comissário do povo ou ministro no novo governo da Revolução), Malevitch e Kandinsky, verdadeiros ícones da modernidade, compreendendo aí os experimentos com as linguagens abstratas na pintura.

E a história se repete na poesia, na dramaturgia e na novelística, onde despontam nomes como Maiacovski, Essenin, Bloch, Meierhold e Máximo Gorki, todos de primeiríssima linha. A influência desses artistas e escritores extrapolou a própria cultura russa, encantando o conjunto da cultura ocidental.

O que dizer ainda? No terreno das práticas educacionais, não podemos esquecer tampouco o nome de Makarenko. O pensamento revolucionário russo não ficaria atrás: teóricos como Lênin, Bukharin, Lunacharski e Trotsky enriqueceriam a compreensão dos fatos políticos no século XX. E é preciso reconhecer que o próprio Josef Stalin, em que pese seus erros e crimes brutais, foi autor de um estudo dos mais rigorosos sobre a questão da nacionalidade. Difícil encontrar um país como a Rússia, decididamente.

Revolução, pelo visto, também é cultura. Esta, talvez, uma das heranças mais memoráveis de 1917 – talvez até a principal delas. E essa memória aquece os nossos corações, irremediavelmente esperançosos, apesar das vicissitudes da História recente.

Na velha Rússia, e também fora dela.

* Ivan Alves Filho é jornalista, historiador, autor de mais de uma dezena de importantes livros, o último dos quais é O Homem e o Tapeceiro, editado pela Fundação Astrojildo Pereira

 


Ivan Alves Filho: Relembrando Astrojildo Pereira

O que mais impressiona na trajetória de Astrojildo Pereira, a meu juízo, é a união que ele soube cimentar entre o homem de pensamento e o homem de ação. Uma combinação rara. Talvez por isso, o escritor e homem público Afonso Arinos de Mello Franco tenha se referido a ele como “a maior aventura intelectual” do Brasil em seu tempo.

Vamos tentar entender melhor o motivo disso. Nascido em 1890, em Rio dos Índios, localidade de Rio Bonito, na velha província fluminense, Astrojildo Pereira vivenciou, em 1908, um episódio que o marcaria para o resto da vida. Foi assim. Ao ler nos jornais que o romancista Machado de Assis agonizava, ele pega imediatamente uma barca em Niterói, atravessa a Baía de Guanabara e desce na Praça Quinze, no centro do Rio de Janeiro. Lá chegando, se enfia em um bonde e vai bater com os costados no Cosme Velho, aprazível bairro onde vivia o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas.

Profundo admirador da obra machadiana, o rapaz, de apenas 17 anos, queria se despedir do velho mestre. Expõe sua intenção às pessoas que se encontravam na casa e é autorizado a entrar no quarto do escritor. Ajoelha-se, beija-lhe então as mãos e logo depois se retira. Na belíssima crônica A última visita, Euclides da Cunha, que presenciara a cena, escreveu: “Naquele momento, o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra”.

Dois anos após esse acontecimento, civilista convicto e já começando a se impregnar de ideias anarquistas, Astrojildo Pereira desembarca no cais da Praça Mauá, no Rio, e vai conhecer algumas das principais capitais europeias. Perambula seis meses pelo Velho Continente e retorna ao Brasil. No ano de 1911, Astrojildo já colaborava com o órgão anarquista Guerra Social, trabalhava como gráfico e linotipista e militava no movimento anarquista. Em 1913, ele integra, com um grupo de aguerridos companheiros, a primeira central operária brasileira, a COB, da qual se tornaria o secretário-geral. Em 1917 e 1918, lidera uma série de greves operárias que abalam o Rio de Janeiro. É preso e barbaramente espancado pela polícia no final de 1917 e novamente preso no ano seguinte. Não esmorece. Em 1922, sob inspiração direta da revolução bolchevique na Rússia, faz a opção definitiva pelo marxismo e ajuda a formar o Partido Comunista no Brasil. Em 1924, viaja para Moscou, já investido na condição de secretário geral do PCB. Nesse mesmo ano, assiste, na Praça Vermelha, aos funerais de Vladimir I. Lênin – o arquiteto da revolução bolchevique e também do Estado soviético. Ainda em Moscou, por essa época, divide um alojamento com um líder comunista que seria considerado um dos grandes estadistas do século XX: Ho Chi Minh.

De volta ao Brasil, vive como um revolucionário profissional. Com efeito, Astrojildo não para. Dedica-se a organizar o PCB clandestino e se interna em seguida na Bolívia, em 1927. Sua missão? Contactar Luiz Carlos Prestes, o chefe da Coluna Invicta, em nome do Partido. Entrega a Prestes uma mala com livros marxistas e tenta convencê-lo da necessidade de revolucionar as estruturas da sociedade – e não apenas derrubar este ou aquele governo. Consegue atrair Luiz Carlos Prestes para as fileiras do PCB.

Uma vez acertado o ingresso do Partido na Internacional Comunista, Astrojildo Pereira passaria a compor sua Comissão Executiva, a instância máxima da organização, em 1929, quando parte novamente para a capital soviética. Com menos de 40 anos de idade, ele já se apresentava como um dos líderes da revolução mundial.

Mas não tardaria muito e Astrojildo Pereira teria sérias divergências políticas com o Partido no Brasil. Assim, é afastado da organização em 1932, sob a acusação de tentar barrar a linha dita de “proletarização” de sua política e de simpatizar, ainda, com as ideias de Nikolai Bukharin, opositor de Josef Stalin na direção do Partido Comunista da União Soviética.

Reintegrado ao PCB no bojo da redemocratização do país em 1945, Astrojildo Pereira colabora, nesse meio tempo, com o jornal carioca Diário de Notícias e escreve ensaios primorosos sobre Machado de Assis. Sua reputação como crítico se consolida. Tampouco abandona a reflexão política, debruçando-se sobre a análise do fascismo e sua influência no Brasil. Mais: é o primeiro a pontar para a grandeza épica dos Quilombos dos Palmares, chamando Zumbi de “o nosso Spartacus negro”. Começa publicar então seus vários livros de ensaios. E ainda se dedica de corpo e alma à organização do I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em 1945. O Congresso lançaria, praticamente, a pá de cal sobre o Estado Novo de Vargas. Dele participam Jorge Amado, Caio Prado Júnior, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e outros nomes de primeiríssima linha da literatura, da historiografia e da ensaística brasileira.

Durante o Estado Novo, Astrojildo Pereira sobrevive vendendo frutas em um depósito em Niterói, o que motivou Manoel Bandeira a escrever um poema sobre ele. E de 1945 até o dia do Golpe de 1964, realiza pesquisas sobre a obra de Machado de Assis e a trajetória do PCB. Ao lado de sua companheira Inez, essas são as grandes paixões de sua vida, desde a juventude. Daí ter escrito certa vez que seu ideal de vida encorporava “um doce amor de mulher em meio a uma bravia luta política”. Seja como for, Astrojildo edita, nessas duas décadas, publicações da importância de Literatura e Estudos Sociais. Trabalha na célebre Editorial Vitória, do PCB, e passa a ditar, na prática, a política cultural do Partido. Intelectual refinado, ele contribui para revelar alguns valores que brilhariam na cultura e na política, como Armênio Guedes e Leandro Konder.

Astrojildo conviveu com figuras altamente representativas da cultura brasileira, como Oscar Niemeyer, Di Cavalcanti, Monteiro Lobato, Alberto Passos Guimarães e Nelson Werneck Sodré – pelo lado comunista – e Otto Maria Carpeaux e Hélio Silva, intelectuais católicos. Hélio Silva, inclusive, era um querido companheiro desde os tempos do anarquismo. Mais de uma vez, eu o ouvi – fascinado – discorrendo sobre isso, em meados da década de 80, quando tive oportunidade de trabalhar com ele, no Rio de Janeiro.

A explicação para esse trânsito junto a personalidades dos mais diferentes horizontes políticos e filosóficos reside no fato de que Astrojildo Pereira defendia seus pontos de vista sem qualquer traço de sectarismo. É bem verdade que nos momentos mais duros dos embates ideológicos travados pelo PCB, o velho revolucionário se alinhou, daqui e dali, com posições que, a rigor, contrariavam sua própria visão de mundo. É que, por formação, jamais iria contra uma diretriz do Partido. Mesmo assim, era, basicamente, um homem avançado em relação à sua época. Escrevendo de Moscou, em 1925, por exemplo, reconheceu que “a democracia, ainda que burguesa, é vista como um bem pelas massas”.

Era, de fato, um homem raro, desses que aparecem a cada meio século. Sua primeira prisão política, que eu saiba, se deu em 1917; a última, em 1964. Em 1965, devido aos rigores da prisão, onde sofreu um infarto, morreu Astrojildo Pereira. Foi perseguido durante a vida inteira, mas nunca perseguiu ninguém. Lutou todos os combates possíveis pela liberdade. Afonso Arinos tinha razão: Astrojildo Pereira levou uma existência que honra a inteligência brasileira. Sua vida é um desafio permanente lançado à imaginação dos melhores romancistas.

Eu o conheci em nossa casa, no Rio de Janeiro, quando estava para fazer 13 anos. Foi logo após sua saída da prisão. Meu pai, militante do PCB, tinha por ele um grande respeito. Guardo até hoje na memória sua semelhança física com meu avô paterno. Em ambos, eu percebia a mesma candura nos gestos, a mesma doçura no olhar, a mesma calma ao lidar com as pessoas. Como Astrojildo, vovô era um admirador do camarada Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Como ele, vovô nascera na velha província. Ao conhecer Astrojildo Pereira, foi como se eu passasse a ter mais um avô só para mim.

Pouco depois, soube de sua morte. Seu enterro foi uma corajosa manifestação pública de repúdio à ditadura militar então instalada no Brasil. Inez Dias, desafiando os esbirros do regime, gritou, à beira do seu túmulo: Viva Astrojildo Pereira! Naturalmente, fiquei abalado com tudo que estava acontecendo. No país do final da minha infância, prendiam e maltratavam homens com mais de 70 anos de idade. Seu pecado? Ter permanecido fiel às suas ideias de juventude. Era mesmo assustador.

O velho Astrojildo Pereira foi o primeiro herói da minha vida.

Ivan Alves Filho é jornalista, historiador e autor de mais de uma dezena de livros, entre eles Memorial de Palmares


Ivan Alves Filho*: O Brasil começa a virar a página da insensatez

O petismo e alguns aliados seus podem ser encarados como uma variante do fascismo, movimento autoritário surgido na Itália  no fim da Primeira Guerra Mundial? Tendemos a considerar que o bloco capitaneado pelo petismo esteja pelo menos a um passo dele. Por que razão? Porque alguns dos componentes estruturais do fascismo estão presentes na cultura petista ou do chamado lulopetismo. Corporativismo, conluio criminoso com o grande capital, autoritarismo político, manipulação das massas pelos sentimentos e emoções, venda de ilusões, recurso à demagogia barata diante das demandas vindas dos setores populares, instrumentalização dos sindicatos, política de apelo nacionalista cada vez que uma dificuldade séria se apresenta, aparelhamento do Estado, linguagem incitando à violência, corrupção desenfreada e tentativas de estabelecer o chamado diálogo direto com as massas por intermédio de um chefe carismático - eis em que se assenta o petismo, que vai além das fronteiras do PT propriamente dito. E só para refrescar a memória, o grande ideólogo do fascismo, o italiano Benito Mussolini, o Duce, fez parte de sua carreira política na esquerda.

O petismo, historicamente, sempre defendeu um ideário autoritário, de exclusão do outro da política. É a tal postura do "nós contra eles", dos “puros contra os impuros”. Alguns dos dirigentes petistas mais proeminentes sempre acusaram os membros dos outros partidos de fazerem o que eles mesmos fizeram depois, surpreendendo a nação. Durante várias campanhas eleitorais, petistas acusavam seus adversários de proporem a privatização da Petrobrás - e promoveram, sem dúvida, a pior das privatizações, ou seja, o assalto aos cofres da nossa maior empresa, para atender aos interesses de uma entidade privada, como é o caso de um partido político. O juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato, falou diretamente na existência de um "grupo criminoso estruturado e sofisticado" atuando no desvio de dinheiro público.

No tocante ao aparelhamento do Estado, a performance petista só é comparável, em termos de Brasil, ao Estado Novo de Vargas e à Ditadura de 1964. Basta citar as dezenas de milhares de nomeações que promoveu país afora. Era uma tentativa de perpetuação no poder como em outras fases autoritárias da nossa História recente. E como lembrou com muita razão Cristovam Buarque, defender o Estado não significa colocá-lo a serviço dos "funcionários das estatais", numa espécie de "estatização neoliberal". Pelo contrário, implica ampliar sua capacidade de administração e intervenção públicas.

E o que dizer dos arroubos nacionalistas que, volta e meia, acomete o petismo? Toda vez que se confronta com uma dificuldade intransponível, esta corrente política grita por socorro: isto é, se escora no pré-sal, no golpe imperialista e por aí vamos, em um bolivarianismo primário (e talvez estejamos aqui cometendo um pleonasmo).

Sabemos que as atitudes racionais não estão muito em alta na política, hoje. No plano das tiradas emocionais, o petismo tampouco trai sua dívida para com um certo autoritarismo. As declarações de alguns de seus dirigentes, ao longo do processo de impeachment, foram totalmente movidas à emoção, com insistentes lembranças por parte da ex-presidente afastada Dilma Rousseff, por exemplo, da prisão que sofreu durante o regime militar ou mesmo da doença que teve de encarar, colocando-a frente à frente com a morte, segundo ela. O que aconteceu com a ex-presidente foi duro - mas não é preciso que seja lembrado a todo instante. Afinal, com todo o respeito, muitas outras pessoas também passaram - ou ainda passam - por situações duríssimas na vida. O discurso do ex-presidente Lula, na sede nacional do Partido dos Trabalhadores, a 25 de setembro último, um dia após ser denunciado pelo Ministério Público Federal à Operação Lava Jato, foi na mesma direção emocional da de Dilma.

E aqui abordamos a questão do carisma pessoal, de que tão bem se vale Luiz Inácio, com não menos insistentes referências à sua infância de menino pobre do Nordeste, de filho do povo. Alguém com a cara do Brasil atingia, finalmente, ao mais alto cargo da República, algo que nunca acontecera na História deste país. Isso foi apresentado a todos nós como se o povo tivesse, por fim, alcançado o poder. O indivíduo era a massa - quase uma versão, em sinal trocado, do l´Etat c´est moi do Absolutismo. E a identificação do partido com o seu chefe passou a ser total, a ponto de podermos falar hoje em lulopetismo, conforme destacamos acima. No decorrer do processo de impeachment da ex-presidente Dilma, chegou-se a justificar o recurso aos créditos suplementares - sem a devida autorização do Congresso, como determinava a Constituição Federal - em nome da manutenção do programa Bolsa Família, do auxílio aos pobres. Com um detalhe altamente significativo: um deputado revelou, com base nos próprios números divulgados pelo Governo Dilma, que tal verba representava apenas 3 % do total dos recursos arrolados pela administração federal para justificar os tais créditos. O recurso aos pobres - algo de forte conotação religiosa, elevado aqui quase a um conceito de corte sociológico -, e não os trabalhadores, como até alguns petistas salientaram, foram se configurando como o alvo político preferencial do partido. Se fôssemos nos pautar exclusivamente pela política latino-americana, talvez seja o caso de considerar que o modelo justicialista de Juan Domingo Perón e dos descamisados argentinos era aquele que mais se aproximava da prática do petismo. E se quisermos nos apoiar ainda no exemplo argentino, seria muito mais interessante para a nossa democracia beber na fonte da Unión Democrática, frente política que fazia oposição a esse mesmo peronismo, reunindo comunistas, socialistas, os radicais da UCR e os liberais, em 1946.

A coerência em relação às práticas autoritárias tampouco nega fogo quando o assunto é corporativismo. Sindicalistas, muitas vezes comprometidos com o projeto petista, deflagraram greves cujo centro era o ganho salarial imediato para uma determinada categoria profissional, em detrimento do interesse mais geral da comunidade ou do conjunto dos trabalhadores. Muitos ainda devem se lembrar dos grevistas que ameaçaram desligar os aparelhos nas unidades de tratamento intensivo de alguns hospitais de Pernambuco, gritando slogans despropositados contra o Governo Arraes. Ou de um chefe sindical ameaçando invadir - diante da própria ex-presidente Dilma, no próprio Palácio do Planalto, em 1º de abril de 2016 - residências e gabinetes de parlamentares.

Destacaríamos ainda que a ex-presidente afastada tentou desqualificar, o tempo todo, o processo de impeachment, alegando que tivera 54 milhões de votos. Uma vez mais estamos diante de um grave equívoco, para dizer o mínimo. Por vários motivos. Primeiro, a ex-presidente não obteve tais votos sozinha - Michel Temer compôs a chapa com ela; e não era nem de longe o candidato das oposições, ao que consta. E nunca é demais lembrar que o PMDB é o principal partido do país, com grande penetração nas pequenas e médias cidades, ajudando de forma significativa a eleger a então candidata do PT. Segundo: os congressistas que a afastaram do poder também foram eleitos pelo povo - e Dilma, sabe-se lá porque motivo, parece ter se esquecido disso. Terceiro: a representatividade do Legislativo é a mesma do Executivo, já que emana igualmente das normas eleitorais da democracia brasileira. Quarto: curiosamente, como observou o jornalista Zuenir Ventura, em artigo no jornal O Globo, a ex-presidente afastada, que tanto criticou o suposto golpe de Estado promovido contra sua gestão, se esqueceu de rechaçar o "fatiamento" da votação do impeachment, o qual a possibilita manter seus direitos políticos intactos. Por uma questão de coerência, deveria ter recusado o tal "fatiamento". Quinto: os juízes do impeachment julgaram apenas as ações que a ex-presidente realizou no exercício do seu governo - e as consideraram criminosas, por sinal. Em nenhum momento, eles questionaram o número de votos que obteve ou sequer da forma como os obteve - uma atribuição do Tribunal Superior Eleitoral, que ainda vai julgar as contas da sua campanha de 2014. Somente no Absolutismo e nas ditaduras fascistas ou populistas é que o "príncipe" não é submetido ao império das leis.

O lulopetismo também cometeria graves equívocos no que tange a seu relacionamento com o grande capital financeiro. Segundo o próprio ex-presidente Lula, nunca os bancos ganharam tanto dinheiro como nos seus dois governos (2003-2006 e 2007-2010). Isso, para não aludirmos aos desacertos que promoveram junto aos bilionários fundos de pensão (nos primeiros dias de setembro, os jornais divulgaram que o déficit atuarial atingia 46 bilhões de reais nos fundos da Caixa Econômica, dos Correios, do Banco do Brasil e da própria Petrobrás). E se formos entrar no terreno igualmente pantanoso do chamado mensalão - ou da compra de apoio parlamentar para a formação de uma base política dócil aos interesses do PT, compra esta que condenou à prisão membros destacados do Governo Lula, no primeiro grande escândalo da sua gestão - constataremos que sua política subordinou sistematicamente o interesse coletivo ao privado, o Estado perdendo parte de sua dimensão pública. Patrimonialismo é isso aí - e em caráter quase puro. Não por acaso, a Lava Jato prendeu mais de cem pessoas, em dois anos e meio de atuação, condenando mais de meia centena delas. E tudo indica que vem muito mais por aí até setembro de 2017,  novo prazo dado para suas averiguações. Seguindo os preceitos de Maquiavel, o PT imaginou que os fins justificavam os meios. Só que os fins se foram e ficaram apenas os meios - e esses eram em boa medida autoritários e marcados por práticas de corrupção. Shakespeare chegou a ser cruel quanto aos abusos que se fazem em torno da ética: "a honestidade é a forma mais refinada de empulhação".

E aqui cabe uma observação de corte mais geral: determinadas práticas da política brasileira até lembram, pelo seu refinamento, o modus operandi de organizações mafiosas. Ocorre que os agrupamentos que possuem um pé no autoritarismo têm um inegável viés marginal, uma atração irresistível pelo crime e não é um mero acaso se tantos delinquentes se sentem atraídos por determinadas ações. Quem não respeita a lei geral costuma fazer a sua própria lei. A Alemanha do falecido Adolfo Hitler chegou a ser pródiga nessa matéria e muitos chefes do Partido Nazista vieram do chamado lumpenproletariat.

Os marginais não têm adversários: têm inimigos e estes têm de ser liquidados. O confronto é tudo e o diálogo nada. A lógica da negociação e da conversa, esta sim, é que emana da prática política propriamente. Fato muito preocupante – e, sem dúvida, estimulado pelo clima reinante na política e na sociedade brasileiras - foi a irrupção, nas eleições municipais de 2016, do crime organizado na cena política, promovendo atentados que aterrorizaram algumas regiões do país e custaram a vida a vários candidatos.

A lógica do autoritarismo é, portanto, a da terra arrasada. E os petistas, em particular, sempre tiveram dificuldades em entender ou assimilar as instituições da democracia. Os fatos não desmentem isso, ao contrário. Quando da ida das oposições ao Colégio Eleitoral, em 1984, os petistas chegaram a expulsar de seus quadros os parlamentares que votaram com o oposicionista Tancredo Neves contra Paulo Maluf, candidato da base do regime ditatorial. Aparentemente, para uma grande parte ao menos dos petistas, era indiferente o país continuar ou não vivendo sob uma ditadura militar. Na visão de alguns, talvez porque o PT tenha sido legalizado por ela, contrariamente ao que ocorrera com o PCB, o PCdoB e o PSB, que tiveram de aguardar a instalação do regime civil democrático para vislumbrar plenamente a luz do dia. Nesse sentido, os petistas não poderiam mesmo dar tanto valor assim a algo que receberam de bandeja do regime militar moribundo. Seja como for, o porquê disso é, ainda hoje, motivo de grande controvérsia. Prosseguindo, convém recordar que a chamada Constituição Cidadã não foi bem absorvida pelo PT por ocasião da sua promulgação, em 1988, já que o partido se recusou a participar da sua homologação coletiva. Apesar de tê-la assinado formalmente, o PT votou contra o texto, infelizmente. Em 2013, o próprio ex-presidente Lula reconheceria que se "o Regimento (do PT) fosse aprovado, o país seria ingovernável". Mais: quando Itamar Franco assumiu a Presidência da República, o petismo simplesmente lançaria a palavra de ordem “Fora, Itamar”, chegando a pedir seu impedimento, assim como o de Fernando Henrique, mais adiante. Em 1993, quando do plebiscito sobre a forma de regime (se republicano ou monarquista) e o sistema de Governo (se presidencialista ou parlamentarista), os petistas se posicionaram contrários ao parlamentarismo, apesar desse modelo ser bem mais avançado do que o presidencialismo.

De outra parte, já que nos referimos anteriormente à Alemanha no conturbado período Entre Guerras, nada mais parecido com a situação que o petismo nos legou do que a triste República de Weimar, que abriria a via ao nacional-socialismo. Em outras palavras, o petismo abalou a esquerda brasileira. Concordemos ou não com suas propostas, os comunistas iam para a cadeia por subversão - conforme diziam em seu linguajar os defensores das diversas ditaduras que os perseguiram, daquela de Bernardes ao Estado Novo de Vargas, do regime de Dutra à ditadura militar de 64. Infelizmente, altos dirigentes petistas foram encarcerados por suspeita de corrupção - algo que deixará marcas profundas na História do Brasil, muito tempo após o desaparecimento de cena do lulopetismo. E pensar que muitos desses dirigentes repetiram, durante anos, o slogan "ética na política" até à exaustão. Vai ver que alguns acreditavam mesmo que uma inverdade dita muitas vezes poderia virar a mais sincera das verdades. Como o fazem agora com a narrativa do "golpe".

A marcha do petismo ilustra um daqueles casos típicos de transformismo, quando um partido ou agrupamento, uma vez no poder, abandona suas bandeiras iniciais e assume posições conservadoras, senão reacionárias. O problema não consiste tanto em saber de onde se vem - mas para onde se vai.

Em 2016, diante da iminência da derrota de seu projeto de governo, uma resolução da direção do PT publicava um documento onde se podia ler: “Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação.”

Trata-se inegavelmente de um projeto autoritário, de corte bolivariano. Tão grave quanto essas tentativas, felizmente abortadas, foi o estrago causado pela corrupção em quase todos os setores da vida nacional. O historiador francês Marc Bloch, ao se debruçar sobre as razões pelas quais os franceses não resistiram à invasão hitlerista, em agosto de 1940, atribuiu o fato à desenfreada corrupção que se abateu sobre a França nos anos anteriores, abalando a auto-estima do seu povo. Para os franceses daquela época, os políticos eram todos iguais, a nacionalidade importando pouco... Em tempo: Marc Bloch escreveu seu trabalho entre sua entrada na Resistência, verificada nesse mesmo ano de 1940 e o seu fuzilamento pelo ocupante nazista, dois anos mais tarde. Esse seu livro - A estranha derrota - é muito rico em ensinamentos para todos nós.

A trajetória do PT dá o que pensar. Muitos jovens acreditaram sinceramente nesse projeto partidário e alguns se vêem hoje desiludidos com a política. Afinal, como os jornais destacaram, a soma dos votos brancos, nulos e abstenções foi superior aos votos do candidato que ficou em primeiro lugar em nove capitais. Mas desanimar, daqui e dali, não significa desistir. E a esperança deve voltar. É de se lamentar que o PT tenha perdido a oportunidade histórica de mudar o Brasil. Paciência, ainda não foi dessa vez. Mas sociedade alguma vive sem esperança e tampouco sem política. Se o Brasil começa a virar a página da insensatez, podemos notar também que o petismo pode ganhar uma sobrevida por meio de outros movimentos que se põem a trilhar o mesmo caminho seu do início dos anos 80.  Corre-se, então, o risco de repetir os equívocos do PT em outros espaços políticos. Uma espécie de petismo sem PT, em suma. Um petismo dessa vez muito mais universitário, comportamental até, do que sindical.

Não foi fácil lidar com essas dificuldades durante todos estes anos. Para que uma outra prática se imponha, é preciso que o campo democrático se mantenha unido em torno de dois objetivos claros e imediatos, a saber: recuperação da economia e manutenção das regras constitucionais. Isso vai muito além das esquerdas. Isto é, superar a gravíssima crise econômica, gerar empregos e aprofundar a democracia representativa são tarefas fundamentais, nacionais. Tarefas árduas, sem dúvida, implicando reformas incontornáveis, tamanho o descalabro que grassa em várias esferas da vida brasileira, da educação à saúde, da segurança ao sistema de transporte. Antonio Gramsci escreveu certa feita que toda a luta da Humanidade implicava na criação de instituições cada vez mais democráticas e que satisfizessem as necessidades de cada um. Este nos parece ser o caminho. E aqui cabe realçar o protagonismo dos liberais nas diversas frentes que derrotaram todos, mas absolutamente todos, os governos autoritários ou populistas entre nós, do Estado Novo de Vargas à ditadura dos generais e desta ao Estado Novo do PT (esta última expressão foi desenvolvida pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, um dos maiores intelectuais brasileiros).

Sabemos todos da força histórica do populismo - e podemos citar a sua adoção na antiga Roma, com sua política de panem et circensis satirizada por Juvenal (o que aliás não impediu as revoltas populares, apesar de tudo, e menos ainda que a velha capital criasse a prática do voto secreto, há quase dois mil e duzentos anos...). Mas há razão para algum otimismo. A consolidação da democracia, em várias partes do mundo, as extraordinárias mutações que se processam no aparelho produtivo das sociedades e a expansão do conhecimento e das pesquisas apontam para o fato de que talvez estejamos às portas de um novo Renascimento. O trabalho por conta própria, o desejo de uma maior autonomia por parte das pessoas, as alterações nas formas de comportamento delas em seu cotidiano, tudo indica uma mudança profunda na nossa maneira de ver o mundo, de estar nesse mundo. Contudo, para que essa mudança se verifique de fato, é preciso também promover - conforme destacou Maquiavel, ao analisar a situação dominante na Itália do seu tempo, o estupendo Cinquecento - o encontro da virtù com a forza, pois até então os fortes não eram virtuosos e os virtuosos não eram fortes. Ontem como hoje, empoderar a virtude parece ser a única maneira de fazer triunfar os valores da civilização - liberdade, igualdade e fraternidade.

Sim, a experiência histórica e o aprimoramento das ideias ensinam e muito. Senão, vejamos. Jacob Boheme era um sapateiro nascido em 1575, na Alemanha. Era também um apaixonado pela Filosofia e receberia séculos mais tarde elogios de Georg Hegel. Um filósofo popular, fato raro na Europa do Renascimento. Um dia, o nosso sapateiro-filósofo percebeu, no seu ateliê, um magnífico raio de luz projetado sobre um fundo sombrio de uma chapa de estanho e concluiu que a luz precisava de obscuridade para resplandecer. Para Jacob Boheme, "uma coisa se opõe a outra não com a intenção de provocar uma hostilidade, mas para que tudo se mova e se manifeste".

O que queremos dizer com tudo isso, em síntese? Que o humanismo é uma força considerável do nosso tempo no plano internacional. E suas bases, como na época do seu florescimento, na Itália renascentista, estão assentadas em duas premissas. De um lado, se alicerça na crescente consciência que o indivíduo vai tomando sobre seu papel na sociedade e, de outro, se alimenta da sensação que esse mesmo indivíduo tem de que vive em um mundo extraordinário, passível de ser explorado ad infinitum. Em seu tempo, o filósofo e  estadista inglês Francis Bacon entendeu a importância da técnica para o pleno desenvolvimento da sociedade burguesa. E, de fato, a fábrica virou a unidade produtiva por excelência do modo capitalista. Da mesma forma, o pleno desenvolvimento do mundo atual pressupõe o recurso às tecnologias de ponta, cujo impacto sobre as forças produtivas não para de nos assombrar. É que não há democracia nem desenvolvimento sem o conhecimento. Hoje, a luta pelo afastamento do homem do trabalho embrutecedor passa pelo incremento da robótica. No plano da base material, as condições estão muito mais maduras para o estabelecimento de uma sociedade sem classes do que em 1917, durante a Revolução Russa, quando não existia a automação. Só perdemos momentaneamente as condições políticas, fazendo-se necessário uma adequação entre a esfera produtiva e aquela da participação coletiva. Provavelmente um novo projeto político global está nascendo diante de nós, incorporando os nossos anseios de paz, de busca por um equilíbrio ambiental efetivo e também integrando propostas que deságuam no fim da exploração dos povos e da opressão de uma pessoa por outra. O grande desafio é saber exatamente qual a cara política que terá essa nova realidade alicerçada nas profundas transformações porque passa a base material da sociedade contemporânea.

Nas últimas décadas, ditaduras desmoronaram - basta pensar na Grécia, em Portugal, na Espanha e em grande parte da América Latina - e inúmeras guerras terminaram - no Vietnã, no Laos, no Camboja, e nas antigas colônias portuguesas da África e em Timor Leste. Evidentemente, persistem situações terríveis em países como Venezuela, Síria e Coreia do Norte. E há uma preocupação crescente com as atitudes aventureiras do líder russo Vladimir Putin. Mas a solidez da democracia - materializada recentemente pelo avanço do Partido Democrata nas eleições presidenciais dos EUA, em detrimento da candidatura desse inacreditável Donald Trump - permite ainda um certo regozijo.

Tudo indica que a batalha da sociedade brasileira por mais transparência e exercício pleno da cidadania deve continuar se expandindo e se manifestando. A proposta que poderíamos chamar de hobbesiana de submissão do homem ao Estado está se esgotando rapidamente. A revolução burguesa - isto é, aquela que garante que todos sejam iguais perante a lei - ganhou as ruas do Brasil, em junho de 2013, e depois como que se completou com o apoio decisivo desta notável Operação Lava Jato e do próprio Congresso Nacional, ao consagrar o afastamento de Dilma Rousseff. Além disso, a vitória eleitoral das forças do campo democrático nas principais cidades do país, no final de 2016, também demonstra que o povo, em centenas de cidades, não deseja mais ser governado pelo sistema político do lulopetismo, derrotando as ameaças autoritárias. Sopram ventos democráticos, apesar de alguns impasses, como no Rio de Janeiro (mesmo assim, os partidos mais identificados com o campo democrático, que infelizmente se apresentaram divididos, tiveram mais votos do que os dois primeiros colocados vistos separadamente).

Democracia como meio e fim, ampliação da autonomia e dos diretos individuais, transparência e gestão compartilhada das riquezas, inovações tecnológicas incidindo sobre o modo de vida aqui e agora, luta pela diminuição do fosso entre a ciência e a população, oportunidades iguais para todos, estão entrando na ordem do dia entre nós. Já não era sem tempo.

Aprendemos com Armênio Guedes que o conceito de esquerda não é fixo e que o que era considerado esquerda lá atrás não o é mais hoje. Na verdade, ampliou-se talvez o espaço para uma política de novo tipo, ao mesmo tempo em que se verificou um certo cansaço em torno de posicionamentos demagógicos. As redes sociais hoje são praticamente um novo poder. Ernest Bloch chegava a falar em "escuridão do momento vivido" ao tentar entender uma determinada conjuntura. Realmente, não é nada fácil.  Porém, é inegável que o cerco agora vai se fechando com uma tripla vitória das forças democráticas: política (impeachment), jurídica (Lava Jato) e eleitoral (com o grande passo dado nas eleições municipais de 2016, quando as forças que se juntaram para apoiar o impeachment de Dilma Rousseff foram as grandes vencedoras). Acabou o tempo das ilusões com propostas que nunca saíram do papel. Adeus, populismo - aos vencedores, a democracia.

*Historiador, autor de mais de uma dezena de livros, entre os quais Memorial dos Palmares


Um reconhecimento que emociona

O livro do historiador Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, cujas duas últimas edições (a segunda e a terceira) foram patrocinadas pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), foi escolhido para compor a grade de ensino de História do Brasil, da Universidade Federal de Uberlândia - ao lado de oito obras de cientistas sociais do porte de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior e Gilberto Freire – o que é muito gratificante para o seu autor e para seus editores.

O objetivo da disciplina é analisar a estrutura e a dinâmica da sociedade colonial brasileira ressaltando a exploração do trabalho escravo, apresentar as contribuições destes grandes autores para o conhecimento da formação do povo brasileiro, introduzir a discussão sobre a problemática da independência do Brasil e promover a revisão crítica da historiografia relativa à temática em estudo (a sociedade escravista: as relações sociais de produção; brancos e negros: padrões culturais e práticas políticas).

Ivan Alves Filho é autor de mais de uma dezena de livros, dentre os quais destacamos os editados pela FAP: O historiador e o tapeceiro, FAP, 2015; Giocondo Dias - Uma vida na clandestinidade, de Ivan Alves Filho (2013); O PCB-PPS e a cultura brasileira: Apontamentos, de Ivan Alves Filho (2012); Itamar Franco - Homem Público Democrata, de Francisco Inácio de Almeida e Ivan Alves Filho (org.)  (2011) e A pintura como conto de fadas – Aparecida Azedo, de Ivan Alves Filho (2003).


Convite: Debate Cedem/Unesp sobre o Golpe de 64 e a atual conjuntura brasileira

A Fundação Astrojildo Pereira lhe convida e aos seus amigos a participarem do Debate Cedem/Unesp sobre o Golpe de 64 e a atual conjuntura brasileira, nesta quinta (dia 28), às 19h, debate que contará com a presença do historiador Ivan Alves Filho.

Na oportunidade, haverá lançamento dos livros "O Historiador e o Tapeceiro" e "1964 - As armas da política e as ilusões armadas". Será um prazer contar com sua presença. Espalhe a boa nova aos seus familiares e amigos.

Tema: 1964
Data e horário: 28/04/2016 (5ª feira), Às 19h
Local: Praça da Sé, 108 - 1º andar (metrô Sé)
Informações: (11) 3116-1701

Palestrantes:
Francisco Paz
José Luiz del Roio
Ivan Alves Filho


Livro da FAP citado por destacado intelectual italiano

O destacado intelectual Eugenio Marino, responsável no Partido Democrático da Itália pelo trabalho junto aos italianos no exterior, publicou no site nacional de seu partido um texto sobre a situação política brasileira, intitulado Vene aperte del Brasile, As veias abertas do Brasil. Nele, Marino faz referência ao livro O historiador e o tapeceiro, de autoria de Ivan Alves Filho, recentemente editado pela Fundação Astrojildo Pereira.


Ivan Alves Filho: O Brasil completa sua Revolução Burguesa. E como vai o mundo?

Basta abrir as páginas de alguns jornais ou revistas para nos inteirarmos de que muita coisa ocorreu no Brasil e no mundo nos três primeiros meses de 2016, tamanho o dinamismo da vida política contemporânea. A crise brasileira, por exemplo, se aprofundou terrivelmente na esteira do transformismo — conceito tão trabalhado por Antonio Gramsci — ou da passagem de partidos ou agrupamentos do campo progressista para o campo político oposto. Contudo, não existem apenas retrocessos no país e fortes avanços democráticos também foram concretizados, até como resposta a determinados desmandos. O que se passa na esfera jurídica no Brasil hoje tem muitas semelhanças, por exemplo, com a operação Mani Pulite que sacudiu a Itália nos anos 90 do século passado. Com efeito, desde março de 2014 dezenas de empresários, altos funcionários do Estado e políticos corruptos brasileiros começaram a tomar o rumo da cadeia. O próprio ex-Presidente Lula não escapou de ter sua casa vasculhada pela Polícia Federal, que o conduziu de forma coercitiva para depor, revelando assim que ninguém está acima das leis.

E não só: as apurações vão apontando para o fato de que houve ingerência nas eleições de 2014, manipuladas por um esquema que não vacilou em violar o processo democrático. Aqueles que desviaram recursos públicos — ao menos em condições sistêmicas — parecem estar com os dias contados no Brasil atual. Vale dizer, soou a hora dos valores republicanos. O que acaba com a corrupção não é tanto a luta contra o capitalismo: havia corrupção também no chamado socialismo real e países capitalistas como a Noruega e a Dinamarca exibem índices baixíssimos de corrupção. O que de fato conta é a luta por mais democracia, isto é, pela afirmação da sociedade civil diante do Estado. No Brasil, tudo indica que a sociedade finalmente saiu à captura do Estado, exigindo mais transparência no trato com a questão pública.

Sabemos todos que o momento vivido pelo país é extremamente delicado. Basta citarmos a incrível violência que campeia nas nossas cidades, o desemprego que atinge as mais diferentes camadas da população e ainda o desencanto crescente com a ladroagem nas diferentes esferas governamentais e nas empresas estatais. Isso, para não aludirmos aos desastres ambientais, como aquele que infelicitou recentemente a histórica cidade de Mariana, em Minas Gerais. A lama que se deslocou pelas centenas de quilômetros que separam a cidade do oceano Atlântico chega a ter um efeito simbólico, metafórico.

Porém, a sociedade é sempre maior que o Estado e nós saberemos encontrar uma saída coletiva para a crise que nos assola. Vale dizer, apesar de o risco de decomposição social estar presente no país, podemos destacar, por outro lado, que o processo de afirmação da cidadania avança de forma inexorável. Um quadro difícil de entender, até. Mas uma coisa é certa: o Brasil vive hoje uma verdadeira revolução cidadã, com o início do fim do Estado privatizado pelos grandes grupos econômicos, ou do patrimonialismo de corte praticamente feudal, de um lado; e, de outro, com o aumento da consciência popular no tocante a fazer prevalecer seus direitos à educação, saúde, segurança e bem-estar. É como se a Revolução Burguesa finalmente se completasse, o país vivenciando uma espécie de 1789 em 2016, devidamente atualizado. Não por acaso os franceses tratavam-se uns aos outros por citoyens — ou cidadãos — no período da Revolução. Fui firmando esse juízo em minhas andanças pelo país e não apenas pelas leituras.

Curiosamente, a Revolução Burguesa no Brasil — uma Revolução Burguesa sem Robespierre e o Terror, diga-se de passagem — surpreendeu o Partido dos Trabalhadores, que se posicionou à direita do liberalismo clássico. Ou se preferirmos: a Revolução Burguesa colocou-se à esquerda do partido que se reivindicava dos trabalhadores. Na verdade, o PT assumiu uma série de práticas do velho coronelismo, travestido em política de Estado, como o assistencialismo, escancarando seu viés semifeudal. Ironias da História, seguramente. Na verdade, vai se firmando a convicção de que o despertar da cidadania — com o consequente aprofundamento de instrumentos de intervenção tais como uma mídia vigilante, o crescimento do papel das redes sociais e da própria transparência administrativa — é central para o pleno florescimento da democracia.

Em outras palavras, é preciso empoderar o cidadão comum em seu local de estudo, trabalho e moradia, em plena ligação com as esferas institucionais. O que se nota é que a autonomia ainda vai dar o que falar neste século: surge com força um tipo de cidadão que não se conforma em ser apenas governado, isto é, alguém que deseja igualmente opinar e mesmo influir nos assuntos governamentais a partir da sua própria realidade. Nesse sentido, a democracia não deve se limitar aos representantes institucionais do povo, podendo ainda se alastrar para o conjunto da sociedade, ao seu cotidiano. Da democracia dos políticos profissionais à democracia de toda a cidadania e de toda a militância — este o desafio maior da contemporaneidade, talvez. Pois não é possível administrar mais à moda antiga e uma nova governança se impõe. Partidos políticos continuam sendo necessários (até porque não apareceu nada capaz de substitui-los), todavia é preciso renovar as formas de participação sempre. Ou, se considerarmos melhor, democratizar um pouco mais os próprios partidos.

Há muitas mudanças no ar na América Latina. E elas são positivas. O populismo local, cada vez mais aparentado ao fascismo, vem recuando em países como a Argentina e a Venezuela. Sintomaticamente, o Chile e o Uruguai — nações onde a esquerda democrática, de base socialista ou comunista, sempre teve um certo peso político — escaparam dessa prática demagógica. O populismo opera, justamente, a partir do vácuo deixado pela esquerda democrática, identificando-se, cada vez mais, com aquilo que Karl Marx e Friedrich Engels no livro A ideologia alemã denominaram por lumpenproletariat, composto por indivíduos sem vínculo social maior. Como sabemos, a lógica dos marginais não é aquela dos incluídos socialmente, que passa pela prática da negociação. Em outros termos, os marginais trabalham com a noção do extermínio: o adversário político é, portanto, um inimigo e como tal precisa ser varrido do mapa. Com o inimigo não se negocia, não é verdade? As SS alemãs procediam dessa maneira e não por acaso alguns dos responsáveis pelo Partido Nazista eram oriundos do mundo do crime. Vinham do lumpen — ou trapo, em alemão —, justamente. Os kapos, ou responsáveis pelos campos de concentração nazistas, eram recrutados entre os prisioneiros de direito comum.

Infelizmente, a História parece se repetir em parte e o fundador de um movimento extremista de direita na Alemanha, o Pegida, é um ex-condenado por furto e tráfico de drogas. Nessa linha de cumplicidade com o crime, diversas autoridades venezuelanas já foram acusadas de controlar o comércio de drogas e o próprio presidente da República teve dois sobrinhos presos por ligações com o narcotráfico, em 2015, no Haiti. O ex-chefe de gabinete de Cristina Kirschner, Aníbal Fernández, foi acusado de controlar o tráfico na Argentina. O poderio dos traficantes avança de forma impressionante no México. Manuel Noriega, ex-militar e ex-ditador do Panamá, com notórias ligações com a CIA e veleidades populistas, se encontra preso desde 1990 por envolvimento com o comércio de cocaína e em diversos assassinatos de opositores. Na Bolívia, vários mandatários tiveram ligações com o mundo das drogas. Formou-se assim uma espécie de burguesia do crime na América Latina e o pior é que, ao propalar a ideia de que governos populistas são governos de esquerda ou progressistas, essas para lá de duvidosas lideranças chamuscam a própria prática de esquerda no subcontinente. Da mesma forma que o autoritarismo político, a escalada da inflação e a corrupção financeira, a força crescente do crime organizado na América Latina é uma ameaça ao Estado Democrático de Direito, a duras penas conquistado pelos povos da região. Ultranacionalismo, autoritarismo e manipulação demagógica dos anseios das massas têm endereço certo: fascismo.

Há motivos, no entanto, para algum regozijo, com as derrotas eleitorais recentes de Cristina Kirschner e Nicolás Maduro, conforme apontamos acima. Fora isso, o restabelecimento de relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos em 2014, assim como o avanço dos acordos de paz para pôr fim à guerra civil na Colômbia, parecem indicar que estamos finalmente assistindo ao início de um processo político mais amadurecido e consequentemente menos sujeito a manipulações por parte do autoritarismo na região. A lógica oriunda da Guerra Fria parece estar com os dias contados nas Américas. Já não era sem tempo. Entretanto, é preciso cautela e não podemos descartar artimanhas de toda sorte por parte das forças autoritárias em países como a Venezuela e a Argentina. Por seu turno, Evo Morales, na Bolívia, parece ter entendido o recado das urnas, que lhe negou um novo mandato. O verdadeiro sentido desses fatos recentíssimos que ocorrem na América Latina é a retomada do processo democrático ou uma espécie de adeus ao populismo.

Falando mais claramente ainda, pensamos que nenhuma democracia é de direita e nenhuma ditadura é de esquerda. Quanto mais examinamos as ditaduras, mais valorizamos o papel das instituições na contenção da violência. É a velha batalha entre civilização e barbárie na marcha da História. O Estado Democrático de Direito tem que ser para todos, uma vez que é uma conquista da Humanidade, atravessando o sistema de classes e os espaços nacionais. Não há razão para que as conquistas obtidas nos últimos cento e cinquenta anos — direito de voto, liberdade de reunião e de opinião, entre outras — não sejam mantidas e mesmo ampliadas hoje. A História é sempre um processo. E nunca é demais lembrar que a experiência do século XX demonstrou que um dos grandes adversários da esquerda é o autoritarismo — venha de onde vier.

O melhor seria que uma nova ordem mundial democrática seguisse à risca os ideais de justiça internacional esboçados pelo Tribunal de Nuremberg, entre 1945 e 1946, para julgar os crimes do nazismo. Faltou sem dúvida alguma um Tribunal de Nuremberg que julgasse igualmente a máquina de guerra pilotada por Richard Nixon no Vietnã. Contudo, a existência, desde 1998, de um Tribunal Penal Internacional, criado em Roma, foi um grande passo no julgamento de atos como os praticados na antiga Iugoslávia. Ainda antes de o ano de 2015 terminar, o Tribunal Regional de Frankfurt condenava, segundo a agência de notícias Deutsche Welle, um político ruandês à prisão perpétua, recusando-se a devolvê-lo às autoridades de Ruanda, temendo que ele pudesse vir a ser solto uma vez em seu país. Também os crimes cometidos pela ditadura de Bashar al-Assad, na Síria, merecem a atenção da consciência e do juízo democráticos internacionais.

Tudo indica que caminhamos para o entendimento de que os direitos humanos não têm fronteira nacional e que a integridade das pessoas está acima da lógica dos Estados. Evidentemente, ninguém pode viver isolado apenas dentro sua própria cultura, mas direito à diferença não significa tampouco tolerância para com situações de opressão. Afinal, tortura nunca foi cultura. Ainda que tentando se esconder sob o manto da política, facínora é facínora, seja ele Adolf Hitler, Muammar Khadafi, Chiang Kai-shek, Idi Amin Dada, Pol Pot, Augusto Pinochet ou Bashar Al-Assad, para ficarmos apenas em alguns notórios delinquentes do nosso tempo. Em outras palavras, os limites da nossa atuação nos parecem bem delineados e não há a menor compatibilidade entre democracia e racismo, aviltamento da condição feminina ou ainda propaganda de propostas fascistas. O sistema democrático não pode compactuar com propósitos anti-humanistas, sob pena de cavar a sua própria aniquilação, banalizando o mal, a mediocridade. Acreditamos na existência de uma razão humana universal e que fora dela não há saída possível.

Evidentemente, pertencemos a um mundo de nações, ainda que cada vez mais globalizado. E tudo que acontece no plano internacional nos afeta enormemente. É verdade que a situação em algumas partes do mundo vem se complicando, com os atentados terroristas perpetrados por mercenários e fanáticos, tanto no Oriente Médio quanto na África subsaariana e na Europa Ocidental. O alvo desses ataques é a própria vida das pessoas, além da democracia e da cultura humanista obviamente. O Papa Francisco tem alertado constantemente a opinião pública para as ameaças que pairam sobre o processo civilizatório no mundo.Toda vez que as bases desse processo são atacadas, a barbárie se apresenta. Assim, democracia, humanismo, coexistência pacífica entre os povos, direito de ir e vir são conquistas da Humanidade e não de uma determinada região ou de um dado sistema político. Ou muito menos de uma classe social. Afora alguns mercadores de armas, ditadores e grupos terroristas covardes, alguém teria dúvida em escolher entre a paz e a guerra?

Mas precisamos também admitir que muitas vezes o horror está dentro de nós mesmos e os riscos de um conflito generalizado são reais. No seu belíssimo e oportuno relato intitulado Infiel, Ayaan Hinsi Ali, uma corajosa intelectual feminista somali, foi direto ao assunto, criticando aqueles que pretendem impor a centenas de milhões de seres humanos de hoje “a mentalidade do deserto árabe do século VII”. Evidentemente, isso não pode dar certo nem para quem vive no deserto árabe no século XXI. Têm culpa nesse cartório não somente o autoproclamado Estado Islâmico como também as intervenções militares promovidas pelas potências expansionistas e, ainda, algumas ditaduras sanguinárias que resistem aos ventos libertários que assolam o Oriente Médio. Tenderíamos a dizer que a batalha política atual implica evitar que a Síria seja a Espanha da Terceira Guerra Mundial. Como sabemos, a aliança da União Soviética — então se reivindicando do socialismo — com os Estados Unidos — país ainda hoje símbolo do liberalismo — foi fundamental para barrar o nazismo e o fascismo no mundo, possibilitando estancar a escalada terrível da Segunda da Grande Guerra. Se os homens então no poder na União Soviética se aliaram aos liberais, mais uma razão para que aqueles que se reclamam da esquerda — hoje infinitamente menos influentes, por sinal, do que naquela época — percebam a importância histórica de um acordo com os liberais de hoje para evitar o pior.

Sob esse prisma, nos parece fundamental a defesa que o Partido Democrático da Itália faz do espaço europeu, por exemplo. De qualquer forma, os dados estão lançados e o que não falta são ingredientes explosivos no tabuleiro. Todo o cuidado é pouco: posturas reacionárias e belicistas da Rússia de Vladimir Putin, surgimento da candidatura Trump beirando a psicopatia nos Estados Unidos, avanço das ações terroristas no plano internacional, desempenhos eleitorais surpreendentes da extrema-direita na Escandinávia e na Suíça, abalos no comportamento da economia chinesa, problemas com a integração de imigrantes na Europa Ocidental, na esteira do desmoronamento do mundo colonial e das dificuldades que as democracias ocidentais tiveram de incorporar esses novos cidadãos. Dados divulgados pela ONU, em dezembro de 2015, indicavam que havia 60 milhões de refugiados no mundo. Uma catástrofe humanitária, realmente. Uma excelente notícia, em meio a tudo isso, foi a derrota da proposta racista reunida em torno da Frente Nacional na França, nas eleições regionais de 2015. A provável — e por nós para lá de desejável — vitória do Partido Democrata nos Estados Unidos nas eleições presidenciais de 2016 certamente dará algum alento ao quadro internacional também. Outra boa notícia, já no início de 2016, é que as relações entre o Ocidente e o Irã tendem a se normalizar. E nem é preciso lembrar novamente o quanto a estabilidade na União Europeia é condição básica para a própria estabilidade mundial.

A democracia, até para poder se firmar como um valor de fato universal, como sonhou o líder comunista italiano Enrico Berlinguer, tem de estar em permanente construção, alimentando-se da seiva de todas as lutas travadas pelos homens, em todos os quadrantes. A busca por um novo processo civilizatório não pode prescindir das liberdades cívicas e dos direitos e deveres de cada um de nós. Isso é certo. Mas também é correto apontar que se faz necessário repensar a organização da vida econômica sob outros moldes. Constatar, por exemplo, que a polarização não se dá entre a propriedade estatal, de um lado, e o mercado ou a propriedade privada dos grandes grupos econômicos, de outro. Isso porque a noção de propriedade pública e do trabalho por conta própria começa a abrir espaços, sinalizando para novas formas de se viver e produzir em sociedade. No embate entre Estado e mercado, a sociedade detém a palavra final. E mercado algum pode se sobrepor à sociedade. As forças progressistas têm de estar antenadas com esse novo tempo, retirando todas as consequências advindas disso. Um sistema econômico voltado unicamente para o lucro conduz a sociedade humana a um impasse.

Centrando sua crítica à visão utilitária da cultura, um intelectual como Nuccio Ordine tem batido ultimamente nessa tecla com muita propriedade. Desemprego em massa no mundo, instrumentalização da cultura, danos terríveis ou até irreversíveis causados ao meio ambiente, lucros exorbitantes na esfera financeira — tudo isso vai tornando as sociedades humanas irrespiráveis, inviáveis. A luta pela igualdade de oportunidades econômicas e culturais areja a própria estrutura política pois a Democracia é sempre uma totalidade e não existe uma liberdade separada das demais. O avanço da automação, como salientamos, tem um potencial transformador extraordinário, se encararmos a economia como algo voltado para a satisfação das necessidades das pessoas e não apenas do grande capital. Entendida assim, a automação é a base técnica da sociedade sem classes.

Como nos revelam os quadros de Marc Chagall, os filmes de Vittorio De Sica, os romances de Maximo Górki, a arquitetura de Oscar Niemeyer ou as canções de John Lennon, o sonho é fundamental em nossa existência. Vida é risco, e não há motivo para que nos identifiquemos com Enrico Brentani, personagem de Italo Svevo em Senilidade, “que ia atravessando a vida cauto, deixando de parte todos os perigos mas também todo o deleite, toda a felicidade”. O engajamento é o outro nome do sonho. Aprendemos com Thomas Mann o quanto é dúbio, para dizer o mínimo, um comportamento pautado pelo “intimismo à sombra do poder”. Daí a necessidade de contribuirmos para a reconstrução da esquerda, até como forma de revitalizar o próprio Humanismo.

Ivan Alves Filho é historiador.

Fonte: www.acessa.com/gramsci/


Lançamento de O historiador e o tapeceiro, da FAP, em Teresópolis

Ivan Alves Filho, Historiador, diplomado pela Universidade de Paris VIII e pós-graduado pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris e autor de importantes livros, entre eles "Memorial dos Palmares", "Giocondo Dias - Uma vida na clandestinidade" e "Brasil, 500 anos em documentos" está lançando agora seu novo livro, "O historiador e o tapeceiro: Observações sobre meu ofício".

Ivan retrata sua trajetória e sua contribuição intelectual e política, influências importantes de sua formação, bem como apresenta sua visão sobre o papel da narrativa, novos campos abertos de pesquisa e a função social do historiador.

Dia 28 de novembro de 2015, o autor estará lançando "O historiador e o tapeceiro" no Cheirim de Café, às 18 horas com um bate-papo sobre a obra e histórias sobre seus contatos com pessoas como Claude Levi-Strauss e Henri Cartier-Bresson.

Não dá pra perder!