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Murillo de Aragão: Política e convicção

Mais que um processo legal, a Lava Jato virou um psicodrama que aciona energias baseadas em convencimento. Como resultado, o consenso perde espaço. Resta esperar que o juízo prevaleça

A convicção é a força motriz da ação política. E a política quase sempre é uma operação futuro a descoberto. Promete-se algo a partir de uma convicção e, a partir daí, se recolhem apoios para seguir em frente. A convicção é a pedra angular do processo, sem a qual não se consegue convencer os aliados, nem intimidar os adversários, muito menos derrotar os inimigos.

A convicção, como pressupunha Nietzsche, pode ser uma inimiga da verdade, já que não é, necessariamente, fundamentada nela. A grosso modo, a convicção — quando mais forte que a verdade — tende a ser contaminada por doses elevadas de misticismos, dogmas e crendices.

Os movimentos políticos mais fanáticos tiveram na forte convicção a forma de se alavancar perante às sociedades, quase sempre em torno de uma narrativa emocional. Alguns dos exemplos mais notórios de convicção mentirosa como força de alavancagem política são o nazismo e o stalinismo.

As convicções no Brasil também movem a política, ainda que, na prática, os interesses ganhem acentuada relevância. Todavia, os principais movimentos de transformação política do País nasceram de convicções ideológicas e programáticas bem definidas pelo tenentismo dos anos 1920: a Revolução de 1930, o Estado Novo e o Movimento Cívico-Militar de 1964.

Ainda hoje as influências do tenentismo estão presentes. Há também, como já identificado por mim anteriormente, o ativismo judiciário da República de Curitiba, que surge como uma espécie de neotenentismo. Daí não ser excêntrica a aliança entre o ex-juiz da Operação Lava Jato e hoje ministro Sergio Moro e o presidente Jair Bolsonaro. Ambos partilham de convicções semelhantes cujas raízes se encontram no tenentismo.

A política brasileira passa por um período de exaltação de convicções que tem sua gênese na Lava Jato. Que, em sendo mais do que um processo judicial, também é uma espécie de psicodrama que promove emoções enquanto energias de transformação.

O consenso como convicção perdeu espaço. Em consequência, teremos um acirramento de atritos e disputas como forma de solução para problemas diversos. Considerando o cenário, os cintos de segurança institucionais devem estar a postos. E o juízo deve prevalecer no silêncio das reflexões de quem manda no País.


Bolívar Lamounier: Emigrar, protestar ou manter-se fiel

O que um país estagnado pode ter em comum com um grande clube de futebol em franca decadência? O pequeno clássico econômico de Albert Hirschman mostra as similaridades

O Brasil é um caso de laboratório para examinarmos uma questão. Nossa economia cresceu aceleradamente dos anos 1950 até 1980, quando a megalomania do presidente Ernesto Geisel nos legou uma megadívida externa e uma inflação cada vez mais alta. Aquela conjuntura, depois os desatinos da presidente Dilma Rousseff e a corrupção nos precipitaram no buraco onde hoje nos encontramos.

No futebol, temos o espantoso caso do Clube de Regatas Vasco da Gama, outrora uma potência esportiva, quatro vezes campeão brasileiro, uma vez da Libertadores e hoje um permanente candidato ao rebaixamento à Série B do futebol.

O economista Albert Hirschman (1915-2012) estudou como os membros de uma organização (ou seja, os cidadãos de um país, os consumidores de determinado produto, os torcedores de um clube…) podem reagir quando percebem uma persistente deterioração daquilo que os cerca e estão acostumados. Professor em Yale, Harvard, Columbia e Berkeley, em seu livrinho clássico “Saída, voz e lealdade”, de 1970, ele mostra que as pessoas partem (cidadãos mudam de país, consumidores trocam de marca, torcedores optam por outro clube) ou protestam. Em países pequenos, pobres e repressivos, ir embora pode ser uma resposta prática. Em países grandes, nos quais sempre há uma esperança de desenvolvimento, é mais difícil. Ou seja, entre sair ou protestar, existe um fator psicológico de grande importância: o grau de lealdade que os membros sentem pela organização a qual acreditam pertencer.

Brasil, só agora, na esteira da estagnação e dos descalabros recentes, começa a se tornar um país de emigrantes. Torcedores também não trocam de clube como quem troca de camisa. O Vasco, com vinte anos de vexames, continua a ter a quinta maior torcida do País em diferentes rankings. Torcedores vaiam, xingam, picham os muros do clube, mas raramente viram a casaca. E raramente são atendidos, pois os clubes são em geral controlados por um conselhão rigidamente oligárquico.

Na esfera política, de tempos em tempos uma multidão vai às ruas, mas seu intermitente protesto não adianta grande coisa, pois o bunker patrimonialista sediado em Brasília raramente se importa com seus “consumidores”. Os Três Poderes se acumpliciam para que o Estado funcione como um fim em si mesmo.


Murillo de Aragão: A névoa e a ponte

Um grupo minoritário almeja colonizar um governo que habita um sistema político semipresidencialista. Se no lugar disso tentassem construir consenso, tanto melhor. Felizmente, o Congresso se mantém comprometido

Ao nos aproximarmos da ponte que nos levará a um futuro de investimentos e desenvolvimento, nos deparamos com um intenso nevoeiro político. Parte dele artificialmente produzido por máquinas de gelo seco de aliados do governo. Outra parte decorre da ausência de clareza no modelo de relacionamento político entre o governo e o Congresso. Alguns até consideram que esse não relacionamento é uma espécie de modelo. E sendo assim, o governo estaria abrindo mão da primazia da agenda para aceitar a coautoria das reformas com o Congresso.

Aos observadores da cena política, fica um alerta. Não se deve considerar que o nevoeiro é homogêneo. Existem variações de intensidade e de consistência. As crises geradas pelas disputas internas fragilizam mais o governo do que a agenda das reformas. Basta constatar que o Congresso está comprometido com a nova Lei de Licitações e as reformas previdenciária, tributária e das agências reguladoras.

Em favor de uma visão mais otimista, está prestes a ser implementada uma extensa agenda de desburocratização no âmbito federal. Tal agenda terá o condão de animar discretamente a economia. No segundo semestre, em que pese o nevoeiro político, teremos a continuação dos programas de parcerias de investimento, privatizações e os leilões do pré-sal. Serão bilhões de dólares a serem injetados em nossa economia.

No entanto, o quadro seria muito melhor se a parte artificial do nevoeiro, alimentada por declarações mal-educadas, falta de respeito à hierarquia e escolhas desastradas para cargos públicos relevantes, fosse dissipada por níveis razoáveis de cordialidade e sensatez. Porém, a disputa política nos remete à tentativa de um grupo que não possui maioria no Congresso, mas almeja colonizar um governo que habita em um sistema semipresidencialista. Alguns esquecem que a vitória de Bolsonaro resultou de um conjunto de aspirações nem sempre homogêneas.

A maioria que elegeu o novo presidente deve ser recomposta. O caminho é a negociação política para a construção de um consenso que vá um pouco além do mínimo. Sem esses requisitos básicos em favor das reformas, não iremos a lugar algum.


Murillo de Aragão: A primeira liberdade

Apesar da deseducação e do preconceito — independente da origem ideológica —, o direito de livre expressão irá triunfar. Sem tolerância não iremos a lugar algum

Uma das lutas da humanidade é para podermos falar o que pensamos sem sermos punidos, coagidos ou até mesmo mortos. A essência da evolução é a liberdade de expressão, que precede a liberdade de imprensa. Na constituição norte-americana, a primeira das liberdades é a de expressão, conhecida como a liberdade das liberdades. Sem ela, as demais não se realizam.

Observando a história recente da humanidade — para não irmos muito longe —, a supressão desse direito é o objetivo dos regimes de exceção. Hitler, Stalin, Mussolini, Tito, Perón, Vargas, Castro, Mao, Chávez e tantos outros ditadores trataram de limitá-la. Muitos deles usaram das franquias democráticas para chegar ao poder. E lá, trataram de suprimi-la. No entanto, a resistência às ditaduras se dá no exercício, ainda que precário, da livre expressão das ideias. Algo tão relevante que muitos projetos de poder buscam influir na formulação de conceitos de liberdade para, no final das contas, controlar a circulação da informação.

Um estudo da Freedom House, organização internacional independente que pesquisa o estado da liberdade de expressão, informa que vivemos treze anos seguidos de declínio no exercício dos direitos políticos e dos direitos civis. Os ataques à liberdade de expressão, incluindo aí as atividades jornalísticas, seriam decorrentes da era de radicalismos em que vivemos.

Como combater a intransigência e a perda da nossa liberdade de expressão? Em essência, necessitamos de mecanismos institucionais e, sobretudo, de uma atitude consciente. Tais mecanismos se consolidam a partir de três vetores básicos: educação para a cidadania, marcos regulatórios adequados e garantia de que o direito de expressão seja exercido sem limitações e com responsabilidade. Na prática é preciso capacidade para educar, capacidade para fazer boas leis e capacidade de aplicá-las.

O Brasil de hoje, ainda precariamente educado para o debate, deve aprender a conviver com o contraditório e com a diversidade de opiniões. Sem a tolerância e o respeito aos que pensam diferente não iremos a lugar algum. As expressões de deseducação, intolerância e preconceito — independente da origem ideológica — não atendem aos interesses da cidadania. Apesar das turbulências dos tempos de hoje, acredito que a liberdade de expressão irá triunfar no País, ainda que a luta esteja apenas começando.


Bolívar Lamounier: Opção preferencial pelo abismo

Nesse ritmo, só em 30 anos vamos dobrar o tamanho da economia. Além dos problemas reais, sofremos com nossa insanidade. E a culpa não é só do governo

Não vejo como alguém na plena posse de suas faculdades mentais pudesse esperar um governo de boa qualidade depois de uma eleição polarizada entre o petismo e o bolsonarismo.

O barco que temos é esse aí: um rei-filósofo na Virgínia, uma tetrarquia familiar (Jair e filhos) no Planalto, dois ministros sérios tentando trabalhar — mas enfrentando as pirraças habituais dos três Poderes — e algumas almas penadas que até agora não encontraram seus respectivos papéis na peça. Três meses se passaram e só com muito esforço consigo acredito que possa melhorar.

Seria melhor com Haddad e o PT? Quem afirma isso o faz como ato de fé, pois nada do que fizeram em seus dezesseis anos e meio de governo autoriza tal crença. Com o agravante, é claro, que o PT tem um arremedo de ideologia imprestável e um projeto de permanecer indefinidamente no poder.

Mas o que acima foi dito é só uma parte, não necessariamente a pior, de um quadro muito mais amplo que deveríamos examinar com seriedade, não fôssemos um País de irresponsáveis. Chegarmos a 2022 com um resultado medíocre significa postergar mais uma vez a recuperação econômica do País e reduzir a pó o que nos resta de esperança. Hoje, além dos problemas reais que nos assustam a cada dia, temos uma penca de problemas imaginários, frutos amargos de nossa insanidade, de uma sociedade que se tornou raivosa e se recusa a imaginar o futuro que a espera.

Aqui mesmo neste espaço, já escrevi várias vezes, mas faço questão de repetir. Com a renda anual medíocre que temos hoje e prevendo o mesmo crescimento a passos de cágado para os próximos anos, levaremos uma geração inteira para dobrá-la. Algo entre 25 e 30 anos.

Para não nos precipitarmos nesse abismo, temos que elevar vigorosamente a produtividade, o que significa, em primeiro lugar, um sistema político muito mais confiável, com os três Poderes fazendo jus à elevada missão que a Constituição lhes confere. Significa investimento, muito investimento. E um programa enérgico de qualificação de força de trabalho, o que desde logo requer uma revolução organizacional e pedagógica em nosso sistema educacional.

A iniciativa de tudo isso cabe, evidentemente, ao governo, mas as elites também são responsáveis. Deveriam, no mínimo, forçar o Executivo a sair de sua letargia, mas nem isso fazem.


IstoÉ: Bolsonaro representa uma forma de virar a mesa, diz Fernando Gabeira

Por André Vargas, da Revista IstoÉ

Observador da realidade brasileira desde 1979, quando voltou do exílio após a Anistia, o mineiro Fernando Gabeira, 77 anos, foi jornalista, ativista e político, voltando ao jornalismo após o fim de seu quarto mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro, em 2011. Desde 2013, ele apresenta um programa de reportagens que leva seu nome no canal GloboNews. Com passagens pelo Partido Verde (PV), que ajudou a fundar, e Partido dos Trabalhadores (PT), com o qual rompeu, Gabeira crê na reconstrução da esquerda brasileira e dos movimentos sociais sem as amarras petistas. Dono de uma lucidez crítica e desprovida de pudores ideológicos, ele falou sobre os acertos da campanha de Bolsonaro, as conexões de seu populismo com o de Donald Trump, o surgimento de uma nova direita via redes sociais, a relevância do jornalismo diante das fake news e o papel dos militares no novo governo.

O que você achou do resultado geral das eleições?
Não meu surpreendeu. Sua vitória afirmou três pontos. Primeiro, foi uma grande crítica ao sistema político. Bolsonaro representa uma forma de virar a mesa. Depois, uma possibilidade de luta contra a corrupção. E, finalmente, a expectativa de uma política de segurança eficaz. Embora, não necessariamente ele será capaz disso. Bolsonaro apenas apresentou essas ideias com mais ênfase e de forma mais clara para o entendimento popular.

As eleições de Bolsonaro e de Trump foram parecidas?
Há pontos em comum. O principal é a utilização das redes sociais. A seguir, é a expectativa de alcançar o homem comum, colocando-o contra o que dizem ser o sistema. Ambos os políticos se mantêm distantes dos partidos políticos, apesar de Trump ter a força do partido Republicano por trás. Ambos também se mostram distantes da mídia, de especialistas, de técnicos e de intelectuais. Todavia, Bolsonaro fez uma campanha bem modesta. Trump não só tinha muito dinheiro arrecadado, como uma rede de televisão [Fox] grande e conservadora ao seu lado. Por isso, acho que a campanha do Bolsonaro foi mais difícil.

A democracia de coalizão que pautou a Nova República está exaurida?
Tanto que a proposta do vencedor é superá-la por meio da escolha de ministros que sejam técnicos, competentes e independentes de filiações partidárias. Será uma tentativa de superar o modelo anterior, o que é de difícil realização. O novo presidente terá que ser um pouco mais aberto, a ponto de entender que, se houver gente competente e honrada nos partidos para ocupar alguns postos no governo, ele terá que abrir espaço. Um governo não pode discriminar seus políticos. Seria algo extraordinário.

Como o senhor avalia o crescimento político dos evangélicos. Hoje daria para governar sem eles e sua agenda conservadora?
O campo que elegeu Bolsonaro é diversificado. Há os evangélicos e também jovens liberais que fazem apologia do estado mínimo, além de intelectuais e propagandistas de direita que surgiram na mídia e nas redes sociais nos últimos tempos. Os evangélicos sempre estiveram na política, só que agora encontraram um candidato que, além de professar o mesmo credo, parece disposto a aceitar uma série de reivindicações. Algumas podem ser problemáticas, como a ideia recente de transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Temos no Brasil uma grande harmonia entre as comunidades judaica e árabe, além de relações comerciais com países do Oriente Médio, grandes compradores de nossos produtos. Isso poderia nos prejudicar.

O futuro governador do Rio Wilson Witzel (PSC) fala em combate aberto contra o tráfico. Seria por aí?
É preciso distinguir o combate às drogas e o combate aos grupos armados que ocupam territorialmente certas áreas. Há táticas e problemas. Eu apoiei a intervenção federal na Segurança Pública do Rio. Achava que as polícias não tinham mais condições de rechaçar o crime. Parte por falta de equipamento, parte por corrupção, além de outros fatores. A intervenção trouxe alguns parâmetros, com regras de engajamento adotadas no Haiti. Porém, não foram desenvolvidas táticas para enfrentar esses grupos, que também podem ser encontrados no México, em El Salvador e até na Síria. Diante de quem utiliza a população como escudo é preciso políticas mais sofisticadas. Se as forças armadas atingem e matam moradores, acaba-se fomentando um apoio permanente da população ao tráfico.

A campanha eleitoral à Presidência tirou a relevância da cobertura jornalística tradicional?
Não creio, ainda que parte dos candidatos tenha falado diretamente com seus eleitores por meio das redes sociais. É preciso lembrar que grande parte dos temas que as redes discutiram nasceu da cobertura da mídia tradicional. As redes, por si, não podem dispensar a estrutura tradicional de apuração de notícias, pois é daí que tiram a matéria-prima com a qual trabalham e brigam.

O boicote do presidente eleito aos grandes veículos de imprensa é um tiro na democracia, uma maneira de se preservar ou a escolha de um adversário?
Quando ocorre uma situação de crise em que populistas entram em cena, eles tendem a apresentar o conjunto da imprensa, da política, da academia e da Justiça como partes de um sistema, fazendo com que tudo seja visto como um ataque contra a renovação. Creio que a referência que temos que analisar é o próprio Trump, que foi muito mais radical, acusando a imprensa de ser inimiga do povo. Já Bolsonaro falou que a “Folha de S.Paulo” tem que acabar e, em certos momentos, não fala com jornalistas de determinados veículos. Na comparação, os termos de Bolsonaro são mais brandos.

Qual o futuro do jornalismo em tempos de fake news?
Quase todas as grandes empresas jornalísticas tiveram que montar equipes para traduzir as fake news. É indispensável que a sociedade tenha notícias bem apuradas e verdadeiras para que as pessoas e as empresas tomem as decisões corretas. As estruturas profissionais de jornalismo gastam até 30% de seu esforço confirmando informações, algo que não existe na internet. É claro, porém, que existem pessoas nas redes que só acreditam no que querem acreditar. Daí não se pode fazer nada.

Bolsonaro disse ser apaixonado por você. Como assim?
Ele estava fazendo campanha. Antes, convivemos 16 anos na Câmara dos Deputados, atuando em campos diferentes, mas nunca tivemos um atrito. Sempre nos respeitamos e nos unimos quando o tema era corrupção.

Essa mentalidade militar que se apresenta nos postos do próximo governo oferece algum risco?
As Forças Armadas se transformaram nos últimos anos, por isso alguns de seus integrantes ao lado de Bolsonaro podem funcionar como elementos moderadores. A aventura autoritária foi decantada e hoje os militares integram o campo democrático, com uma leitura nova do mundo, sem a Guerra Fria. Muitos quadros militares fizeram assessoria parlamentar, adquirindo uma visão muito clara do que é o mundo político.

Após décadas de avanços sociais e políticos, lhe parece que parte dos brasileiros ficaram mais conservadores?
Essa tendência conservadora sempre existiu de modo latente. O que houve foi um fracasso ético da esquerda no poder, o que colocou, por extensão, em dúvida muitas de suas bandeiras. Outro fator foi o governo de esquerda encaminhar algumas medidas favoráveis às minorias, tentando avançar, sem a consulta permanente à população. Um exemplo é a educação sexual nas escolas. Muita gente prefere que isso seja feito dentro da família. A esquerda fez avanços, sim, mas que acabaram ofuscados pela corrupção, o que fortaleceu uma certa visão de impureza nas lutas sociais e identitárias. Outro ponto é o surgimento, ao largo da imprensa, de pensadores de direita, alguns deles jovens liberais, outros propagandistas religiosos, de redes sociais. O movimento Escola Sem Partido, por exemplo, representa uma reação à presença da esquerda no magistério. Todavia, não acredito que isso deva ser feito com repressão. Defendo a diversidade de opiniões nas escolas.

A violência contra as minorias pode aumentar?
A forma como o tema foi apresentado na campanha suscita tais atitudes. Às vezes, pode-se chegar à violência, como ocorreu pontualmente, em outras, podemos ficar naquele humor violento, como o das torcidas organizadas cantando: “Bolsonaro vem aí para matar viado”. Creio que passada a eleição, essas questões devem entrar em segundo plano, já que teremos discussões sobre Reforma da Previdência, economia, acertos políticos e segurança pública. Tudo isso envolverá o País.

O que você achou da fusão do Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura?
Se o Meio Ambiente se transformasse em uma agência, não veria problema. O que me preocupa é que as agendas do Meio Ambiente e da Agricultura são muito vastas, por isso acho que não vão ser bem cumpridas. Há também a crítica de que colocaram as raposas cuidando do galinheiro. Isso pode fazer com que nossos produtos agrícolas no exterior sejam boicotados, pois nossos competidores podem se mobilizar. Já houve uma fake news de vaca louca brasileira espalhada no Canadá.

Há saída para a esquerda brasileira?
Claro que há. O governo que começará no Brasil irá liberar muita energia de oposição. Imediatamente após a vitória de Trump, a sociedade americana e os democratas passaram a se mobilizar. A esquerda do partido Democrata ganhou espaço na Câmara com as eleições desta semana. Com isso, quero dizer que a direita será superada, pois haverá alternância no poder. A única dificuldade que vejo na esquerda brasileira, que não há entre parte dos democratas americanos, são essas denúncias de corrupção que aqui não foram objeto de crítica interna. Agora, acho que novas configurações podem surgir. Até o PT pode se transformar. Não está proibido. O caminho está aberto, pois não sabemos que êxitos Bolsonaro obterá. Também acredito que os movimentos sociais, que reúnem lutas de minorias, mulheres, índios e negros, precisam fazer uma crítica sobre sua associação ao PT. Alguns foram cooptados, o que criou uma certa hostilidade que talvez não seja exatamente contra suas causas, mas contra o partido.