israel

Hélio Schwartsman: No Oriente Médio, uma guerra sem saída

Já acreditei que o processo de paz entre israelenses e palestinos baseado na ideia de dois Estados teria sucesso. A ducha de água fria não foram as negociações frustradas de Camp David (2000) ou Annapolis (2007), mas a leitura de “The Two-State Delusion” (a ilusão dos dois Estados, de 2015), de Padraig O’Malley.

Uma nota biográfica é necessária. O’Malley é um especialista em negociações de paz. Ele não só estuda conflitos que um dia pareceram insolúveis como ajuda a encontrar uma saída para eles. Participou dos processos de pacificação na Irlanda do Norte e na África do Sul. Depois, se debruçou sobre o conflito israelo-palestino —e foi derrotado por ele. As conclusões a que chegou estão no livro, que é bem lúgubre.

O ponto central de O’Malley é que as narrativas israelense e palestina são inconciliáveis. Ambos os lados se veem como vítimas em um embate imemorial e não admitem que outros possam ter uma visão diferente, a menos que estejam mal-intencionados. Pior, o conflito virou um modo de vida para lideranças locais e uma espécie de vício para as populações.

Uma ilustração banal e significativa disso ocorreu quando respeitados educadores israelenses e palestinos tentaram elaborar um livro didático de história que pudesse ser usado nas escolas dos dois lados. Não conseguiram. Não havia como desarmar e aproximar as narrativas.

Penso que situação até piorou de 2015 para cá. Até alguns anos atrás, a paz ao menos era um tema importante em pleitos israelenses, dividindo o eleitorado. Não é mais. Os israelenses simplesmente deixaram o assunto de lado. E não só os israelenses. Vários países da região também abandonaram a ideia de unidade árabe e o apoio à causa palestina para firmar acordos de cooperação com Israel.

Não digo que seja impossível mesmo no futuro distante, mas ninguém jamais perdeu dinheiro por apostar contra ela no conflito israelo-palestino.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/no-oriente-medio-uma-guerra-sem-saida.shtml


Hélio Schwartsman: Judeus ultraortodoxos apostam na proteção de Deus contra o vírus

'Quantos funerais este funeral irá ocasionar?', pergunta-se uma 'haredi'

Deu no New York Times. Em Israel, religiosos ultraortodoxos representam 12,6% da população, mas respondem por 28% das infecções por Covid-19.

Não é difícil entender as razões físicas para o excesso de contágio. Os ultraortodoxos, também conhecidos como "haredim" (tementes), tendem a constituir famílias numerosas, que dividem habitações de poucos cômodos. Desconfiam profundamente de tudo o que venha do Estado, incluindo recomendações sanitárias. Alguns até usam máscaras, mas fazê-lo está longe de ser a regra.

Talvez mais importante, os "haredim" não renunciam à vida comunitária, cujas práticas frequentemente os colocam em aglomerações. Ironia perversa, dão grande valor aos ritos fúnebres, que exigem que cada fiel abra caminho na multidão para tocar o esquife do morto. "Quantos funerais este funeral irá ocasionar?", perguntou-se uma "haredi" chocada com as cenas de empurra-empurra em um enterro.

Menos sondáveis são as razões metafísicas para a despreocupação com a doença. Há lideranças que afirmam que Deus os protegerá do vírus. A essa altura, porém, a maioria dos fiéis já percebeu que isso não é verdade. Ainda assim, perseveram em seu comportamento.

O motivo tampouco é o desprezo para com a ciência. Ao contrário de muitos grupos religiosos tradicionalistas, "haredim" costumam aceitar a ciência e a tecnologia, que usam de domingo a quinta-feira. O ponto inegociável para eles é que quando ciência e fé se chocam, é sempre a fé que prepondera. E a fé, ao contrário da ciência, não precisa demonstrar suas razões.

O que me intriga é que a melhor hipótese científica para explicar o fenômeno da religiosidade é que ela atuaria como uma espécie de cola social, que favoreceria a sobrevivência de indivíduos que pertencem a grupos coesos. A Covid-19 e epidemias em geral, embora não falseiem a tese, mostram que existem situações em que a coesão pode ser letal.


Carlos Andreazza: Inação calculada

Como cantado longamente aqui, o auxílio emergencial voltará; a dúvida sendo sob que grau de oportunismo populista. Agora parece uma obviedade, mas não foram poucos os especialistas cujos calls — em janeiro de 2021 —bancavam a improbabilidade da volta; talvez decorrendo daí, da fé nas palestras de Paulo Guedes, o estado, segundo Bolsonaro, “irritadinho” do mercado.

Muita gente bacana ficou de mau humor na semana passada — o governo de repente afobado, preocupado com os pobres, o presidente falando em fome —, porque acreditou na fantasia de que a economia virara o ano crescendo em V, e a segunda onda da peste seria mero repique. Estaria tudo sob controle — mesmo que ainda não haja orçamento para 2021. (Mas temos o direito a seis armas!) Tudo sob controle, livres de Maia, com as reformas chegando — e, claro, com o Banco Central independente, esta prioridade. Né?

Aí está, porém, o IBGE a nos situar; as vendas no varejo tombando 6,1% em dezembro. A imposição do mundo real. A premência do auxílio emergencial; o agente que induzia o consumo, sem o qual a miséria de um país miserável se expandirá — a miséria de um país miserável cujo governante boicota a vacinação em massa, a única forma de gerar empregos novamente. Voltará. Virou pra ontem.

O governo — até ontem — tinha pressa nenhuma. E agora, de súbito, o ai-jesus; porque também a popularidade de Bolsonaro geme. Guedes, aliás, precisa esclarecer se temos crescimento em V ou se é imperiosa a volta da assistência. Os dois discursos não casam.

Estava dado que o auxílio seria a principal agenda do Parlamento, uma vez escolhidos os novos presidentes de Senado e Câmara. Ato contínuo, procuraram o Planalto para impor a retomada. Virem-se. Há urgência — uma demanda social que não poderia ser condicionada por rigores fiscais. Esse foi o recado inicial; mensagem que vem do Congresso profundo. A da imposição de uma agenda que afrontaria o teto de gastos, ultimato em consequência do que ora vemos a correria do Ministério da Economia. Um barata-voa que muitos chamam de negociações com o Parlamento. Tomara. Eu desconfio.

Fala-se, desde o fim da semana passada, em acordo. Já haveria um entre Guedes e os presidentes das Casas legislativas para que o restabelecimento do auxílio contemplasse, imediatamente, ajustes fiscais compensatórios. Será preciso, contudo, combinar com as lideranças no Congresso. Recomendo prudência. A maré ali é outra, postas as condições para o atropelo. Isso seria o normal.

Tudo indica que o instrumento para a reconstituição a jato será algo como o orçamento de guerra, uma guarida excepcional já testada, que autorizaria, à margem do teto, a liberação de crédito extraordinário. Como em 2020, a âncora fiscal seria preservada de gastos que, no entanto, integrariam a fatura do déficit primário. Pronto. Desde que eleitos os novos comandos legislativos, ficara evidente que a preocupação do Congresso com a balança fiscal ia até somente a foto em que se acordaria um compromisso verbal para que, apenas em meados do ano, fosse votada uma emenda constitucional com medidas duras de verdade. Isso seria o normal. A promessa de austeridade projetada no amanhã.

O governo diz que não; que haveria mesmo um pacto de responsabilidade para já, e que se trabalha conjuntamente pela concepção do modelo. O modelo: embutir o novo orçamento de guerra na PEC do Pacto Emergencial, o que equivaleria a usar a pressão pela assistência para empurrar um projeto contra o qual há resistência no Parlamento. Essa é a estratégia. Prosperará? Se sim, afinal capaz de formar consensos, o Ministério da Economia daria uma demonstração de competência até hoje inédita. Haja empenho de fé.

Sugiro ceticismo. Maiores são — sob a vara do afogo — os riscos de triunfar uma resposta fácil. Sempre se soube que o auxílio emergencial acabaria com 2020; e que, não preenchido, o vácuo resultaria no agravamento da pobreza. O V de Guedes sendo amassado pela realidade, a que nos esfrega a forma bruta do K na lata; a perna que desce, a da saúde econômica dos ferrados.

O governo teve muitos meses para formular alternativas que abrissem espaço fiscal capaz de conciliar auxílio e teto. Houve mesmo tempo para que se estudasse, em nome da previsibilidade, uma modalidade de flexibilização da âncora fiscal ante uma situação excepcional. Mas se preferiu mentir sobre a saúde da economia. Preferiu-se a inação calculada, que alivia Bolsonaro dos prejuízos de fazer escolhas ao mesmo tempo que lhe dá a colheita das glórias.

Não é a primeira vez que o Planalto age assim. Ou seja: não age. Espera o Parlamento exigir. Forma-se o impasse. O governo, bancando o equilibrado, então solta o balão de ensaio: associar o mecanismo que viabilizaria a política pública urgente a uma PEC impopular parada no Congresso. E, dessa forma, empurra ao Legislativo o ônus de qualquer solução que não fiscalmente ponderada. Uma armadilha. Como diria Guedes, a granada no bolso do inimigo. Ganha-ganha para Bolsonaro; porque o auxílio, que nunca deveria ter cessado, voltará — um crédito extraordinário para o mito brincar de salvador.


Vera Magalhães: Com vacina acabando, Bolsonaro troca cloroquina por spray nasal israelense

Depois de passar quase um ano fazendo propaganda de cloroquina e hidroxicloroquina, inclusive ordenando ao Ministério da Saúde adotar um protocolo para que esses medicamentos fossem prescritos em casos leves de covid-19, determinar sua fabricação pelo Exército brasileiro e importar doses não utilizadas dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro parece ter um novo xodó no enfrentamento da pandemia.

Enquanto começam a acabar as poucas doses de vacinas enviadas pelo governo federal a Estados e municípios, Bolsonaro postou neste domingo em sua conta no Twitter que conversou com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para que o Brasil participe da fase 3 de testes do spray nasal EXO-CD24, que, escreveu "vem obtendo grande sucesso no tratamento da covid-19 em casos graves".

De novo, o presidente vende um remédio "milagroso" antes de ciência atestar isso. Nesta segunda-feira, ele voltou ao assunto (o que mostra que estamos a caminho de uma nova obsessão; as emas do Alvorada que se cuidem), dizendo que ele tem eficácia "próxima de 100%" e que, em breve, será enviado pedido de aprovação da Anvisa para uso emergencial.

As pesquisas com sprays nasais, não só em Israel, mas em várias partes do mundo, de fato são uma das vertentes abertas pela ciência na tentativa de combater a covid-19. A epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, publicou um fio no Twitter em que esclarece que o que existe publicado a respeito do EXO-CD24 é um registro de ensaio clínico de fase 1, com resultados promissores.

Segundo os fabricantes, explica ela, dos 30 pacientes com casos graves que usaram o spray nasal, 29 teriam se recuperado. É a isso que Bolsonaro se refere empolgadamente como "eficácia de praticamente 100%": um estudo preliminar com 30 pacientes.

Mais: mesmo para ter o uso emergencial aprovado pela Anvisa o medicamento precisa apresentar estudos de fases 2 e 3. O Brasil pode fazer parte de protocolos de estudos clínicos, como sugere o presidente, mas o uso do medicamento em escala capaz de aplacar os efeitos da pandemia, ainda que a eficácia seja comprovada, levará meses.

O que a nova obsessão do presidente mostra é sua busca desenfreada por uma narrativa que o tire do atoleiro de popularidade em que está enfiado por ter minimizado a pandemia, atuado contra o isolamento social, boicotado a compra de vacinas e mesmo a confiança da população em sua necessidade, segurança e eficiência.

A progressão de uma ainda ínfima campanha de vacinação mostra duas coisas concomitantemente: a adesão esperançosa e entusiasmada da população à vacina, algo em que o Brasil sempre foi vanguardista e exemplo para o mundo em logística, e a completa incompetência do governo para fazer andar o Plano Nacional de Imunização.

A "vacina chinesa do Doria", como o presidente de forma irresponsável insistiu em chamar a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, é o imunizante em maior quantidade no Brasil, mas mesmo assim, somada às doses da vacina da AstraZeneca/Oxford, com a qual a Fiocruz tem parceria, o que existe disponível não nos permitirá acabar a imunização da maioria da população neste ano.

Com a média móvel de casos no mesmo patamar de julho e picos de médias diárias que beiram os 1.500 óbitos por dia, e com a difusão da nova cepa de Manaus em outros Estados, inclusive de forma autóctone, a insistência de Bolsonaro em remédios "milagrosos" e a incapacidade de seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em fazer chegar vacina a todo o País mostram que nem tão cedo o Brasil vai superar o pior momento da pandemia. 


Hélio Schwartsman: Epifania bolsonarista

Num átimo entendi a essência deste governo

Foi lendo o artigo do secretário de Comunicação Social do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten, em que ele procura explicar as razões de o Brasil estar tão atrás de Israel na vacinação contra a Covid-19, que tive a epifania. Num átimo, entendi a essência do governo Bolsonaro: ocupam os cargos mais estratégicos aqueles que não têm qualificação para exercê-los.

No caso do secretário, isso fica evidente na própria peça, que incorre em erros lógicos e retóricos, além dos factuais. Como tenho pouco espaço, limito-me a apontar o que me pareceu o sofisma maior. Para Wajngarten, não se pode afirmar que o Brasil esteja atrasado na vacinação porque foi só agora que os laboratórios entraram com a papelada na Anvisa.

Não é preciso ser gênio para entender que o que permitiu a Israel ter imunizado cerca de 20% da população foi justamente ter-se antecipado às dificuldades, em vez de esperar que fabricantes, já abarrotados de pedidos, se mexessem. Israel pagou à Pfizer mais do que os europeus para ter acesso rápido a um estoque suficiente de vacinas e ainda ofereceu os dados do sistema de saúde local para a farmacêutica monitorar os efeitos da vacinação em massa.

O artigo de Wajngarten é uma tentativa incompetente de esconder a incompetência de outro auxiliar de Bolsonaro, Eduardo Pazzuello, o general que não sabia o que era SUS, mas comanda o Ministério da Saúde.

Outro ministro que não pode ser esquecido é André Mendonça, o titular da Justiça, que parece ter cabulado todas as aulas de direito penal, já que é incapaz de distinguir um crime de um artigo de opinião. Ele agora quer processar o Ruy Castro e o Ricardo Noblat por instigação ao suicídio devido a uma crônica de que não gostou.

É verdade que Wajngarten, Pazzuello e Mendonça são amadores perto do chefe, de longe o mais inepto de uma extensa galeria de figuras deploráveis que já passaram pela Presidência.


Luiz Carlos Azedo: Ideias exóticas

“Na visita ao Museu do Holocausto de Israel, o Yad Vashem, Bolsonaro ignorou a definição da própria instituição sobre a origem do Holocausto”

O mínimo que se espera de um oficial do Exército brasileiro em termos de conhecimentos gerais é ter estudado os grandes acontecimentos militares do século XX, marcado por duas grandes guerras mundiais, que resultaram da disputa pelo controle do comércio no Atlântico entre uma potência continental, a Alemanha, e uma potência marítima, a Inglaterra. Há farta literatura sobre o assunto, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro esqueceu tudo o que aprendeu nas escolas militares. Influenciado pelas ideias exóticas de Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, Bolsonaro disse ontem, em Israel, que “sem dúvida” o nazismo foi um movimento de esquerda, tese tão absurda quanto a de que não houve Holocausto

O presidente da República deu a declaração depois de visitar o Museu do Holocausto, o que é uma tremenda gafe diplomática, pois os historiadores israelenses não concordam com esse tipo de interpretação. Quando nada, porque os primeiros registros sobre os horrores do Holocausto foram feitos pelo Exército soviético. O primeiro grande campo de concentração, Majdanek, foi descoberto pelos soviéticos em 23 de julho de 1944; depois, libertaram Chelmno, em 20 de janeiro de 1945; e Auschwitz, em 27 de janeiro de 1945.

Buchenwald foi libertado pelos norte-americanos em 11 de abril; Bergen-Belsen, pelos britânicos, em 15 de abril; Dachau, pelos norte-americanos, em 29 de abril; Ravensbrück, pelos soviéticos, no mesmo dia; Mauthausen, pelos norte-americanos, em 5 de maio; e Theresienstadt, pelos soviéticos, em 8 de maio. Treblinka, Sobibor e Belzec nunca foram libertados, foram destruídos pelos nazistas.

Na visita ao Museu do Holocausto de Israel, o Yad Vashem, Bolsonaro ignorou a definição da própria instituição sobre a origem do Holocausto: “O Partido Nazista foi a consequência de um pequeno círculo extremamente antissemita e de direita que começou a se reunir em novembro de 1918”.

Holocausto
Dos nove milhões de judeus que residiam na Europa antes do Holocausto, cerca de dois terços foram mortos; mais de um milhão de crianças, dois milhões de mulheres e três milhões de homens judeus morreram durante o período. Na maioria dos campos, quase todos os presos já tinham sido removidos, deixando apenas alguns milhares de pessoas vivas. Em Auschwitz, na Polônia, cujas instalações estão quase intactas, 7.600 detentos foram libertados, entre os quais 180 crianças que haviam passado por experimentos médicos. Sessenta mil prisioneiros de Bergen-Belsen tiveram mais sorte.

Cerca de 60 milhões de pessoas morreram na II Guerra, incluindo cerca de 20 milhões de soldados e 40 milhões de civis. Somente na Europa, houve 36 milhões de mortes, sendo a metade de civis, por causa de doenças, fome, massacres, bombardeios e genocídios deliberados. A União Soviética perdeu cerca de 27 milhões de pessoas durante a guerra, quase metade de todas as mortes da Segunda Guerra Mundial.

A Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, que culminou com a derrota alemã e a assinatura, entre as potências europeias envolvidas, do Tratado de Versalhes, marcou profundamente a História do século XX e está na gênese do surgimento dos partidos nazista e fascista. O sentimento de derrota e fracasso entre alemães, depois de uma guerra iniciada quando a Social-democracia Alemã (a esquerda alemã) estava no poder, levou-os a ver nos ideais do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista, fundado em 1920, a saída para a situação enfrentada pelo país.

Adolf Hitler chegou ao poder em 1933, defendendo a superioridade do povo alemão, a culpabilização dos judeus pela crise econômica e sua perseguição, isolamento e eliminação, bem como dos ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais. Pregava ainda a teoria do espaço vital (Lebensraum), a unificação do povo alemão e o expansionismo nazista.

Na Itália, a crise econômica também foi aproveitada por um grupo político antiliberal e anticomunista, que via na formação de um Estado forte a solução para os problemas econômicos e sociais: o Partido Fascista, liderado por Benito Mussolini, que, em 1922, foi nomeado primeiro-ministro pelo rei Vítor Emanuel III. Chamado pelos italianos de Duce, perseguiu implacavelmente os rivais políticos e defendeu a expansão territorial italiana, culminando na invasão da Etiópia em 1935 e na criação da chamada África Oriental Italiana, anexada à Itália.


Luiz Carlos Azedo: Uma casca de banana

“O Brasil sempre teve uma presença equilibrada no Oriente Médio, devido ao papel do chanceler Osvaldo Aranha na criação de Israel e às boas relações com os países árabes”

O presidente Jair Bolsonaro visitou ontem o Muro das Lamentações, em Jerusalém, ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. No local sagrado, orou e depositou um pedido entre as pedras, um ritual de muito simbolismo para os judeus. O que mais irritou os palestinos e os países árabes, porém, não foi o gesto religioso, mas o anúncio da instalação de um escritório comercial em Jerusalém, que muda a política externa brasileira no Oriente Médio.

A reação foi imediata: o embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben, classificou o anúncio como um “passo desnecessário” e revelou que, há 10 dias, todos os embaixadores de países árabes solicitaram uma audiência com Bolsonaro, mas até hoje não obtiveram resposta. O Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, em nota, anunciou que “entrará em contato com o embaixador da Palestina no Brasil para consultas, a fim de tomar as decisões apropriadas para enfrentar tal situação”, ou seja, convocou seu embaixador, o que é uma forma de protesto.

No antigo Mughrabi Quarter (Quarteirão Marroquino), após a ocupação israelense, 135 famílias árabes foram removidas para a abertura da esplanada do Muro das Lamentações, local sagrado para os judeus, por ser o último pedaço do antigo Templo de Herodes, que foi destruído pelos romanos. Do outro lado do Muro, fica a Mesquita de Al-Aqsar, na parte sul do Haram al-Sharif (o “Nobre Santuário”), terceiro local mais sagrado para o Islã depois de Meca e Medina. A maior mesquita de Jerusalém tem capacidade para receber cerca de cinco mil fiéis. O status diplomático de Jerusalém é um assunto muito controverso na ONU.

O Brasil sempre teve uma presença equilibrada no Oriente Médio, devido ao papel do chanceler Osvaldo Aranha na criação de Israel e às boas relações com os países árabes. Desde 2006, por exemplo, com 250 homens, a Marinha brasileira é responsável pelo navio capitânia da Força-Tarefa Marítima da ONU no Líbano (FTM-UNIFIL), criada pelo Conselho de Segurança, para evitar contrabando de armas e treinar a Marinha libanesa. No mês passado, a fragata “União” substituiu a fragata “Liberal”, que regressou ao Brasil após 22 patrulhas em 89 dias na costa libanesa. A força é formada por navios da Alemanha, Bangladesh, Brasil, Grécia, Indonésia e Turquia, além de dois helicópteros, sob comando do contra-almirante brasileiro Eduardo Augusto Wieland.

Bolsonaro acredita que a abertura do escritório em Jerusalém é uma saída para o impasse criado com os países árabes, após ter manifestado publicamente, após ser eleito, a intenção de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, a exemplo do que fez o presidente norte-americano Donald Trump. Ao contrário, sinaliza o futuro reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, e também a intenção de transferir a embaixada. Os ministros da Fazenda, Paulo Guedes, e da Agricultura, Tereza Cristina, com apoio dos generais que assessoram Bolsonaro, conseguiram convencer Bolsonaro a adiar a transferência da embaixada, temendo retaliações comerciais dos países árabes, grandes consumidores de carne bovina e de frango.

Impasse
“É direito deles reclamar”, minimizou Bolsonaro. “A gente não quer ofender ninguém. Agora, queremos que respeitem a nossa autonomia”, completou. Entretanto, deixou no ar a intenção de transferir a embaixada: “Tem o compromisso, mas meu mandato vai até 2022.E tem que fazer as coisas devagar, com calma, sem problema. Estou tendo contato com o público também de outras nações e o que eu quero é que seja respeitada a autonomia de Israel, obviamente”.

Jerusalém é um beco sem saída para o conflito árabe-israelense. Nem judeus nem palestinos aceitam um acordo que garanta um status binacional para Jerusalém, simplesmente porque Israel não aceita a existência do Estado Palestino e os palestinos não reconhecem Israel. Com a ocupação dos territórios árabes, todas as negociações de paz entre judeus e palestinos fracassaram. O que vigora é um cessar-fogo violado sistematicamente pelos dois lados.

A política de ampliação e consolidação de assentamentos nos territórios árabes ocupados por Israel de Benjamin Netanyahu torna cada vez mais difícil um acordo com a Autoridade Palestina e fortalece o Hamas, na Faixa de Gaza. Como Israel se define como um Estado judeu, a população palestina de Jerusalém Oriental e demais territórios ocupados precisa ser contrabalançada pelos colonos, que já representam mais de 10% do eleitorado israelense. A existência de um Estado multiétnico é inimaginável, uma contradição da democracia em Israel.

O mais grave, porém, é o fato de que o conflito na região é alimentado pelos Estados Unidos e os países árabes, com apoio da Rússia e da China. Sem uma mudança de postura dessas potências, não há acordo possível, até porque a forte presença de ex-militares e ex-guerrilheiros na política de Israel e da Palestina, respectivamente, dificulta ainda mais as negociações. São políticos que se fortalecem com a guerra. O Brasil mantinha distância regulamentar de tudo isso, até o presidente Bolsonaro escorregar nessa casca de banana.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-uma-casca-de-banana/


El País: Bolsonaro se torna o primeiro mandatário a visitar o Muro com Netanyahu

Gesto pode ser tido como reconhecimento tácito da soberania israelense nessa parte de Jerusalém. O ato é evitado durante décadas por outros chefes de Estado e condenado pela Autoridade Palestina

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, se tornou nesta segunda-feira no primeiro chefe de Estado a visitar o Muro das Lamentações de Jerusalém acompanhado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Outros mandatários que o antecederam, como Donald Trump, preferiram ir sozinhos ao local mais sagrado do judaísmo. O líder brasileiro demonstrou mais uma vez o idílio político com o chefe de Governo israelense, a quem chamou de “irmão”, na mesma praça Kotel onde se situa a parede sagrada. Também foi à Basílica do Santo Sepulcro, como parte de sua viagem oficial a Israel.

Ambos os lugares se encontram no centro histórico, em Jerusalém Oriental, uma parte da cidade ocupada por Israeldepois da guerra de 1967, onde os palestinos aspiram a ter a capital de seu futuro Estado. Um fato que durante décadas influenciou os líderes internacionais a não o incluírem em suas agendas oficiais, para evitar que o gesto fosse interpretado como um apoio expresso às aspirações israelenses de que o lugar seja reconhecido como parte do Estado judaico.

Numerosos mandatários, entre eles os ex-presidentes norte-americanos Barack Obama, Bill Clinton e George W. Bush, incluíram o Muro das Lamentações em seus itinerários, mas a título privado, ou enquanto eram candidatos. Nenhum o visitou estando no cargo, muito menos acompanhado do primeiro-ministro do país. Nem sequer Donald Trump, o primeiro presidente norte-americano a visitar o local como ocupante da presidência, o fez na companhia do seu amigo Netanyahu.

São regras não escritas que o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, rompeu ao visitar o lugar em 21 de março acompanhado do primeiro-ministro israelense, e que Bolsonaro torna a quebrar agora, um dia depois de anunciar a abertura de um escritório comercial brasileiro na Cidade Sagrada — com a consequente decisão de que a embaixada do Brasil, por enquanto, fica em Tel Aviv.

Entre as cooperações acertadas durante a viagem, foi acordada, segundo o ministro da Segurança Pública e de Assuntos Estratégicos de Israel, Gilad Erdan, uma de nível policial. "Temos um grande potencial para lidar com o Brasil no campo do combate de crimes e das organizações criminosas", publicou em seu perfil no Twitter. Segundo o ministro israelense, está previsto intercâmbio de treinamento entre as polícias de Brasil e Israel. Ele destacou, ao compartilhar a mesma foto em que Bolsonaro aparece fazendo mira, que o presidente brasileiro acertou no alvo os sete tiros "de longo alcance" que deu.

A Autoridade Nacional Palestina, que convidou Bolsonaro a visitar os territórios ocupados, mas não obteve resposta, condenou o gesto do ultradireitista brasileiro. “Tanto a abertura do escritório econômico como a visita ao Muro, no marco da agenda oficial em Israel, constituem uma violação da legalidade internacional sobre Jerusalém. O dirigente de um país tão importante deveria construir suas relações sem ferir os palestinos nem os interesses de seus países árabes”, afirma a este jornal Nabil Shaat, assessor de política externa do presidente palestino, Mahmud Abbas. “O Brasil quer participar do grupo liderado por Trump para destruir o processo de paz?", pergunta-se o ex-negociador palestino.

Não são as únicas críticas que Bolsonaro colheu em Jerusalém. Apesar das impressionantes medidas de segurança que cercam o presidente durante sua visita, ativistas da organização Greenpeace conseguiram escalar a muralha da Cidade Velha de Jerusalém nas imediações da Porta de Jaffa, onde penduraram um enorme cartaz amarelo com os dizeres: “Bolsonaro, pare a destruição da Amazônia”.

Depois de uma curta cerimônia, oficiada pelo rabino Shmuel Rabinowitch, Bolsonaro e Netanyahu colocaram suas mãos nas pedras milenares do Muro — entre as quais o brasileiro também quis deixar um papel, como manda a tradição — e se dirigiram para os vizinhos túneis que transcorrem em paralelamente à estrutura, sob a cidade. Trata-se de um local aberto aos turistas, pelo qual também se entra na sinagoga conhecida como a Cova, e onde se encontra outro lugar de culto hebraico, a Sharey Tshuva (Porta da Penitência), uma minúscula sala, localizada a 90 metros em linha reta da Cúpula da Rocha (ou Cúpula Dourada), que para os judeus representa o lugar de oração mais próximo de onde estava localizado seu Templo na época romana.


O Globo: Frente evangélica apoia Israel por crença no Apocalipse e na volta de Cristo

Maior entusiasta da mudança da Embaixada do Brasil para Jerusalém, grupo acredita na conversão de judeus ao cristianismo

Por André Duchiade, de O Globo

Não se conhece grupo que apoie tanto o projeto do presidente Jair Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém como a Frente Parlamentar Evangélica, que deve reunir 91 parlamentares a partir deste ano, entre 84 deputados e sete senadores. No fundamento do apoio, além da conexão do Estado de Israel moderno ao antigo reino hebreu, há uma razão voltada para o futuro — o cumprimento de supostas profecias bíblicas do retorno de Cristo e do Apocalipse.

— Israel é um termômetro dos sinais do cumprimento do que está escrito no Livro do Apocalipse — diz o deputado federal e membro da Assembleia de Deus Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). —A nossa fé acredita nisso. A transferência da embaixada diz respeito a isso. Para nós, todo cenário será preparado para o Armagedom, como descrito no Apocalipse, e o palco do Armagedom será na cidade de Jerusalém.

As declarações ajudam a explicar a proximidade do presidente Jair Bolsonaro, que durante a campanha contou com a poio maciço da comunidade evangélica, com Israel. Para um grande número dos líderes protestantes do país, sobretudo os neopentecostais, a criação do Estado de Israel, em 1948, foi um prenúncio da volta de Cristo.

De acordo com Christopher Rollston, professor de Estudos Bíblicos da Universidade George Washington, esses grupos evangélicos são chamados pré-milenaristas, e veem uma grande continuidade entre eventos descritos na Bíblia e o mundo moderno:

— De acordo com a sua leitura, certas passagens em livros de Daniel, de Ezequiel e da Revelação preevem a criação do Estado de Israel— afirma o professor, destacando que não compartilha da leitura, assim como “praticamente todos os estudiosos sérios da Bíblia”. — Eles creem que a conversão dos judeus aos cristianismo se seguirá à criação do Estado de Israel e tudo isso se concluirá com a segunda vinda de Jesus.

Expectativa pelo fim
Yaakov Ariel, professor de estudos religiosos da Universidade Chapel-Hill e autor de “Uma relação incomum: cristãos evangélicos e judeus” (“An unusual relationship”), diz que, em sua origem, o cristianismo se baseava no messianismo — o retorno de Cristo à Terra seria iminente, com o estabelecimento do Reino de Deus. Com o tempo, as maiores tendências cristãs começaram a interpretar as passagens como simbólicas ou alegóricas, com a Igreja Católica assumindo o papel de iluminar o rebanho, no lugar de um retorno de Jesus. A partir da Reforma Protestante, no século XVII, contudo, a expectativa pelo Apocalipse reaparece:

— Lendo o Velho Testamento de uma nova maneira, alguns pensadores messiânicos passaram a esperar que os judeus desempenhariam um papel importante nos eventos do fim dos tempos, que pensavam que estavam prestes a começar — afirma o autor. — As raízes do apoio cristão ao sionismo podem ser encontradas aí.

No final do século XIX, relata Ariel, essas leituras ganharam força, sobretudo a chamada escola dispensionalista, criada nos EUA. De acordo com a doutrina, que é a mesma defendida por pastores neopentecostais hoje (outros grupos, como a Igreja Presbiteriana, não a compartilham), Jesus virá para resgatar os seus crentes e a sua igreja, antes de um período chamado de Grande Tribulação. Durante essa época, que durará sete anos, a Terra será devastada por cataclismos como enchentes e terremotos, somados a regimes ditatoriais, piores do que o Holocausto, promovidos por um Anticristo que se dirá um Messias.

O retorno de Cristo, ao cabo da turbulência, derrotará o governante satânico, para então reinar por um período de paz de mil anos. Cavalcante, que, além de deputado, é teólogo, se esquiva da resposta sobre o destino dos que não se converterem, mas afirma que os judeus terão a oportunidade de arrependimento e de conversão ao cristianismo, por serem o povo escolhido:

— Os judeus terão uma segunda oportunidade de arrependimento — afirma. — Eles serão a única nação que terá a oportunidade para o arrependimento.

Rolsston explica o futuro dos que rejeitarem a conversão:

— Evangélicos acreditam que qualquer um que não se converter ao cristianismo vai para o inferno — afirma.

Essa visão de mundo, segundo Rollston, é “completamente incompatível” com a de qualquer judeu praticante, seja ortodoxo ou conservador reformista. Dentre as diferenças, estão a leitura profética daquilo que o judaísmo entende serem textos antigos, assim como a conversão completa dos judeus aos ensinamentos de Cristo:

—Em certos aspectos, a visão pré-milenarista é muito antissemita, porque o seu objetivo é a conversão dos judeus ao cristianismo.

Apelo às bases
Se concretizada, a transferência da embaixada brasileira se seguirá às dos EUA e a da Guatemala. Nos três casos, as ações dos presidentes agradam a bases evangélicas — o país centro-americano tem a maior proporção de evangélicos na América Latina, cerca de 40% da população, enquanto no Brasil são 22%. Nos EUA, onde os evangélicos são 25%, entre 48% e 65% dos líderes do grupo são pré-milenaristas, segundo pesquisas.

Segundo altas autoridades israelenses ouvidas pelo GLOBO, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu entende que Bolsonaro quer realizar a transferência de modo incondicional, por amizade a Israel. Em um encontro entre líderes evangélicos e o premier num hotel de Copacabana no penúltimo dia de 2018, Bibi, como é conhecido o premier, exaltou os presentes:

— Não temos melhores amigos no mundo do que a comunidade evangélica. E a comunidade evangélica não tem melhor amigo do que Israel.

Rollston afirma que o premier ignora propositalmente a concepção de mundo de seus aliados, por obter vantagens a partir dela. De acordo com o jornal israelense Haaretz, cristãos evangélicos enviaram mais de US$ 60 milhões na última década para a Cisjordânia, para financiar assentamentos israelenses. Quase meio milhão de cristãos visita Jerusalém todos os anos, incluindo 50 mil do Brasil.

— É claro que Netanyahu sabe que a visão que esse grupo têm do judaísmo é problemática, mas quer o apoio mesmo assim, então a ignora — diz Rollston.

Para o deputado Cavalcante, a transferência é inegociável:

— Não vamos abrir mão de valorizar políticas externas, agora que estamos exercendo influência no Executivo. Entendemos que isso que está acontecendo está baseado no cumprimento profético.

(Colaborou Mateus Coutinho, de Brasília)


Matias Spektor: Aliança com 'Lula do Oriente Médio' traz custos para Bolsonaro

Presidente eleito prometeu uma guinada em prol de Israel desde o início da campanha

Jair Bolsonaro está prestes a cometer equívoco do qual pode se arrepender com amargura: colar sua imagem ao "Lula do Oriente Médio".

Pela terceira vez consecutiva, a polícia de Israel denunciou Binyamin Netanyahu por recebimento de propina, fraude e quebra de decoro.

O esquema envolve conglomerados de mídia e indústria de defesa, sua própria esposa, parentes e assessores.

Assim como Lula, Netanyahu se apresenta como vítima de uma conspiração das “elites” incapazes de derrotá-lo pelo voto. Acusa também os investigadores de vazarem informações sensíveis à imprensa.

Como uma parcela do eleitorado acredita cegamente em suas palavras, Netanyahu pode até vencer as próximas eleições, mas seu nome está definitivamente maculado.

Sua perspectiva de poder também. Chefes militares israelenses começaram a criticá-lo, e deputados de sua base iniciaram o desembarque da aliança.

Esse revés cria um problema para Bolsonaro.

O presidente eleito prometeu uma guinada em prol de Israel desde o início da campanha, visitando o país com os filhos e defendendo a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém.

No entanto, Bolsonaro e sua equipe passaram a perceber o tamanho da conta a pagar, caso o Brasil abandone a postura de equilíbrio na questão Israel-Palestina, que é marca registrada da política externa pelo menos desde o governo do general Costa e Silva.

O primeiro custo seria diplomático: isolamento. Apenas os EUA e a Guatemala têm embaixadas em Jerusalém. O Paraguai tentou, mas foi forçado a recuar. O Brasil faria seu movimento por romantismo, a troco de nada. É o pesadelo de qualquer especialista em geopolítica.

O segundo custo seria material: há superávit de quase US$ 8 bilhões com o mundo árabe, em produtos de defesa e proteína animal.

Haveria, ainda, um custo político para Bolsonaro, na forma de articulação entre a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e as grandes multinacionais verde-amarelas com presença no Oriente Médio. De quebra, o custo humano: como disse o comandante da Força-Tarefa da ONU no Líbano, a eventual transferência da embaixada pode tornar tropas brasileiras alvo de terrorismo.

Agora, o custo da guinada acaba de ficar ainda mais alto.

Afinal, o que dá lastro ao alinhamento entre Bolsonaro e Netanyahu é a promessa de vultosos negócios nas áreas militar e de segurança cibernética. O governo brasileiro tem muito a ganhar cooperando com Israel em segurança das fronteiras e combate ao crime organizado e ao narcotráfico.

Só que Netanyahu acumula as pastas de Defesa e Relações Exteriores. A devassa da polícia promete respingar para tudo quanto é canto. Inclusive no exterior.

*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.


Murillo Camarotto: A ideologia que cabe no ônibus do Itamaraty

Aversão à ideologia parece esquecida na questão de Israel

Ainda não foi apresentada nenhuma explicação razoável para a troca da embaixada brasileira em Israel, confirmada nesta semana pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que tem feito as vezes de enviado especial do futuro governo de seu pai em uma visita a autoridades em Washington.

Talvez essa explicação simplesmente não exista, visto que, mais uma vez, o presidente eleito teve que vir a público para consertar as declarações do "garoto". Jair Bolsonaro disse ontem que a mudança de Tel Aviv para Jerusalém seria apenas uma possibilidade - reforçada pela confirmação da vinda de Benyamin Netanyahu para a posse, em 1º de janeiro.

Feita com boné na cabeça, a política externa do futuro governo tem como prioridade a defesa dos interesses de quem anda de ônibus, conforme defendeu em artigo recente o próximo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Esse movimento, de acordo com o chanceler, faz parte da tarefa de extirpar o viés ideológico de dentro do Palácio do Itamaraty.

Segundo seu raciocínio, parte da diplomacia nacional ignora a existência e os interesses da "moça que espera o ônibus às 4 da manhã" ou "do rapaz triste que vende panos debaixo do sol". Fica, no entanto, a pergunta sobre o interesse dessas mesmas pessoas no logradouro da embaixada brasileira na Terra Santa.

A aversão à ideologia - pregada pelo novo chanceler e pelos "garotos" de Bolsonaro - parece esquecida quando o assunto é a delicada questão árabe-israelense. Se há razões não ideológicas para o envolvimento do Brasil nesse conflito, por que elas ainda não foram apresentadas para a população que anda de ônibus?

Bolsonaro passou a campanha citando Israel como exemplo do país que se transformou em potência mesmo diante de grandes adversidades em termos de recursos naturais. Objetivamente, contudo, mencionou somente a tecnologia usada em sistemas de irrigação, que transformou o semiárido israelense em oásis.

Em outra frente, a promessa de mudança da embaixada poderia ser justificada pelo desejo do presidente eleito em fazer um aceno ao eleitorado evangélico, que lhe proporcionou expressiva votação. No caso dos Estados Unidos, o agrado aos religiosos foi a principal explicação para polêmica escolha de Jerusalém.

Por aqui, entretanto, essa justificativa não para em pé. A sede da embaixada brasileira em Israel passa longe das prioridades dos evangélicos. Alguns admitem que gostariam de ver a mudança, mas reconhecem que a esmagadora maioria dos fiéis não está preocupada com o tema.

O que sobra são os potenciais prejuízos. O comércio com os países da Liga Árabe proporcionou ao Brasil um superávit de US$ 8 bilhões no ano passado. As exportações - sobretudo de carne bovina e frango - poderiam ser abaladas caso a embaixada siga mesmo o rumo de Jerusalém.

Certamente, os milhares de trabalhadores dessa cadeia produtiva - muitos dos quais devem andar de ônibus - têm interesse no assunto, mesmo que não estejam acompanhando diariamente as declarações do governo eleito.

Fora da seara econômica, há outros estragos no horizonte. Quais as vantagens para o Brasil em sair de uma posição de neutralidade para, eventualmente, entrar no mapa de extremistas que cometem atentados contra cidadãos inocentes? As justificativas apresentadas até aqui pelo novo governo são precárias.

A boa diplomacia ensina que, independentemente de ideologias, não é recomendável entrar em contenciosos desnecessários. Na linguagem da "moça que espera o ônibus às 4h da manhã" é bobagem entrar em bola dividida quando não há benefícios no horizonte.

No caso em debate, não há. A não ser que Bolsonaro esteja escondendo uma grande parceria estratégica com Israel, com magníficos resultados práticos para a população, a tomada de posição do Brasil no conflito trará apenas desgastes.

No caso americano, o presidente Donald Trump virou nome de praça e de time de futebol em Jerusalém, mas mesmo para esses exemplos não é razoável a comparação com o Brasil. Os Estados Unidos podem ser dar ao luxo de entrar em mais uma polêmica com os árabes ou com os chineses, algo que não está ao nosso alcance.

Jair Bolsonaro venceu as eleições e tem a legitimidade das urnas para implementar o programa que apresentou ao país quando candidato. Fora do palanque, contudo, seu governo deve satisfações a toda a sociedade, e não apenas aos seguidores de redes sociais.

Até o momento, algumas manifestações vindas do novo centro de poder - incluída a questão da embaixada em Israel - parecem ser apenas uma imitação simplória do modus operandi de Trump. Até a postura do presidente americano em entrevistas coletivas já foi replicada por Bolsonaro, que recentemente ignorou uma pergunta e pediu pela próxima, após ser confrontado com um questionamento vindo de um determinado veículo de comunicação.

Assessora "sênior" do pai, a ex-modelo Ivanka Trump foi a responsável pelo descerramento do pano que marcou a inauguração da embaixada americana em Jerusalém, em maio. Não é difícil imaginar algo parecido com Eduardo Bolsonaro, que já é chamado ironicamente nos bastidores do Itamaraty como "o chanceler de fato".

Herdeiros
Assim como na política externa, os filhos do presidente eleito também influenciam o tabuleiro no front interno. Ao chegar para uma reunião no gabinete de transição, anteontem, Flávio Bolsonaro disse aos jornalistas que não será "um senador comum". Ele foi questionado se a presença de herdeiros do presidente nas duas casas do Congresso não poderia esvaziar o papel das principais lideranças do Parlamento.

Em 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu em defesa de José Sarney, que estava sob uma chuva de denúncias relacionadas à criação de cargos e nomeação de parentes por meio de atos secretos. Na ocasião, o petista disse que Sarney "não podia ser tratado como pessoa comum".


Vera Magalhães: O mundo de Bolsonaro

Eleito pauta declarações sobre política externa e comércio exterior pela ideologia

Para vencer uma eleição contra o PT diante do desgaste do partido, provocado por muitos anos de recessão e um escândalo de corrupção vasto, a divisão de tudo segundo conceitos rudimentares de esquerda e direita se mostrou eficiente.

Ao pintar o Brasil indistintamente de verde oliva e vermelho, Jair Bolsonaro e seus apoiadores conseguiram arregimentar um exército fanático e acrítico nas ruas e nas redes sociais.

Todos os principais temas, da política à economia, passando por educação, cultura, saúde e segurança pública foram submetidos a esta clivagem, que deverá pautar nos próximos quatro anos as discussões no Congresso, as intervenções do Supremo Tribunal Federal no debate público – vide o aperitivo dado nesta semana com o debate sobre liberdade de expressão nas universidades – e, principalmente, a gritaria no ambiente público já ensurdecedor.

Mas será que essa simplificação grosseira serve para amparar a política externa brasileira, sua inserção diplomática no mundo e, sobretudo, sua atuação comercial? Dificilmente. Porque o Brasil não é os EUA e Bolsonaro terá de descobrir que não é Donald Trump.

A primeira invertida internacional veio quando a Sidra da festa da vitória ainda estava sendo servida. Em editorial, o China Daily, espécie de porta-voz do governo de Pequim, ironizou Bolsonaro ao chamá-lo de “Trump tropical” e adverte: se indispor com a China pode servir a algum propósito político específico, mas criaria graves problemas econômicos para o Brasil.

O editorial diz esperar que Bolsonaro olhe de maneira “racional e objetiva” para as relações comerciais entre os dois países e lembra algo básico: as duas economias são complementares, não competidoras.

Em 2017, a China se tornou o principal destino das exportações brasileiras: US$ 47 bilhões em vendas, de produtos que vão de soja a minério de ferro. Criar ruídos com um parceiro deste tamanho é um péssimo começo em termos de política comercial.

Anúncios de medidas na área diplomática sofrem dos mesmos males de seguir a cantilena ideológica diante de realidades complexas. Imitar a decisão de Trump de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém pode trazer que tipo de benefício para o Brasil? Bolsonaro ignora que a maioria dos países não adotou essa visão, que o Brasil tem parceiros comerciais importantes no mundo árabe e que existe uma comunidade palestina e árabe relevante no Brasil.

Numa das primeiras entrevistas que concedeu, o futuro czar da economia brasileira, Paulo Guedes, deu um piti com uma repórter argentina que quis saber algo trivial: qual será a política do novo governo para o Mercosul. Disse (berrou) que não será prioridade. Ok.

Então, qual será a diretriz para o bloco? Esvaziá-lo? O Brasil apostará mais em negociações bilaterais? Vai forçar a retirada da Venezuela? Declarações soltas, em tom exasperado e sem detalhamento só servem para criar uma névoa na relação com esses parceiros antes mesmo da largada do governo.

Essa bagunça se deve muito ao fato de que não se sabe quem são os conselheiros do presidente eleito para relações internacionais. Que ala do Itamaraty será “empoderada” no novo governo, qual será a matriz de pensamento a pautar a atuação da diplomacia brasileira? Que pasta vai cuidar do comércio exterior, que, sob Dilma e Temer, mudou de mãos algumas vezes?

Todas essas são perguntas de fundo que não são passíveis de respostas na base do “vamos colocar os comunistas no seu lugar”. Porque não estamos mais na Guerra Fria, a realidade mundial é mais intrincada que isso e bravata fora de casa pode custar caro ao Brasil, que é menos valentão no mapa do que parece crer Bolsonaro.