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MDB e federação PSDB e Cidadania lançam oficialmente candidatura de Simone Tebet à Presidência

Revista online | Simone Tebet: “Precisamos pacificar o Brasil”

Por Caetano Araújo, Arlindo Fernandes, Eumano Silva, Luiz Sérgio Henriques e João Rodrigues, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), pré-candidata à presidência da República pelo MDB, PSDB e Cidadania, criticou o orçamento secreto e classificou as emendas de relator-geral do Orçamento (RP-9) como “o maior escândalo de corrupção da história da República”, cobrando investigação intensa dos órgãos de controle sobre esse esquema bilionário que garante apoio ao governo federal no Congresso Nacional. Professora, escritora e advogada, Simone Tebet é a entrevistada especial da 45ª edição da revista Política Democrática online (julho/2022).

Os principais pontos de seu programa de governo, baseado no combate à pobreza e na economia verde, estão entre os temas da entrevista. O fim da reeleição, os riscos de um golpe de Estado em meio à tensão eleitoral e a importância do investimento em educação pela União são outros assuntos abordados pela entrevistada.

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A necessidade de pacificação do país é mais um tema tratado com profundidade por Simone Tebet. “Se quisermos falar em pacificar o Brasil, temos que apostar nessa candidatura de centro. Não há outra forma”, analisa a senadora. “Chega de ameaça à democracia brasileira, às instituições democráticas. É necessário focar na erradicação da miséria. Fazer o Brasil voltar a crescer”, complementa. 

Antes de ser eleita senadora pelo Mato Grosso do Sul, em 2014, Tebet foi deputada estadual, duas vezes prefeita de Três Lagoas (MS), sua cidade natal, e vice-governadora do estado. Confira, a seguir, os principais trechos da conversa com a senadora Simone Tebet.

Revista Política Democrática Online (RPD): Temos vivido momentos de tensão, com uma escalada da intolerância e da violência política. As instituições democráticas estão em risco pelas palavras e pelos atos do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. O que as forças democráticas devem fazer para combater essa situação e prevenir essas ameaças?

Simone Tebet (ST): Nunca vi uma escalada tão rápida e tão profunda contra o Estado Democrático de Direito. O presidente da República tem um viés autoritário e autocrata, mas, em função da sua própria incompetência, acaba ficando isolado. A democracia persistirá porque as instituições são fortes. Estamos diante de uma situação de desarmonia entre os poderes. Mas de alguma forma eles resistem, no que se refere à defesa das instituições, dos valores democráticos. Diferentemente do passado, não temos nenhum sinal de possibilidade de ruptura, pelo menos na direção do que chamamos de ditadura nos moldes clássicos. O presidente da República não tem apoio popular, não tem apoio internacional, não tem apoio de 99% dos órgãos da imprensa. Entretanto, essa questão nos preocupa muito. Afinal, as instituições de alguma forma estão abaladas. O presidente teve a capacidade de mudar parte da mentalidade de um segmento da população brasileira especialmente devido às fake news disseminadas por sua equipe de redes sociais. Contudo, esse discurso de nós contra eles não começou de agora. Sabemos que vem do passado, juntamente com esse processo de polarização que só atinge e beneficia os dois lados da oposição. Nesse processo, criam-se inimigos e não adversários políticos. A criação de crises artificiais, as tentativas de deturpar a realidade e o enfraquecimento da imprensa livre são nocivos para a democracia. Isso faz com que todos nós, democratas e partidos democratas, estejamos imbuídos do propósito maior de romper essa polarização. Com isso, vamos garantir ao país, a partir do ano que vem, acima de tudo, um governo democrático. Um governo que honre o Estado Democrático de Direito, capaz de enfrentar os reais problemas do Brasil, que são a desigualdade social, a erradicação da miséria, a diminuição da pobreza. Precisamos fazer o Brasil voltar a crescer, gerar empregos e renda para a população. Nossa força está na nossa união; com ela estamos prontos para resistir e persistir. Nesse movimento se encontram os verdadeiros democratas que estão presentes no PSDB, no Cidadania e no MDB. No entanto, como diz um provérbio popular, “não podemos dormir de touca”. Mas não vejo risco de uma ruptura, embora não seja possível desconsiderar a necessidade de reconstruir o Brasil. As instituições democráticas estão enfraquecidas perante a opinião pública e nós teremos que reconstruir o Brasil. Reerguer os pilares dos valores democráticos que foram enfraquecidos por essa fábrica de fake news em operação e pela ação de um governo que, por meio do incentivo à polarização e da criação de crises artificiais, sempre investe contra a democracia.

Veja, a seguir, galeria de fotos da entrevistada:

Simone Tebet precisa seduzir caciques do MDB | Foto: reprodução/Correio Braziliense
Senadora Simone Tebet (MDB-MS)...Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Simone Tebet | Foto: reprodução/Flickr
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira | Foto: João Rodrigues/FAP
Simone Tebet em fundo roxo | Foto: reprodução Correio Braziliense
Simone Tebet no Plenário do Senado | Moreira Mariz/Agência Senado
Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM) realiza reunião para apreciação do Plano de Trabalho e de Requerimento para realização de audiência pública.   Mesa (E/D):  vice-presidente da CMCVM, deputada Keiko Ota (PSB-SP);  presidente da CMCVM, senadora Simone Tebet (PMDB-MS);  relatora da CMCVM, deputada Luizianne Lins (PT-CE)   Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Simone Tebet em comissão especial do Impeachment | Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Simone Tebet segurando microfone
Simone Tebet precisa seduzir caciques do MDB
Simone Tebet
Simone Tebet
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira
Simone Tebet em fundo roxo
Simone Tebet no Plenário do Senado
Comissão Permanente Mista de Combate à Violência
Simone Tebet em comissão especial do Impeachment
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Simone Tebet segurando microfone
Simone Tebet precisa seduzir caciques do MDB
Simone Tebet
Simone Tebet
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira
Simone Tebet em fundo roxo
Simone Tebet no Plenário do Senado
Comissão Permanente Mista de Combate à Violência
Simone Tebet em comissão especial do Impeachment
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RPD: O Brasil vive desde 1988 sua mais importante experiência democrática. Experiências anteriores, como de 1946 a 1964, foram mais breves e aparentemente menos profundas. Entretanto, nós cometemos falhas e terminamos por aceitar distorções desse importante ambiente democrático. Quais teriam sido os erros que permitiram que ascendesse ao poder o projeto político autoritário que temos hoje no governo?

ST:  Nós nos assemelhamos ao que aconteceu no mundo na segunda metade do século passado. O liberalismo econômico operou com eficácia depois da segunda guerra mundial até os anos 1990 promovendo o crescimento da economia. Tivemos aumento continuado da qualidade de vida, mas de repente veio a crise. Houve queda desse dinamismo econômico, perda de investimentos na área social, além de diminuição dos gastos públicos naqueles pontos capazes de resolver efetivamente os problemas que afligem a população brasileira. Há culpa, sim, da política tradicional. Trouxeram para nós uma crise sem precedentes, acima, talvez, do observado na média de muitos países considerados democráticos. O Brasil teve queda de investimentos na área social, ampliação do gasto público, e um aumento também daquela sensação, nos meios populares, de “a minha vida não melhora”, e “por que tantos privilégios?". Esquemas de corrupção foram desvendados. O mensalão, algo na ordem de R$ 160 milhões, que acabou ficando pequeno em termos percentuais perto da crescente corrupção, aparente nos escândalos posteriores. Afinal, o petrolão atingiu a ordem de R$ 2 bilhões, considerando apenas o que foi investigado de repasse das empreiteiras para os partidos políticos. E agora chegamos a um orçamento secreto por meio do qual foram pagos R$ 28 bilhões em emendas nos últimos três anos. Paralelo a isso, a sensação de uma população mais envelhecida e empobrecida, o aumento da desigualdade social, além de uma série de outros fatores, como a criminalização da política. Temos que reconhecer: a corrupção tornou-se sistêmica no Brasil, mas houve também, simultaneamente, a criminalização exacerbada da política. Com isso, proliferaram esses partidos populistas, e dentro deles surgiram candidatos outsiders. A política tradicional não percebeu isso, pois uma parte dela estava mancomunada com esse sistema de corrupção. Então, não interessava perceber. Tivemos uma fatalidade no Brasil: elegemos um presidente da República que não participou de debates. A população sequer o conhecia; votou no escuro, muito em função lamentavelmente do atentado que sofreu. O conjunto desses fatores, promoveu, infelizmente, uma tempestade perfeita. O bolsonarismo vai permanecer, independentemente de o presidente sair vitorioso ou derrotado do pleito de outubro. Temos que enfrentar essa situação reconsiderando a questão do fim da reeleição e o retorno à situação anterior. Eu que já fui favorável à reeleição no passado, hoje a questiono. Entra governo, sai governo – e isso vale para os governos de todos os matizes ideológicos –, no último ano do seu mandato o Chefe do Poder Executivo faz graça com o dinheiro público, violando os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, criando situações que levam a privilégios e corrupção. Tudo isso pensando apenas em reeleição. Vamos ter que enfrentar essa questão. A democracia brasileira e a classe política não convivem bem com a reeleição.

RPD: Quais ideias novas e papel positivo a sua candidatura pode representar nesse conturbado momento político do país?

ST: Precisamos trazer de volta para o Brasil o centro democrático. As democracias mais maduras do mundo, especialmente as europeias, mostram que quando o grande partido de centro sai de cena você dá sorte para esse tipo de situação que vemos hoje no Brasil. No Congresso Nacional, por exemplo, um Centrão, composto por parlamentares de diversos partidos, fisiológicos, pensando apenas em si mesmo, nos seus próprios interesses. Desculpem fazer uma deferência ao meu partido, mas o MDB sempre foi o maior partido do Brasil, o mais expressivo partido do centro político. Foi muito criticado porque integrava todos os governos. Da minha parte, sempre fiz essa crítica à parte fisiológica do partido, a parte do toma-lá-dá-cá. Mas não fiz essa crítica na figura essencial do maior partido do parlamento, peça necessária na base de sustentação ao governo, em projetos que são essenciais para a população. Quando o MDB se tornou um partido mediano no Congresso Nacional, balzaquiano, de 30 e poucos parlamentares, surgiu um modo ainda mais nefasto de apoio parlamentar. Trata-se desse escândalo do orçamento secreto. Então, a nossa pré-candidatura, o retorno do centro democrático, é um verdadeiro impacto a favor do Brasil, de convergência, união, diálogo. Nosso objetivo é a defesa dos valores democráticos. Precisamos defender a democracia no Brasil.

São tantos os retrocessos promovidos por esse governo autoritário que nós estamos articulando uma frente democrática entre MDB, Cidadania, PMDB e outros partidos que ainda virão, para garantir a democracia por meio de um grande pacto a favor do Brasil, pela defesa dos valores democráticos. Por outro lado, a nossa pré-candidatura garante ao Brasil o verdadeiro combate ao discurso de nós contra eles, ao radicalismo intolerante. A nossa pré-candidatura tem condições de pacificar o Brasil, em termos de pacificação política, pacificação social, equilíbrio entre os poderes, estabilidade, segurança, institucional e política. Garantir essa paz por que a população tanto clama. Sem pacificação não vai haver crescimento e o Brasil precisa voltar a crescer para gerar emprego e renda, erradicar a miséria, diminuir a pobreza. Sem pacificação não haverá confiança entre os cidadãos, tampouco em relação ao futuro do país. Esse é o verdadeiro foco. Nosso objetivo principal é erradicar a miséria e diminuir a pobreza e vamos conseguir isso por meio da geração de emprego. Eu tenho conversado com setores produtivos do agronegócio, da agroindústria, do setor de bens e serviços e da indústria brasileira. Todos reclamam um primeiro ponto: a garantia da segurança jurídica. Querem saber se os contratos vão ser honrados, se não vai haver mudança da legislação a cada ano, a cada seis meses. Para tudo isso, temos que voltar naquilo que jamais imaginaríamos ter que estar defendendo novamente, uma frente democrática pela democracia, capaz de garantir essa pacificação política. Mas o objetivo principal da nossa pré-candidatura é, sem dúvida nenhuma, o combate à miséria, à fome, de modo a gerar emprego e renda para a população brasileira.

Fomos muito criticados inclusive porque votamos favoravelmente à PEC Kamikaze. Não era uma escolha de Sofia, quando tantas Sofias estão dormindo hoje com fome. Fomos apanhados em uma armadilha e não havia saída. Tanto que a aprovação foi praticamente por unanimidade no Senado. É importante que essa transferência de renda seja em caráter permanente, não como política de governo, mas como política de Estado. Esse Auxílio Brasil, que eu voltaria a chamar de Bolsa Família ampliado e melhorado, com regras muito claras, precisa ter, sim, um valor diferenciado a partir da escala de pobreza e de miséria de cada um, da quantidade de filhos, do perfil socioeconômico. Mas sempre com uma porta de saída, apesar de não gostar de usar esse termo. Eu modificaria a política, com novos condicionantes para essas famílias, não só a carteira de vacinação, e permitindo inclusive ter uma visão do quadro familiar, como, por exemplo, se há ou não indício de violência contra a mulher. É preciso também garantir junto à iniciativa privada cursos profissionalizantes para a mãe, para o jovem, para o trabalhador. Com isso, em médio prazo, os beneficiários poderão deixar o programa com dignidade.

Paralelo a isso, como professora que sou, digo sempre que precisamos falar de educação. Infelizmente, a gente está falando tanto em defesa da democracia que deixamos de falar daquilo que realmente vai resolver o problema do Brasil, para que daqui a 20 anos não estejamos discutindo ainda políticas de transferência de renda. A União precisa encampar e trazer para si a responsabilidade pela educação no Brasil. O governo federal tem que parar com esse empurra-empurra, dizer que a responsabilidade pelo ensino fundamental, ensino infantil é do município e pelo ensino médio é do governo estadual. Foi isso que o próprio governo do PT fez, foi seu maior equívoco, ficou 15 anos, 16 anos e não cuidou verdadeiramente da educação no Brasil. Cuidou de forma equivocada do ensino fundamental sem rever o sistema pedagógico, verificar como os nossos professores estão sendo formados. A União vai ter que ser a grande propulsora desse pacto também pela educação, coordenando um trabalho com os municípios na educação infantil e com os estados no ensino médio. No ensino fundamental, graças ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), acho que os municípios estão conseguindo aumentar seus índices de desempenho. Porém, no ensino infantil todas as crianças precisam estar na creche, bem alimentadas e bem assistidas. É lá onde se forma o intelecto. Todos os jovens têm que ter um atrativo para ingressar e permanecer no ensino médio. Temos que colocar de forma efetiva para valer, regulamentando, colocando para funcionar a nova reforma do ensino médio que garante que a União passe R$ 2 mil por aluno para as escolas que consigam garantir carga integral para os nossos jovens. Garantir sempre conectividade, boa internet, para que eles possam ter duas portas de saídas: ensino técnico ou o banco da universidade. A União precisa assumir mais responsabilidade com a educação brasileira.



RPD: Na hipótese da sua eleição para a Presidência da República, como a senhora pretende lidar com o orçamento secreto?

ST: Com uma canetada. A primeira coisa é a transparência absoluta em relação a esse orçamento secreto. Precisamos mostrar para a maioria do Congresso Nacional que eles também não estão sendo tratados de forma igual. Eu conheço esse modus operandi. Não é de agora. Como você cala a oposição? Você traz para o seu lado. Então você faz com que ela fique também contaminada, oferecendo as mesmas benesses. É um cala-boca dentro do Congresso Nacional. Desde 2019 eu acompanho essa questão do orçamento secreto. Foi oferecido para todo mundo, foi oferecido para comprar a eleição das Mesas da Câmara e do Senado. Eu era candidata e comecei com 30 e poucos votos na minha cadernetinha e fui perdendo ao longo do tempo. Não convém aqui mencionar e nem me delongar em relação a esse assunto, mas é mais do que isso. Mesmo para aqueles 21 que votaram em mim, depois foi oferecido esse orçamento secreto no final do ano. Eles verificavam principalmente a situação na área da saúde, que os municípios de determinado Estado do senador tinham teto para receber dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS), do Fundo Nacional de Saúde. Então, ofereciam. Foi assim também com o tratoraço, entre outros escândalos. Alguns podem ter caído de gaiato nessa história, mas muitos ficaram com a digital nesse processo. Ou seja: foi uma mordaça. No fundo é isso. Colocaram um esparadrapo na boca de cada um. Muitos senadores não caíram. Mas poucos conseguem denunciar.

Mas precisamos dar total transparência a esse tema. Mostrar que dos R$ 16 bilhões anuais apenas cerca de R$ 2 bilhões são distribuídos para a maioria. O restante fica com meia dúzia. Nós estamos diante do maior escândalo de corrupção da história da República. Não é só da redemocratização. É o maior escândalo de corrupção em mais de cem anos de República. Nem o mensalão, o petrolão ou qualquer outro escândalo é maior que o orçamento secreto em termos de volume de recursos. Precisamos dar transparência a isso. Colocar a Controladoria Geral da União (CGU) à disposição, o Ministério Público e outros órgãos de fiscalização. Eu não sou contra as emendas parlamentares. Porém, é necessário agir de forma transparente. Falamos em qualitativo e em números percentuais, mas vamos falar do modus operandi que também é importante. O mensalão era para comprar votos. O petrolão era para comprar no combo partidos, que direcionavam a votação. Também era uma forma dos próprios partidos terem caixa para eleger seus parlamentares. Agora é mais do que isso. O orçamento secreto é um tipo de corrupção que contamina toda a cadeia. Inclusive os prefeitos. Não é só para todos se reelegeram. É para haver um enriquecimento pessoal ilícito mesmo. Da minha parte, darei transparência absoluta, com a ajuda dos órgãos de fiscalização e controle. É a única forma de rever ou cancelar esse orçamento secreto.

RPD: Um tema bastante específico do Brasil e pouco comentado nessa eleição é o desmonte do Estado. Em especial de algumas agências que têm atribuições específicas, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). De que maneira a senhora analisa esse assunto e como faria para reconstruir essas agências?

ST: Eu fui a relatora do novo marco das agências reguladoras. A gente procurou dar autonomia, tirar um pouco a interferência política de dentro dessas agências. Elas precisam ter o mínimo de independência administrativa e de gestão. As agências reguladoras de um modo geral têm que ser fortalecidas. A partir do momento em que deixamos de ter um Estado máximo para ter um Estado necessário é preciso dispor de agências que tenham independência para verificar nas duas pontas. Não só a iniciativa privada, mas também os serviços públicos. Nosso programa de governo, que tem sido elaborado com a participação do Cidadania e do PSDB, tem um tripé muito claro: social, economia verde e governo parceiro de todos, inclusive da iniciativa privada. Um dos ministérios mais importantes do próximo governo será o das Relações Exteriores. Precisamos esclarecer para o mundo que nós não somos esse pária internacional que as políticas vigentes apontam, que não pensamos como pensa o atual presidente. Que nossa economia é verde. Para isso, temos que fortalecer os órgãos de fiscalização e controle. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Funai, e todos os órgãos que protegem a questão ambiental serão importantíssimos para isso. Vamos mostrar que há uma diferença entre a Amazônia e o setor produtivo fora da Amazônia. Existem, sim, grileiros, mineradores ilegais, invasores de área pública. São bandidos, não fazem parte do agronegócio brasileiro. Vamos proteger a Amazônia. A meta deve ser desmatamento ilegal zero. Nenhuma árvore pode ser derrubada sem licenciamento, sem estar dentro dos rigores da lei. As portas do mercado asiático e do mercado europeu já estão sendo fechadas para nós, com exceção de algumas de nossas commodities. Esse governo teve a capacidade de desmontar os órgãos de fiscalização e controle de uma maneira jamais vista no Brasil. Os nossos povos originários estão sendo dizimados. Muitas vezes entram nessas aldeias oferecendo produtos com base no escambo para poder extrair toda a riqueza. A economia verde e o combate ao desmatamento ilegal são agendas prioritárias para nossa candidatura.

RPD: Senadora, o anticomunismo é um dos temas mais explorados pelo atual presidente para manter sua base fiel de seguidores. Inclusive, este ano o Partido Comunista Brasileiro, que teve entre os seus fundadores Astrojildo Pereira, completa 100 anos. Qual a sua opinião sobre a exploração do anticomunismo pelo presidente Bolsonaro?

ST: Ele se alimenta desse discurso de polarização. Cria crises artificiais e inimigos imaginários. Eu sempre defendo que o Estado não deve ser mínimo, nem máximo: deve ser um Estado necessário, com uma responsabilidade social com o Brasil. O presidente da República se alimenta desse discurso de ódio. Precisa criar inimigos imaginários para criar um clima de nós contra eles. Ele quer se perpetuar no poder. Por isso, vende a sua própria pauta armamentista, que não é a boa do povo brasileiro. Nosso povo é pacífico. Não é a pauta da mulher brasileira, que repudia veementemente essa política armamentista. A bancada feminina é brilhante dentro do Congresso Nacional. Aliás, fomos nós que combatemos e conseguimos derrotar o presidente Bolsonaro nessa pauta de armar a população brasileira ainda de forma mais ampla. Mas estamos diante de um cenário nebuloso. A primeira pergunta que vocês me fizeram foi em relação a um perigo de golpe. Nós não temos essa preocupação, mas temos a preocupação de que um lobo solitário possa criar algum tumulto no período eleitoral. Isso pode fazer com que o presidente – que alimentou todo esse discurso anticomunista, de inimigos da nação e tudo o mais – baixe uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e tente colocar as Forças Armadas nas ruas. Isso é o modus operandi dele. Nós repudiamos tudo isso, uma vez que nossa luta é no sentido oposto. Essa é uma das razões de contarmos com uma frente democrática com uma candidatura própria, com equilíbrio, moderação e diálogo. Não se pode negar o fato de que quando ele, presidente, estimula essa posição, vem a reação do outro lado. Não estamos colocando os dois polos no mesmo prato. Estamos falando de um candidato, apenas um, que não é democrata. Os outros são, temos que reconhecer esse fato. Mas que a polarização alimenta essa crise sem precedentes no Brasil, eu não tenho dúvida.

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RPD: O MDB hoje é um partido fragmentado. Diversas diretórios regionais já declararam voto no Lula no primeiro turno. Como a senhora encara o papel do PT em um contexto de frente democrática?

ST: Se quisermos falar em pacificar o Brasil, temos que apostar nessa candidatura de centro. Não há outra forma. E não sou eu que estou comparando algo que é incomparável. Só temos um lado que não é democrático, ponto. Não é uma questão de escolha de Sofia. Isso para mim está muito claro. O problema é que a volta do PT hoje não garante a pacificação do Brasil. Precisamos virar essa página de discussão. Chega de ameaça à democracia brasileira, às instituições democráticas. É necessário focar na erradicação da miséria. Fazer o Brasil voltar a crescer. Mas entendo também que um governo que ficou por quatro mandatos no poder e não garantiu a autonomia e cidadania para o povo brasileiro, tendo inclusive denúncias gravíssimas de esquemas de corrupção, não merece voltar ao poder. A volta do PT levará a continuidade da disputa política acirrada, do discurso de ódio, da polarização, do apelo irresponsável às armas. Isso não convém ao Brasil. É este o pensamento que a maior parte do MDB entende. A princípio, sete estados brasileiros estariam com o presidente Lula já no primeiro turno. Não vamos esquecer que na verdade se trata de lideranças que nunca deixaram de estar com ele. Lideranças, inclusive, que eu particularmente sempre combati. As pessoas sempre fazem essa pergunta: "por que você nasceu no MDB e continua no partido tendo o MDB feito parte desse esquema de corrupção como, por exemplo, o petrolão?". Primeiro, porque a história do MDB não é essa. Nós temos que combater aqueles que destroem a história do partido. A mesma coisa da política. Perguntam: “o que você faz dentro da política se ela é tão suja?”. Não é a política que é suja. Vamos parar de criminalizar a política. São alguns políticos que mancham a história da política brasileira. Eu pertenço ao MDB de Ulysses Guimarães, de Tancredo Neves, de Mário Covas, do meu pai (Ramez Tebet). Daqueles que lutaram pela redemocratização, que não abrem mão das liberdades públicas, da defesa dos direitos das minorias, do fortalecimento do Estado. Daqueles que não se utilizam do dinheiro público. No Ceará, o ex-presidente do Congresso Nacional Eunício Oliveira sempre foi aliado do ex-presidente Lula. Da mesma forma em Alagoas o senador Renan Calheiros. Hoje, se deixássemos o partido solto, 70% do MDB lamentavelmente estariam mais propensos a apoiar Bolsonaro. Isso é o que mostra o mapa partidário do MDB. Atualmente, o partido é muito mais presente no Sul e Sudeste. Consequentemente, são estados muito mais propensos a estar com Bolsonaro do que com Lula. Essa é uma das razões porque o presidente Baleia Rossi e nós estamos nessa luta. E devo dizer que estou extremamente otimista. Tenho andado e visto que aproximadamente um terço da população brasileira está cansada dessa polarização, quer olhar para a frente, quer um porto seguro e políticas públicas efetivas para melhorar a sua vida. A população brasileira está cansada. Hoje as pesquisas mostram que a mulher é quem mais rejeita Bolsonaro. E, em menor parte, também o Lula. A mulher brasileira quer uma alternativa de poder que seja essa da moderação, do diálogo, do equilíbrio. Que faça os governantes voltarem os olhos para resolver o problema do desenvolvimento sustentável do Brasil.

RPD: Senadora, qual mensagem a senhora deixaria para as pessoas que ainda acreditam em um futuro melhor para o Brasil?

ST: Minha mensagem final é de otimismo. É um prazer estar com uma missão tão importante nessa frente democrática. É muito bom apresentar uma proposta para o futuro do Brasil. E isso passa indubitavelmente por proteger as pessoas mais carentes, que mais precisam dos serviços públicos, sobretudo, nesse momento de fome e miséria. Precisamos garantir políticas públicas eficientes. Não só de saúde e de segurança, mas especialmente por meio da universalização de uma educação de qualidade. Com isso, conseguiremos um futuro digno para todos. Encerro, com uma homenagem ao Cidadania, citando uma das falas mais brilhantes de Ulysses Guimarães. “Só é cidadão quem come, só é cidadão quem mora, só é cidadão quem sabe o ABC, quem ganha salário digno, quem tem lazer aos finais de semana.” É em nome dessa cidadania que nós do MDB, do PSDB e do Cidadania nos somamos. A nossa obrigação é servir as pessoas. Garantir dignidade, felicidade, educação de qualidade, saúde, segurança pública, lazer, salário digno. Em resumo, cidadania.

Sobre a entrevistada

*Simone Tebet é advogada, professora, escritora e política brasileira, filiada ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Atualmente, ocupa o cargo de senadora da República pelo estado de Mato Grosso do Sul e é pré-candidata à Presidência da República.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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André Lara Resende: ‘Investimento público é mais importante que juro baixo para atenuar recessão’

Para economista, é preciso superar o arcabouço analítico anacrônico e equivocado que impõe o equilíbrio fiscal como o único objetivo de política econômica

Adriana Fernandes, O Estado de S. Paulo

O economista André Lara Resende é hoje uma voz dissonante do pensamento econômico dominante no Brasil. Quinto entrevistado da série do Estadão "Saídas para a Crise Fiscal”, Lara Resende afirma que o investimento público é hoje muito mais importante do que a política de juros como resposta para a retomada econômica após a pandemia do coronavírus e também para o desenvolvimento de longo prazo do País.

Um dos formuladores do Plano Real e com a experiência de ter trabalhado mais de 30 anos no mercado financeiro, Lara Resende propõe a criação de um órgão, protegido de "pressões políticas ilegítimas", para definir os investimentos públicos. Para ele, essa é hoje uma medida mais valiosa do que um Banco Central independente.

O economista alerta que até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada, uma vez superada a pandemia. Ambientalista, Lara Resende diz que é incompreensível a postura do governo Jair Bolsonaro em relação à questão ambiental, considerada por ele o mais grave problema a ser enfrentado pela humanidade, e que compromete o Brasil no exterior. 

Como o sr. avalia a resposta do governo à pandemia da covid-19?

A resposta à pandemia foi conturbada, incompetente e negacionista no todo. Quanto à política econômica, apesar de alguma hesitação inicial, com o auxílio de emergência, o governo acabou por dar uma resposta que aliviou temporariamente a situação dos que perderam o emprego ou a renda. O auxílio emergencial foi fundamental para aliviar a recessão e a crise social provocada pela pandemia. Até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada, uma vez superada a pandemia. Quando a pandemia parece recrudescer, volta-se a falar na necessidade de encerrar o auxílio em nome do equilíbrio fiscal. Mais uma demonstração clara de que o governo continua dominado por restrições ideológicas.

Uma das preocupações no Brasil é justamente o crescimento da dívida, que caminha para 100% do PIB. É um problema?

Trata-se de uma preocupação infundada. Em várias ocasiões na história, sobretudo depois de guerras ou catástrofes, inúmeros países tiveram dívidas superiores ao PIB. Hoje, Japão, EUA, Itália, entre outros, têm dívida superior ao PIB. A dívida pública não pode ter uma trajetória explosiva, mas, desde que o seu crescimento acelerado seja transitório, que passada a crise, com as contas reequilibradas e restaurado o crescimento da economia, a relação entre dívida e PIB volte a cair, não há qualquer problema em ultrapassar os 100% do PIB.

Existe um limite para a dívida?

Não existe um limite intransponível para a dívida interna e o PIB. O endividamento externo, que depende de financiamento do exterior em moeda estrangeira, é sim perigoso. Como aprendemos com as sucessivas crises da dívida externa no século passado, quando os credores internacionais passam a ter dúvida sobre a capacidade do País de honrar seus compromissos em moeda estrangeira, a súbita interrupção do fluxo de financiamento pode provocar crises gravíssimas. No século passado, o Brasil era importador líquido de petróleo e derivados, assim como de trigo e outras commodities (produtos classificados como  básicos por não ter tecnologia envolvida ou acabamento). Precisava de financiamento externo para cobrir o déficit com o resto do mundo. Hoje, somos autossuficientes em petróleo, exportadores líquidos de commodities e temos um setor agropecuário altamente superavitário. O Brasil de hoje não tem dívida pública externa, ao contrário, tem quase 30% do PIB em reservas internacionais. A nossa dívida é interna, do Estado com os brasileiros.

Em entrevista recente ao ‘Financial Times’, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, disse que os países precisam evitar o erro de retirar prematuramente os estímulos fiscais, como ocorreu na crise financeira. Ela chama atenção que há formas de investimento público que podem criar empregos e aumentar a atividade econômica e, ao mesmo tempo, serem fiscalmente responsáveis para sair da crise. Como conciliar essas coisas?

Gita Gopinath disse apenas o que se sabe desde a publicação do livro de John M. Keynes (1883-1946, defensor de maior intervenção do governo na economia para estimular o crescimento) na década de 1930. Gopinath não é uma heterodoxa irresponsável, mas economista-chefe do FMI, doutora pela Universidade de Princeton, onde teve como orientadores Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, e Ken Rogoff, professor da Universidade Harvard, dois expoentes da ortodoxia econômica. A política fiscal, sobretudo investimentos públicos que aumentem a produtividade e o poder aquisitivo da população, é o mais poderoso instrumento, tanto para se sair de uma recessão como para garantir a retomada do crescimento sustentado.  A pergunta mais complicada de ser respondida é por que hoje no Brasil a opinião dos economistas que aparecem na imprensa, assim como a da própria imprensa, regrediu para o que era a ortodoxia do século XIX na Inglaterra? A chamada “Visão do Tesouro”, que sustentava a necessidade de sempre equilibrar as contas públicas, depois duramente criticada por Keynes, deixou de ser levada a sério.

O Brasil, que tinha uma situação fiscal frágil e déficits há sete anos e com previsão de resultados negativos até 2028, pode seguir essa recomendação do FMI em 2021?

É verdade que há mais de duas décadas a relação dívida e PIB do Brasil tem aumentado, mas não temos uma situação fiscal frágil. A carga fiscal do Brasil é de quase 35% do PIB, muito alta para um país de renda média. Apesar da alta carga fiscal, não conseguimos controlar o crescimento da dívida. A razão é que a taxa de juros foi extraordinariamente alta até muito recentemente. Com taxas de juros que chegaram a mais de 25% ao ano e um crescimento medíocre da economia, o resultado é inexorável: a relação dívida/PIB cresce. O Estado brasileiro custa muito e gasta mal? Com certeza, mas não é essa a razão do crescimento da dívida. A política de taxa de juros do Banco Central, do real até muito recentemente, foi um gravíssimo equívoco. A história irá deixar claro o preço de uma política de juros extraordinariamente altos, associada a uma pesada e kafkiana carga fiscal.

Qual a saída a seguir?

Antes de mais nada, é preciso superar a camisa de força imposta por um arcabouço analítico anacrônico e equivocado que impõe o equilíbrio fiscal como o único objetivo de política econômica. Dizem que com equilíbrio fiscal todos nossos problemas estarão milagrosamente resolvidos. Sem ele, caminhamos a passos largos para o abismo. Nada mais falso. Precisamos urgentemente voltar a ter um projeto para o País, ter objetivos de políticas públicas que balizem os investimentos públicos e privados, que norteiem a transição para uma matriz energética limpa e não nos deixe perder o bonde da revolução digital em curso. Precisamos refletir sobre as políticas de emprego, saúde e educação neste novo mundo do século XXI.

Por que o sr. considera ser uma falácia o argumento de que o governo não tem dinheiro para investimento?

Porque é falso. O governo não tem recursos para investir porque adotamos restrições legais-administrativas que deixam relativamente livres os gastos correntes e impõem limites ao total dos gastos. O teto dos gastos (regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação) é exemplar: se mantido, vai levar ao colapso completo do investimento público. O governo que emite sua moeda fiduciária (documento que possa ser aceito como pagamento, como as notas de real), como é o nosso caso, não tem restrição financeira, pois, quando gasta, necessariamente, emite moeda. A decisão de obrigar o governo a retirar a moeda emitida, seja através da cobrança de impostos ou da emissão de dívida, é uma decisão político-administrativa. Pode se justificar para impedir que o governo gaste de forma irresponsável e incompetente, mas não é uma restrição real.

É mais eficiente deixar os investimentos fora do teto?

Sim. O teto pode até ser uma restrição importante para impedir um Estado inchado, que gaste muito na sua própria operação, mas não faz sentido ter um teto com os gastos correntes não controlados. O resultado é a inviabilização dos investimentos. Os investimentos públicos são muito mais importantes do que juro básico baixo tanto para atenuar os efeitos da recessão quanto para o desenvolvimento de longo prazo. É mais importante ter um órgão sério e competente, protegido das pressões políticas ilegítimas, para definir os investimentos públicos, do que um Banco Central independente.

É possível fazer uma recuperação econômica verde e sustentável pós-pandemia?

Infelizmente, o governo Bolsonaro está na contramão de uma política ambiental sustentável. A incompreensível postura do governo em relação à questão ambiental, hoje considerado o mais grave problema a ser enfrentado pela humanidade, compromete o Brasil no exterior, prejudica nossas exportações e reduz os investimentos externos. Além de fazer a coisa certa, teríamos muito a ganhar com uma política ambiental inteligente e responsável, que poderia servir de balizador de uma nova etapa de nosso desenvolvimento.

Qual o papel das reformas administrativa e tributária para destravar o crescimento?

Me parece que uma reforma tributária, cujos objetivos fossem a simplificação, a racionalização e a equidade, não o equilíbrio a qualquer custo, e que nos livrasse do atual cipoal tributário, seria um passo importante para nos tirar do atoleiro em que nos metemos. Mais do que uma reforma administrativa, nome que se dá ao que é apenas mais uma tentativa de reduzir os salários e os benefícios do funcionalismo, precisamos modernizar a governança do País, inclusive o sistema político, que caminha a passos largos para se tornar disfuncional e corre o risco de perder legitimidade.

*André Lara Resende, economista, graduado em ciências econômicas pela PUC-Rio, André  Lara Resende nasceu no Rio de Janeiro em 1951. É doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Trabalhou mais de 30 anos no mercado financeiro e é um dos formuladores do Plano Real. Em seu livro mais recente, “Consenso e Contrassenso”, uma coletânea de ensaios, propôs uma virada nas perspectivas teóricas da macroeconomia. Foi diretor do Banco Central, negociador chefe da dívida externa e presidente do BNDES. Seus livros "Os limites do possível" e "Devagar e simples", publicados pela Companhia das Letras, ganharam o prêmio Jabuti em 2013 e 2015.