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O Estado de S. Paulo: Bolsonaro ‘polariza’ eleições no Congresso

Interferência do presidente torna disputas nas duas Casas ‘referendo’ sobre o governo

Daniel Weterman e Emilly Behnke, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A interferência do presidente Jair Bolsonaro na eleição para o comando da Câmara e do Senado transformou a disputa, marcada para fevereiro, em um “referendo” sobre o governo. Enquanto o País discute o início da vacinação contra a covid-19, Bolsonaro entrou no varejo das negociações. Em campanha para angariar votos para Arthur Lira (Progressistas-AL), chefe do Centrão, ao comando da Câmara, o presidente recebeu na quarta-feira, 13, sete deputados em seu gabinete, no Palácio do Planalto.

O resultado da queda de braço no Congresso antecipa a correlação de forças para a disputa de 2022, quando o presidente pretende concorrer a novo mandato. Bolsonaro quer eleger Lira para ter o controle da Câmara, aprovar sua agenda e evitar eventual processo de impeachment. Na outra ponta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pede votos para Baleia Rossi (MDB-SP), em um bloco que quer derrotar Bolsonaro e impedir a sua reeleição.

Deputados do PTB que estiveram com Bolsonaro aproveitaram para fazer a ele um convite de filiação ao partido, que é comandado por Roberto Jefferson. Ainda não há, porém, definição por parte do presidente, que ainda vai esperar até março para ver se o Aliança pelo Brasil – partido idealizado por ele – consegue sair do papel.

De 9h30 ao meio-dia, Bolsonaro teve três reuniões diferentes com parlamentares. Wilson Santiago (PTB-PB), um dos que participaram do encontro, confirmou a tendência do partido de apoiar Lira. Disse que o tema foi tratado no Planalto, mas negou pressão por parte do presidente. “É natural que se toque nesses assuntos (eleições na Câmara). Mas não houve, por parte do presidente, nenhuma cobrança no que se refere a posicionamento partidário”, afirmou Santiago. “Estamos de braços abertos para receber o presidente no PTB”, emendou Paulo Bengtson (PA).

Cobrança

Nos últimos dias, Bolsonaro cobrou de integrantes da bancada ruralista o respaldo a Lira, sob o argumento de que é preciso manter os bons resultados econômicos do setor agropecuário. O chefe do Executivo entrou no jogo de forma mais agressiva depois que o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), declarou apoio a Baleia Rossi.

“Não podemos ter mais dois anos pela frente com a esquerda fazendo a pauta”, disse Bolsonaro na segunda-feira, em referência ao bloco de Baleia, que tem aval de Maia e do PT, entre outros partidos de oposição.

Dos sete deputados que conversaram quarta com Bolsonaro, cinco fazem parte da bancada ruralista: Paulo Bengtson (PTB-PA), Santini (PTB-RS), Nivaldo Albuquerque (PTB-AL), Marcelo Moraes (PTB-RS) e Capitão Wagner (PROS-CE).

Articulador político do Planalto, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, participou da reunião. Como revelou o Estadão no mês passado, foi no gabinete do general que deputados ouviram argumentos do governo em defesa da eleição de Lira.

De lá, saíram com promessas de emendas parlamentares, algumas além daquelas a que já têm direito, e de cargos em seus redutos eleitorais.

Na lista dos deputados que Bolsonaro recebeu ontem também estava Osmar Terra (MDB-RS), seu ex-ministro da Cidadania. Embora correligionário de Baleia, Terra deve fechar acordo com Lira.

Para a eleição no Senado, o “referendo” é entre o governo Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, por causa da Lava Jato. O presidente disse ter “simpatia” pelo candidato do DEM, Rodrigo Pacheco (MG), lançado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Nesta semana, Pacheco aumentou sua rede apoio: quarta, por exemplo, conquistou o respaldo do Progressistas, com sete senadores.

O candidato do DEM também ganhou a adesão do PT, em uma aliança inusitada que reúne Bolsonaro e o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa disputa nem o Planalto nem o PT quiseram apoiar Simone Tebet (MS), candidata do MDB. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Simone virou uma espécie de “Moro de saias” no confronto com o Planalto, vestindo o figurino da Lava Jato.

A parceria do PT com bolsonaristas no bloco do DEM recebeu críticas. “Pois é! Para acabar com a Lava Jato vale tudo! Incrível!”, escreveu no Twitter o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. “Nunca foi razoável o apoio explícito do presidente a um candidato do Senado porque isso afeta a independência do Congresso”, disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que disputou a candidatura do MDB com Simone, em 2019.

/COLABOROU CAMILA TURTELLI


El País: Fábrica russa de mentiras está ativa e se espalha a novos continentes

Usina de desinformação que interferiu nas eleições norte-americanas de 2016, numa operação preparada por um homem do círculo de Putin, agora age também na África

MARÍA R. SAHUQUILLO, El País

Em um edifício de escritórios na cidade russa de São Petersburgo, na nação balcânica de Montenegro ou em centros empresariais de Gana e da Nigéria. A fábrica russa de mentiras, a usina de trolls que semeou uma profusão de boatos falsos na campanha para as eleições presidenciais norte-americanas de 2016, polarizando o debate e interferindo na sua propaganda, nunca foi desativada. A usina original foi copiada, e muitas de suas operações foram terceirizadas. As operações da máquina de propaganda, que deixou à vista as vulnerabilidades do sistema e a magnitude e força das operações de ingerência e desinformação da Rússia, espalharam-se pelos Estados Unidos, por vários países europeus e alguns da África. Enquanto isso, os gigantes da Internet e os governos ocidentais tratam de confrontá-la, em alguns casos com táticas não totalmente limpas.

A técnica é a mesma que Vitaly Bespalov praticou durante algumas semanas em 2015. Esse jovem trabalhava em um edifício de concreto de quatro andares na rua Savushkina, em São Petersburgo, sede da chamada Agência de Pesquisas da Internet (AII) e matriz da usina de trolls. Sua missão era defender posições pró-russas durante um dos picos do conflito na Ucrânia, e mais tarde sobre a política norte-americana. “Tratava-se de alimentar o discurso e semear as redes com comentários falsos e interessados para beneficiar a Rússia”, comenta Bespalov, que hoje trabalha em uma organização de defesa dos direitos LGTBI. Por trás de catracas camufladas e com a proteção de seguranças, blogueiros, ex-jornalistas e outros profissionais recrutados pela agência trabalhavam para lançar esse “carrossel de mentiras”, como descreve a ativista e pesquisadora Liudmila Savchuk, que no final de 2014 trabalhou infiltrada na fábrica de trolls de São Petersburgo e ajudou a desmascarar a estrutura.

Aquela operação de desinformação na Ucrânia foi considerada bem-sucedida e serviu de germe para uma nova missão, desenhada para intervir nas eleições presidenciais de 2016, e voltada desta vez para o público dos EUA. Uma nova equipe de pessoas, fluentes em inglês e dotada de salários mais suculentos, criou uma rigorosa quota de publicações incendiárias sobre a candidata Hillary Clinton, a justiça racial e Donald Trump, fazendo-se passar por norte-americanos. O entorno polarizado foi um terreno fértil para os trolls russos, que amplificaram a discórdia que já fervilhava.

Era uma máquina de propaganda que também se dedicou a comprar publicidade e publicar anúncios sobre raça, imigração e armas de fogo, que chegaram a 10 milhões de pessoas nos Estados Unidos. O exército digital de trolls, acusado de interferir no pleito de 2016 é, segundo Washington, parte do império empresarial de um dos oligarcas da órbita mais próxima do Kremlin, Yevgeni Prigozhin, empresário do ramo gastronômico e alvo de sanções dos EUA. Apelidado como “o chef de Putin”, ele provou que o sistema era eficaz em 2011, quando contratou dezenas de pessoas para que elogiassem na mídia e nos principais fóruns da Internet russa a comida do sua empresa de catering, cuja qualidade havia sido questionada em várias denúncias.

Prigozhin, apontado como suspeito nas investigações sobre a ingerência eleitoral do promotor especial Robert Mueller, negou qualquer vinculação com a agência e com as atividades de sua máquina de propaganda. Também o Kremlin rechaçou as acusações.

Apesar dos alertas e dos mecanismos de vigilância adotados pelos gigantes da Internet e pelas redes sociais após o escândalo de 2016, as usinas russas de trolls continuaram operando, embora tenham mudado um pouco as suas técnicas de publicação, para reduzir os riscos de serem detectadas. Mesmo assim, sua influência e sua sombra são longas. Suas ambições e seus tentáculos, também. Nos últimos meses, o Twitter anunciou a eliminação de milhares de contas vinculadas à AII. Em março, o Facebook revelou que tinha descoberto uma subsidiária da usina russa de trolls em Gana e na Nigéria, operada por pessoas locais, mas vinculada à AII de São Petersburgo, e que tinha como alvo os Estados Unidos. E em setembro a empresa eliminou outra leva de contas, que ainda estavam em etapa de desenvolvimento e centravam suas atividades nos Estados Unidos, Reino Unido, Argélia e Egito. Esses usuários faziam publicações em inglês e árabe sobre temas como o movimento Black Lives Matter, a OTAN, Donald Trump, a campanha presidencial de Joe Biden e a conspiração do grupo radical QAnon.

Nos últimos meses, essa intensa atividade chegou a resultar em guerra de trolls na África. Há duas semanas, o Facebook anunciou que tinha identificado outra usina de desinformação russa vinculada à AII e direcionada a países africanos, e também uma estrutura francesa. São campanhas rivais voltadas, sobretudo, para as eleições deste fim de semana na República Centro-Africana ―onde Moscou tem cada vez mais interesses― e a outros 13 países da África que procuravam enganar os usuários da Internet e se desmascararem entre si.

É a primeira vez que a rede social identificou e bloqueou um grupo de trolls, vinculado a “pessoas associadas ao exército francês”, que atuam pelos interesses de um Governo ocidental. “Não se pode combater fogo com fogo”, advertiu Nathaniel Gleicher, chefe de política de segurança cibernética do Facebook. E acrescentou: “Temos estes dois esforços de diferentes lados destes problemas utilizando as mesmas táticas e técnicas, e terminam parecendo a mesma coisa”.