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Marco Aurélio Nogueira: Implosão do DEM pode ajudar a que se saia do marasmo

Dissonâncias no partido permitem que se veja melhor quais são os planos e as ambições das distintas correntes

Embora algum estrago tenha provocado de imediato, não é propriamente ruim, para a democracia e a dinâmica política que nos levará a 2022, que tenha havido uma “implosão” no DEM e muito barulho no PSDB em função das dissonâncias e deslealdades ocorridas na eleição dos presidentes do Congresso Nacional.

Seria possível incluir o MDB nesse grupo, especialmente porque suas bancadas traíram Baleia Rossi na Câmara e Simone Tebet no Senado. Mas o MDB foi o que tem sido desde que cedeu ao fisiologismo e perdeu densidade programática, entregando-se às flutuações do jogo político miúdo. O MDB tornou-se um partido de alta elasticidade, que vai para o lado que oferece mais vantagens.

O DEM e o PSDB, porém, não queriam ser assim. Insistiam em afirmar um perfil de centro-direita com leves inflexões à esquerda. E se vangloriavam de ser o esteio de uma articulação liberal-democrática ampla o suficiente para derrotar o petismo e o bolsonarismo em 2022. Tiveram bom desempenho nas eleições municipais do ano passado, mas não conseguiram imprimir velocidade ao jogo, nem manter unidas suas tropas. Ao contrário, vieram à tona todos os personalismos e os mais variados interesses que se abrigavam nas duas legendas. A dispersão foi aguda.

A implosão do DEM, agora, com as rusgas públicas entre Rodrigo Maia e ACM Neto, paralisa operações que estavam em curso, mas, ao mesmo tempo, põe as cartas na mesa e aumenta a transparência: permite que se veja melhor quais são os planos e as ambições de cada corrente.

Parte dos demistas está no terreno de um fisiologismo dissimulado, encapuçado, o que não é propriamente uma novidade ou uma mudança de posição. O presidente nacional da legenda, ACM Neto, é um defensor destemido da “independência” do partido, que não deveria se conduzir pelo posicionamento oposição ou governo. Depois das eleições no Congresso, bateu bastante em Rodrigo Maia (um “passional” que se “apegou ao poder”) e esclareceu que “jamais estaria com o governo Bolsonaro”, cujo foco é mais eleitoral que de governo.

Outros, como Rodrigo Maia, partiram para proclamar sua oposição ao governo atual e para defender a formação de uma ampla frente oposicionista. Estão sendo abraçados por João Dória, o que complica um pouco o discurso, dados o caráter camaleônico e a falta de imagem do governador paulista. Para piorar, Dória resolveu usar o convite a Maia como recurso para travar a luta interna no partido, propondo o afastamento do deputado Aécio Neves, o que gerou pronta resposta do parlamentar mineiro: o “destempero do governador paulista” nada mais seria do que uma “fracassada tentativa de se apropriar do partido”, uma legenda que não tem dono.

Se Maia e seu grupo se soltarem de fato do DEM, poderão ajudar não só a fortalecer o partido de destino como contribuir para que se saia do discurso genérico da frente democrática. Que uma articulação é necessária o sabem todos os pássaros brasileiros. O problema é que não se sabe como alcançá-la com inteligência, senso de oportunidade e respeito às circunstâncias. Faltam ideias, iniciativas, lideranças públicas reconhecidas, disposição de luta. Sobram interesses, cálculos, justificativas e temores. Há ressentimentos e desejos de vingança, espalhados entre os mais radicais e os mais moderados. As esquerdas, que poderiam ser um poderoso combustível para a operação, enroscam-se em seus próprios dilemas.

Uma boa sacudida na institucionalidade partidária existente poderá ajudar a que se saia do marasmo. E, mesmo que por vias tortas, contribua para manter em circulação a ideia de uma articulação democrática que seja competitiva no País, seja para desenhar um programa de atuação que reverbere efetivamente, seja para sustentar uma candidatura para 2022.

*Professo titular de Teoria Política da Unesp