imoralidade

Gustavo Lima durante show | Foto: reprodução/Outras Palavras

Megacachês: Agropop surpreendido de calça curta

Célio Turino, de Outras Palavras

Sobre o desvio de recursos públicos para cachês milionários em shows de cantores Sertanejos/Agropop:

1) Megachês milionários não são comuns nem no mundo dos rodeios (quando tem patrocínio privado) ou grandes estrelas da música. Quando muito, R$ 500/600 mil e isso envolvendo toda a equipe de produção do show (banda, técnicos, dançarinos, direitos autorais e pessoal de apoio). Como parâmetro: em contratos via poder público, na Virada Cultural em São Paulo, por exemplo, o valor máximo em cachê é de R$ 300 mil (o que já é bastante elevado); shows em réveillon em cidades como o Rio de Janeiro também não pagam muito além disso; em Micaretas e São João, talvez alguns muito famosos recebam R$ 500/600 mil, mas são raros; Escolas de Samba do grupo especial no Rio de Janeiro receberam R$ 1,5 milhão para o carnaval de 2022 (notem, o cachê é para uma escola de samba inteira).

2) Ou seja, tem mutreta, tem desvio de verba pública, tem corrupção nesses cachês do milhão. Mesmo para contratações artísticas a lei exige que o poder público se paute pelo princípio da economicidade, além da moralidade, legalidade, publicidade e impessoalidade. Tem cartel político/Bolsonarista/sertanejo nessa história dos megacachês. Ministério Público, Tribunais de Contas e legislativos municipais, estaduais e nacional precisam investigar. O crime salta aos olhos! O Congresso Nacional precisa abrir #CPIdosSertanejos já! É preciso cruzar emendas e rastrear o caminho do dinheiro para verificar o quanto do valor desses cachês pode ter sido “devolvido” para os padrinhos. Esse é um duto de desvio na ordem de centenas de milhões de reais!

c) Afora a imoralidade desses valores, sobretudo em pequenos municípios, em que a população carece de serviços básicos.

d) Mas o desvio não para aí. Em 2019, o BNDES concedeu empréstimo de R$ 320 milhões para empresa recém-constituída (um mês antes da liberação do empréstimo). A finalidade? Administrar carreiras de cantores sertanejos. Um escândalo! Desse valor, R$ 200 milhões foram para um único cantor sertanejo! Alguma dúvida de que esse empréstimo foi totalmente irregular? Nenhum banco libera um valor desses para uma empresa constituída um mês antes.

Jorge and Matheus during show | Foto: Shutterstock/A.PAES

Como parâmetro, a lei Aldir Blanc que preservou entre 430-450 mil postos de trabalho na cadeia produtiva da cultura (dados IPEA), em 4.700 municípios, contou com aporte total de R$ 3 bilhões. Isso após uma ampla mobilização, envolvendo dezenas de milhares de pessoas e a quase unanimidade no Congresso. Não é possível que uma única empresa receba mais de 10% desse valor! Esse empréstimo precisa ser investigado e muito.

e) Mais um parâmetro. Esses mesmos sertanejos que vivem falando mal da lei Rouanet estão se apropriando de dinheiro público via cachês em valores absurdos, drenando recursos de escolas e da saúde, sobretudo em pequenos municípios, onde a fiscalização passa despercebida. Cachês de até R$ 1,2 milhão! Sabem em quanto o governo fixou o teto para cachê artístico via lei Rouanet? R$ 3 mil (exatamente). Deve ser por essa razão que esses artistas Bolsonaristas têm tanto ódio da lei Rouanet, afinal, em um só show embolsam valor 400 vezes maior. Mesmo antes de o governo haver fixado o teto em R$ 3 mil, o valor máximo que a lei Rouanet autorizava para cachê artístico era de R$ 45 mil. Mais um parâmetro para comparação: o valor que a empresa recebeu equivale a 25% de todo valor arrecadado pela Lei Rouanet em todo o Brasil (aproximadamente R$ 1,2 bi).

A lei Rouanet atende mais de 4 mil projetos em todo país, grande parte deles gratuitos para o público, beneficiando dezenas de milhares de empresas e garantindo centenas de milhares de postos de trabalho na cadeia produtiva das artes e da cultura. Para aprovação de um projeto a lei exige: projeto detalhado; justificativa; descrição e cronograma de trabalho; explicitação de público beneficiado; contrapartida social e de acessibilidade; orçamento detalhado, com valores padrão e teto nos valores; parecer técnico de especialista; aprovação em colegiado (CNIC); captação de patrocínio junto a empresas privadas (que também analisam o projeto); prestação de contas; análise detalhada das contas para quitação final.

Enquanto isso, esses artistas aproveitadores e manipuladores dos fãs, seguem fazendo sinal de arminha com a mão, pregando o ódio e a mentira e se declarando cidadãos de bem, defensores de “Deus, Pátria e Família”, ao mesmo tempo em que se locupletam com o dinheiro público. No fundo não passam de oportunistas e desonestos, que desonram a tradição da música brasileira de raiz.

*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras


Hélio Schwartsman: Gasto eleitoral de 5,7 bi é imoral

Hélio Schwaetsman / Folha de S. Paulo

Congresso com enorme frequência toma decisões ruins. Por vezes, essas decisões são também moralmente injustificáveis. É o caso da derrubada do veto presidencial ao fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões. Partidos políticos poderão dispor no pleito do ano que vem de mais do que o dobro do que gastaram em 2018.

​A pandemia deixou o Brasil mais pobre. Para alguns estratos sociais, isso significa fome. O setor público, que mantém programas que podem acolchoar a crise, também passa por apertos. Num exemplo quase aleatório, reitores de universidades federais se queixam de que não têm recursos para continuar com o funcionamento dos bandejões, que vendem refeições subsidiadas para os estudantes. É a definição mesma de economia burra. A universidade oferece a alunos cursos que, no setor privado, podem custar centenas de milhares de reais, mas não dá aquele tantinho a mais que lhes permitiria dedicar-se integralmente aos estudos.

O lugar mais óbvio para cortar num Orçamento são as verbas destinadas a campanhas. Não digo que devem ser zeradas, mas são uma das poucas rubricas que podem ser reduzidas sem prejuízo. O mesmo número de candidatos será eleito quer os partidos gastem R$ 6 bilhões, quer gastem R$ 1 bilhão. E não vejo como afirmar que exista uma relação de causalidade entre o volume de recursos investido e a qualidade dos eleitos.

Na verdade, um Congresso responsável já teria desenhado um sistema de redução paulatina do fundo eleitoral, uma vez que a tendência é que as campanhas se desloquem cada vez mais da TV e do rádio para a internet, que é muito mais barata que os meios tradicionais.

Diante das enormes carências por que passa o país, parece-me imoral aumentar os gastos com campanhas. O lado bom dessa novela é que ela nos legou um critério de demarcação. Você, eleitor, tem bons motivos para não votar em nenhum dos parlamentares que ajudaram a derrubar o veto.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/12/gasto-eleitoral-de-57-bi-e-imoral.shtml