Henrique Meirelles

Correio Braziliense: 'Quando o Brasil tem problemas, chama o Meirelles'

Henrique Meirelles acredita que vai sair de 1% de preferência para a maior parte dos votos ao Planalto. Diz ter pesquisas que demonstram essa possibilidade. E vai pôr a mão no bolso para bancar a campanha

A semana passada foi um divisor de águas na vida do engenheiro Henrique Meirelles. Ele chegou de uma viagem internacional na terça-feira. Na quarta, mergulhou integralmente na pré-campanha para a Presidência da República. E concedeu ao Correio a primeira entrevista nesta nova fase.

Está despachando com assessores em salas da Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, instalada em uma casa na Península dos Ministros, no Lago Sul. Desde 6 de abril fora do Ministério da Fazenda, ele passou as últimas semanas em uma série de compromissos no exterior.

Aos 72 anos, Meirelles já fez muita coisa na vida. Trabalhou no BankBoston, do qual se tornou o principal executivo mundial. Depois, foi presidente do Banco Central no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, voltou ao setor privado, onde atuou para o grupo J&F. E voltou a Brasília há dois anos para comandar a economia.

Ele já fez até campanha eleitoral — foi o deputado mais votado de Goiás em 2002 pelo PSDB, mas teve que renunciar ao cargo quando foi para o BC. Nada se compara, porém, ao próximo desafio, de chegar ao Planalto. Sobretudo quando se leva em conta que apenas 1% dos eleitores ouvidos nas pesquisas dizem que pretendem escolhê-lo.

A candidatura é vista com grande ceticismo no mundo político, inclusive em seu partido, a que se filiou depois de deixar o PSD. Nada que abale Meirelles, aparentemente. Ele sorri muito mais do que na época em que estava na Fazenda. E assevera que é possível vencer. “Testes qualitativos mostram com muita clareza que existe uma possibilidade de, com a devida informação, haver uma mudança muito grande na avaliação dos eleitores. Tenho minha estrutura de pesquisas mais profundas e, no meu caso específico, algumas coisas que são vistas por alguns como negativas são vistas pela população como positivas”. A seguir, ele explica por que acredita ser possível sair do atual patamar e convencer metade dos brasileiros de que é a melhor opção para o Planalto.

Qual é o diferencial da sua candidatura, aquilo que só o senhor pode entregar para a população?
Uma proposta baseada em realizações concretas e objetivas, desde a recuperação da economia, que ocorreu a partir do segundo semestre de 2016 e se consolidou em 2017 e em 2018. Isso envolve controle de inflação, que é fundamental para a economia e também para o padrão de vida das pessoas. Temos a menor inflação desde 1998 e, para as classes mais baixas, a menor da história do país. A velocidade da recuperação é uma discussão muito técnica, porque, na realidade, saímos de uma recessão de -3,5% (de queda do Produto Interno Bruto, PIB) e estamos crescendo a 1,17%. Só que esse número é uma média. Se pegarmos, na margem, o último trimestre de 2017 e compararmos com o último trimestre de 2016, o crescimento foi acima de 2% e entramos, neste ano, crescendo a um ritmo mais acelerado.

Mas e o desemprego? Os dados não são animadores: aumentou e já atinge 13,7 milhões de pessoas.
O emprego tem reagido. Existiu um período pior, no começo de 2017, quando chegamos a ter 89,5 milhões de pessoas trabalhando. No fim de 2017, eram 91,5 milhões, um aumento de dois milhões de postos de trabalho. Em janeiro e em fevereiro, houve a criação líquida. Os economistas ainda estão analisando março e talvez exista um ruído estatístico, com dados do mercado informal, que não são muito precisos. É preciso levar em conta que o desemprego atingiu o maior patamar da história, e não se corrige, em um passe de mágica, algo que levou vários anos para ser destruído. Não há uma recuperação do dia para a noite.

A explicação técnica é impecável. Mas, como candidato, o que o senhor vai falar para essas pessoas que ainda não conseguiram emprego?
É muito simples. O emprego que se destruiu em vários anos não se reconstrói rapidamente. O fato é que essa reconstrução está sim em um ritmo forte. Não existe nada melhor, na minha visão, para qualquer argumentação do que os fatos. Mas estamos vivendo ainda as consequências de uma recessão enorme, que foi a maior do país. Vamos colocar assim: alguém ficou doente, foi para a UTI, teve uma melhora e saiu do hospital, mas não está correndo ainda na mesma velocidade que corria. Está um pouco fraco, é verdade, mas houve um avanço extraordinário.

Se o país saiu do hospital, por que o presidente Temer tem uma rejeição tão alta e não consegue sequer circular pelas ruas?
É difícil avaliar a questão de popularidade. Acho que, no devido tempo, o trabalho dele será reconhecido.

Mas dá tempo de ser reconhecido até a eleição?
Não sei. Vamos ver. O país já está se recuperando e crescendo, as reformas estão produzindo efeito e o país está se modernizando etc. Historicamente, no Brasil, os governos são reconhecidos por controle de inflação, não tenha dúvida, e por crescimento. Demora um pouco de tempo para a pessoa absorver, a não ser que haja algo como o Plano Real, quando teve uma queda brusca da hiperinflação. A percepção foi imediata. Mas isso é raro na história.

Mas tem que perceber isso nos próximos dois meses, senão não dá para recolher os dividendos na campanha, certo?
Até o dia da eleição está bom.

O senhor tem um desafio político que é convencer o MDB a aprovar uma candidatura em uma onvenção. O senador Renan Calheiros (AL) nos deu uma entrevista dizendo que o senhor é a versão piorada do presidente Michel Temer. Diz que o senhor nem é político. O que tem a dizer?
(Olha no celular antes de responder e demora alguns minutos e pede para repetir a pergunta.) Em primeiro lugar, o senador tem todo o direito de ter sua própria opinião. Vivemos em uma democracia e seria surpreendente que, num partido tão grande e tão diversificado, com tantas forças políticas, houvesse opiniões unânimes. Eu discordo. Acho que ele está errado. O MDB tem a oportunidade histórica de ter um presidente da República na medida em que o partido está dirigindo o país em um momento em que ele sai da maior recessão da história, de uma crise maior que a de 1929. A população vai reconhecer isso no devido tempo. Testes qualitativos mostram com muita clareza que existe uma possibilidade de, com a devida informação, haver uma mudança muito grande da avaliação dos eleitores. Tenho minha estrutura de pesquisas mais profundas e, no meu caso específico, algumas coisas que são vistas por alguns como negativas são vistas pela população como positivas.

Por exemplo?
O fato de eu não ter um histórico político e ter um bom histórico de serviço público. O fato de ter sido presidente do Banco Central durante os oito anos do governo Lula, de ter controlado a inflação e o PIB do país ter voltado a crescer. O fato de eu ter saído no governo Dilma e o país ter entrado em recessão e em crise. E, agora, quando eu voltei ao governo com o presidente Temer, estamos fazendo o país voltar a crescer e a inflação cai de novo.

O senhor saiu e o desemprego dá uma subidinha.
É. Deu uma subidinha (risos). No momento em que essas informações são levadas à população, pelos testes que eu estou fazendo, ela tem uma reação boa. Algumas coisas que alguns políticos veem como negativas, na verdade, na avaliação que nós fizemos, têm um efeito muito positivo.

O senhor acha que Lula vai ser candidato?
Olha, não sou jurista. Mas o que leio e vejo de opiniões é que o ex-presidente não terá condições de ser candidato pela Lei da Ficha Limpa, independentemente do julgamento do processo penal.

O senhor já tentou conversar com o PT e ter um contato com o ex-presidente?
Não. Tem algum tempo que não converso, até porque estava no Ministério da Fazenda. Só agora que eu estou retomando as atividades políticas.

O senhor pensa em visitar o ex-presidente Lula?
Não cheguei a pensar nesse assunto. Eu estava 100% do tempo dedicado ao Ministério da Fazenda. E, depois que saí, entrei em uma agenda muito intensa com viagens ao exterior, porque já tinha compromissos. Cheguei ontem (terça-feira). Hoje é o primeiro dia de fato em que estou iniciando a campanha e conversas políticas.

A rejeição aos políticos é muito grande, talvez a maior da história. Como associar seu nome e sua candidatura ao momento político?
Em primeiro lugar, meu histórico. Em segundo, é inegável o fato de que eu trabalhei de uma forma muito eficaz e bem-sucedida com o presidente Temer e os resultados são muito bons. Trabalhei com outra estrutura no governo Lula, em que eu tinha independência no Banco Central, com muito sucesso. Acredito que tenho um histórico a apresentar que, quando eu testo nos programas de pesquisa qualitativa, é muito bem recebido.

Mas o MDB está muito desgastado pela corrupção, que é justamente um tema que vai ser forte na campanha. Como o senhor vai trabalhar o fato de vários integrantes do partido estarem envolvidos em escândalos e investigados durante a campanha?
É muito simples: existem membros de todos os grandes partidos brasileiros sendo acusados. Isso não é uma exclusividade do MDB. Inclusive, o líder do PT está detido. O PSDB tem também acusações extensas.

O senhor também já trabalhou para a JBS. Como vai responder a isso?
Exatamente como tenho respondido. Com serenidade e tranquilidade. Esse assunto já está devidamente esclarecido, já foi investigado suficientemente. Está desaparecendo.

Mas o senhor não teme que isso seja usado contra o senhor?
A maior parte da minha carreira profissional foi no BankBoston, uma instituição internacional, em que eu trabalhei 30 anos. Fui presidente mundial. Essa foi a minha principal carreira. Fui primeiro e último brasileiro numa posição dessas. Fui presidente do Banco Central no governo Lula. Saí e, depois de cumprir quarentena, fui presidente do Conselho do Lazard, um dos maiores bancos internacionais. Além disso, prestei serviço de orientação para a montagem da plataforma digital do Banco Original (da holding J&F), que é, aliás, bem-sucedida. Foi um trabalho essencialmente técnico.

Olhando para campanha, analistas falam que a candidatura do Temer estaria inviabilizada com uma terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República, o que aumentaria as chances de o senhor ser o candidato do MDB. Se houver resistências, o senhor aceitaria ser vice de outra chapa?
O MDB fez uma pesquisa interna e a maioria dos membros do partido, mais de 60%, optou por ter uma candidatura própria. Caso, por alguma razão, o presidente decida que não deve concorrer, certamente, nessa hipótese, eu deverei ser o candidato do partido. Não se justifica, portanto, uma aliança com outros partidos na medida em que a grande história de sucesso no Brasil hoje é do MDB. Nada impede o PSDB de aceitar a candidatura de vice-presidente. Por que não? (risos)

O senhor vai financiar a própria campanha? Como está a definição do uso do fundo partidário?
Não há uma definição clara sobre o uso do fundo. A princípio sim, eu tenho condições para isso.

O senhor tem condições de se financiar integralmente?
Eu tenho que analisar os custos da campanha, preliminarmente, e ver qual a definição dos limites de autofinanciamento. Com tudo definido, eu vou olhar isso, mas não é um assunto que me preocupa.

O senhor pretende levar o que fez na economia para outros setores? Nas áreas que mais preocupam os brasileiros, como segurança e educação, qual é o seu projeto?
Vamos começar com segurança. Em primeiro lugar, temos que ter um país crescendo, gerando aumento de arrecadação para os estados, que são os responsáveis primários pela segurança no pacto federativo. A crise do Rio de Janeiro tem origem primária no estado de calamidade financeira decretada pelo governo estadual. A recuperação fiscal é fundamental, assim como um plano de integração de polícias e sistemas de planejamento e informação. Depois, temos que ter também todo um projeto de melhora de proteção de policiamento de fronteiras terrestres e aéreas. Em resumo, acho que é um plano nacional, abrangente, que envolve um país em recuperação econômica. Um país com a União e os estados quebrados não enfrenta os problemas nas áreas de segurança e de educação, nem de saúde.

E o plano para a educação?
A questão da educação brasileira é a seguinte, principalmente, para quem cursa o ensino médio: houve um aumento grande de número de estudantes na escola e no número médio de anos de cada estudante nas escolas, mas a qualidade caiu. E isso foi resultado de uma abordagem ideológica dos governos anteriores, de não priorizar o desempenho, a qualidade. A busca do desempenho é o próximo passo na educação. Para isso, a reforma do ensino médio é fundamental. Tem que mudar a estrutura, remuneração, treinamento e focar o desempenho. Eu já tive a oportunidade de ir para Coreia do Sul para estudar esse assunto. É um exemplo claríssimo para o Brasil. O segredo do crescimento de longo prazo foi educação.

Precisa de mais verba para educação?
Também, mas de olho na qualidade e com foco na meritocracia. Sou a favor da escola sem partido. O estudante tem que ter provas que vão aumentando a exigência ao correr do tempo, com todo um processo voltado para o desempenho. O estudante estará melhor se ele aprender, e não, simplesmente, se passar de ano. Estamos fazendo bem ao jovem no momento em que se qualifica melhor, para ganhar mais, para produzir mais para si, para a família e para o país.

E sobre temas polêmicos como a liberação de aborto e união homoafetiva? Qual o seu posicionamento?
O segundo o que é?

União homoafetiva.
Evidentemente, tenho uma posição liberal, em geral, nos costumes, preservando os valores da família etc. Eu acredito na liberdade individual das pessoas, preservando, no entanto, os valores das diversas religiões. Respeito o direito daquelas religiões que são contra o aborto e o casamento de homossexuais. Por outro lado, sou liberal e acredito na liberação de costumes.

Portanto, o Estado não deve proibir?
Ele não deve intervir. Acredito nisso, sim.

Mas existem possibilidades de retrocesso nessas duas questões, principalmente, em relação ao borto, que é permitido em determinadas situações, mas há grupos políticos que querem retirar isso. Como o senhor vê isso?
Olha, acredito que, em determinadas circunstâncias específicas, ele deve, sim, ser permitido. Por outro lado, eu respeito aqueles que têm uma opinião religiosa absolutamente contra. Eu vim de uma família extremamente religiosa, bastante conservadora. Sempre respeitei isso integralmente.

E a reforma da Previdência? Seus adversários dizem que, se o senhor for presidente, voltaria à proposta inicial, considerada muito dura. Vai refazer o projeto?
Acho que essa fase já foi ultrapassada. Discutimos isso no Congresso extensamente, com todas as bancadas e todos os partidos. Estamos em uma etapa onde existe um substitutivo como projeto de consenso.

No próximo governo, o que alguns críticos dizem é o contrário, que esse projeto consensual é comedido em relação ao que é necessário. Viria algo mais ousado?
Temos que seguir a partir desse acordo que foi feito. Esse projeto que ali está dá um bom horizonte por 10 anos ou mais.

Há quem critique muito o Ministério Público e a Polícia Federal em relação às delações e outras coisas. O senhor acha que houve exagero por parte deles nessa onda de denúncias e nessas investigações da Lava-Jato?
(Outra pausa para olhar o celular e pede para repetir a pergunta) Em primeiro lugar, sou absolutamente favorável à independência do Judiciário e sou contra a politização da Justiça. Em qualquer atividade humana, seja na política, seja na religião, seja na medicina, seja no jornalismo, você está sujeito a exageros, a erros e a problemas que devem ser corrigidos normalmente. Sou sujeito a críticas desde o primeiro dia em que assumi o Banco Central, em janeiro de 2003. E sempre achei muito positivo, porque vou examinando e vendo exatamente o que eu posso aperfeiçoar, principalmente, no serviço público.

Sobre a prisão do ex-presidente Lula, qual é a sua avaliação?
É uma decisão da Justiça. Do ponto de vista pessoal, trabalhei com ele, tinha uma relação boa. É sempre triste. Eu não entro em decisão judicial. Não se deve politizar ou personalizar a Justiça.

O senhor passou oito anos com o ex-presidente Lula. Em algum momento, imaginou que teria ssa confusão toda na Petrobras?
Não.

Como um governante pode se precaver desse tipo de malandragem?
Olha, nas instituições que dirigi, isso não houve. Estava no Banco Central, que teve uma conduta durante todo aquele período, e, até hoje, é irrepreensível. A nova lei das estatais está ajudando muito nesse processo. Essa é uma questão de critério de escolha dos dirigentes e de formação de estrutura de governança dentro das empresas.

Teria sido possível evitar?
A Petrobras hoje está sendo bem administrada. É só observar.

Como voltar a crescer se as contas públicas estão em frangalhos?
Com as privatizações como a da Eletrobras, o país poderá sim crescer a taxas próximas de 4%. Nossos cálculos indicam que o país pode crescer 3% em 2018 e depois aumentar. Temos plenas condições de resolver o desemprego no Brasil, sem dúvida. E isso vai além da questão do desemprego, é a qualidade do emprego, o nível de renda. Para aumentar o nível de renda, precisamos aumentar as taxas de crescimento, e isso será feito com todas as reformas.

Mas e a questão fiscal? A perspectiva do ano que vem é não conseguir cumprir sequer a regra de ouro. Como o senhor vê isso?
Para cumprir a regra do teto nos próximos anos, será muito importante a reforma da Previdência, não há dúvida. A norma mais séria é o teto, porque está na Constituição, com mecanismos autocorretivos muito fortes. Se não for cumprida, serão aplicados, automaticamente, congelamento nominal de salários, de subsídios, tudo. A decisão de manter ou não o teto não é política, mas fiscal. A despesa da Previdência Social, como está, é insustentável. Hoje, todos os benefícios, incluindo os assistenciais, representaram 57% do Orçamento da União. Se não fizer nada, vão para 80%. Daqui um pouco de tempo, se o Brasil não fizer a reforma (da Previdência), não vai ter dinheiro para segurança, para educação, para saúde, nem para emenda parlamentar.

O senhor tem uma trajetória bem-sucedida. Foi testado por vários governos. Por que a Presidência da República agora? É um desejo antigo?
É uma evolução natural e é uma manifestação que comecei a ver em um grande número de pessoas. É normal eu ir nos mais diversos eventos no Brasil e no exterior, e as pessoas me procurarem dizendo: “Precisamos de um homem como o senhor”, exatamente por todas as minhas características e trajetória. Nos testes qualitativos que nós fizemos, uma das perguntas é: “Quais são as características que você acha que deve ter o próximo presidente da República?”. “Competência, seriedade, experiência e honestidade” são as quatro características que as pessoas apontam no país inteiro. Depois de contar minha história, mostrar vídeos e publicações, essas pessoas atribuem essas características a Henrique Meirelles. Acho que isso é o que o país está esperando. Eu hoje, simplesmente, coloquei meu nome à disposição. Não tenho essa posição voluntarista de tentar ser candidato há várias eleições. Aliás, já fui convidado duas vezes para ser vice-presidente e não aceitei porque achei que não era o momento.

E não aceitará de novo se não for agora?
Não é uma decisão do momento.

Dos pré-candidatos que estão aí, qual o senhor considera mais difícil para enfrentar no segundo turno?
Tem vários, cada um com sua característica. Vai polarizar, seja o candidato da direita, que é o Jair Bolsonaro, sejam os três possíveis da esquerda, o Fernando Haddad, o Ciro Gomes ou a Marina Silva, que está se colocando também. O próprio Joaquim Barbosa, que não está claro para mim qual é a posição dele, parece que está se colocando também no campo da esquerda. Vamos aguardar o pronunciamento dele.

O senhor está preparado para golpes baixos?
Faz parte da vida pública, não só de campanha política.

Qual será o seu slogan?
A frase que eu mais tenho ouvido é: “Quando o Brasil tem problemas, chama o Meirelles”. Pode ser esse, mas ainda estamos discutindo.

Relação com Brasília
Apesar de ter passado boa parte da vida no exterior, ter casa e votar em São Paulo, o pré-candidato Henrique Meirelles, nascido em Anápolis (GO), conta que a capital da República é onde mais gosta de viver. “Gosto muito de Brasília. Eu prefiro Brasília. E sinto uma coisa meio atávica com o Planalto”, confessa. Quando adolescente, presenciou a inauguração da capital federal ao lado dos pioneiros. “Assisti à primeira missa. Tenho uma relação bem longa com Brasília, mas morei aqui só a partir de 2003”, afirma. Para ele, a relação com a cidade é anterior à construção dos projetos de Oscar Niemeyer. “A fazenda do meu bisavô era em Brasília, antes da desapropriação. Tenho um antepassado enterrado aqui. A família do meu pai é de Luziânia. Tenho uma história longa com a região”, completa.

Uma tristeza
Ao ser questionado sobre a cadelinha Trica, da raça cavalier king charles spaniel, que apareceu no colo dele em uma foto na sua página pessoal da rede social Instagram, Meirelles se emociona. “Não gosto de falar de coisa triste”, confessa cabisbaixo. A cachorrinha tinha 15 anos e morreu no último dia 30. “Há aproximadamente dois anos, Trica foi diagnosticada com câncer e estava com metástase. Não podíamos interná-la porque tinha insuficiência cardíaca. E o veterinário de São Paulo aconselhou que não a trouxéssemos para Brasília porque ela não iria aguentar a viagem”, explica. “Mas ela veio e aguentou quase dois anos. Carinho, afeto e convívio ajudaram”, emenda o ex-ministro. Agora ficaram quatro: a mãe, dois irmãos e uma irmã. O pai de Trica, o Buca, já falecido, morou até em Nova York e teve certidão na prefeitura com nome e sobrenome registrados: Bucaneiro do Planalto Central Meirelles.


Míriam Leitão: O presidenciável

 

O ministro Henrique Meirelles sempre sonhou com a Presidência desde que se candidatou em 2002 a deputado. Eleito, pelo PSDB, ele não exerceu um dia de mandato porque foi convidado pelo ex-presidente Lula para a presidência do Banco Central. O presidenciável Meirelles atrapalha o ministro da Fazenda de forma até imediata, porque pode prejudicar a aprovação das medidas para limitar o déficit.

O déficit do ano que vem tem chances de ficar nos R$ 159 bilhões, mas para isso é preciso que sejam aprovadas as medidas que foram enviadas esta semana pelo governo ao Congresso. São políticas que encontrarão a barreira da pressão dos funcionários públicos e da pouca boa vontade dos parlamentares de comprarem essa briga em época em que já se vive um clima de pré-campanha. Se Meirelles for visto como um competidor para os partidos que pensam em lançar candidatos próprios, mesmo da base, haverá menos interesse ainda em aprovar essas medidas.

Os deputados terão que brigar com as muitas categorias de servidores em nome de uma causa abstrata demais: evitar que o déficit supere R$ 159 bilhões. Não é em nome do equilíbrio fiscal, é algo bem menos concreto. Como explicar isso para o eleitor? Agora, um ingrediente a mais se soma ao problema: o fato de que no comando dessas propostas, e da política econômica, está um ministro que diz que sabe que é presidenciável.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Fazenda de um presidente que havia assumido depois de um impeachment, em época de crise econômica, e, com uma boa equipe, montou um plano de saída da crise. A partir dessa base se candidatou e se elegeu. Parece semelhante e não é. O Plano Real criou uma situação que não se repete. As muitas diferenças de estilo, de biografia dos presidentes aos quais serviram, da conjuntura econômica, tornam as situações incomparáveis.

Meirelles enfrentará agora o bombardeio de que é alvo todo candidato, principalmente quando está no governo. Ele tem uma complicação a mais que é a de ter trabalhado para o grupo J&F durante o período em que ficou fora do governo. O perfil publicado pela revista “Piauí”, e escrito pela jornalista Malu Gaspar, coloca mais uma vez essa questão em foco. E ela permanecerá numa corrida presidencial porque precisa ser entendida. Em quatro anos, segundo a reportagem, citando o BuzzFeed Brasil, ele ganhou R$ 217 milhões nas consultorias às empresas privadas. Como se sabe o que ele ganhou em algumas delas, como a Lazard, a KKR, a conclusão é de que ele teria recebido R$ 180 milhões da J&F, holding da JBS. Ele não confirmou nem desmentiu, mas disse à jornalista que é “um valor até pequeno”.

Esse e outros valores serão discutidos. O exato trabalho que executou no grupo encrencado com a Lava-Jato também será analisado com lupa. Isso porque ele admitiu ser presidenciável. Depois soltou uma nota para explicar em que contexto falou nessa questão, mas são muitos os indícios e palavras soltas que revelam que Meirelles permanece com o mesmo sonho que o levou a se candidatar em Goiás.

Meirelles foi um bom presidente do Banco Central, ajudando o governo Lula a estabilizar a economia após o salto cambial e inflacionário causado pela eleição do PT. Durante os oito anos que permaneceu no cargo, várias vezes enfrentou o ataque do partido que estava no poder, mas manteve a condução da política monetária que achava a mais adequada, exigindo ter a independência que pedira ao então presidente quando fora convidado.

Como ministro da Fazenda de Temer, montou uma boa equipe e tem ajudado a melhorar a situação da economia, apesar de a crise fiscal continuar sendo gravíssima. No momento em que ele se coloca como candidato, tudo fica mais difícil, contudo. Nos próximos meses, Meirelles precisa aprovar as medidas para manter o Orçamento dentro dos limites que o governo estabeleceu e reagir às muitas pressões dos políticos por liberações e facilidades na entrada do ano eleitoral. O ministro, em notas nas últimas horas, tem tentado qualificar melhor o que disse. Mas todos os que acompanham a sua vida sabem que ele há anos sonha com a Presidência e pode estar convencido de que o momento é este.

 


Helena Chagas: Nem um tiquinho de parlamentarismo - só um presidente fraco

Como se não tivesse mais nenhuma encrenca a cuidar, o presidente Michel Temer passou a defender abertamente a implantação do sistema parlamentarista no país, se possível já em 2018, sob o argumento de que, com ele, já vivemos numa espécie de "semiparlamentarismo" - ou semipresidencialismo, dependendo do gosto do freguês. Michel gosta de mostrar, dia sim, outro também, como é próximo do Congresso - que, afinal, cassou o mandato de Dilma Rousseff e o colocou lá - e como transita bem nesse mundo maravilhoso de deputados e senadores.

Pouco mais de uma semana depois de enterrar no plenário da Câmara a primeira denúncia do ainda PGR Rodrigo Janot contra ele, poder-se-ia até imaginar que sim. Só que, entre as chantagens do centrão para ficar com os cargos dos tucanos, a gula de sempre do PMDB e a rebeldia do dividido PSDB, a chapa está esquentando para Michel Temer no Congresso.

A última terça-feira mostrou quem está no comando. O presidente informou pela manhã que o governo estudava aumentar as alíquotas do IR da pessoa física para os salários mais altos, hipótese admitida na véspera pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Na hora do almoço, os líderes da base aliada começaram a reclamar, com o reforço do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que anunciou que a Casa não votaria aumento do IR. No fim da tarde, veio a nota de recuo do Planalto: o estudo não seria enviado ao Congresso. Na quarta de manhã, Temer já se desmentia com impressionante veemência.

Essa parece ser a dinâmica do governo Temer pós-salvação. A reforma da Previdência vai ficando mais distante, a medida provisória da reoneração da folha das empresas vai caducar por falta de apoio e a do Refis, se for votada, continuará desfigurada, rendendo arrecadação muito inferior ao previsto. Tudo indica também que a reforma política, que começou a tramitar de verdade esta semana, será feita à imagem e semelhança de seus autores, ou seja, atendendo aos interesses de deputados e senadores que querem se eleger ano que vem.

Nesse ambiente, o que se constata é que Michel Temer, um presidente impopular mas que ainda tem a caneta na mão, está mais para refém do que para comandante na relação com o Congresso. E que o uso da expressão "semiparlamentarismo" é uma frivolidade, um eufemismo para designar um presidente fraco nas mãos de um Congresso que, por pouco, não é mais fraco ainda. Institucionalmente, é o que temos, no limite da irresponsabilidade que seria falar em mudança de sistema de governo a esta altura.

De parlamentarismo, essa situação não tem nada. Nem semi, nem meio, nem um tiquinho. A começar pela inexistência de partidos com um mínimo de vocação programática, ou ao menos uma ideia de país na cabeça, diferentemente dos ajuntamentos fisiológicos que formam hoje essas siglas. Continuando com o abismo que separa hoje representantes de representados, cavado por um sistema político e eleitoral que não prevê qualquer fiscalização ou acompanhamento do eleito pelo eleitor. Desconexão total. Por fim, a falta de votos. Nem Michel e nem o programa que, aparentemente, está executando no governo receberam um só voto nas urnas.

Instituição é coisa séria, e como tal deve ser tratada. Não dá para brincar de parlamentarismo, semiparlamentarismo e outros bichos.
* Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação.