Hélio Schwartsman

Hélio Schwartsman: De volta ao século 13

Novo presidente da Capes defende criacionismo em contraponto à teoria da evolução

Depois de uma breve escala na Alemanha nazista, o governo Bolsonaro agora nos leva para o século 13. Como o leitor já deve ter adivinhado, falo da nomeação de Benedito Guimarães Aguiar Neto para a presidência da Capes, o órgão responsável pela pós-graduação no país.

Aguiar Neto é evangélico. Até aí, nenhum problema. Existem excelentes cientistas religiosos. Um bom exemplo é o do geneticista Francis Collins, cristão devoto que dirigiu o Projeto Genoma Humano e agora comanda o NIH, a agência dos EUA responsável pela pesquisa biomédica. Collins, apesar de já ter escrito um livro religioso, não permite que suas convicções pessoais interfiram em seu trabalho científico.

Aguiar Neto, que é engenheiro eletricista, não segue o exemplo de Collins. Ele defende que o design inteligente (DI) seja ensinado nas escolas “como contraponto à teoria da evolução”.

Os proponentes do DI, vale recordar, tentam refutar o darwinismo afirmando que a vida é complexa demais para ter surgido por acaso. Como “prova”, apresentam modelos matemáticos alimentados com parâmetros escolhidos por eles mesmos e dizem que certas estruturas como o olho ou o flagelo bacteriano são “irredutivelmente complexas”, isto é, teriam uma organização tão intricada que só poderiam ser obra de um projetista inteligente. O DI fracassa na maioria dos critérios de demarcação do método científico. Não é difícil ver aqui a volta dos velhos criacionistas, mas brandindo a calculadora em vez da Bíblia.

Ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Aguiar Neto criou ali um núcleo de DI. Faz tanto sentido quanto fundar um departamento de alquimia ou a cátedra de astrologia, mas o Mackenzie é uma instituição privada e confessional. Se quer passar ridículo perante a comunidade científica, é problema seu. Já a perspectiva de o poder público impingir à garotada criacionismo travestido de ciência esbarra em graves questões éticas e constitucionais.


Hélio Schwartsman: A arma fatal

Livro mostra como ideias de economistas foram implantadas e produziram consequências

Começo com uma piada. Dois dignitários assistem a uma parada militar, na qual desfilam soldados, tanques e mísseis. No final, aparece um caminhão com alguns civis maltrapilhos sobre ele. "Quem são?", pergunta a primeira autoridade. "Economistas", responde a segunda. E completa: "Você não acreditaria no estrago que eles podem causar".

Os mais novos talvez não acreditem, mas, até o início dos anos 50, havia poucos economistas trabalhando para governos e eles quase nunca eram ouvidos pelos dirigentes. Estavam lá para fazer contas. É principalmente a partir de 1969 que passam a desempenhar papel central na definição de gastos públicos, impostos e desregulamentação, levando à globalização, que coleciona alguns sucessos e um bom número de fracassos.

"The Economists' Hour" (a hora dos economistas), de Binyamin Applebaum, conta essa história (e também a piada). O livro mostra como as ideias de gente como John Maynard Keynes, Milton Friedman, Alan Greenspan, Martin Anderson, Paul Volcker, George Shultz e Robert Mundell, entre outros, chegaram aos ouvidos do poder, foram implantadas e produziram consequências.

Applebaum não trata só de macroeconomia. Embora descreva com detalhes a quebra do padrão ouro e outros momentos decisivos que forjaram o ambiente econômico em que vivemos, ele mostra também como economistas foram decisivos para acabar com o serviço militar obrigatório nos EUA e para desregulamentar o setor aéreo, tornando o avião um meio de transporte acessível não apenas para os ricos.

Na análise de Applebaum, mesmo antípodas ideológicos como Keynes e Friedman têm mais semelhanças do que diferenças. Suas intervenções decerto contribuíram para aumentar o nível de prosperidade global, mas a fé na virtude de mercados pouco regulados provavelmente foi longe demais e vai deixando um rastro de desigualdade econômica que ameaça a saúde da democracia liberal.


Hélio Schwartsman: Delícias do pecado

Guedes articula uma ideia inteligente, mas Bolsonaro está preocupado com o preço da sua cerveja

Bastou Paulo Guedes articular uma rara ideia inteligente sobre a reforma tributária —a adoção do "imposto do pecado", isto é, de alíquotas maiores para produtos com impacto social negativo, como cigarros e bebidas alcoólicas ou açucaradas-- para o presidente Jair Bolsonaro desautorizá-lo: "Ô Paulo Guedes, eu te sigo 99%, mas aumento no preço da cerveja, não".

Ao preocupar-se mais com a conta do bar do que com as contas públicas, o presidente desdenha da mais formidável ferramenta governamental para promover a virtude, que são os tributos. E digo "formidável" com convicção, já que a carga de impostos que incide sobre cada produto permite promover pequenas revoluções comportamentais de forma relativamente rápida e sem recorrer a medidas autoritárias como a proibição.

Para dar um exemplo, a elevação dos tributos sobre o cigarro teve um papel importante na redução da prevalência de fumantes no Brasil, que passaram de 35% dos adultos em 1989 para menos de 15% em 2013 ""e ninguém precisou ir para a cadeia. Mais, com o aumento dos impostos pagos por fumantes, que passaram a arcar com uma fatia maior dos custos que o tabagismo gera, a repartição da fatura ficou menos injusta.

Essas são ideias sobre tributação que defendo há bastante tempo. A leitura do excelente "Capitalism, Alone", de Branko Milanovic, me fez ver que o impacto pode ser ainda maior, afetando a própria arquitetura da sociedade.

Milanovic mostra que a uniformidade de comportamentos é a base moral da seguridade social. Em sociedades mais complexas, onde diferentes grupos têm diferentes hábitos, que resultam em maior ou menor uso dos serviços públicos, a percepção de que a conta não é distribuída de forma equânime frustra a adoção de regimes de "welfare state" mais generosos. "Impostos do pecado" podem ajudar a corrigir isso.

Bolsonaro, porém, está mais preocupado com o preço da sua cerveja.


Hélio Schwartsman: Denúncia suspeita

É importante mostrar que mesmo no Direito ainda existe o certo e o errado

A denúncia oferecida pelo procurador Wellington Oliveira contra o jornalista Glenn Greenwald no caso do hackeamento de autoridades é escandalosamente frágil. Ela é fraca não apenas no plano jurídico mas principalmente no lógico (não dá para participar de um crime depois que ele já foi consumado). A crer nas avaliações de especialistas, é pouco provável que a iniciativa prospere.

Dado o papel central de Greenwald na divulgação das mensagens que abalaram o prestígio da Lava Jato, acho difícil escapar da suspeita de que o corporativismo motivou a denúncia. Se fosse de fato esse o caso, estaríamos diante de um lastimável desvio de função, em que um procurador se vale do poder do qual foi investido para fazer avançar duvidosos interesses de classe em vez dos da sociedade. Pior, fá-lo buscando enfraquecer uma instituição, a liberdade de imprensa, que é importante para a democracia.

O mundo, porém, é um lugar complexo, que esconde efeitos paradoxais. O filósofo John Stuart Mill defendia a tese de que as más ideias precisam circular livremente para que sejam confrontadas com as boas e estas possam triunfar no debate público. Algo semelhante vale para o Direito.

Ações destrambelhadas de juízes e procuradores, embora essencialmente condenáveis, podem, se forem revertidas de forma rápida e veemente, produzir o efeito contrário ao pretendido pela autoridade usurpante. Foi o que vimos quando o STF cassou diligentemente a decisão do desembargador que proibira a exibição do especial do Porta dos Fundos. A ideia vencedora aí foi a de que a censura não é tolerável. De modo análogo, uma contundente rejeição da denúncia contra Greenwald significará que a Justiça brasileira está comprometida com a imprensa livre.

Num momento em que até a cúpula do Judiciário se vê avariada pela polarização, seria importante mostrar que mesmo no Direito ainda existe o certo e o errado.


Hélio Schwartsman: Bolsonaro e os judeus

Que meus correligionários atentem para o autoritarismo encabeçado por Bolsonaro

Num mundo em que versões prevalecem sobre fatos, criou-se a ideia de que a comunidade judaica brasileira em bloco apoia Jair Bolsonaro. A tese não procede. Como qualquer grupo razoavelmente heterogêneo, os judeus se dividiram em relação à candidatura do capitão reformado. Não existem pesquisas que permitam estimar números, mas é certo que a cisão foi acrimoniosa. Para dar uma medida do grau de polarização, basta lembrar que a direção da Confederação Israelita do Brasil praticamente entrou em guerra com o embaixador de Israel, que se tornou recentemente "amigo de infância" de Bolsonaro.

A ideia de que judeus estão com o presidente não surgiu, porém, do nada. Em sua origem está o apoio de primeira hora de alguns empresários judeus como Meyer Nigri (Tecnisa) e Elie Horn (Cyrella). O fato de Bolsonaro ter escolhido o hospital da comunidade, o Albert Einstein, para se tratar da facada que levou ajudou a criar a imagem de afinidade, que foi consolidada pela aproximação do já presidente com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, e pela indicação de nomes com ascendência judaica para compor o primeiro escalão do governo.

É fato que, numa democracia, qualquer cidadão é livre para associar-se ao grupo político que preferir, sem precisar justificar-se. Isso dito, e na condição de membro relapso da comunidade judaica (não fiz bar-mitzvá e não acredito em Deus), confesso-me intrigado ao ver judeus apoiarem um político extremista, em especial um que minimiza a importância dos direitos humanos e de minorias e faz pouco das garantias do Estado de Direito. Até por razões epigenéticas, judeus deveriam manter-se tão longe quanto possível desse gênero de dirigente, situe-se ele à direita ou à esquerda.

Espero que a patacoada criptonazista encenada por Roberto Alvim sirva para lembrar meus correligionários da natureza autoritária do movimento político encabeçado por Jair Bolsonaro.


Hélio Schwartsman: Decência democrática

"How to Save a Constitutional Democracy" (como salvar uma democracia constitucional), de Tom Ginsburg e Aziz Huq, que já citei aqui en passant, é mais um livro sobre a onda populista com traços autoritários que vem fazendo aparições no Ocidente. Ele tem, porém, uma diferença que o torna digno de nota. Seus autores são juristas e não cientistas políticos, de modo que se concentram nas regras constitucionais e leis que podem tanto acelerar quanto conter a erosão democrática.

"How to Save..." mergulha nas experiências autoritárias que estão mais avançadas (Venezuela, Hungria, Turquia, entre outras) e mostra os vetores normalmente atuantes no processo de fragilização da democracia. Tenta também extrair lições que sejam úteis para os países que ainda estão no meio do caminho.

Americanos, fieis ao mito do excepcionalíssimo, costumam acreditar que sua vetusta Constituição os protege de regressões, mas os autores discordam. Para eles, a dificuldade de promover reformas constitucionais nos EUA dá um poder desproporcional à Suprema Corte, que não hesita em abraçar velhas doutrinas que dão a última palavra ao Executivo.

Para Ginsburg e Huq, constituições não podem ser nem tão rígidas que não admitam mudanças, nem tão maleáveis que permitam a maiorias de ocasião fazerem o que bem entenderem. Uma das sugestões que dão é a de que emendas constitucionais que tratem de cláusulas pétreas dependam da aprovação de duas legislaturas diferentes.

A dupla oferece vários outros conselhos úteis, mas os autores são os primeiros a admitir que não existe mágica. Desenho constitucional e estratégia política são importantes, mas a democracia exige também uma certa moralidade política, na ausência da qual nenhum remédio jurídico é suficiente. Instituições só funcionam direito se houver um pouco de decência por parte dos atores políticos.

Dou duas semanas de férias ao leitor.


Hélio Schwartsman: Proibindo a proibição

A pauta de 2020 do STF é fraca em costumes, mas a questão da doação de sangue dará o que falar

O presidente do STF, Dias Toffoli, não parece muito disposto a entrar nas guerras culturais neste ano. A pauta dos próximos julgamentos que foi divulgada há pouco é forte em questões penais e tributárias e fraca em costumes. A notável exceção é a retomada do juízo sobre a constitucionalidade da proibição de doação de sangue por gays.

Sou simpático ao desejo de homossexuais de não se sentirem discriminados, mas não dá para esquecer que, do outro lado, está o direito de pacientes de ter acesso a sangue com o melhor mix possível de segurança e custo.

Todo sangue doado é testado, para o HIV e outras doenças. O problema está nos falsos negativos e na janela imunológica, que podem fazer com que sangue contaminado não seja detectado. Como as taxas de infecção por HIV são maiores em homossexuais masculinos do que na população geral —19 vezes maior—, o Brasil, a exemplo de vários outros países, prefere excluir do pool de doadores homens que fizeram sexo com homens no último ano.

Se isso fosse tudo, eu penderia para o lado dos técnicos. Bancos de sangue não são o melhor lugar para travar batalhas de direitos civis, se é que a doação pode ser considerada um direito. Acredito, porém, que é possível buscar soluções alternativas.

Uma possibilidade é trocar o critério de exclusão de ter feito sexo com outros homens nos últimos 12 meses por ter feito sexo anal no mesmo período. Com isso, a pergunta se tornaria mais republicana, pois deixaria de dizer respeito só a gays, abarcando toda a população. A segurança estaria em certa medida preservada, já que a mecânica do sexo anal (microlesões que facilitam o contato entre esperma e sangue) é o principal fator a explicar a alta prevalência de HIV entre homossexuais.

Como a tendência do STF é proibir a proibição, é bom já ir testando a segurança dessa e outras variações no questionário, para ninguém ser apanhado de calças curtas.


Hélio Schwartsman: Democracia, ser ou não ser?

Não há garantias em um regime, por isso nos resta manter marcação cerrada para autoritarismos

Nicolás Maduro é um ditador? Houve golpe na Bolívia? Gostamos de travar esse tipo de discussão em termos binários e essencialistas, mas a verdade é que a democracia é muito mais uma questão de grau do que de ser ou não ser. Não é uma coincidência que tenham se multiplicado nos últimos anos iniciativas, como Freedom House, Polity e V-DEM, para qualificar e mensurar o estado da democracia em cada país.

Nesse contexto, apenas ter uma figura como Jair Bolsonaro na Presidência já representa uma nódoa. Um país cujo chefe de Estado faz pessoalmente bullying contra jornalistas e opera para esvaziar órgãos de controle perde pontos nos quesitos liberdade de expressão e freios e contrapesos. Mas daí não decorre que a erosão democrática esteja ocorrendo em todas as dimensões e muito menos que o Brasil esteja fadado a tornar-se uma tirania.

Vale lembrar, a título de comparação, que os dirigentes que presidiram aos casos mais salientes de esfacelamento democrático, como Viktor Órban e Hugo Chávez, tiveram força para aprovar novas constituições, desenhadas especificamente para favorecê-los. Bolsonaro, neste primeiro ano de mandato, não chegou nem perto de algo assim. Pelo contrário, teve um número surpreendentemente grande de iniciativas barradas tanto no Legislativo como no Judiciário. Nunca antes um presidente viu tantas medidas provisórias caducarem nem tantos vetos serem derrubados.

Isso não é garantia de que a nossa democracia esteja segura. Quanto mais tempo Bolsonaro permanecer no poder e quanto mais apoio popular ele tiver, maior será o desgaste que ele terá condições de impor. Mas o Brasil já ultrapassou o patamar de renda e de anos de vivência democrática em que reversões completas são comuns. O que nos resta é manter a marcação cerrada para evitar que os autoritarismos do presidente se solidifiquem na legislação. Até aqui nós estamos conseguindo.


Hélio Schwartsman: Uma defesa da censura

A sociedade, para funcionar bem, precisa que as pessoas exerçam algum grau de autocensura

Abaixo a censura, certo? Não tão rápido. Há um tipo de censura que, se exercida com discernimento, tende a ser pró-social. Falo da autocensura. É com satisfação, portanto, que leio a pesquisa Datafolha que informa que 51% dos brasileiros desistiram de fazer algum comentário ou compartilhar algum conteúdo para evitar brigas.

A internet teve efeito disruptivo não apenas sobre negócios mas também sobre relacionamentos sociais. Hoje, com mais de 3,5 bilhões de usuários da rede, é muito fácil encontrar quem pense igual a você, pouco importando quão idiossincráticas, exóticas ou mesmo malucas sejam as suas ideias.

O lado positivo disso é que ninguém mais precisa ser solitário. Por mais raro que seja o seu fetiche, sexual ou intelectual, são grandes as chances de que você tope com alguém que o complemente. Pode ser o início de um lindo romance ou de uma bela colaboração intelectual. A sociedade pode sair ganhando, se daí surgir alguma inovação relevante.

Há, é claro, o lado negativo. A internet, ao proporcionar a todos ambientes onde serão aplaudidos qualquer que seja a tese que defendam, reduz substancialmente o medo de ser ridicularizado, que sempre foi um dos principais instrumentos pelos quais a sociedade reprime as más ideias antes de elas se popularizarem. Existe aí um elemento tirânico, mas, verdade seja dita, a maioria das ideias ridículas é só ridícula e não genial.

Um bom exemplo é o terraplanismo. Até alguns anos atrás, as pessoas que contestam a esfericidade da Terra guardavam essa ideia para si, por medo de virar alvo de chacota. Depois que os computadores permitiram que elas se encontrassem virtualmente, a zombaria perdeu efetividade como filtro epistêmico —e o terraplanismo encontrou condições para prosperar.

Para funcionar bem, a sociedade precisa que as pessoas exerçam algum grau de autocensura, também conhecida como vergonha na cara.


Hélio Schwartsman: Populismo universitário

Atual processo de escolha de reitores em universidades federais favorece o corporativismo

O modo beligerante, autoritário e açodado pelo qual atua o governo Bolsonaro faz com que ele perca a razão até quando seu caso tem “fumus boni iuris” (fumaça de bom direito). Foi o que aconteceu com a medida provisória que altera o processo de escolha de reitores em universidades federais.

A atual sistemática não é boa. Embora existam regulamentos que em tese disciplinam a matéria, grande parte das instituições os ignora e promove uma eleição informal, na qual os votos de professores, alunos e servidores têm o mesmo peso. O resultado dessa consulta costuma ser chancelado automaticamente pelos conselhos universitários, convertendo-se na lista tríplice de nomes que é encaminhada ao Executivo para escolha pelo presidente. Em governos anteriores, a praxe era nomear sem questionamentos o mais votado.

O problema desse desenho é que ele favorece o corporativismo e o populismo. Num exemplo extremo, um candidato que acena com generosas vantagens na carreira e promete facilitar a vida dos estudantes tem maior chance de ir para o alto da lista do que um que fale em dispensar professores com baixa produção acadêmica e em cobrar melhor desempenho do corpo discente. É bastante provável, porém, que a plataforma do segundo candidato esteja mais de acordo com o interesse público, que, nesse processo, fica de escanteio.

Faz sentido tentar dar maior peso, senão ao benefício social, que é difícil de aferir, ao menos aos interesses de longo prazo da universidade. A MP visa a esse objetivo, ao tentar fazer com que o voto dos professores, que têm um vínculo mais profundo e duradouro com a instituição do que alunos e funcionários, tenha de fato maior peso na eleição —70% contra 15% e 15%. Mas, ao agir por Diktat em vez de negociar com os atores relevantes e com o Congresso, o governo dá um tiro n’água. Não será uma surpresa se também essa MP caducar.


Hélio Schwartsman: Mais impeachments

No Brasil, já nos livramos de dois presidentes por essa via

Processos de impeachment presidencial costumam envolver fortes emoções, como testemunhamos nos casos de Fernando Collor e Dilma Rousseff. Nos EUA, porém, a coisa é um pouco mais anticlimática, pois já sabemos de antemão que Trump, apesar de ter perdido na Câmara, deverá vencer no Senado.

Pela regra americana, é necessária uma maioria de 50% na Câmara para formalizar as denúncias contra o presidente, mas são precisos 2/3 dos senadores para condená-lo e afastá-lo do cargo. Como os EUA têm um sistema bipartidário razoavelmente equilibrado, maiorias de 2/3 são raríssimas. Não é uma coincidência que nunca tenham concluído uma deposição presidencial por impeachment.

No Brasil, onde já nos livramos de dois presidentes por essa via, a coisa flui muito melhor, pois nosso Parlamento conta com quase três dezenas de partidos com baixa coerência ideológica e nenhuma fidelidade política. É interessante constatar que o mundo é complexo o bastante para engendrar situações em que até graves defeitos se tornam virtudes.

Tom Ginzburg e Aziz Huq, autores de “How to Save Constitutional Democracy” (como salvar a democracia constitucional), defendem que o impeachment, especialmente nos dias de hoje, tenha seu escopo ampliado para abarcar não só as definições mais usuais de crime de responsabilidade (“high crimes and misdemeanors”) mas também tentativas do mandatário de minar por dentro instituições democráticas.

A ideia é que o impeachment sirva para corrigir um dos principais problemas dos regimes presidencialistas, que é a rigidez excessiva. Não se deve, porém, cair no extremo oposto e convertê-lo num análogo do voto de desconfiança no parlamentarismo. O segredo da democracia está no equilíbrio entre rigidez e flexibilidade, entre mudança e preservação de consensos. É justamente esse equilíbrio que populistas buscam romper, propondo soluções tão mirabolante quanto falsas.


Hélio Schwartsman: O pulo no fosso

Quando a maioria dos eleitores decide marchar para o precipício, o país cai no abismo

Um dos problemas da democracia é que, quando a maioria dos eleitores decide marchar para o precipício, o país cai no abismo. É o que acontece no Reino Unido com a maiúscula vitória do premiê Boris Johnson.

A principal consequência da votação é que Johnson conseguiu carta branca para efetivar o divórcio entre os britânicos e a União Europeia, que agora deve ocorrer antes do final de janeiro. E é o brexit que pode ser objetivamente descrito como um pulo no fosso.

Embora muitos britânicos achem que a separação representará a retomada dos tempos gloriosos, nos quais o povo decidia seu próprio futuro sem a interferência de estrangeiros e em que os bons empregos não eram roubados por estrangeiros, ela significa, em termos mais concretos, a renúncia ao acesso privilegiado a um mercado de mais de 500 milhões de pessoas e a inutilização da melhor ferramenta para lidar com o problema da estagnação demográfica, que é a imigração.

Se é tão claro assim que o brexit é objetivamente ruim, por que tantos eleitores o apoiaram? Aí é que está o pulo do gato. A ideia de um Reino Unido glorioso e independente circula como meme e está ao alcance fácil de qualquer um que se disponha a apanhá-la. A constatação dos prejuízos, porém, exige a montagem de cenários contrafactuais mais difíceis de visualizar, que não raro envolvem muita estatística: como ficaria a economia se o Reino Unido continuasse na UE?

Um estudo do próprio governo britânico que vazou em 2018 estimou que, com o brexit, até 2034, o PIB ficará entre dois e oito pontos percentuais menor do que seria em caso de permanência. Com a saída nos termos pretendidos por Johnson, o prejuízo seria de 6,7 pontos percentuais.

O diabo é que as lideranças populistas estão cada vez mais hábeis em fazer com que os eleitores se enamorem dos memes fáceis e ignorem os cenários só um tiquinho mais complexos.