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El País: Luciano Hang, o mais engajado empresário bolsonarista, casa marketing e militância

Dono da rede varejista Havan se aproximou de apresentadores, jogadores e dirigentes pró-Bolsonaro patrocinando seus times, eventos e programas televisivos

Por Breiller Pires, do El País

Os craques Ronaldinho Gaúcho e Falcão, o Club Atlético Paranaense e os apresentadores de televisão Ratinho, Celso Portiolli e Danilo Gentili possuem outro traço em comum além de terem apoiado publicamente Jair Bolsonaro. Todos eles recebem patrocínios ou já posaram como garotos-propaganda da Havan, rede de lojas do catarinense Luciano Hang, empresário que mais militou a favor do ex-capitão do Exército durante a campanha presidencial. Com faturamento estimado em 5 bilhões de reais por ano, a empresa se tornou uma impulsora do bolsonarismo pelo país atrelando sua imagem a celebridades de orientação ideológica semelhante à de seu líder.

Pouco conhecido e de perfil discreto até então, Luciano Hang começou a apostar em ações de publicidade no fim de 2016. A campanha “De quem é a Havan?” estrelada por ele era a forma que encontrou para combater os boatos de que as lojas distinguidas pela arquitetura inspirada na Casa Branca e réplicas da Estátua da Liberdade em sua fachada pertenciam aos filhos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. “A associação com políticos começou a afetar a imagem do meu negócio”, diz Hang, que, sem esconder seu antipetismo, sempre foi admirador dos Estados Unidos e do capitalismo. “Acredite nos empresários. Deixa a gente trabalhar”, costuma pregar ao defender o enxugamento do Estado em suas aparições públicas.

A partir da campanha, dois anos atrás, o dono virou a cara da empresa e turbinou as investidas de marketing. Para isso, contou com parceiros de longa data. Desde 2013, quando iniciou a expansão de lojas para além da região Sul, passou a ser anunciante assíduo do programa SuperPop, da RedeTV!, apresentado por Luciana Gimenez. Naquela época, a atração já servia de escada para a popularidade de Jair Bolsonaro, ainda como deputado federal, habitué dos debates sobre família, homossexualidade e machismo instados pela apresentadora. Mas o grande salto da Havan no mercado de publicidade em televisão toma impulso pelas mãos de dois líderes de programas de auditório com raízes no Paraná, estado que abriga mais lojas da marca depois de Santa Catarina.

Carlos Roberto Massa, o Ratinho, puxou a fila dos embaixadores notáveis da Havan. Começou anunciando produtos em seu programa, que foi palco da maior exposição midiática experimentada por Luciano Hang até então. Uma entrevista de 12 minutos, ao vivo e em rede nacional, onde ele aparecia desmentindo boatos sobre a empresa e detalhando seu projeto de crescimento. Ratinho logo conseguiu patrocínio fixo da rede varejista para um quadro da atração que comanda há mais de 20 anos no SBT. Entre viagens para inauguração de novas lojas pelo Brasil, apresentador e empresário descobriram afinidades políticas, que, pouco antes de se conhecerem, seriam improváveis.

Ratinho era amigo de Lula. Tamanha proximidade acabou lhe rendendo contratempos. Em 2005, teve seu nome envolvido no escândalo do mensalão, suspeito de receber 2 milhões de reais retirados de contas do empresário Marcos Valério como pagamento por uma entrevista realizada com o então presidente no ano anterior. Ele negou a acusação e, por falta de provas, não chegou a ser indiciado no processo. Em 2012, Lula, já retirado da Presidência, voltou a ser entrevistado em seu programa. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo multou o apresentador e o PT por propaganda eleitoral antecipada, já que Lula levara a tiracolo na atração seu candidato à Prefeitura, Fernando Haddad, em notório esforço para torná-lo mais conhecido. Dizendo-se responsável pelo convite, Ratinho se dispôs a pagar integralmente a multa de 15.000 reais.

A relação entre Lula e Ratinho começaria a azedar no mesmo ano. O apresentador havia negociado nos bastidores para que o ex-presidente se mantivesse neutro na eleição a prefeito de Curitiba, que tinha seu filho, Ratinho Junior, como um dos candidatos. Lula cumpriu o acordo com o amigo, mas o PT decidiu apoiar Gustavo Fruet (PDT), que venceu o pleito no segundo turno. Depois disso, Ratinho, que nunca foi simpático ao partido apesar da amizade com seu principal fundador, se converteu em antipetista de carteirinha, afastando-se de Lula. Seu filho seguiu na política. Em outubro, foi eleito governador do Paraná no primeiro turno pelo PSD – Luciano Hang doou 100.000 reais para sua campanha. Pai e filho apoiaram Bolsonaro no Estado.

Outro ávido parceiro do dono da Havan no SBT é o maringaense Celso Portiolli, apresentador do Domingo Legal. Em 2014, ele já era contratado da empresa para aparição promocional em lojas, mas os laços com Hang se estreitaram três anos depois. A Havan patrocina um quiz de 45 minutos em seu programa, que já está na terceira temporada. Portiolli se assume tão patriota a ponto de chorar com a execução do hino nacional. No dia da eleição, o quadro patrocinado na TV exibiu funcionários da Havan vestidos com a camisa verde-amarela idealizada pelo proprietário da empresa, em alusão implícita à campanha de Bolsonaro: “O Brasil que queremos só depende de nós”. Após a vitória do candidato do PSL, Portiolli defendeu os slogans que remetiam ao período da ditadura militar lançados pelo SBT, incluindo o “Brasil, ame-o ou deixe-o”, postando em redes sociais uma provocação a telespectadores que criticaram as peças: “Brasil, ou você ama ou a Venezuela é logo ali” – antes, Luciano Hang havia prometido pagar passagens de ida à Venezuela para militantes de esquerda em um de seus vídeos publicados na internet.

No início de dezembro, Ratinho e Portiolli, vestidos com a tradicional pilcha gaúcha, estiveram ao lado de Hang na inauguração da primeira loja da Havan no Rio Grande do Sul. Ambos aplaudiram o discurso inflamado do empresário, que reivindicava “mais liberdade para poder trabalhar sábado, domingo e feriados” e “menos interferências de sindicatos” para abrir mais empreendimentos.

Sbtistas e havanistas

“Somos bons soldados da Havan. O Celso é o sargento”, explica Ratinho sobre a dedicação dos comunicadores em promover a empresa catarinense. Portiolli vai além. “Sou sbtista, mas também havanista”. Ele não hesita, inclusive, em comparar Luciano Hang a Silvio Santos. “Só vi dois na vida. São homens de uma energia incrível, humildes e simples”, diz. Foi ele quem mediou um encontro entre os magnatas. Em maio, Hang esteve nos estúdios do SBT, onde ele investiu cerca de 50 milhões de reais em publicidade em 2018, e foi apresentado a Silvio Santos, que o convidou juntamente com os três filhos para fazer uma ponta em seu programa. Durante a participação, que durou quase seis minutos, o apresentador se mostrou impressionado com o tamanho das lojas do empresário, mas o rebateu após ele dizer “acreditar no Brasil” para justificar investimentos. “Isso é um pouco demagogo”, provocou Silvio Santos.

Em um mercado cada vez mais escasso de anunciantes, a bajulação a Hang tem ganhado novos espaços na emissora. Em dezembro, ele foi o convidado especial do quadro “Pra quem você tira o chapéu”, no Programa Raul Gil. Enquanto o empresário aproveitava o palco para atacar Lula, universidades federais, jornalistas e governos de esquerda na América Latina, o apresentador o exaltava como “um grande apoiador da propaganda na TV”. Três dias depois foi ao ar uma entrevista de Hang a Danilo Gentili, humorista que, assim como Bolsonaro, já foi processado pela deputada Maria do Rosário (PT) por ofensas machistas e apresenta o programa The Noite. Menos de uma semana após participar do “Pra quem você tira o chapéu”, com o colega Raul Gil, em que também criticou a imprensa, “professores esquerdistas” nas universidades e governos socialistas, Gentili fechou contrato para 20 inserções comerciais da Havan durante o ano. Na primeira, em ação com ovos de Páscoa, o apresentador convocou seus fãs a comprar na loja. “A Havan merece todo o nosso dinheiro”, afirmou durante o merchan.

O poder econômico e a disposição em abrir os cofres para publicidade fazem com que Hang seja cortejado por nomes de outras emissoras. Em agosto, o empresário e apresentador Roberto Justus visitou a sede da Havan em busca de patrocínio para seu reality show O Aprendiz, que a partir do ano que vem será exibido pela Band. Saiu com a promessa de uma cota bancada pela rede de lojas. Nas vésperas do segundo turno, Justus anunciou apoio a Bolsonaro alegando que “o PT já demonstrou sua incapacidade de dar uma vida melhor aos brasileiros”. Assim como Hang, o apresentador é signatário do manifesto liderado por Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, em que um grupo de empresários defende o livre mercado e se compromete a tomar as rédeas da política.

Para Luciano Hang, o SBT tem programas “voltados para a família brasileira”. Ele diz que a identificação entre anunciante e investidor é fundamental na hora de fechar acordos comerciais. “Buscamos agregar pessoas com as quais nos identificamos e são capazes de interagir com a população.” De acordo com o departamento de marketing da Havan, a estratégia publicitária da empresa não leva em conta critérios ideológicos nem condiciona patrocínios a posicionamentos políticos de personalidades e veículos de comunicação. Embora Hang seja crítico da Globo, a ponto de desqualificar contratados da emissora como a apresentadora Fernanda Lima, sua empresa já anunciou no programa Encontro com Fátima Bernardes, e também em intervalos comerciais no horário nobre. Em setembro, telespectadores da Globo foram surpreendidos com uma campanha da Havan protagonizada por artistas do SBT, a exemplo de Ratinho, Celso Portiolli, Danilo Gentili e Eliana. Também já posaram como garotos-propaganda da empresa o youtuber Whindersson Nunes e a apresentadora Sabrina Sato, da Record. Ela é casada com o ator Duda Nagle, que engrossou manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff na avenida Paulista. Em dezembro, Luciano Hang gravou entrevista com a mãe de Duda, a jornalista Leda Nagle.

Há um ritual predeterminado para cada celebridade contratada pela Havan. Os famosos são recepcionados pelo helicóptero da empresa no aeroporto internacional de Navegantes, de onde se deslocam até a sede em Brusque. Ao chegar, fazem um tour pela megaloja, tocam um sino reservado a visitantes ilustres e posam para fotos com funcionários. Dos encontros com Luciano Hang, geralmente saem com contratos de publicidade encaminhados, que costumam envolver a realização de entrevistas com o proprietário. Quando entrevistado por Luciana Gimenez, Ratinho, Danilo Gentili, Raul Gil e Silvio Santos, o empresário foi poupado de responder ou se estender sobre temas espinhosos, como o suposto disparo de mensagens contra o PT no Whatsapp, impulsionamento ilegal de conteúdos favoráveis a Bolsonaro no Facebook ou a condenação na Justiça catarinense por evasão de divisas.

Esportistas bolsonaristas bem cotados com a Havan

Este ano, Falcão, um dos maiores jogadores de futsal de todos os tempos, se tornou garoto-propaganda da Havan. Ele gravou ações promocionais para a Copa do Mundo, Dia das Crianças e o 32º aniversário da empresa. Durante as eleições, causou polêmica ao criticar o movimento #EleNão e gritou “Bolsonaro presidente” em sua despedida da seleção brasileira, no mesmo dia do segundo turno. Em novembro, o agora ex-jogador visitou o presidente eleito no Rio de Janeiro. “Fiquei confiante de sentir olho no olho a única vontade dele, que é melhorar nosso país”, comentou sobre o encontro em seu perfil no Instagram.

Mas o apoio ao político de extrema direita que mais repercutiu no círculo do esporte foi o do pentacampeão Ronaldinho Gaúcho, que, em 2014, endossara a candidatura de Aécio Neves (PSDB). O ex-craque do Barcelona postou imagem com uma camisa da seleção e o número 17, revelando seu voto “por um Brasil melhor, desejo paz, segurança e alguém que nos devolva a alegria”. A manifestação pelas redes sociais aconteceu na véspera do primeiro turno, dois dias após seu irmão e representante, Assis Moreira, confirmar sua participação no Jogo das Estrelas, em Santa Catarina, patrocinado pela Havan.

José Pereira, organizador do evento realizado no último dia 13 de dezembro, conta que esteve em um hotel em São Paulo para fechar a presença de Ronaldinho, mas que a Havan só decidiu patrocinar o jogo após a confirmação do ex-jogador. A programação oficial do evento foi divulgada em 30 de outubro, dois dias depois da eleição de Jair Bolsonaro. “Um nome como Ronaldinho abre portas”, diz Pereira. Embora ele afirme que outras marcas ajudaram a pagar o cachê da estrela, que cobra 200.000 dólares (780.000 reais) por exibição em eventos festivos e amistosos, à exceção de jogos beneficentes, o aporte da Havan foi determinante para bancar as despesas com convidados e levar a partida a Brusque pela primeira vez. Tal qual os garotos-propaganda havanistas, Ronaldinho voou no helicóptero da empresa e fez o habitual tour pela sede, ao lado do ex-companheiro de seleção Zé Roberto. No segundo turno presidencial, ele não se manifestou nem votou. Estava em turnê pela Ásia.

Além do Brusque Futebol Clube, a Havan patrocina outros dois clubes de futebol, ambos da primeira divisão nacional. No fim de 2017, assinou contrato de aproximadamente 3 milhões de reais com o Atlético Paranaense para exibir sua marca nas mangas do uniforme por uma temporada. Antipetista convicto, o mandachuva do clube, Mário Celso Petraglia, foi apresentado por Luciano Hang ao clã de Bolsonaro. Ele pretende se aproximar do presidente eleito após utilizar o time para apoiar sua campanha. Um dia antes do primeiro turno da eleição, o Atlético entrou em campo contra o América-MG vestindo uma camisa semelhante à confeccionada por Hang com mensagem de apoio subliminar a Bolsonaro: “Vamos todos juntos por amor ao Brasil”. O clube acabou multado em 70.000 reais pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por fazer manifestação política.

Em outubro, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já havia denunciado Luciano Hang por coagir funcionários a votarem em Bolsonaro, sob ameaças de fechar lojas e promover demissões caso Haddad ganhasse a eleição. O empresário alega que nunca obrigou o voto de empregados da Havan, apenas disse “em quem achava que eles deveriam votar”. Apesar de a rede negar a seleção de funcionários e parceiros comerciais por afinidades ideológicas, seu dono já afirmou mais de uma vez que “petista não aguentaria trabalhar na Havan”.

O outro clube patrocinado pela Havan é a Chapecoense. Ao contrário do Atlético, o clube do Oeste catarinense não tomou posição institucional a favor de Bolsonaro. Porém, o principal apoiador da chapa bolsonarista em Chapecó tem as digitais impressas no clube, sobretudo depois da exposição que ganhou como porta-voz da equipe após a tragédia com o avião que levava a delegação para a Colômbia, em 2016. O prefeito Luciano Buligon comprou briga com o PSB para apoiar Bolsonaro na região. Por causa de sua escolha, foi expulso do partido. A Havan tem duas lojas em Chapecó. Atualmente, a empresa conta com 16.000 funcionários em 120 estabelecimentos espalhados pelo país. Após a vitória de Bolsonaro, Hang promete investir 500 milhões de reais, gerar 5.000 empregos e abrir 20 novas lojas somente em 2019, além de fazer valer ainda mais a máxima de que propaganda é a alma do negócio – e, por tabela, do ativismo político.


El País: Luciano Hang e o pelotão de empresários ‘anticomunistas’ pró-Bolsonaro

Cabo eleitoral do militar reformado, o dono da rede de lojas Havan conclama empresários a se unirem à causa. No início de agosto, um café da manhã reuniu 62 deles para ouvir as propostas do candidato

Por Fernanda Becker e Regiane Oliveira, do El País

Luciano Hang, proprietário da rede de lojas Havan, não é do tipo que foge de polêmica. Mesmo sendo frequentemente citado nas páginas dos jornais por controvérsias envolvendo seu nome, decidiu abrir uma página pessoal no Facebook, em novembro de 2017, e tem utilizado o espaço para divulgar vídeos que classifica de "motivacionais", a fim de compartilhar sua vivência no dia a dia da empresa. Com 1,3 milhão de seguidores, Hang é um dos cabos eleitorais do candidato à presidência Jair Bolsonaro, conforme mostrou uma reportagem do EL PAÍS publicada na semana passada.

O empresário tem usado seu canal no Facebook para divulgar seu voto e conclamar outras pessoas a se unirem ao seu movimento. Se a adesão ao discurso de Hang tem sido bem sucedida ainda não é possível saber. Mas ele não está sozinho nessa missão. Ainda que sem o ímpeto do proprietário da Havan, outros empresários já foram a público anunciar sua intenção de votar no ex-militar. São eles Meyer Nigri (Tecnisa), Bráulio Bacchi (Artefacto), Sebastião Bomfim Filho (Centauro) e Luiz Antonio Nabhan Garcia (União Democrática Ruralista). Todos participaram de encontros com o presidenciável, como um café da manhã, ocorrido em 10 de agosto, que reuniu 62 empresários.

À primeira vista modesto, o número de apoiadores de Bolsonaro entre a nata empresarial do país surpreende na primeira eleição presidencial marcada pela proibição do financiamento de campanhas por empresas. Outros candidatos não têm tido, até o momento, o mesmo engajamento público. Os apoiadores de Bolsonaro têm em comum a insatisfação com os partidos de esquerda, aos quais creditam uma vocação "comunista". “Apoio quem seja contra a esquerda, Bolsonaro, Alckmin ou qualquer outro", afirmou o fundador da Tecnisa à revista Piauí. Também lhes agrada que o candidato do PSL à presidência não tenha pedido ajuda para campanha. "Em quase 40 anos em financeiro de empresas, nunca vi um candidato não pedir dinheiro", disse Bacchi, da Artefacto, à Folha.

Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da UDR, realizou uma caravana no interior de São Paulo, reduto de Geraldo Alckmin, em prol do candidato. Em um evento em julho no Pará, o pecuarista aproveitou para pedir: "Quando o senhor se tornar presidente, vê o que fará com essa gente da Funai, do Ibama, do Ministério Público, que não respeita a propriedade privada”, ressaltou o jornal Estadão.

Para Hang, a falta de presença do empresariado na vida política do país no passado é o "que levou o país à situação atual". "Acho que a falta de entrosamento político da classe empresarial levou o país à situação em que nos encontramos hoje. Houve uma terceirização da política a pessoas de mau caráter, corruptas, comunistas, socialistas e vigaristas", lamenta.

O dono da Havan não acredita que seu envolvimento explícito com um candidato político seja prejudicial aos negócios. "Quanto mais eu falo a verdade, mais eu vendo", afirma. De acordo com o empresário, a Havan cresceu 45% em vendas só no primeiro semestre deste ano e deve fechar 2018 com um faturamento de 7 bilhões de reais. "Estou do lado certo", afirma, em defesa de sua estratégia. "Nunca vi alguém de esquerda se dar bem na vida, só vai bem quem pensa logicamente. Lamentavelmente, você não vê um esquerdista, um populista, um comunista que tenha ganhado dinheiro honestamente trabalhando ou montando sua empresa", garante.

O ativismo de Hang o levou a aproveitar de um ponto de difícil fiscalização da lei eleitoral para investir dinheiro para que postagens a favor de Bolsonaro chegassem a mais pessoas no Facebook. Pela lei eleitoral, a propaganda política paga na rede só pode ser feita pelos próprios candidatos, partidos e coligações, não pode ser terceirizada. "Se nós não nos posicionarmos, o Brasil vira uma Venezuela e nós teremos que largar este país (...) Fiz um vídeo abrindo meu voto, de forma nenhuma eu pedi voto para ninguém. Chega num ponto do vídeo em que falo: cada brasileiro, cada pessoa tem o direito de escolher um candidato, independentemente do meu." Depois de o EL PAÍS publicar reportagem revelando o pagamento, o TSE mandou retirar do Facebook dele o vídeo pró-Bolsonaro.

Ativismo nas redes
A cruzada de Hang para libertar o país daqueles a quem chama de socialistas, comunistas e esquerdistas não é recente. Ele já abriu várias frentes de disputa nas redes sociais. Em 16 de maio de 2018, antes da greve dos caminhoneiros, publicou um vídeo em frente a um posto de gasolina no qual criticava o aumento do preço dos combustíveis. No vídeo ele anunciava que os postos de combustíveis da Havan venderiam 20.000 litros de gasolina sem impostos, no valor de 2,69 reais o litro.

O vídeo recebeu 1,2 milhão de visualizações. Dias depois, em 22 de maio teve início a greve, sobre a qual Hang falou diversas vezes em postagens no seu canal, sempre reivindicando a redução de impostos para empresas e a privatização da Petrobras. Após a mobilização do caminhoneiros, a Procuradoria-Geral da República solicitou uma investigação contra grupos suspeitos de inflar a greve. Entre os investigados, estava Hang. O empresário havia sido identificado como uma das lideranças do movimento mesmo sem ser parte da categoria, segundo uma reportagem da CBN.

Daniel Ricken, da Procuradoria da República de Itajaí, informou que a representação contra Hang chegou ao Ministério Público, mas que não foi levada adiante. O MP entendeu que pelo fato das empresas de Hang não se enquadrarem como serviços de interesse público, as ações de Hang durante a greve não eram ilícitas. Questionado sobre a ação do empresário de comercialização de gasolina a 2,69 reais por litro, o Ministério Público declarou que desconhece a informação. Hang afirma que tudo fez parte de uma fake news e que estava na Europa na época da greve.

Em janeiro deste ano, Hang também já havia publicado em sua página um vídeo anunciando que no dia seguinte, às 13h, soltaria 13 minutos de fogos de artifício em comemoração à condenação do ex-presidente Lula. De fato, o empresário transmitiu ao vivo no Facebook a prometida queima de fogos ao som do hino nacional. O vídeo rendeu 960.642 visualizações, mais de 50.0000 reações (em sua ampla maioria positivas) e 10.000 compartilhamentos, mas provocou uma série de protestos em frente a lojas da Havan em diversos municípios de Santa Catarina. Faixas acusavam o empresário de sonegar impostos. Ele respondeu com um vídeo que rendeu ao seu canal oficial o maior engajamento já registrado em uma postagem da página. Publicado em 27 de janeiro, o vídeo de Hang exibia o empresário em frente a uma de suas lojas negando as denúncias dos manifestantes enquanto exibia uma cópia de seu certificado de antecedentes criminais. O vídeo obteve 2.903.900 visualizações e 64.000 compartilhamentos.

Hang minimiza os protestos: "Meia dúzia de gatos pingados, não são clientes da Havan. Só boi de piranha pagos para fazer isso. Ninguém tem que ter medo de falar a verdade e ir contra o que está errado nesse país". Ele refuta as acusações de sonegação. "Minha empresa não depende de Governo ou de empréstimo para Governo para vender. Nos anos do PT, se compramos alguma coisa pelo BNDES, foram máquinas e equipamentos financiados pelo Finame [Agência Especial de Financiamento Industrial]. Quem recebe é a empresa de quem compro o equipamento, não a minha pessoa."

DISPUTAS LEGAIS
As controvérsias envolvendo Luciano Hang não se restringem ao seu ativismo político. Segundo o Ministério Público Federal, o problemas com a justiça envolvendo a Havan e seu proprietário começaram em 1999, quando a Procuradoria da República em Blumenau deflagrou uma operação de busca e apreensão na empresa, que resultou na autuação da Havan em 117 milhões de reais pela Receita Federal e 10 milhões pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A autuação foi considerada a maior já realizada pela Receita Federal até então. A empresa recorreu a um financiamento da dívida por meio do REFIS e obteve um prazo, estimado pelo MPF à época, de 115 anos para quitar a multa.

Em outro processo, que correu em segredo de Justiça, o empresário foi condenado a 13 anos, 9 meses e 12 dias de reclusão em regime fechado pelo crime de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Hang e os demais réus recorreram da decisão sucessivas vezes e conseguiram, inclusive, reduzir a pena do empresário para a 5 anos, 8 meses e 1 dia de reclusão em regime semiaberto.

Em 2016, o ministro Rogerio Schietti Cruz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em decisão monocrática afirmou que o prazo prescricional de oito anos que começa a correr após a condenação já havia vencido, de modo a punibilidade estava extinta, ou seja, os réus, mesmo condenados, não teriam mais que cumprir a pena pois o judiciário perdeu os prazos para responder aos recursos da defesa. O caso nunca transitou em julgado e por isso o certificado de antecedentes criminais de Hang permanece limpo. "Deus é o meu advogado, não tenho medo de falar a verdade. O tempo é o senhor da verdade. Quando você é acionado [na Justiça] por coisas inverídicas, no final o tempo mostra que você está certo", diz Havan.